Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25514/13.9T2SNT.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: DECLARAÇÃO DE EXECUTORIEDADE
CONVENÇÃO DE LUGANO
PRAZO DE DEFESA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (art.º663.º n.º 7 do CPC)
I – Nos termos da Nova Convenção de Lugano, ou Lugano II, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a declaração de executoriedade da decisão proferida pelo tribunal de um outro estado vinculado à Convenção será recusada ou revogada se o ato que iniciou a instância ou ato equivalente não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão, embora tivesse possibilidade de o fazer.
II – Tendo sido certificado pelo tribunal que proferiu a decisão exequenda que a apelante foi citada para a ação em que tal sentença foi proferida, cabia à apelante apresentar prova demonstrativa de que tal citação não ocorrera.
III – A Nova Convenção de Lugano não prevê nenhuma cláusula de reciprocidade na aplicação das regras internas de processo civil entre os estados vinculados, nomeadamente no que concerne à fixação dos prazos de defesa, pelo que é irrelevante que o Código de Processo Civil português preveja uma dilação de 30 dias na contagem do prazo da defesa quando o réu seja citado para a causa no estrangeiro e tal dilação não tenha sido concedida pelo tribunal islandês que requereu a citação da ré em Portugal.
IV - A Convenção tão só exige, para que a decisão proferida num estado vinculado seja reconhecida e executada num outro estado vinculado, que o demandado tenha sido citado ou notificado em tempo útil e de modo a ser-lhe permitida a defesa.
V - O prazo concedido à demandada, 30 dias, para responder à ação contra si proposta em tribunal islandês, era suficiente para a demandada transmitir ao tribunal acionado a sua posição face ao litígio, nomeadamente para dar notícia ao tribunal das suas eventuais dificuldades na preparação da sua defesa, não tendo justificação nem merecendo cobertura à luz da Convenção ou de quaisquer razões de “ordem pública processual” a posição de mera inatividade a que a demandada se remeteu.
VI – Será recusada a executoriedade de sentença que tenha como objeto principal a apreciação da validade de inscrições em registos públicos conservados em estado diverso do tribunal que a proferiu.
VII – Não se integra na situação prevista em VI a sentença que se ocupou do pedido de condenação da demandada no pagamento à demandante de quantias devidas em cumprimento de contratos de licenciamento entre a demandante e a demandada, nos termos dos quais a demandante autorizara a demandada a explorar determinados medicamentos, para o efeito fornecendo à demandada os elementos indispensáveis à obtenção das autorizações públicas necessárias à introdução no mercado desses medicamentos, mediante etapas cujo preenchimento teria como contrapartida pagamentos que a demandada faria à demandante.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 22.10.2013 A, com sede na Islândia, requereu na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Juízo de Grande Instância Cível, que fosse declarada a executoriedade da sentença condenatória proferida pelo Tribunal da Comarca de Reykjanes, Islândia, em 09.7.2013, na ação cível em que foi condenada a requerida B, S.A., sociedade de direito português com sede na R. Sebastião e Silva, 56, em …, ao abrigo dos artigos 38.º e seguintes da Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Lugano em 30.10.2007 e publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 21.12.2007.
Juntou certidão da decisão em causa, acompanhada da respetiva tradução, constando ainda da mesma a data da citação da requerida, o trânsito em julgado respetivo e a declaração da sua força executiva.
Em 21.11.2013 o tribunal requerido proferiu decisão declarando a executoriedade, em Portugal, da aludida sentença.
Citada da aludida decisão, dela apelou B, S.A., tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões:
A – A Autora nunca citou ou notificou a Ré do processo judicial que correu os seus termos em país estrangeiro, subscritor da Convenção de Lugano.
B – Por desconhecimento do processo, a Ré não pôde exercer o direito de defesa ou contraditório.
C - O artigo 34.º n.º 2 da Convenção de Lugano determina que as decisões proferidas em Estado vinculado pela convenção não são reconhecidas «se o acto que iniciou a instância ou acto equivalente não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa […]».
D – Em conformidade, com fundamento nesta norma da Convenção de Lugano, a declaração de executoriedade não deveria ter sido proferida pelo tribunal a quo.
E – Quer por total falta de citação da demandada e ora recorrente, quer por violação da Convenção Internacional invocada para solicitar a declaração de executoriedade, na medida em que não se pode considerar que, mesmo que tivesse havido citação, no que não se concede, não foi concedido à aqui recorrente prazo razoável para apresentação de defesa.
F – Está ainda em causa a violação das disposições correspondentes ao artigo 35º e secção 6 da Convenção de Lugano relativas à competência internacional e ainda a violação das regras de competência exclusiva dos tribunais portugueses, concretamente o artigo 65º-A do CPC, sob a epígrafe “Competência Exclusiva dos tribunais portugueses” que estabelece, na sua alínea d) que os tribunais portugueses têm competência exclusiva para “As acções que tenham como objeto principal a apreciação da validade da inscrição em registos públicos de quaisquer direitos sujeitos a registo em Portugal”.
A apelante terminou pedindo que a declaração de executoriedade e o reconhecimento de sentença condenatória pelo tribunal a quo fossem revogados.
A apelada contra-alegou, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:
A. A Recorrente foi regularmente citada, na pessoa do seu administrador e legal representante, tendo-lhe sido entregue cópia do formulário e anexos, entre os quais a tradução para língua portuguesa do pedido formulado pela Recorrida e respectivos fundamentos, identificando-se os contratos celebrados e as facturas não pagas.
B. Ainda a admitir-se que os documentos se encontrassem ininteligíveis e incompletos, impunha-se à Recorrente que tivesse diligenciado, mediante requerimento ao Tribunal Islandês, que providenciasse uma nova tradução, alegando a suposta ininteligibilidade e incompletude dos documentos que lhe haviam sido entregues e, só em caso de recusa deste, se verificaria a nulidade da citação.
C. A própria Recorrente admite resultar dos documentos recebidos – que, noutro momento, alega serem ininteligíveis, que tinha 30 dias para apresentar contestação, devendo apresentar-se em 12 de Junho de 2013 para a realização da audiência de julgamento.
D. A Recorrente não foi sequer a destinatária da comunicação da Direcção Geral da Administração da Justiça sobre a sua “não citação”, comunicação essa subsequentemente corrigida.
E. A Recorrente dispunha do prazo de 30 dias para preparar a sua contestação, sendo certo que, desde, pelo menos, 29 de Fevereiro de 2012, a Recorrente tinha conhecimento da intenção da Recorrida de recorrer à via judiciai para receber os montantes em dívida resultantes dos contratos celebrados, aos quais era aplicável a lei islandesa nos termos das respectivas cláusulas.
F. Nos termos do art. 34.º, n.º 2 da Convenção de Lugano, a invocada falta de prazo útil para a defesa só obsta à declaração de executoriedade quando o requerido tenha interposto recurso ou demonstre a impossibilidade de o fazer, o que a Recorrente não faz.
G. E não colhe, igualmente, o argumento da competência exclusiva dos tribunais portugueses invocado pela Recorrente. Com efeito, a Recorrente celebrou com a Não foi, pois, objecto da acção proposta na Islândia a apreciação da validade de qualquer acto de registo público em Portugal, mas apenas o incumprimento das obrigações de pagamento que sobre a Recorrente impendiam por virtude dos contratos celebrados com a Recorrida [transcreveu-se as conclusões tal como constam, verificando-se, pois, erro no 2.º período desta conclusão].
A apelada terminou pedindo que o recurso fosse julgado totalmente improcedente, confirmando-se a decisão de executoriedade da sentença proferida pelo Tribunal de Reykjanes.
O recurso foi admitido, com subida imediata para esta Relação, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões suscitadas nesta apelação são as seguintes: se a apelante não foi citada para a ação onde foi proferida a sentença alvo da declaração de executoriedade ou se não foi concedido à ora apelante prazo bastante para a sua defesa, na aludida ação; se os tribunais portugueses eram os exclusivamente competentes para julgar o litígio objeto da aludida ação.
Primeira questão (citação da apelante)
Dos autos colhe-se o seguinte
Factualismo
1. A ora apelada propôs, no Tribunal da Comarca de Reykjanes, Islândia, ação declarativa contra a ora apelante, pedindo que esta fosse condenada a pagar à requerente o valor de € 301 557,00 (trezentos e um mil quinhentos e cinquenta e sete euros) acrescidos de juros de mora à taxa de 7% contados sobre:
a) € 179 557,00 entre 1 de Novembro de 2009 a 29 de Agosto de 2010;
b) € 223 557,00 entre 30 de Agosto e de 2010 e 20 de Janeiro de 2013;
c) € 301 557,00 desde 21 de Janeiro de 2013 e até integral pagamento (documentos fls 6 a 18).
2. Em 08.5.2013 o Tribunal da Comarca da Grande Lisboa – Noroeste citou a ora apelante para os termos da referida ação, na pessoa do seu administrador, C, a quem entregou cópia do pedido apresentado pela ora apelada no supra referido tribunal islandês e sua tradução para português e bem assim a indicação de que tinha um mês para responder à intimação e ainda de que deveria comparecer no aludido tribunal no dia 12 de junho de 2013, pelas 09 horas da manhã, a fim de se realizar o julgamento, podendo apresentar então as suas provas, com a cominação, caso não comparecesse, de poder ser julgada à revelia (cfr. documentos fls 63 v.º a 76).
3. Em 22.5.2013 o aludido C apresentou no Tribunal da Comarca da Grande Lisboa – Noroeste a exposição cuja cópia consta a fls 77, declarando que não se considerava notificado ou citado em nome da ora apelante porque não estava mandatado nem tinha poderes de representação daquela, devendo ainda a notificação/citação ser considerada nula e de nenhum efeito por omissão de formalidades legais essenciais no cumprimento da carta rogatória e/ou ainda conhecer-se da falta de citação por erro na identidade do citado nos termos da alínea b) do artigo 195.º do CPC.
4. Em consequência do exposto em 3, de que a Direcção-Geral da Administração da Justiça tomou conhecimento em 27.5.2013 (documento a fls 77), em 04.6.2013 aquela Direcção-Geral remeteu às autoridades islandesas a comunicação cuja cópia consta a fls 55, informando que a solicitação de citação não deveria ser considerada cumprida, pois a pessoa a quem os documentos haviam sido entregues não era a representante legal da demandada.
5. Em aditamento à comunicação referida em 4, em 07.6.2013 a Direcção-Geral da Administração da Justiça enviou às autoridades islandesas comunicação dando o parecer de que caberia à autoridade competente da Islândia decidir acerca da questão suscitada pela demandada (fls 81 verso dos autos).
6. A ora apelada não compareceu à aludida audiência designada para 12.6.2013, no Tribunal da Comarca de Reykjanes.
7. O tribunal islandês considerou a ora apelada citada para a ação em 08.5.2013, o que fez constar na certidão emitida ao abrigo do art.º 54.º da Convenção de Lugano (fls 20 e 21).
8. Em 09.7.2013 o tribunal islandês condenou a ora apelada no pagamento das quantias peticionadas, acrescidas de custas no valor de 255 000 coroas islandesas.
9. A executoriedade da decisão referida em 8 foi declarada e certificada pelo referido tribunal islandês, nos termos da certidão emitida ao abrigo do art.º 54.º da Convenção de Lugano (fls 20 e 21).
O Direito
Tanto Portugal como a Islândia se regem pela Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Lugano em 30.10.2007 e publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 21.12.2007 (também conhecida como Nova Convenção de Lugano ou Lugano II), o nosso país em virtude de ser membro da União Europeia, que a subscreveu, e a Islândia por ser um dos estados, não membros da União Europeia, que também a ela aderiu.
Nos termos da Convenção as decisões proferidas num estado a ela vinculado e que aí tenham força executiva (e que incidam sobre matéria abarcada pela Convenção) podem ser executadas noutro estado vinculado pela Convenção, depois de neste terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada (art.º 38.º n.º 1 da Convenção).
O requerimento deve ser apresentado ao tribunal competente indicado na lista do anexo II da Convenção (art.º 39.º n.º 1), no caso de Portugal o tribunal de comarca da área onde a entidade a executar tenha o seu domicílio ou onde será promovida a execução (n.º 2 do art.º 38.º).
Tal requerimento deve ser acompanhado de cópia da decisão a executar e de certidão onde, nomeadamente, conste a identificação das partes, a data da citação ou notificação do ato que determinou o início da instância, no caso de a decisão ter sido proferida à revelia, o texto da decisão a executar e a declaração de que a decisão é executória no estado onde foi proferida a decisão (artigos 40.º n.º 3 e 53.º da convenção).
O tribunal requerido deve declarar imediatamente a executoriedade da decisão, se verificar que estão cumpridos os trâmites formais supra referidos, ou seja, que está junta cópia da decisão exequenda e a certidão mencionada (art.º 41.º da Convenção).
Qualquer das partes pode interpor recurso da decisão sobre o pedido de declaração de executoriedade (n.º 1 do art.º 43.º da Convenção), o qual será interposto perante o competente tribunal da relação (n.º 2 do art.º 43.º da Convenção e seu anexo III).
Nos termos expressos do art.º 45.º n.º 1 da Convenção, o tribunal onde for interposto o aludido recurso “apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34.º e 35.º
Ou seja, a declaração de executoriedade só será revogada se:
a) o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do estado requerido (n.º 1 do art.º 34.º);
b) Se o ato que iniciou a instância ou ato equivalente não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão, embora tivesse possibilidade de o fazer (n.º 2 do art.º 34.º);
c) Se for inconciliável com decisões proferidas no estado requerido ou noutros estados entre as mesmas partes, nas circunstâncias referidas nos n.ºs 3 e 4 do art.º 34.º;
d) Se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções 3, 4 e 6 do título II (ou seja, a decisão a executar tiver sido proferida por tribunal incompetente quanto à nacionalidade, no que concerne a litígio em matéria de seguros, em matéria de contratos celebrados por consumidores ou em matérias em que vigore a exclusividade de competência).
O apelante alegou que se verificava o fundamento de revogação da declaração de executoriedade ora supra indicado sob a alínea b), ou seja, não foi citado, ou não lhe foi concedido tempo útil para a sua defesa.
Vejamos.
Contrariamente ao alegado pela apelante, foi certificado pelo tribunal islandês que a apelante foi citada para a ação em que foi proferida a sentença exequenda. Face a isto, cabia à apelante apresentar prova demonstrativa de que tal citação não ocorrera. Ora, a única prova ensaiada pela apelante foi a apresentação de cópia da supra mencionada comunicação da Direcção-Geral da Administração da Justiça, mencionada sob o n.º 4 da matéria de facto. Ora, tal comunicação não comprova os vícios que a apelante invocou para fundamentar a alegação de falta de citação, que foram a omissão e ininteligibilidade dos elementos que lhe haviam sido entregues no ato da citação. Com efeito, do que nessa comunicação da Direcção-Geral se trata é de uma eventual incorreção na identidade da pessoa citada, que alegadamente não seria a representante legal da demandada. Incorreção essa que não foi ora invocada pela apelante e que não está comprovada nestes autos.
Assim, a apelante foi citada para a dita ação. Porém, a apelante invoca ainda que o prazo que lhe foi concedido para apresentar a sua defesa, de 30 dias, com julgamento marcado para 34 dias depois da sua citação, era insuficiente para lhe permitir a sua defesa, pelo que, por razão de “ordem pública processual” e aplicação do disposto no art.º 34.º n.º 2 da Convenção de Lugano, a referida decisão não poderia ser reconhecida pelo Estado Português.
Vejamos.
Tal como a apelante alega, o Código de Processo Civil português prevê uma dilação de 30 dias na contagem do prazo da defesa quando o réu seja citado para a causa no estrangeiro (n.º 3 do art.º 245.º do CPC). Porém, a Nova Convenção de Lugano não prevê nenhuma cláusula de reciprocidade na aplicação das regras internas de processo civil entre os estados vinculados, nomeadamente no que concerne à fixação dos prazos de defesa. A Convenção tão só exige, para que a decisão proferida num estado vinculado seja reconhecida e executada num outro estado vinculado, que o demandado tenha sido citado ou notificado em tempo útil e de modo a ser-lhe permitida a defesa.
Ora, afigura-se-nos que o prazo concedido à demandada, 30 dias, era suficiente para a demandada transmitir ao tribunal acionado a sua posição face ao litígio, sendo certo que a demandada poderia, se fosse o caso, dar notícia ao tribunal das suas eventuais dificuldades na preparação da sua defesa. A posição de mera inatividade a que a demandada se remeteu é que, cremos, não tem justificação, não merecendo cobertura à luz da Convenção ou de quaisquer razões de “ordem pública processual”.
Falece, pois, este fundamento da apelação.
Segunda questão (competência exclusiva dos tribunais portugueses)
O art.º 22.º da Convenção enumera uma lista de matérias em que os tribunais de um estado têm competência exclusiva para julgar o litígio. Trata-se de questões em que a conexão do litígio com determinado estado é tão relevante que seria contraproducente ser julgado por tribunais de outro estado. Enquanto exceção às regras gerais de competência da Convenção, o artigo 16.º não deve ser interpretado em termos mais amplos do que os requeridos pelo seu objetivo, dado que tem como consequência privar as partes da liberdade, que de outro modo teriam, de escolha do foro e, em determinados casos, submetê-las a uma jurisdição diversa da do domicílio de qualquer delas (neste sentido, sobre idêntica norma do Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial – art.º 22.º - vide acórdãos do Tribunal de Justiça, de 13.10.2005, C-73/04, Klein, e de 18.5.2006, C-343/04, Cez).
Por outro lado, em princípio a referida exclusividade da competência só respeita a ações que tenham aquelas matérias como seu objeto principal (neste sentido, sobre norma idêntica da Convenção de Bruxelas de 1968 – art.º 16.º -, vide “Relatório sobre a Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial”, de P. Jenard, in Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 28. 7. 90, N.º C 189, pág. 152).
Nesse grupo de casos especiais contam-se, nos termos do n.º 2 do art.º 22.º da Convenção, ações “em matéria de validade de inscrições em registos públicos”, situação em que a competência é exclusiva dos “tribunais do Estado vinculado pela presente convenção em cujo território esses registos estejam conservados.”
Trata-se, como se diz no Relatório P. Jenard, supra citado, de uma norma que corresponde ao já previsto no direito interno da maioria dos Estados contraentes. Respeita especialmente a registos prediais e comerciais (JO citado, pág. 154).
No direito português, tal norma corresponde ao previsto na alínea c) do art.º 63.º do CPC:
Os tribunais portugueses são exclusivamente competentes:
(…)
c) Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal;
(…)”.
Ora, a decisão cuja execução se pretende no caso destes autos não tem por objeto a apreciação da validade de qualquer registo público. Conforme decorre da tradução constante a fls 12 a 17, a causa de pedir é, na aludida ação, a celebração de contratos de licenciamento entre a demandante e a demandada, nos termos dos quais a demandante terá autorizado a demandada a explorar determinados medicamentos, para o efeito fornecendo à demandada os elementos indispensáveis à obtenção das autorizações públicas necessárias à introdução no mercado desses medicamentos, mediante etapas cujo preenchimento teria como contrapartida pagamentos que a demandada faria à demandante. Segundo a demandante essas etapas foram percorridas e, porém, a demandada não pagou à demandante o que fora contratado, apesar de ter sido interpelada para o efeito. Daí o pedido formulado.
Face ao exposto, a apelação também improcede nesta parte.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo da apelante.

Lisboa, 27.3.2014

Jorge Manuel Leitão Leal

Ondina Carmo Alves

Eduardo José Oliveira Azevedo