Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2895/09.3TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
OUTSOURCING
FRAUDE À LEI
CONTRATO DE TRABALHO
CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADORES
REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: As expressões de cariz misto, desde que não respondam e/ou esgotem, em si e só por si, o objeto da ação que às mesmas respeita, na sua perspetiva jurídica (não redundem, no fundo, na conclusão de direito, que o julgador deve retirar do conjunto dos factos e dos documentos que os complementam), podem ser encaradas, no quadro dos Factos Assentes ou dos Artigos da Base Instrutória, no seu alcance vulgar ou comum e não na sua perspetiva jurídica, o que permite o seu aproveitamento processual.
II – A Ré, ao intermediar com a BB, LDA e depois com a CC, LDA, a sua relação jurídico-profissional com o Autor, como maneira de usufruir da sua força de trabalho sem os inerentes deveres da relação de trabalho subordinada que daí decorriam, utilizou a autonomia jurídica e a intermediação formal das referidas pessoas coletivas como um expediente fraudulento (como uma “máscara”, como lhe chama a sentença impugnada) para contornar tais obrigações de índole laboral, que não pretendia assumir.  
III – Estamos face a um contrato de trabalho, atenta a existência de subordinação jurídica, traduzida em poderes de enquadramento, orientação, direção, supervisão e fiscalização (concretos, objetivos e continuados) por parte da Ré sobre os serviços realizados pelo Autor, relativamente a uma atividade de natureza manual, em locais e com os equipamentos e instrumentos de trabalho da entidade beneficiária de tal atividade, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal certa, que visa pagar aquela atividade (e não o resultado, melhor dizendo, os múltiplos resultados da mesma) e dentro de um determinado quadro temporal configurável como um concreto horário de trabalho que, previamente determinado pela demandada, baliza temporalmente a atividade do recorrido.
IV – Apesar da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, certo é que as referidas empresas foram convocadas pela RTP para desempenhar, em permanência e de forma reiterada e constante, o papel de cedentes (no fundo, no que toca à CC, essa é a sua exclusiva atividade conhecida), ao abrigo de uma relação comercial que se presume lucrativa, sem que tivesse sido obtida a prévia concordância do Autor mediante a celebração do correspondente documento escrito (achando-se quase esgotado o prazo máximo de 5 anos fixado pelo legislador, à data da instauração destes autos) e não possuindo o contrato firmado entre a recorrente e a CC, com produção de efeitos a 1/1/2009 (o único que veio a público) a virtualidade de poder ser qualificado como um negócio jurídico dessa precisa natureza.
V – A ser assim, tal cenário juridicamente irregular confere ao Autor o direito de optar pela integração na empresa cessionária, em regime de contrato de trabalho sem termo resolutivo, tendo tal direito de ser exercido até ao termo da cedência (que não aconteceu até à data da instauração dos autos), mediante comunicação às entidades cedente e cessionária, através de carta registada com aviso de receção, comunicação essa que, no entanto, pode ser substituída pela citação da cessionária no quadro da ação judicial proposta pelo trabalhador contra a mesma.
VI – A regulamentação coletiva é aplicável a uma determinada relação de trabalho por força do princípio da dupla filiação – isto é, quando o empregador e o trabalhador estão inscritos nas associações subscritoras do mesmo –, em virtude da publicação de um Regulamento de Extensão ou ainda nos termos das cláusulas de remissão para tal regulamentação que se mostrem inseridas no respetivo contrato de trabalho.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO

AA, solteiro, contribuinte fiscal n.º (…), residente no Beco (…), n.º (…), 2510-532 Olho Marinho, Óbidos, veio instaurar, em 24/07/2009, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SA, pessoa coletiva n.º 500225680, com sede na Avenida Marechal Gomes da Costa n.º 37, 1849-030 Lisboa, pedindo, em síntese, que seja a Ré condenada a reconhecer o Autor como seu trabalhador subordinado desde Maio de 2004 e a reintegrá-lo nos seus quadros com eletricista, Nível de Desenvolvimento 1B, bem como a declaração de nulidade dos contratos celebrados entre a Ré e as sociedades BB, Lda. e CC, Lda., condenando-se ainda a Ré a pagar a quantia de € 4.991,60 a título de diferenças salariais, a quantia de € 4.362,75 relativa a férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal, a retribuição especial de subsídio de horário irregular, com o acréscimo de 15% da sua retribuição mensal, a quantia de € 10.118,46 respeitante à aplicação da referida taxa sobre as remunerações auferidas desde a data de início do contrato, e nas retribuições vincendas na base do salário mensal de € 1.032,00.
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Para tanto, alega o Autor, em síntese, que:
1) Desde Maio de 2004 que o Autor vem desenvolvendo para a Ré a sua atividade de eletricista;
2) Atentos os concretos moldes em que o vem fazendo, tal configura um verdadeiro contrato de trabalho, situação que a Ré não reconhece;
3) Entretanto, a Ré celebrou, sucessivamente, com duas sociedades, contratos de prestação de serviços, obrigando o Autor a celebrar contratos de trabalho com as mesmas a fim de continuar a exercer a sua atividade, a qual se manteve na prática inalterada.
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Designada data para audiência de partes (despacho de fls. 714), que se realizou, nos termos do artigo 54.º do Código do Processo do Trabalho, com a presença das partes (fls. 725), tendo a Ré sido citada pessoalmente para o efeito, através de carta registada com Aviso de Receção (fls. 715 e 718) – não foi possível a conciliação entre as mesmas.
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A Ré apresentou, a fls. 726 e seguintes, contestação, concluindo pela improcedência total da ação e alegando sumariamente que:
1) Nunca existiu qualquer contrato de trabalho com o Autor;
2) O Autor apresentava-se a trabalhar, inicialmente, de forma esporádica e para serviços concretamente determinada e, mas tarde, por conta das referidas empresas;
3) Os contratos de prestação de serviços celebrados entre a Ré e as aludidas sociedades são perfeitamente válidos.
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Foi proferido despacho saneador, onde foi considerada válida e regular a instância e as partes convidadas a apresentar projetos de seleção de factos assentes e controvertidos (fls. 790).
Tendo sido marcada data para a realização de Audiência Preliminar (despacho de fls. 816), procedeu-se à mesma, conforme ressalta de fls. 846 e seguintes, tendo aí se procedido à selecção da matéria de facto assente e à elaboração da base instrutória (120 artigos), sendo desde logo admitidos os requerimentos de prova das partes de fls. 71 e 746, deferida a gravação da prova a produzir em sede de audiência de discussão e julgamento e designadas datas para a sua concretização, que vieram depois a ser antecipadas por despacho de fls. 867.
Procedeu-se à realização de Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respectiva acta (fls. 902 a 905 e 906 a 909), tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio.
O Autor desistiu, em Ata de Audiência de Julgamento, dos pedidos formulados sob as alíneas c) e d) do seu petitório inicial[1], tendo tal desistência sido homologada por despacho proferido nessa mesma Ata (fls. 908), que, por não ter sido objeto de recurso, já transitou em julgado.   
A matéria de facto controvertida foi objeto da Decisão constante de fls. 913 a 919, que não foi alvo de reclamação pela Ré, única parte presente à sua leitura (fls. 920 e 921).
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Foi então proferida a fls. 922 a 945 e com data de 06/08/2012, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
“Face ao exposto, julgamos a presente ação parcialmente procedente, por provada em parte, e em consequência:
a) Declaramos estar o Autor vinculado à Ré, desde Novembro de 2004, através de um contrato de trabalho, como eletricista;
b) Condenamos a Ré a integrar o Autor nos seus quadros, no nível remuneratório que, de acordo com a contratação coletiva aplicável, lhe é devido;
c) Mais condenamos a Ré a pagar ao Autor todas as diferenças retributivas e demais atribuições remuneratórias decorrentes da contratação coletiva aplicável, vencidas desde Novembro de 2004 e vincendas, até efetiva integração do Autor, cuja liquidação se relega para execução de sentença, absolvendo a Ré do demais peticionado.
Custas por Autor e Ré, na proporção do respetivo decaimento – artigo 446.º do Código de Processo Civil.
Fixamos em € 19.472,81 o valor da causa.
Registe e notifique.”
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A Ré, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 951 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 1000 e 1006 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, face à caução oportunamente prestada pela RTP,SA (fls. 1003).
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A Apelante RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SA apresentou, a fls. 953 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
*
O Autor apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da respetiva notificação, não tendo, contudo, formulado conclusões, limitando-se a pugnar pela manutenção da sentença recorrida (fls. 998).
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O relator do presente recurso de Apelação, por entender que o litígio dos autos poderia ainda ser percecionado numa outra perspetiva jurídica (cedência ocasional de trabalhadores), convidou o Ministério Público e as partes a pronunciarem-se sobre tal problemática, no prazo de 10 dias.
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O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 1014 a 1019).
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O Autor pronunciou-se, dentro do prazo legal, nos termos de fls. 1030 a 1032 e a Ré nos moldes constantes de fls. 1049 a 1054.
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Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS

Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância:

Factos não provados ou que mereceram respostas restritivas ou explicativas por parte do tribunal da 1.ª Instância:
(…)
*
III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 24/07/2009, ou seja, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor da reforma ensaiada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, que só se aplicou aos processos instaurados a partir de 01/1/2008, data do começo da sua vigência (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal), bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas excepções que não tem relevância na economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal), mas este último regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância tem na economia deste processo judicial.        
Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do anterior Código do Processo do Trabalho e, essencialmente, da reforma do processo civil de 2007 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais - aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011 e Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março -, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.  
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2003 e correspondente Regulamentação, bem como do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, os regimes decorrentes desses diplomas que irão aqui ser chamados à colação, em função da factualidade analisada.  

B – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(…)
Vem a Apelante interpor recurso da decisão da Matéria de Facto, com referência a um conjunto de factos dados como provados sob os Pontos 20, 22, 28, 30, 32 e 36 pelo tribunal da 1.ª instância, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º, número 3, 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 685.º-B do Código de Processo Civil, importando, nessa medida, ter presente o seu número 1, alíneas a) e b), quando estatui que “1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, dizendo por seu turno o seu número 2 que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”, ao passo que o artigo 712.º, números 1, alíneas a) e b) e 2 do Código de Processo Civil determina a este propósito e na parte que nos interessa o seguinte:

Artigo 712.º
Modificabilidade da decisão de facto
1 - A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) (…)
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
3 (...)  

É manifesto que a recorrente, nesta matéria, dá cumprimento integral às exigências de natureza material e processual que se mostram elencadas nas normas acabadas de transcrever, nada obstando, portanto, ao conhecimento do recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido.       
Passemos então a abordar as questões de facto suscitadas pela Ré, começando por transcrever a fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto, conforme consta de fls. 916 a 919 e reproduzindo-se depois e para esse efeito, o teor dos pontos de facto que, na perspetiva da Apelante, foram objeto de um incorreto julgamento pelo tribunal da 1.ª instância e que, nessa medida, merecem a sua contestação:
(…)
Os factos que, por terem sido objeto de expressa apreciação positiva (no sentido de terem sido dados como Provados) pelo tribunal da 1.ª instância, merecem a discordância do recorrente são os seguintes:
«20. O horário do Autor era previamente estabelecido e imposto pela Ré.[2]
22. Os horários do Autor são determinados pela Subdireção de Produção Técnica da Ré.[3]
28. O Autor recebe e sempre recebeu, ordens, diretivas e instruções dos Coordenadores dos Programas, dos Diretores de Departamento e dos Chefes Técnicos de Produção, todos ao serviço da Ré.[4]
30. O Autor foi por diversas vezes acreditado como trabalhador da Ré.[5]
32. É a Ré quem determina os dias em que o Autor trabalha.[6]
36. É a Ré quem elabora os horários do Autor.[7]»

C - PONTOS 20, 22 E 28 - MATÉRIA DE DIREITO OU CONCLUSIVA

A Ré, em jeito de conclusões, sustenta o seguinte quanto a esses três Pontos da Factualidade dada como Provada:
(…)
A Ré sustenta nas suas conclusões que, atento a índole jurídica/conclusiva das expressões utilizadas nos Pontos 20,22 e 28, que ela aí identifica, tem tais Pontos de ser considerados como não escritos, por aplicação analógica do disposto na primeira parte do número 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil quando estatui que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”, norma que embora inserida na fase da discussão e julgamento da causa pela 1.ª instância e direcionada, em primeira linha, ao juiz que irá proferir a sentença, tem um carácter de regra geral que se impõe igualmente aos tribunais superiores (cf. quanto ao STJ o disposto no artigo 722.º, número 2 do Código de Processo Civil).
Entendemos que a formulação, nos precisos moldes que deles constam, dos Artigos da Base Instrutória e das correspondentes respostas (tendo ambos dado aso a tais Pontos de Facto), não era inevitável, podendo o juiz do processo ter optado por uma redação dos mesmos que, evitando os escolhos das expressões legais, de cariz conclusivo ou ambíguas/equívocas (“horário[8] e “ordens, diretivas e instruções”, respetivamente, ainda que de utilização comum), mantivesse o sentido e alcance do mesmo.
Afigura-se-nos, com efeito, que em vez de “horário” poderia ter optado por “horas de início e fim da prestação profissional do Autor”, que, no fundo, é o significado vulgar daquela expressão.
No que toca à segunda frase, importa dizer que não é tarefa simples descortinar expressões alternativas às indicadas, que logrem fugir aos problemas enunciados, pois as mesmas sintetizam ou resumem um determinado cenário ou situação, o que inevitavelmente acontecerá com as que visassem substituí-las.   
A Ré defende que só a alegação e prova de cada uma das concretas ordens e diretivas dadas pelas pessoas identificadas no Ponto 28. é que poderia (deveria) ter sido vertida na Factualidade dada como Provada e não as referidas menções jurídicas ou conclusões.
Será, de facto assim, tendo esse conjunto de palavras de ser eliminadas (consideradas como não escritas) do Ponto Factual em questão[9]?
Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora no seu “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, pág. 3977, Nota 2 afirmam, a este respeito, o seguinte: “Há, por outro lado, numerosos termos que podem revestir um duplo sentido: o sentido corrente, envolvendo pura questão de facto; e o sentido jurídico, assumindo já a natureza de verdadeira questão de direito. É o caso, entre outros, dos termos: emprestar, arrendar, pagar, vender, sinal”.
Transcreva-se ainda a este propósito o muito recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/10/2013, processo n.º 1269/11.0TTVNG.P1.S1, em que foi relator: Melo Lima, publicado em www.dgsi.pt (excerto da fundamentação):
«2. A questão de facto suscitada no douto Parecer
Em jeito de questão prévia, a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta questionou a conformidade jusprocessual dos factos 21 e 22 do acervo tido por provado, entendendo deverem ser eliminados: o primeiro, por conter matéria conclusiva; o segundo, por conter matéria de direito.
Com o devido respeito, acolhendo-se o que vem proposto quanto ao segundo (na parte pertinente), entende-se ser de manter a redação do primeiro.
No que a este concerne.
Se é certo que os factos fixados pelo tribunal recorrido não foram objeto de impugnação pelas partes, não resulta menos seguro que não se verifica, in casu, qualquer das situações prevenidas nos itens 2 e 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil (versão conferida pelo DL n.º 303/2007 de 24/08): seja porque não se vê ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, seja porque não se vê fundamento no sentido de que a decisão de facto possa e deva ser ampliada como, finalmente, não se descortinam contradições que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.
Compreende-se, todavia, que a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta colocou a questão a montante, invocando o artigo 646.º do CPC, no segmento «Têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito».
Em causa, se bem se interpreta, o uso das expressões “necessidades” e “poder de direção e de organização da empresa, tendo em vista os objetivos que pretende ver prosseguidos”.
Sem necessidade de particulares lucubrações exegéticas, não se toma com força dogmática o ensinamento de Alberto dos Reis no sentido de que a prova “só pode ter por objeto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é atividade estranha e superior à simples atividade instrutória”.[10]
Acompanha-se, antes, Manuel de Andrade quando, sem deixar de afastar o Direito – dizer, também, juízos de direito – como passível de constituir objeto de prova, não deixava de incluir neste “Tanto os factos do mundo exterior, como os da vida psíquica”, “Tanto os factos reais (….) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes; vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou de conversão de negócios jurídicos, etc.)”, “Tanto os factos nus e crus (….) como os juízos de facto (….)”. [11]
Acompanha-se, de igual modo, Lebre de Freitas quando refere que “na descrição corrente dos factos da vida são utilizados conceitos jurídicos vulgarizados, quer porque o envolvimento jurídico da vida social impregna a linguagem corrente de termos jurídicos, quer porque a própria norma jurídica surge por imposição de relações sociais que lhe preexistem. Por isso, é admissível a utilização pelas partes nos articulados e pelo juiz na decisão de facto, de conceitos jurídicos simples e inequívocos, correntemente utilizados na linguagem vulgar, desde que não incidam sobre o ponto dúbio do litígio.[12]
Sem necessidade de lembrar o assentimento jurisprudencial maioritário relativamente ao uso na fase instrutória e/ou de produção de prova de termos usados quer na linguagem jurídica quer na linguagem comum – ex. g., “emprestar”, “vender”, “prejuízo”, “dar de arrendamento” -, [13] não se duvida que uma testemunha possa pronunciar-se, em sede de produção de prova, em termos de formulação de um juízo de facto, dizer, em termos de formulação de um juízo sem subsunção e/ou subordinação a uma qualquer norma ou critério de direito.
Nesta conformidade, as expressões “necessidades pontuais”, “essas necessidades”, não obrigam, se bem se ajuíza, ao recurso imediato ou mediato a uma qualquer norma de direito.
Uma qualquer testemunha – seja um trabalhador – carece de algum suporte jurídico para formular um juízo de facto sobre, v.g., as (acrescidas) necessidades pontuais num posto dos correios, em época natalícia?
Entende-se que não. Daí a inexistência de motivo para a sua exérese do elenco fáctico tido por provado.
Admite-se, por cautela, solução diversa no que concerne à expressão «no exercício do poder de direção e organização da empresa, tendo em vista os objetivos que pretende ver prosseguidos»
Por cautela: na ideia de que uma tal expressão se, por um lado, não deixa de fazer apelo direto a normas juslaborais, poderia, por outro, contender, ao menos aparentemente, com a solução jurídica a emprestar ao thema decidendum.
O direito aplicável, in casu, é a lei vigente à data da celebração do contrato - 7 de Julho de 2005 -, ou seja o Código de Trabalho de 2003.
A divergência decorrente das soluções adotadas nas 1.ª e 2.ª instâncias reconduz-‑se, no essencial, à questão da existência/inexistência de uma fraude, ou dizer, pegando nos termos da lei, à confirmação/infirmação de uma cláusula acessória estipulada sob o desiderato de iludir as disposições que regulam o contrato sem termo (Artigo 130.º/2): se o 2.º Juízo do T. Trabalho de V. N. de Gaia entendeu que pelo facto de as tarefas cometidas ao Autor não terem sido apenas ou predominantemente as que o trabalhador substituído desempenhava tal não implicava que a contratação a termo não pudesse ser tida por justificada, já o Tribunal da Relação do Porto, sem prejuízo do reconhecimento de que tanto o Autor como o trabalhador substituído “exerciam tarefas semelhantes”, viria a entender que “se o Autor não trabalhou por regra no giro afeto ao trabalhador substituído”, nem “executou as tarefas que este executava”, então “o motivo invocado para a celebração do contrato a termo é falso”.
Acontece que, quer na fundamentação daquela primeira decisão, quer na fundamentação da segunda,[14] está latente e sob apreciação o poder de direção que compete ao empregador.
Poder de direção a que se reportava o artigo 150.º nos seguintes termos: “Compete ao empregador, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho”.
Esta delimitação normativa e contratual poder-se-á dizer posta em causa quando se questiona exatamente ora a correlata conformidade do exercício daquele poder direcional ora o uso de expediente fraudulento.
É, então, na atenção a estes pontos de apreciação, que se acolhe a crítica formulada pela Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, alterando-se a redação do ponto 22 do elenco fáctico comprovado, reduzindo-o aos seguintes termos: «Tendo a Ré necessidade de fazer face a essas necessidades, alocou diversos trabalhadores, quer em regime de trabalho suplementar, quer de deslocações temporárias, nesses CDP» [15]
Chegados aqui e depois de cruzarmos a doutrina e jurisprudência acima expressas com as objeções levantadas pela Ré relativamente ao teor dos Pontos 20, 22 e 28, que dizer?
A existência de expressões que possuem uma dupla natureza ou significado (jurídica ou factual) é inevitável e não pode ser encarada de uma forma taxativa e absoluta mas em termos relativos e conexos com a essência do litígio judicial, conforme o mesmo se acha delineado pelas partes (quer de facto como de direito).
Nesse sentido, não «contende (…) com a solução jurídica a emprestar ao thema decidendum», a circunstância de se dar como assente que um determinado Autor desenvolveu uma determinada atividade profissional sob as ordens, direção e fiscalização de uma dada Ré, contra o recebimento de retribuição, desde que não exista divergência entre as partes quanto a tal problemática, já não sendo possível fazê-lo, por possuir natureza conclusiva e jurídica, quando tal divergência radique (pelo menos, parcialmente) o conflito que divide as partes.       
Logo, tais expressões de cariz misto, desde que não respondam e/ou esgotem, em si e só por si, o objeto da ação que às mesmas respeita, na sua perspetiva jurídica (não redundem, no fundo, na conclusão de direito, que o julgador deve retirar do conjunto dos factos e dos documentos que os complementam), podem ser encaradas, no quadro dos Factos Assentes ou dos Artigos da Base Instrutória, no seu alcance vulgar ou comum e não na sua perspetiva jurídica, o que permite o seu aproveitamento processual.
Ora, tendo tal enquadramento como pano de fundo, afigura-se-nos que a menção “horário”, usada nos Pontos de Facto n.ºs 20 e 22 (e também 36), pode e deve ser interpretada no sentido que acima já deixámos decomposto, nada havendo a censurar, nessa medida, à sua inclusão nesses Pontos, em termos fácticos.    
E no que toca à referida expressão complexa “ordens, diretivas e instruções”?
Afigura-se-nos que a alternativa sugerida pela Ré - alegação de diversas ordens, diretivas e instruções em concreto, localizadas no modo, tempo e espaço - também suscita perplexidades e dúvidas que não são fáceis de resolver e ultrapassar, pois não só seria difícil ao Autor fazer com exatidão tal localização temporal e espacial (a não ser em situações excecionais ou bizarras, que lhe ficaram nitidamente na memória) como ficaria por saber quantos atos dessa índole teriam de ser articulados e demonstrados ao longo do período em que durou a situação profissional exposta (um por semana ou mais, em toda e cada uma das semanas que integraram aquela temporada?) E, já agora, que tipo de atos é que, inequivocamente, revelariam o carácter laboral da prestação desenvolvida?
No fundo, o que se visou saber com o artigo da Base Instrutória em questão era se o Autor, quando estava a desenvolver a sua atividade de eletricista no quadro das emissões ou programas da RTP era orientado por trabalhadores desta última empresa, o que a prova testemunhal inequivocamente demonstrou.
Tal facto significa, em si e só por si, que o Apelado era dirigido e fiscalizado pela Ré, num quadro de subordinação jurídica, nos termos e para os efeitos dos artigos 1152.º do Código Civil e 10.º e 12.º do Código do Trabalho de 2003?
A resposta tem de ser negativa, bastando pensar num profissional liberal que contratámos para fazer uma obra em nosso casa e nas “ordens, diretivas e instruções” que necessariamente lhe teremos de dar (pense-se, por exemplo e entre outras, no número e onde queremos as tomadas e pontos de luz ou as torneiras da cozinha ou casa de banho), sem prejuízo da autonomia técnica que o mesmo possuirá, durante a execução das mesmas e no quadro dos trabalhos por nós pretendidos, sem que, com tais atuações, nos tornemos entidades empregadoras desse eletricista ou canalizador.                 
Muito embora não ignoremos o teor de artigos como o 1152.º do Código Civil e 10.º do Código do Trabalho de 2003 ou a epígrafe do artigo 150.º deste último diploma legal, que utilizam a expressão “direção”, da qual se acha próxima a palavra “diretiva”, afigura-se-nos que esta última não se pode confundir ou reconduzir a tal poder de direção da Ré, para efeitos de qualificação direta e imediata do vínculo funcional estabelecido com o Autor como sendo de natureza laboral, mas antes a uma cenário fáctico complexo e decomposto em diversas dezenas de quesitos e aspetos do referido ambiente e relacionamento profissional, que só na sua conjugação e globalidade, permitirão ao julgador a formação de um juízo seguro sobre a natureza da relação em questão.
Logo, com o enquadramento que deixámos exposto, aceita-se que os Pontos 20, 22 e 28 acima transcritos tenham a relevância fáctica que o tribunal recorrido lhe conferiu.      

D - PONTOS 20, 22 E 28 - CONTRADIÇÃO COM OS PONTOS 57, 58, 60, 61, 62 E 63
(…)

F - PONTO 30 - PROVA PRODUZIDA
(…)

G - PONTO 32 - PROVA PRODUZIDA
(…)
H - PONTO 36 - PROVA PRODUZIDA
(…)


I – PONTO DA SITUAÇÃO

A Ré foi a única recorrente da sentença da 1.ª instância, o que implica que tudo o que nela foi desfavorável ao Autor, por falta de oportuna reação por parte deste último, se mostra decidido em termos definitivos, em virtude do caso julgado material que relativamente a tais questões entretanto se formou.
Ora, a ser assim, como nos parece manifesto, está ultrapassada a problemática respeitante à natureza do vínculo jurídico-profissional estabelecido diretamente entre a Apelante e o Apelado entre Maio e Outubro de 2004 (mais rigorosamente, 14 de Novembro), dado o tribunal recorrido ter decidido que os factos dados como assentes não eram de molde a consubstanciar um contrato de trabalho.
Tal implica que as pretensões relativas à retribuição das férias pelo trabalho desempenhado entre Maio e 14 de Novembro de 2004 (em rigor, à violação do direito ao seu gozo, pois é assim que o Autor formula o seu pedido nessa matéria, atribuindo-lhe o valor de € 2.617,65) e inerentes subsídios de férias e de Natal (no montante total de € 1.745,10), na proporção do referido período, assim como as diferenças salariais reclamadas a propósito do mesmo, também referente a esse ano, caíram, igualmente, pela base.        
Os pedidos identificados sob as alíneas c) e d) do petitório final do seu articulado inicial foram objeto de desistência já homologada por decisão igualmente transitada em julgado.                
Os demais pedidos deduzidos e que, retirada essa fatia respeitante ao período de Maio a 14 de Novembro de 2004, se mantiveram de pé foram relegados para incidente de liquidação, nos termos dos artigos 661.º, n.º 2 e 378.º e seguintes do Código de Processo Civil.   

J – OBJETO DO RECURSO

Feito tal ponto da situação dos autos e depois de lermos as extensas alegações e conclusões de recurso delas extraídas, verificamos que a Ré impugna a decisão final na parte em que caracterizou a relação jurídico-profissional firmada entre ela e o Autor como de contrato de trabalho, apesar de o mesmo estar formalmente vinculado a empresas terceiras por um vínculo dessa natureza (com a BB, numa primeira fase - Novembro de 2004 a Setembro de 2005, inclusive - e depois com a CC, a partir de 1/10/2005).    

K – CONTRATOS COM A BB E A CC

Se atentarmos nos factos dados como assentes e nos documentos que os suportam[16], descortinamos a seguinte factualidade que respeita, de uma forma direta ou indireta, às (alegadas) entidades empregadoras do Autor:
1. O Autor é eletricista, instalando, conservando e reparando os circuitos elétricos e outra aparelhagem ou equipamento elétrico e eletrónico associado.
11. O Autor celebrou com a empresa “BB, LDA” um contrato de trabalho, em Novembro de 2004.
12. E em Outubro de 2005, o Autor celebrou com a “BB, LDA” e com a empresa “CC, LDA”, um acordo de cessão da posição contratual.
13. A sociedade “CC.”, é uma sociedade comercial unipessoal por quotas, titular do cartão de pessoa coletiva n.º (…), com sede na Estrada (…), Parque Industrial, (…), Cabra Figa, Sintra, cujo sector de atividade é a consultoria e relações públicas (7392), tendo como única sócia a sociedade “BB” e como gerentes DD e EE.
14. A BB, Lda.” é titular do cartão de pessoa coletiva n.º 503.805.270, com sede na Quinta (…), Edifício (…), Amadora, cujo sector de atividade é o grossista de equipamentos eletrónicos e acessórios (5065), tendo como sócios gerentes os mesmos gerentes da “CC”, isto é DD e EE.
15. No exercício da atividade descrita em 1., o Autor executa operações de montagem, conservação e reparação das instalações elétricas, através da análise de esquemas, desenhos e especificações técnicas das instalações, circuitos e equipamentos, procedendo, de igual modo, ao diagnóstico de avarias e deficiências e sua reparação, sendo especializado em iluminação de programas e cenários.
25. Constam dos recibos de vencimento do Autor a categoria profissional de “Técnico de Eletrónica”.
26. A “BB, LDA” é fornecedora de equipamento eletrónico da Ré, e a CC” tem como principal funcionário FF, antigo trabalhador da Ré.
27. Apesar dos factos referidos em 11. e 12., o Autor continuou a desempenhar na Ré as mesmas funções que vinha desempenhando desde Maio de 2004.
37. A CC, LDA não possui quaisquer meios técnicos e humanos.
38. Limitando a sua atividade à cedência de mão-de-obra.
67. Por razões de eficiência e de racionalidade de gestão, a Ré foi deixando de contratar, isoladamente, prestadores de serviços e passou a recorrer a empresas externas (tais como a CC e a DD).
68. Esta decisão de gestão levou a que a Ré deixasse de recorrer diretamente ao Autor para lhe prestar os serviços supra descritos.
69. A Ré sugeriu alguns eletricistas, entre os quais o Autor, à BB para eventual recrutamento.
70. Nos termos da contratação celebrada entre a Ré e a CC, ficou estabelecido que aquela empresa ficaria obrigada a prestar serviços diversos à Ré na área da produção (tarefas essas que incluíam, nomeadamente, eletricidade em estúdio, operação de áudio, assistência às operações, captação de imagem) durante um determinado número de horas mensais.
71. Serviços esses que seriam pagos a um determinado valor/hora acordado e que variava consoante o tipo de serviço em causa (por exemplo, serviços de eletricidade tinham um valor/hora superior aos de captação de imagem).
72. O que ficou acordado com a CC abrange vários serviços no âmbito da produção, é a realização de determinados serviços, durante determinados períodos mensais abrange vários serviços no âmbito da produção, conforme Doc. n.º 2 junto com a contestação, para cujo conteúdo se remete.
73. Competia à CC a indicação dos concretos colaboradores afetos à execução de tal contrato.
74. A Ré tem a possibilidade de solicitar à CC a substituição dos colaboradores que não demonstrem aptidão suficiente para o desempenho dos serviços contratados.
75. A CC envia à Ré uma listagem (atualizada) dos seus trabalhadores que, podem ser chamados a colaborar na execução do contrato de prestação de serviços celebrado com a Ré.
76. De forma a que esta providencie no sentido de fornecer estes elementos ao pessoal da portaria assegurando a autorização para a entrada destas pessoas nas suas instalações.
77. É a CC que procede ao pagamento da retribuição do Autor.
78. E efetua a marcação das suas férias.
79. FF era o funcionário da BB e, depois, da CC que contactava a Ré, onde se deslocava regularmente, acompanhando a execução do contrato de prestação de serviços celebrado entre as empresas.
80. Era a BB e agora a CC que, em face de férias ou ausências por outro motivo, designava outro colaborador para o efeito.
81. A BB e agora a CC escolhiam as pessoas para executar os serviços contratados.
82. A Ré comunica previamente à CC os serviços que pretende que sejam executados – bem como os respetivos períodos de tempo.
83. Comunicação essa que é feita numa base (provisória) mensal.
84. Os mapas juntos a fls. 640 a 682 são fornecidos mensalmente pela Ré à CC.
85. E correspondem a previsões mensais de necessidades de serviço e de gestão de recursos humanos.
86. Tais mapas provisórios sofrem diversas alterações.
87. Se um determinado programa em que participam colaboradores da CC se prolonga por um período superior ao previsto, a Ré contacta essa empresa, dando-lhe conhecimento desse facto.
88. O fecho de tarefas serve para identificar os serviços que foram executados e, ao mesmo tempo, para controlar o número de horas prestadas pelos colaboradores das empresas externas, tais como a CC.
89. De forma a verificar a execução do contrato de prestação de serviços.
Fazendo apelo aos documentos juntos aos autos, que possuem relevo para a matéria que aqui estamos a abordar, dir-se-á que só está junto aos mesmos um único «contrato de prestação de serviços” firmado entre a Ré e a CC, com data de 1 de Janeiro de 2009, ignorando-se, nessa medida e em rigor, o tipo e teor dos contratos celebrados desde Outubro de 2005 até essa data (logo, durante mais de 5 anos), entre a RTP e a BB, num primeiro momento, e depois entre a Apelante e a CC, muito embora não seja conveniente esquecer que esta sociedade é unipessoal e tem como único sócia, que a constituiu, a referida BB, sendo comuns a ambas os respetivos gerentes, que também são sócios da segunda.
Esmiuçando um pouco mais as particularidades ou especificidades dessas duas empresas, dir-se-á que a BB, cujo sector de atividade é o de grossista de equipamentos eletrónicos e acessórios, é fornecedora de equipamento eletrónico da Ré, ao passo que a CC tem por sector de atividade a consultoria e relações públicas.
Pouco mais se sabe da BB, muito embora, no que toca à CC, tenha ficado provado que não possui quaisquer meios técnicos e humanos, traduzindo-se a sua atividade na mera cedência de mão-de-obra.
Dir-se-á que foram, pelo menos, demonstradas relações comerciais (de prestação de serviços) entre a RTP e a CC, conforme resulta dos Pontos de Facto 70. a 72., mas salvo o devido respeito por melhor opinião, essa factualidade demonstra, unicamente, que, em termos aparentes (e formais, embora apenas a partir de 1/1/2009), foram firmadas relações dessa índole, que, contudo, na prática diária e material, nunca foram verdadeiramente consubstanciadas e concretizadas em efetivas e reais prestações de serviços, a ser levadas a cabo por intermédio do Autor e dos demais colegas que integravam o quadro de pessoal dessa sociedade unipessoal e que para o efeito se deslocavam às instalações da Ré.
Não será despiciendo, a respeito do alargamento das relações comerciais, a partir de Outubro de 2004, entre a RTP e a BB e das razões que estão na sua génese, invocar o que ficou demonstrado nos Pontos 67. a 69. acima transcritos, que denuncia, de forma mais ou menos óbvia, a intenção da Ré fugir à contratação direta de colaboradores em regime de prestação de serviços (quer o mesmo fosse falso, quer genuíno, sendo certo que o Apelado terá tido um vínculo desse cariz nos primeiros 6 meses do seu relacionamento profissional com a recorrente), pretendendo antes passar a fazê-lo através de um intermediário (em rigor, de uma interposta pessoa, empresa de fachada ou testa de ferro), que assumiria as dores dos contratos de trabalho então celebrados com os referidos colaboradores da Apelante, ao passo que esta ficaria com os benefícios daí decorrentes.
Impõe-se dizer que grande parte dos demais Pontos de Facto que acima deixámos reproduzidos descrevem procedimentos e comunicações de cariz administrativo entre as diversas empresas envolvidas, que, relativamente às referidas atividades de prestação de serviços que pretensamente eram levadas a cabo pela BB e depois pela CC, nada evidenciam de particularmente relevante e substancial, quer em termos práticos como jurídicos, limitando-se a procurar salvar as aparências do cenário montado, dado a RTP ter sempre a última palavra, quer na escolha dos “trabalhadores” que eram fornecidos, sucessivamente, pelas duas referidas empresas, como nos locais, funções, horários e duração do trabalho.     
 No quadro que se tem vindo a analisar, também os aspetos ligados ao pagamento da retribuição ou da marcação de férias possuem a mesma justificação e finalidade, não havendo prova mínima dos demais elementos típicos (quer seja por via presuntiva, nos termos do art.º 12.º do Código do Trabalho de 2003, na sua redação original, quer por via meramente indiciária).
Não deixa de ser significativo, no âmbito da problemática que temos entre mãos, que o Autor, apesar das modificações contratuais e de estatuto jurídico-profissional que se verificaram ao longo desses 5 anos, não tenha conhecido quaisquer alterações na forma (e substância) como sempre desempenhou a sua atividade profissional para a RTP.
Refira-se, finalmente, que a Ré não logrou demonstrar que o Autor e os demais “trabalhadores” da BB e depois da CC prestavam serviços para outras empresas que não a RTP, apontando os documentos juntos aos autos - designadamente, as “fichas de trabalho”, os recibos de vencimento e os mapas previsionais mensais - precisamente no sentido oposto.    
Tudo indica, assim, que nos achamos face a uma falsa situação de externalização de serviços, perante um outsourcing forjado e só existente no papel dos contratos (se os houve, antes de 1/1/2009), importando retirar daí as devidas e necessárias consequências jurídicas.                
                   
L - O (FALSO) OUTSOURCING - PERSPETIVA DOUTRINAL E JURISPRUDENCIAL
 
Joana Nunes Vicente[17], acerca das questões jurídicas que têm vindo a ser levantadas em torno dos aparentes contratos de “prestação de serviços” entre empresas que, no fundo, escondem uma mera cedência ilícita (ou fraudulenta) de mão-de-obra, num conveniente mas falso “outsourcing”, afirma o seguinte:
«Aliás, não é apenas a propósito de "falsos" contratos de prestação de serviço que ocultam relações de trabalho subordinado que um enqua­dramento como o sugerido se tem feito sentir em Direito do Trabalho. O problema também conhece importância no que toca a contratos cujo clausulado aponta para a qualificação de um contrato de prestação de serviço, mas cuja "execução" revela, afinal, uma prestação sui generis, a de fornecimento de trabalhadores (ilícita)[18].
Considere-se a hipótese de ter sido celebrado entre duas empresas um contrato designado de "prestação de serviço", através do qual uma das empresas se obriga a realizar para a outra, de acordo com as diretivas gerais fornecidas por esta, uma determinada atividade. Para a realização da atividade em causa, a empresa prestadora deverá recorrer a trabalhadores seus que dependerão dela exclusivamente. Mais tarde veio a apurar-se que todo o desempenho funcional dos trabalhadores se processa à margem de qualquer intervenção da referida entidade prestadora e que é antes con­formada, dirigida e fiscalizada pela entidade beneficiária[19].
Como indícios da desconformidade entre o clausulado e a realidade, releva, à cabeça, o facto de a empresa contratada, por vezes, não possuir estrutura nem verdadeira organização empresarial, tratando-se, afinal, de uma empresa fictícia ou aparente. Noutras hipóteses, relevam indícios atinentes à atividade contratada, como por exemplo, a circunstância de aquela não constituir o cerne da atividade da empresa prestadora, ou tratar-se de uma atividade comum da empresa utilizadora - ou ainda, mais radicalmente, por não haver sequer correspondência entre o tipo de atividade desenvolvida pelos trabalhadores da empresa prestadora e aquela que constitui o objeto social da suposta entidade prestadora. Muitas vezes, repare-se, é a empresa beneficiária que disponibiliza os instrumentos e elementos produtivos necessários - o que aponta para a ausência de um suporte material da atividade contratada. Entre outras circunstâncias apontadas como suscetíveis de intensificar essa desconformidade destaca-se o modo como os trabalhadores estão inseridos na estrutura organizativa da entidade beneficiária. Regista-se, por um lado, o facto de esta última assu­mir a condição de "empregador real", exercendo os poderes de direção e autoridade sobre os trabalhadores em causa - mormente emitindo ordens, fixando horários, autorizando férias - à semelhança do que faz junto de tra­balhadores próprios[20], Em contrapartida, a suposta entidade prestadora mantém, quando muito, a responsabilidade no que toca ao recrutamento do pessoal[21], precede ao pagamento das retribuições[22]  e reserva-se o exercício do poder disciplinar[23].
Perante tal divergência, uma das vias mais percorridas junto dos tri­bunais propende a considerar aquela conformação de facto como o suporte indispensável para qualificar a relação contratual ab initio constituída. Isto é, embora reconhecendo que o que as partes vêm a revelar através das suas condutas está em dessintonia com o que foi acordado, ainda assim, tal releva retractivamente em sede de interpre­tação-qualificação.
Veja-se a perspetiva perfilhada pelo acórdão do STJ de 21-02-2001, no qual se pode ver uma clara preferência pela recondução do problema a uma questão de qualificação. Não resistimos a transcrever uma curta passagem: “(...) se o contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição; na noção dada pelo art.º 1154.º do C. Civil, é bem de ver que não foi um tal contrato que ligou a Ré às indicadas empresas, não sendo levada à prática o estatuído na cláusula 1.ª dos documentos (...)"[24]. E, mais à frente, "O que se desenha, pois, com toda a clareza, como nos parece, é que estamos perante uma cedência de trabalhadores à Ré, que passou a exer­cer sobre eles poderes de direção e autoridade, ao impor-lhes momento a momento a execução de tarefas que entendia convenientes, que fiscalizava, em horário que estabelecia, sem a menor interferência das empresas cedentes, as indicadas Socobe, MPA e Avioneta”.
Existe, pois, uma inversão lógica no modus procedendi dos tribu­nais: porque são conhecidos os riscos de fenómenos simulatórios em áreas como estas - atentas as vantagens que daí advêm para a empresa beneficiária, rectius, dispor de mão-de-obra enquanto lhe convier, sem assumir as obrigações que para ela decorreriam dessa condição - os tri­bunais como que reclamam a primazia da conformação de facto, mesmo que em divergência com o acordo inicial, para qualificar o contrato[25]
Impõe-se citar aqui, para além dos dois Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça a que Dr.ª Joana Nunes Vicente se refere[26], os dois seguintes Arestos do mesmo tribunal, por se revelarem igualmente pertinentes quanto à problemática que aqui e agora nos ocupa:
- Aresto de 10/09/2008, processo n.º 08S1541, relator: Bravo Serra, em www.dgsi.pt (Sumário):
IV - Embora o Decreto-Lei nº 358/89, de 17 de Outubro (com as alterações introduzidas pelas Leis nº 39/96, de 31 de Agosto, e 146/99, de 1 de Setembro) não contenha a noção de cedência ocasional de trabalhadores, tem-se entendido tal figura jurídica como o acordo negocial mediante o qual uma empresa cede a outra, provisoriamente, um trabalhador, mantendo-se, porém, o vínculo jurídico-laboral entre o cedente e o trabalhador.
V - Assim, o trabalhador cedido passa a prestar o seu labor na empresa a que é cedido, muito embora continue a fazer parte dos quadros da empresa cedente, relativamente à qual mantém o seu vínculo, dessa sorte sobre ela repousando os poderes de direção, conformação da relação laboral e de disciplina; já no que se prende com o desenvolvimento da prestação de trabalho na empresa cessionária, os respetivos ordenamento e imposição de condições é levado a efeito pela mesma, sendo a retribuição do trabalhador assegurada pela empresa cedente.
VI - Ao abrigo do referido regime jurídico, a cedência de trabalhadores só é permitida nos apertados termos aí previstos quanto à forma como a admissão se deve processar e os termos do respetivo desenvolvimento.
VII - É ilícita a cedência de trabalhadores a uma empresa se da factualidade apurada resulta que na sequência dessa cedência de trabalhadores de diversas empresas, os quais a estas se encontravam vinculados formalmente por contratos de trabalho, aquela empresa passou a exercer os poderes característicos da entidade empregadora no que tange ao exercício de autoridade, direção, fiscalização e conformação do trabalho.
- Aresto de 14/05/2009, processo n.º 08S2315, relator: Mário Pereira, em www.dgsi.pt (Sumário parcial):
“III - A “cedência ocasional de trabalhadores”, à luz do Decreto-Lei nº 358/89, de 17-10 (LTT), é o negócio através do qual uma empresa cede provisoriamente um ou mais trabalhadores do seu quadro de pessoal próprio a uma outra, colocando-os sob a autoridade e direção da entidade cessionária, mas conservando, no entanto, o vínculo jurídico-laboral que com eles mantém.
IV - Verifica-se, nesta figura, um fracionamento dos poderes do empregador: embora o trabalhador cedido continue a pertencer ao quadro da empresa cedente, a qual mantém a titularidade exclusiva do poder disciplinar, o poder de direção e de conformação da prestação laboral cabe à empresa cessionária e o trabalho prestado desenvolve-se sob a direção desta e demais condições nela existentes.
V - Nos casos em que ocorre o exercício de funções profissionais em instalações de terceiros, sem subordinação jurídica a esses terceiros, em execução de um contrato de prestação de serviço, em qualquer das suas modalidades, as instalações do terceiro mais não são do que um local de prestação do trabalho ao serviço do empregador, não havendo qualquer dissociação das prerrogativas patronais, nem a afetação do trabalhador a um posto de trabalho inserido, orgânica e funcionalmente, na empresa terceira.
VI - O direito de optar pela integração no quadro de pessoal da empresa “cessionária” que o art.º 30.º da LTT consagra, com as inerentes consequências em termos da vinculação contratual do trabalhador a esta empresa, através de um contrato individual de trabalho sem termo, tem, como pressupostos fundamentais, a verificação de uma cedência ocasional de trabalhadores que abranja o pretenso titular do direito e a demonstração da ilicitude de tal cedência.
VII - Se o acervo fáctico torna patente que se não figura no caso uma real situação de prestação de serviço à empresa em cujas instalações o trabalhador exerce as suas funções por banda da empresa que com ele firmou o contrato de trabalho, vindo a primeira empresa (e não a segunda) a exercer perante o trabalhador os poderes característicos do empregador no que tange ao exercício de autoridade, direção, fiscalização e conformação do trabalho, o que se figura é uma cedência de trabalhador.
VIII - Só haveria um efetivo outsourcing - com a inerente satisfação, por uma empresa externa, de necessidades que não se prendem diretamente com o objeto principal da empresa beneficiária, que aquela empresa externa executaria com trabalhadores a si juridicamente subordinados - se ficasse demonstrado que o autor exerceu a sua atividade profissional nos espaços da beneficiária juridicamente subordinado à prestadora de serviços, e envolvido na execução por esta do serviço a que se obrigou perante aquela.
VIII - Não se verificando qualquer das situações em que é afastada a proibição da cedência ocasional de trabalhadores constante do n.º 1 do art.º 26.º da LTT (cfr. n.º 2 desse mesmo artigo) é de reconhecer ao trabalhador cedido o direito de opção a que alude o art.º 30.º da mesma LTT.[27]
    
M - FRAUDE À LEI E LITÍGIO DOS AUTOS

A figura da fraude à lei, que conhece uma expressa menção no art.º 21.º do Código Civil[28] acontece, segundo Ana Prata[29] «Quando, usando a permissão facultada por uma norma, se praticam atos que visam um resultado proibido», ao passo que Pedro Pais de Vasconcelos[30], refere que «a colisão do conteúdo contratual com a lei injuntiva pode ser direta ou indireta. Quando for indireta designa-se fraude à lei.
A fraude à lei torna-se possível sempre que o Legislador, ao redigir o texto legal, intenta impedir um resultado que considera indesejável, ou promover um resultado que considera desejável, através da proibição ou da imposição das condutas tidas como causais desses resultados desejáveis ou indesejáveis. Trata-se de casos em que a prossecução de uma determinada finalidade legal é feita, não diretamente, mas indiretamente através de uma atuação legal sobre as causas ou os comportamentos que se pensa serem causais daqueles objetivos legais. (…)
(…) Dadas as deficiências da legislação, a flutuação das circunstâncias e o engenho humano, é possível por vezes frustrar a intenção legal através da adoção de comportamentos que, não colidindo formalmente com a lei e não sendo, portanto, diretamente ilegais, permitam ao seu autor obter o resultado indesejado pela lei ou evitar o resultado por ela almejado.»               
O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31/10/2013, processo n.º 6683/09.9TVLSB.L1-6, relator: Tomé Ramião, publicado em www.dgsi.pt, escalpeliza tal instituto nos seguintes moldes (Sumário parcial):
1. A fraude à lei pode ser vista de um modo subjetivo ou de um modo objetivo, e tem o mesmo valor negativo da direta violação de lei imperativa.
2. No modo subjetivo, o juízo da fraude não prescinde da imputação ao agente de uma intenção pessoal de modo a defraudar a lei. No modo objetivo, prescinde-se dessa intencionalidade, sendo suficiente, para o juízo da fraude, que a atuação do agente produza o resultado que a lei quer evitar ou evite o resultado que a lei quer produzir.[31]
Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/4/2007, processo n.º 10367/2006-7, relator: Arnaldo Silva, em www.dgsi.pt define a fraude à lei, na seguinte parte da sua fundamentação: 
«Há fraude à lei quando se consegue por via oblíqua o mesmo resultado que a lei que quis impedir ou um resultado praticamente idêntico. São negócios em fraude à lei (in fraudem legis) aqueles que procuram contornar ou circunvir uma proibição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu e proibiu - aqueles que por essa forma pretendem burlar a lei. Os negócios contra legem são diretamente visados pela proibição legal; os negócios em fraude à lei só indiretamente podem considerar-se abrangidos pela proibição da lei. Se vão contra a lei é de modo disfarçado e oblíquo. Os negócios contra legem ofendem por assim dizer a própria letra da lei; os negócios in fraudem legis como que só ofendem o seu espírito. A fraude à lei não será mais do que uma forma oculta de violação da lei. Por isso é-lhe extensível a proibição legal, e a sanção é, em regra, a nulidade[32]
No campo do Direito do Trabalho, a nossa doutrina e jurisprudência interpreta(va) como configuradoras de um caso de fraude à lei as situações previstas, sucessivamente, no art.º 130.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003 e na alínea a) do n.º 1 do art.º 147.º do Código do Trabalho de 2009[33], para além daquelas que são abordadas por Joana Nunes Vicente na obra acima identificada e que respeitam às diversas formas que os empregadores utilizam para fugir à relação de trabalho típica (designadamente, mediante a simulação e a fraude à lei).
Ora, face ao conceito de fraude à lei e às considerações de índole factual e jurídica que deixámos igualmente feitas nos dois Pontos anteriores (K e L), afigura-se-nos que a Ré, ao intermediar com a BB, LDA e depois com a CC, LDA, a sua relação jurídico-profissional com o Autor, como maneira de usufruir da sua força de trabalho sem os inerentes deveres da relação de trabalho subordinada que daí decorriam, utilizou a autonomia jurídica e a intermediação formal das referidas pessoas coletivas como um expediente fraudulento (como uma “máscara”, como lhe chama a sentença impugnada) para contornar tais obrigações de índole laboral, que não pretendia assumir[34].                        

N – CONTRATO DE TRABALHO OU DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS? 

Ora, tendo concluindo pela existência de uma situação de fraude à lei[35], como aliás, o fez a sentença recorrida, sem no entanto desenvolver tal problemática, resta-nos averiguar se o Autor logrou demonstrar nos autos os elementos típicos do contrato de trabalho que ele reclama ter firmado com a Ré.    
Tendo em linha de conta que a relação jurídica dos autos teve início em 15 de Novembro de 2004, impõe-se chamar à colação o disposto nos artigos 1143.º do Código Civil e 10.º e 12.º do Código do Trabalho de 2003, quer na sua redação original, quer na que lhe adveio da alteração introduzida no aludido Código do Trabalho pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, que entrou em vigor em 25/03/2006:  
Tais dispositivos legais rezam o seguinte:  

Artigo 1152.º
Noção
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.
Artigo 10.º
Noção
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.
Artigo 12.º
Presunção
Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.
Artigo 12.º
Presunção
Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.

Sendo este o quadro primário de referência no que respeita à noção legal de contrato de trabalho, pode definir-se o mesmo, em termos muito sumários e algo imprecisos, como sendo um negócio consensual - logo, não sujeito, fora dos casos legalmente especificados, à forma escrita -, sinalagmático (sem prejuízo da desigualdade entre as posições contratuais respetivas, pois uma é de dependência, enquanto a outra é de domínio), oneroso, de cariz tendencialmente pessoal e fiduciário, cujas prestações podem, pelo menos em algumas situações, ser fungíveis, desenvolvendo o trabalhador uma atividade traduzida numa prestação de facto positiva e heterónoma, com vista ao recebimento de uma contrapartida que é sua retribuição (prestação de conteúdo patrimonial e, pelo menos, parcialmente pecuniária) - cf. acerca destas caraterísticas e elementos, a Professora Maria do Rosário da Palma Ramalho, “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, Julho de 2006, páginas 15 e seguintes e Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, páginas 81 e seguintes.          
Com o propósito de determinar a natureza laboral ou liberal de um determinado vínculo jurídico entre uma pessoa singular e uma pessoa singular ou coletiva, radica-se a nossa doutrina e jurisprudência, essencialmente, na existência ou não de subordinação jurídica entre os referidos sujeitos, como ressalta, nomeadamente, dos seguintes autores e Arestos dos nossos tribunais superiores:
- Dr. Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2006, págs. 137 e seguintes, com especial relevo para as páginas 146, 137, 139 e 146 a 148, já no quadro do Código do Trabalho de 2003:
«I – (…) A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica.
Antes do mais porque é suficiente um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), não é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. (…)
Podem ser objeto de contrato de trabalho (e, por conseguinte, exercidas em subordinação jurídica) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (…)
A subordinação jurídica também não se confunde com a de «dependência económica» (…)            
Um trabalhador subordinado, coberto pelo Direito do Trabalho, pode não ter ordens para cumprir e ser economicamente independente. Que resta então?
Resta o elemento chave que é o facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria - antes se integrar numa organização de meios produtivos alheios, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário - à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição nas relações de produção. (…)
Sendo a subordinação definida (pelo art.º 10.º CT) por referência à «autoridade e direção» do empregador, ou construída (pela doutrina) como um estado de heterodeterminação em que o prestador de trabalho se coloca, nem assim fica o julgador munido de instrumentos suficientes e seguros para a qualificação dos casos concretos. (…)
A determinação da subordinação não se pode, na maioria dos casos, fazer por mera subsunção nesse conceito. A subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características; que podem surgir combinadas, nos casos concretos, de muitas maneiras. (…)
Para cumprirem o seu papel decisório (…), os tribunais utilizam um “método tipológico”, baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado, (…), de acordo com o modelo prático em que se traduz o conceito de subordinação em estado puro.
Deste modo, a determinação da subordinação, feita através daquilo que alguns caricaturam como uma “caça ao indício”, não é configurável como um juízo subsuntivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois “modos de ser” analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação. Os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada. Repara-se que o objetivo da operação é o de identificar a lei aplicável: o uso deste método permite ao tribunal reconhecer que existe uma semelhança suficiente entre o tipo e o caos concreto pra que lhe seja aplicado o mesmo regime jurídico. 
É também por isso que a determinação da subordinação se considera, liquidamente, matéria de facto e não de direito.
II – No elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho, e em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem”.
Por seu turno, a Professora Palma Ramalho, na obra e local citados, especificamente, páginas 29, 31, 32 e 34 a 36, sustenta o seguinte:
«O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…)
Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação:
i) A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…)
ii) A subordinação pode ser meramente potencial, no sentido em que para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…)               
iii) A subordinação comporta graus no sentido em que pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita (…)
iv) A subordinação é jurídica e não técnica, no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica  da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…)
v) A subordinação tem uma limitação funcional, (…) no sentido em que é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…)
Os indícios de subordinação mais frequentemente referenciados pela doutrina e trabalhados pela jurisprudência são os seguintes:
i) A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: (…) pertencerem ao credor (…)
ii) O local de trabalho: (…) o facto de ele desenvolver a sua atividade em instalações predispostas pelo credor (…)
iii) O tempo de trabalho: de um modo geral, o trabalhador subordinado encontra-se adstrito a um determinado horário de trabalho (…)
iv) O modo de cálculo da remuneração: embora (…) insuficiente (…) o cálculo da remuneração em função do tempo evidencia o horizonte temporal em que o trabalhador está na disponibilidade do empregador (…)
v) A assunção do risco da não produção dos resultados: (…) correr por conta do credor (…)
vi) O facto de o trabalhador ter outros trabalhadores ao seu serviço: (…) o facto de o credor ter outros trabalhadores ao seu serviço (…)
vii) A dependência económica do trabalhador: (…) o facto de o trabalhador depender dos rendimentos do seu trabalho para subsistir ou o facto de desenvolver a sua atividade em exclusivo para um credor (…)
viii) O regime fiscal e o regime da segurança social a que o trabalhador se encontra adstrito (…) 
ix) A inserção do trabalhador na organização predisposta pelo credor e a sua sujeição às regras dessa organização (…)
(…) a qualificação de qualquer situação jurídica com base num método indiciário não exige a presença, no caso concreto, de todos os indícios, mas apenas de um conjunto maior ou menor de indícios cujo valor seja considerado determinantes, sendo ainda compatível com o relevo de indícios diferentes consoante os casos. (…)
(…) os indícios referenciados apontam para as características tendenciais do negócio jurídico a qualificar, pelo que não são fáceis de operacionalizar perante a evolução do próprio tipo negocial, devendo ter em conta essa evolução (…)
(…) é importante cotejar os indícios de subordinação com a vontade real das partes na conclusão do contrato de trabalho(…)» (cf., também, Professor João Leal Amado,  “Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, Janeiro de 2010, páginas 55 e seguintes, embora no quadro do atual Código do Trabalho de 2009; ver também Professor Júlio Gomes, obra e local citados, com especial incidência para páginas 101 e seguintes, onde critica a noção tradicional de subordinação jurídica e defende a construção de um novo paradigma desse conceito, que corresponda, não só à evolução das realidades económica, empresarial, social, cultural e ideológica, como da nova perspetiva doutrinária e jurisprudencial que vai emergindo noutros sistemas jurídicos).[36]
O Código do Trabalho de 2003 veio, aliás, face às dificuldades manifestas de caracterização e diferenciação dos negócios jurídicos em análise e aos desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais que ocorreram nesta matéria, consagrar, no seu artigo 12.º, uma presunção de existência de um contrato de trabalho, desde que se mostrassem verificados, cumulativamente, os requisitos nele elencados (cf., contudo, as posições divergentes e muito críticas quanto a tal presunção, que somente com o atual Código do Trabalho parece ter logrado uma operacionalidade correspondente ao alcance e finalidade que com a mesma se visava: Professora Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Volume II, páginas 40 e seguintes, Professor Júlio Gomes, obra citada, páginas 140 e seguintes e Professor Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 150 a 152).         
Em termos jurisprudenciais e com referência ao regime vigente no Código do Trabalho de 2003, citem-se somente e a título de exemplo, os seguintes Arestos do Supremo Tribunal de Justiça:
- De 19/05/2010, processo n.º 295/07.9TTPRT.S1, relator: Vasques Dinis, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):
I - A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois elementos essenciais: o objeto do contrato (prestação de uma atividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
II - O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
III - Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia, sem subordinação à direção da outra parte.
IV - Tratando-se – ambos os vínculos – de negócios consensuais, é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade por elas revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a atividade – ou seja, quando definiram a estrutura da relação em causa – e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da atividade no âmbito da relação jurídica emergente do acordo negocial.
V - A subordinação jurídica, traduzindo-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a atividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a atividade deste, deduz-se – na ausência de comportamentos declarativos expressos definidores das condições do exercício da atividade contratada, situação frequente quando se trata de convénios informais – de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora ou ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade da prestação do trabalho.
VI - De acordo com o regime geral da repartição do ónus da prova, incumbe ao trabalhador demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja, demonstrar que exerce uma atividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
VII - Desviando-se, no entanto, desta regra, veio o artigo 12.º, do Código do Trabalho de 2003, na sua primitiva redação, a consignar cinco requisitos, correspondentes a indícios a que é usual recorrer-se para caracterizar o contrato de trabalho, cuja verificação tem como efeito o estabelecimento de uma presunção legal, a favor do trabalhador, dispensando-o de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se firma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil).
VIII - Em tal caso, ao empregador cabe provar factos tendentes a ilidir a presunção de laboralidade, ou seja, factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
IX - Resultando provado que o Autor prestou a sua atividade cumprindo um horário de trabalho determinado pelo Réu, nas instalações deste, com instrumentos que por ele eram fornecidos, sendo remunerado em função do tempo despendido, por um período ininterrupto superior a 90 dias, que se encontrava inserido na estrutura organizativa do Réu, reportando, funcional e hierarquicamente, a um administrador dele, e acatando, no exercício das suas funções, as instruções e orientações que do mesmo provinham, mostram-se verificados todos os requisitos da presunção de laboralidade consignada no artigo 12.º do Código do Trabalho.  
- De 16/12/2010, processo n.º 996/07.1TTMTS.P1.S1, relator: Mário Pereira, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):
I - O art.º 12.º do Código do Trabalho de 2003 estabelece uma presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de determinados requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, pelo que esse preceito só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.
II - Caso não funcione a referida presunção, por não preenchimento de algum dos seus requisitos cumulativos, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, através da demonstração
- De 12/05/2010, processo n.º 1394/06.0TTPNF.P1.S1, relator: Pinto Hespanhol, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):
1. A afirmação de que «[t]odo o trabalho da A. era dirigido e fiscalizado pela R., através do seu sócio-gerente […]», encerra um juízo de valor só possível de ser alcançado mediante o recurso a critérios de ordem jurídico-normativa e integra-se no thema decidendum, pelo que não pode figurar na matéria de facto a atender.
2. Não resultando dos factos provados que a autora executasse a prestação da sua atividade, sob a orientação da ré, nem que tivesse de respeitar um horário previamente definido por esta, não ocorre o preenchimento cumulativo dos cinco requisitos previstos na versão original do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 para se presumir a existência de um contrato de trabalho, pelo que não é possível atender à presunção estabelecida naquela norma.
3. Apesar de não valer, nesse caso, a presunção constante no sobredito artigo, nada obsta a que o trabalhador, ainda assim, prove que existia um contrato de trabalho.
4. Operada a apreciação global dos factos-índice provados, não se pode concluir que a relação contratual estabelecida entre a autora e a ré se deva qualificar como um contrato de trabalho, já que os aludidos factos-índice ou são incaracterísticos ou apontam em sentido diverso, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir pela existência de tal contrato impendia sobre a autora. (cf., também a inúmera jurisprudência citada por Abílio Neto, “Novo Código do Trabalho e legislação complementar anotados”, 2.ª Edição, Setembro de 2010, EDIFORUM, páginas 57 e seguintes, em anotação aos artigos 10.º e 12.º). [37]
Ora, face a este (longo) enquadramento jurídico da única e crucial questão suscitada nesta Apelação pela RTP e atendendo aos factos dados como provados, que indícios inequívocos do estabelecimento de uma relação laboral típica entre o Autor e Ré ressaltam dos mesmos?
Ouça-se, a esse propósito, a sentença recorrida:
«Situação diversa, a nosso ver, ocorre a partir de Novembro de 2004, como procuraremos explicar.
A partir desta data, a Ré, por razões de gestão, optou por recorrer a empresas terceiras para a contratação de mão-de-obra destinada à produção de programas, maxime no que à categoria de eletricistas diz respeito.
Agora, a Ré já não chamava diretamente o Autor para colaborar na sua atividade, antes celebrou contratos de prestação de serviços com empresas – primeiro a BB, LDA, depois a CC, LDA. , mediantes os quais estas sociedades disponibilizavam trabalhadores dos seus quadros para executarem as tarefas que antes vinham sendo desempenhadas por técnicos que a Ré ia buscar ao mercado.
Curiosamente, foi a própria Ré quem sugeriu à BB, LDA. o nome do Autor, a par de outros eletricistas, a fim de ser recrutado (cfr. ponto 69. dos Factos Provados).
Como resulta manifesto, o vínculo aqui em causa foi estabelecido em ordem ao desenvolvimento de uma atividade, no caso, a atividade de eletricista e foi estabelecido a título oneroso, ainda que por interposta pessoa.
Assim, e como já antes aflorado, acabam tais critérios por, muitas vezes, serem suscetíveis de caracterizar um vínculo emergente de contrato de trabalho, contrato em que, por excelência, está presente a prossecução de uma atividade e é, sempre, um contrato oneroso, mas também suscetíveis de caracterizar um vínculo emergente de uma prestação de serviços, pois que também esta pode ter, no seu desenvolvimento, uma prestação de meios e pode ser prestada, e é-o em regra, contra o pagamento de um preço.
Vale o exposto por dizer, como em regra também sucede, que o critério distintivo não pode ser procurado, pura e simplesmente, em tais critérios distintivos. Tem que ser buscado, naturalmente, no critério da subordinação jurídica e nos elementos típicos indiciários que a caracterizam e que antes deixámos aflorados.
Vejamos.
O local de trabalho do Autor era nas instalações da Ré, ou nos locais por esta indicados, como normalmente o é no âmbito de uma relação laboral. Ou seja, todas as atividades que o Autor prestava em benefício da Ré era-o em instalações indicadas e postas à disposição pela segunda, assegurando ainda o transporte e alojamento do Autor, sempre que necessário (cfr. pontos 33., 39., 40. dos Factos Provados).
O Autor logrou demonstrar ainda que utilizava exclusivamente os equipamentos fornecidos pela R (cfr. ponto 91. dos Factos Provados). Não podemos deixar de referir, como diz ROMANO MARTINEZ, que muito frequentemente o prestador de serviços também utiliza equipamentos do beneficiário da atividade, mas torna-se difícil considerar que os use exclusivamente.
O Autor estava igualmente sujeito ao cumprimento de um horário de trabalho, a tempo completo (como acontece no âmbito de um contrato de trabalho), sujeitando-se à conformação pela Ré dos períodos de atividade que eram por esta previamente elaborados. Assim, era a Ré quem definia o concreto horário em que o Autor devia prestar a sua atividade como eletricista, atribuindo-lhe as tarefas que escolhia e solicitando-lhe mesmo a realização de trabalho para além do horário que havia estabelecido (cfr. pontos 22. a 24., 32., 35., 36., 45. e 87. dos Factos Provados).
A remuneração do Autor era mensal, de montante certo, independente do número de horas trabalhadas ou de programas produzidos (cfr. pontos 43. e 44. dos Factos Provados), o que vale por dizer que não era remunerado em função dos resultados obtidos, ou, como é usual dizer-se, não ganhava “à peça”, ao contrário daquilo que constitui a forma de pagamento típica do contrato de prestação de serviço.
Também era a Ré quem, diretamente, dava ao Autor ordens e instruções por parte das chefias daquela empresa, sendo mesmo acreditado como seu trabalhador (cfr. pontos 28. a 30. dos Factos Provados).
Temos assim demonstrada a quase total falta de autonomia de que o Autor gozava na organização da sua atividade. De facto, dependia em tudo, ou quase, das determinações e organização de meios pelos serviços da Ré, não sendo despiciendo lembrar que a empresa para a qual o Autor formalmente trabalha – CC, LDA. – não possui quaisquer meios técnicos e humanos, limitando a sua atividade à cedência de mão-de-obra (cfr. pontos 37. e 38. dos Factos Provados).
Recorrendo ao critério enunciado por GALVÃO TELLES e acima citado, tratando-se a Ré de uma sociedade que se dedica à radiodifusão televisiva, com produção própria de programas, que atua pois no ramo audiovisual, possuindo serviços e meios técnicos para o efeito, é manifesto que a atividade do Autor, enquanto eletricista, se inscreve no escopo económico da empresa enquanto seu verdadeiro fator produtivo.
Assentou-se mesmo que as funções do Autor são essenciais e imprescindíveis à atividade desenvolvida pela Ré - radiodifusão televisiva e correspondem à execução de um trabalho que se enquadra na sua normal atividade (cfr. pontos 46. e 47. dos Factos Provados); bem como está integrado numa verdadeira equipa de produção, em conjunto com trabalhadores do quadro da Ré, com funções necessariamente interligadas com aquelas que o Autor executa (cfr. ponto 31. dos Factos Provados).
A «máscara» utilizada para encobrir a verdadeira natureza do contrato em causa – contratação dos serviços do Autor através de sociedades terceiras – não afasta a qualificação que vimos fazendo, tanto mais que o Autor continuou a prestar a sua atividade nos mesmos moldes que vinha fazendo até aí.
É pois patente a subordinação jurídica do Autor.
Relativamente ao poder disciplinar nada ficou demonstrado, como aliás nada havia sido alegado, sendo que neste capítulo a jurisprudência vem entendendo que nos podemos bastar com a mera possibilidade do empregador o exercer.
Nada sendo alegado quanto a uma alegada dependência económica, decorrente de não existir uma exclusividade de trabalho para a Ré, não podemos olvidar que o Autor auferia mensalmente uma quantia fixa de € 900,00, por trabalho a tempo completo, montante que nos permite indiciar ser esta uma importante, se não fundamental, fonte de rendimentos.
Por tudo, pois, quanto se vem de expor, entendemos poder afirmar-se, em face da matéria de facto provada e com suficiente grau de certeza, a existência entre Autor e Ré de um típico vínculo laboral. Alguns factos tanto poderiam infirmar.
Todavia, aliados à demais factualidade, estamos em crer, encaminha-nos decisivamente para um perfeito contrato individual de trabalho subordinado.
Por fim, variada jurisprudência sobre situações análogas àquela de que ora nos ocupamos existe já, ainda que não especificamente sobre a categoria profissional de eletricista, sendo que a qualificação do contrato em causa acaba sempre por depender dos concretos factos apurados. Assim, refira-se por exemplo o já mencionado Acórdão do STJ, de 25/01/2012, que versa sobre um terapeuta:
«2. Provando-se a vinculação do autor a um horário de trabalho estipulado pela Ré, que o mesmo trabalhava exclusivamente para a Ré, que lhe disponibilizava os seus instrumentos de trabalho, e que auferia uma retribuição média mensal que, não sendo sempre a mesma, era praticamente regular, usando cartão de prestador da Ré e o mesmo uniforme que os demais terapeutas, atividade prestada durante mais de cinco anos, sem hiatos, configura-se a integração do trabalhador na estrutura organizativa da empregadora.
3. Neste contexto, atento o conjunto dos factos provados, é de concluir que o Autor logrou provar, como lhe competia, que a relação contratual que vigorou entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho.»
Refira-se ainda que em processo que corre termos neste tribunal, discutindo-se situação semelhante à aqui em questão, foi igualmente decidido ser de trabalho subordinado a relação que a Ré entabulou em Dezembro de 2003 com um operador de imagem, também através da sociedade CC, LDA.
Concluindo, e repisando, diremos que o juízo de globalidade a fazer não pode ser outro senão este: a relação estabelecida entre Autor e Ré a partir de Novembro de 2004 mais não é que um contrato de trabalho, pelo que deverão todas as pretensões do Autor daí emergentes vencer.»
Não escondemos a nossa dificuldade e perplexidade na análise e decisão do eterno e frequente dilema que se coloca aos Tribunais de Trabalho e que respeita à caracterização laboral de muitos vínculos jurídicos dúbios e ambíguos, tanto mais que nos parece que, com a rápida evolução da atividade económica e subsequente criação, transformação e diversificação das formas e tipos contratuais, alguns dos indícios que anteriormente eram reveladores da natureza laboral ou não de uma determinada relação profissional (tal como a prestação autónoma de serviços para só uma empresa, durante todos os dias da semana, por um número mais ou menos idêntico de horas semanais e com o pagamento do mesmo em função do tempo) já perderam grande parte dessa virtualidade.
Bastará olhar para a crescente "proletarização" que muitos pequenos empresários em nome individual (eletricistas, canalizadores, serralheiros, marceneiros, etc.,), bem como profissões do setor terciário que habitualmente eram exercidas em regime liberal (advogados, médicos, arquitetos, etc.) têm vindo a sofrer (e que, por exemplo, para a nossa Lei dos Acidentes de Trabalho, desde que haja uma efetiva situação de dependência económica, implica um tratamento jurídico para efeitos da sua aplicação equiparado ao do trabalho subordinado - cfr. art.º 4.º da Lei n.º 7/2009, de 12/2), com a integração exclusiva ou quase exclusiva do trabalho autónomo por aqueles prestado numa estrutura mais vasta e de carácter empresarial e a sua consequente "dependência económica" relativamente a tal estrutura (cf. o que a este propósito, diz o Dr. Garcia Pereira no texto denominado “As lições do grande Mestre Alonso Olea – A atualidade do conceito de alienidade no século XXI” publicado na obra coletiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Coimbra, Março de 2004, págs. 55 e seguintes, bem como a Dr.ª Maria do Rosário Palma Ramalho na mesma obra, no seu estudo “De la servidumbre al contrato de trabajo” – deambulações em torno da obra de Manuel Alonso Olea e da singularidade dogmática do contrato de trabalho”).
No caso dos autos, todavia, tal caracterização não é difícil, por se nos afigurar manifesta – ressalta com nitidez dos factos assentes, conforme decorre da análise desenvolvida na sentença impugnada e que acima transcrevemos - a existência de subordinação jurídica, traduzida em poderes de enquadramento, orientação, direção, supervisão e fiscalização (concretos, objetivos e continuados) por parte da Ré sobre os serviços realizados pelo Autor, relativamente a uma atividade de natureza manual, em locais e com os equipamentos e instrumentos de trabalho da entidade beneficiária de tal atividade, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal certa, que visa pagar aquela atividade (e não o resultado, melhor dizendo, os múltiplos resultados da mesma)[38] e dentro de um determinado quadro temporal configurável como um concreto horário de trabalho que, previamente determinado pela demandada, baliza temporalmente a atividade do recorrido.
Logo, tendo em atenção a matéria de facto dada como assente e a noção/presunção de contrato de trabalho contidas nos artigos 1152.º do Código Civil e 10.º e 12.º do Código do Trabalho de 2003, não restam quaisquer dúvidas de que o desempenho de funções por banda do Autor, como eletricista, para o Réu, configura, inequivocamente, a existência de um acordo “pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas”, isto é, de um verdadeiro e genuíno contrato de trabalho subordinado celebrado com a RTP.

O - FORNECIMENTO DE MÃO-DE-OBRA - POSSÍVEIS CONFIGURAÇÕES JURÍDICAS

Poder-se-á, contudo, discordar da apreciação jurídica que se deixou antes explanada e, entender, ao invés, que não se verifica uma qualquer situação de fraude à lei, com a saída de cena dos falsos intermediários, mas antes uma genuína relação entre tais empresas - BB, LDA e CC, LDA - e a Ré, com a existência de contratos de prestação de serviços firmados entre elas e ao abrigo dos quais o Autor sempre desempenhou funções, nos moldes dados como provados, para a RTP.
Ora, ainda que direcione a nossa análise nesse sentido, certo é que muitos dos aspetos mencionados no Ponto K, acerca do teor de tais contratos de prestação de serviços (pois só se conhece o último, de 1/1/2009) assim como do objeto social, estrutura e atividade desenvolvida por essas empresas se mantém válidos, com especial relevância para o facto das mesmas não prestarem efetivamente quaisquer serviços à Apelante que não sejam o do permanente fornecimento de mão-de-obra especializada.
Logo, achando-se arredada a figura da cedência definitiva (por via da cessão para a Ré da posição contratual ocupada por aquelas duas sociedades por quotas no contrato de trabalho do Autor, achando-se antes demonstrado nos autos um negócio desse cariz entre estas últimas, no que toca ao Apelado) e não estando nós, manifestamente, face a empresas de trabalho temporário, pois nada, quer nos factos provados, como na documentação que os suporta, sustenta minimamente tal qualificação jurídica, não se encontrando, por outro lado, no regime legal aplicável[39], normas que consintam, original ou supervenientemente, a legitimação das mesmas nessa qualidade, resta-nos o contrato de cedência ocasional como instrumento jurídico-laboral suscetível de fundar a prestação profissional do recorrido no seio da recorrente.                              

P - CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADORES - REGIME LEGAL     

O regime da cedência ocasional de trabalhadores vinha, à data dos factos, regulada nas seguintes disposições do Código do Trabalho de 2003:

SECÇÃO III
Cedência ocasional
Artigo 322.º
Noção
A cedência ocasional de trabalhadores consiste na disponibilização temporária e eventual do trabalhador do quadro de pessoal próprio de um empregador para outra entidade, a cujo poder de direção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo contratual inicial.
Artigo 323.º
Princípio geral
A cedência ocasional de trabalhadores só é admitida se regulada em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 324.º
Condições
A cedência ocasional de trabalhadores é lícita quando se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
a) O trabalhador cedido esteja vinculado ao empregador cedente por contrato de trabalho sem termo resolutivo;
b) A cedência ocorra no quadro de colaboração entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores, independentemente da natureza societária, que mantenham estruturas organizativas comuns;
c) O trabalhador manifeste a sua vontade em ser cedido, nos termos do nº 2 do artigo seguinte;
d) A duração da cedência não exceda um ano, renovável por iguais períodos até ao limite máximo de cinco anos.
Artigo 325.º
Acordo
1 - A cedência ocasional de um trabalhador deve ser titulada por documento assinado pelo cedente e pelo cessionário, identificando o trabalhador cedido temporariamente, a atividade a executar, a data de início da cedência e a duração desta.
2 - O documento só torna a cedência legítima se contiver declaração de concordância do trabalhador.
3 - Cessando o acordo de cedência e em caso de extinção ou de cessação da atividade da empresa cessionária, o trabalhador cedido regressa à empresa cedente, mantendo os direitos que detinha à data do início da cedência, contando-se na antiguidade o período de cedência.
Artigo 326.º
Enquadramento dos trabalhadores cedidos ocasionalmente
1 - O trabalhador cedido ocasionalmente não é incluído no efetivo do pessoal da entidade cessionária para determinação das obrigações relativas ao número de trabalhadores empregados, exceto no que respeita à organização dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho.
2 - A entidade cessionária é obrigada a comunicar à comissão de trabalhadores, quando exista, no prazo de cinco dias úteis, a utilização de trabalhadores em regime de cedência ocasional.
Artigo 327.º
Regime da prestação de trabalho
1 - Durante a execução do contrato de cedência ocasional, o trabalhador cedido fica sujeito ao regime de trabalho aplicável à entidade cessionária no que respeita ao modo, lugar, duração de trabalho e suspensão da prestação de trabalho, segurança, higiene e saúde no trabalho e acesso aos seus equipamentos sociais.
2 - A entidade cessionária deve informar o empregador cedente e o trabalhador cedido sobre os riscos para a segurança e saúde do trabalhador inerentes ao posto de trabalho a que é afeto.
3 - Não é permitida a utilização de trabalhador cedido em postos de trabalho particularmente perigosos para a sua segurança ou saúde, salvo se for essa a sua qualificação profissional.
4 - A entidade cessionária deve elaborar o horário de trabalho do trabalhador cedido e marcar o seu período de férias, sempre que estas sejam gozadas ao serviço daquela.
5 - Os trabalhadores cedidos ocasionalmente não são considerados para efeito do balanço social, sendo incluídos no número de trabalhadores da empresa cedente, de acordo com as adaptações a definir em legislação especial.
6 - Sem prejuízo da observância das condições de trabalho resultantes do respetivo contrato, o trabalhador pode ser cedido ocasionalmente a mais de uma entidade.
Artigo 328.º
Retribuição e férias
1 - O trabalhador cedido ocasionalmente tem direito a auferir a retribuição mínima fixada na lei ou no instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável à entidade cessionária para a categoria profissional correspondente às funções desempenhadas, a não ser que outra mais elevada seja por esta praticada para o desempenho das mesmas funções, sempre com ressalva de retribuição mais elevada consagrada em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável ao empregador cedente.
2 - O trabalhador tem ainda direito, na proporção do tempo de duração do contrato de cedência ocasional, a férias, subsídios de férias e de Natal e a outros subsídios regulares e periódicos que pela entidade cessionária sejam devidos aos seus trabalhadores por idêntica prestação de trabalho.
Artigo 329.º
Consequências do recurso ilícito à cedência ocasional
1 - O recurso ilícito à cedência ocasional de trabalhadores, bem como a inexistência ou irregularidade de documento que a titule, confere ao trabalhador cedido o direito de optar pela integração na empresa cessionária, em regime de contrato de trabalho sem termo resolutivo.
2 - O direito de opção previsto no número anterior deve ser exercido até ao termo da cedência, mediante comunicação às entidades cedente e cessionária, através de carta registada com aviso de receção.


Q - CEDÊNCIA OCASIONAL - INTERPRETAÇÃO DO REGIME LEGAL
           
O art.º 322.º do Código do Trabalho de 2003 procede à definição da cedência ocasional de trabalhadores nos seguintes moldes: «A cedência ocasional de trabalhadores consiste na disponibilização temporária e eventual do trabalhador do quadro de pessoal próprio de um empregador para outra entidade, a cujo poder de direção o trabalhador fica sujeito, sem prejuízo da manutenção do vínculo contratual inicial.»
João Zenha Martins[40] - depois de qualificar tal nominação do instituto em causa como um tipo fechado e de realçar que, ao contrário do que acontece com o contrato de trabalho temporário, o acordo negocial que consubstancia a cedência ocasional não possui natureza especial, podendo, em princípio, atravessar qualquer relação laboral e fazer emergir uma relação obrigacional conceptualmente autonomizável e recortada a partir do vínculo de trabalho que lhe serve de base -, decompõe e analisa os diversos elementos típicos de tal figura nos seguintes moldes:
«4.1 Fragmentação da relação laboral
O beneficiário direto da prestação laboral (o cessionário) não é parte no contrato de trabalho e o efetivo empregador fica despojado do poder de direção (o cedente).
(…) no contrato de cedência ocasional (cf. al. i) do n.º 1 do art.º 103.º) discerne-se uma causa específica: a disponibilização dos serviços do trabalhador em favor de outra entidade, que, nesta tela, não assume, juridicamente, a qualidade empregatícia, mas que, para tanto, fica provida do poder de direção. (…)
(…) com uma requalificação do posicionamento do trabalhador, este fica, por conseguinte, obrigado à observância (reprodutiva) de um conjunto de deveres que, na típica situação laboral, apenas o vinculavam perante o empregador: deveres de assiduidade, diligência e obediência, etc.[41].      
4.2. Eventualidade
Com a cedência, a disponibilização dos serviços do trabalhador é eventual. Por eventualidade, entende-se (…), a necessidade de anuência do trabalhador (…).
Se o art.º 325.º (…) obriga a que a cedência seja titulada por documento assinado pelo cedente e pelo cessionário, identificando o trabalhador cedido temporariamente, a atividade a executar, a data do início da cedência e a duração desta (n.º 1), neste conspecto, da caracterização como uma vicissitude contratual é extraível a proibição de consentimentos apriorísticos, sem uma delimitação concreta dos contornos que concorrerão para a materialização da operação.
Com efeito, não só a eventualidade desimplica automaticidade, como, em parcial imbricação com a ocasionalidade da figura, o trabalhador não poderá ser contratado com o fito de ser cedido a um terceiro.
Desta sorte (…) o facto de a cedência ter de ser eventual consubstancia uma simples possibilidade quanto à cedência do trabalhador, em opção consensualizada que exorbita do programa contratual inicialmente definido pelos sujeitos laborais, e que não permite a consideração de que existe um direito do empregador em “ceder o trabalhador”. (…)
4.3. Temporalidade
A operação tem que ser temporária. (…) a al. d) do art.º 324.º do C.T. (novidade)impõe uma duração máxima de um ano, sem que, todavia, fique inviabilizada a renovação do acordo de cedência por iguais períodos até ao limite máximo de cinco anos.
4.4. Pertença ao quadro de pessoal próprio do empregador
O trabalhador, à luz do art.º 322.º do C.T., tem de pertencer ao quadro de pessoal próprio do empregador, querendo significar-se, com este elemento do tipo, que não é possível a cedência de um trabalhador vinculado por contrato de trabalho a termo e que as operações de sub-cedência (…) aparecem agora interditas (…) (= proibição de cedência em cascata).
4.5. Ocasionalidade
(…) o espartilho que coenvolve a cedência ocasional não deixará de impor, sob pena de percurso paralógico, a proibição de cedências sucessivas do mesmo trabalhador. (…)
Deste passo, sem prejuízo de o trabalhador poder ser cedido ocasionalmente a mais de uma entidade (art.º 327.º,n.º 6), e em demarcação da sua caracterização temporária, a ocasionalidade da cedência atina com o carácter inabitual ou excecional da cisão da posição empregadora, procurando-se expelir um recurso maciço e sistemático a esta prática [42](= acidentalidade ou excecionalidade) (…)  
4.6 Gratuitidade
(…) a cedência não pode desembocar numa operação comercial ou, em traços mais carregados, , numa atuação destinada à mercantilização dos trabalhadores. (…)
(…) já se vislumbra que a cedência ocasional, na economia da legislação laboral genérica, sob pena de o cedente se converter numa empresa de trabalho temporário não autorizada[43], terá de revestir um carácter necessariamente não lucrativo.   
4.7. Manutenção do vínculo inicial entre o trabalhador e o empregador cedente 
(…) A mais dos aspetos conexos com a retribuição (…), o grande corolário da ressalva de manutenção do vínculo repousa no facto de se dever entender que o poder disciplinar permanece integralmente na esfera jurídica do cedente.
(…) a reserva da qualidade de sujeito laboral ao cedente traz consigo a noção de indelegabilidade do poder disciplinar, devendo, por conseguinte, face ao congraçamento do princípio da igualdade com os princípios da autonomia e da liberdade de gestão da organização produtiva, considerar-se que o cessionário não pode impor á entidade cedente a aplicação de uma sanção. (…)
(…) será ao cedente que o trabalhador deverá obedecer, caso as ordens que deste dimanem estejam em conflito com as determinações emitidas pelo cessionário.                        
Condições gerais
(…) importa transitar cada uma das alíneas que substanciam o art.º 324.º, no pretexto de que só o seu preenchimento cumulativo impede a ilicitude da operação:
5.1. Em primeiro lugar, é necessário que o trabalhador cedido esteja vinculado ao empregador cedente por contrato de trabalho sem termo resolutivo. (…)
5.2. Em segundo lugar, a cedência tem de ocorrer no quadro de colaboração entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores, independentemente da natureza societária, que mantenham estruturas organizativas comuns. (…)
5.3. Em terceiro lugar, torna-se essencial que o trabalhador manifeste a sua vontade em ser cedido (…)
O consentimento, para ser válido, terá de ser formalizado por escrito e emitido de forma expressa, livre e esclarecida. (…) pois que a deslocação do trabalhador para uma estrutura produtiva absolutamente diferente impõe que lhe sejam asseguradas condições para o exercício de uma efetiva liberdade de escolha. (…)
5.4. Por último, é necessário que a duração da cedência não exceda um ano, renovável por iguais períodos até ao limite máximo de cinco anos. (…)»         
Será, portanto, com tais parâmetros legais e doutrinais, que iremos analisar, nesta outra perspetiva, o pleito dos autos, sem perder de vista as fronteiras estabelecidas pelas conclusões de recurso da RTP, SA.

R - SITUAÇÃO DOS AUTOS

Ora, cruzando os factos assentes no âmbito desta ação e os documentos que os complementam, com o regime jurídico acima reproduzido e a melhor interpretação que dele faz a nossa doutrina e jurisprudência (cfr., a esse respeito, os Arestos indicados no Ponto L), facilmente se conclui que não só a relação estabelecida entre a RTP e, sucessivamente, a BB, LDA e CC, LDA não se reconduzem facilmente a esse tipo negocial (o que reforça, em nosso entender, a posição inicialmente defendida de que nos encontramos perante uma mera ilusão televisiva- contratual) como não foram respeitados os requisitos mínimos de que depende a licitude de tal instituto, pois, ainda que se admita a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, certo é que as referidas empresas foram convocadas pela RTP para desempenhar, em permanência e de forma reiterada e constante, o papel de cedentes (no fundo, no que toca à CC, essa é a sua exclusiva atividade conhecida), ao abrigo de uma relação comercial que se presume lucrativa, sem que tivesse sido obtida a prévia concordância do Autor mediante a celebração do correspondente documento escrito (achando-se quase esgotado o prazo máximo de 5 anos fixado pelo legislador, à data da instauração destes autos) e não possuindo o contrato firmado entre a recorrente e a CC, com produção de efeitos a 1/1/2009 (o único que veio a público) a virtualidade de poder ser qualificado como um negócio jurídico dessa precisa natureza (muito embora se esforce por vestir a ossatura da cedência de mão de obra com a carne diáfana da prestação de serviços ou outsourcing).  
A ser assim, como nos parece óbvio, tal cenário juridicamente irregular confere ao aqui Autor o direito de optar pela integração na empresa cessionária, em regime de contrato de trabalho sem termo resolutivo, tendo tal direito de ser exercido até ao termo da cedência, mediante comunicação às entidades cedente e cessionária, através de carta registada com aviso de receção.
Ora, não tendo tal relação de cedência (conforme a perspetiva que, recorde-se, estamos subsidiariamente a abordar) cessado à data da propositura desta ação nem, quanto sabemos, no momento da citação da Ré, podendo o trabalhador, através deste último ato judicial, levar ao conhecimento da entidade cessionária do seu direito de opção (por ela), conforme defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/02/2001, processo n.º 1917/00, relator: António Pereira, em C.J./S.T.J., Ano X, 2001, Tomo I, págs. 294 a 297[44], tal implica que a RTP por esta via também tem de ser encarada com entidade patronal do Apelado, ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

S - REGULAMENTAÇÃO COLETIVA APLICÁVEL

A Ré, no seu recurso de Apelação, suscita, finalmente, a seguinte questão:
«mmm) Mas, ainda que assim se não entenda, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona, ainda assim não poderia a decisão recorrida manter-se na totalidade.
nnn) Com efeito, da conclusão que o vínculo contratual vigente entre as partes no período posterior a Outubro de 2004 tinha natureza laboral, retirou o Tribunal a quo um conjunto de consequências, de entre as quais se salienta a condenação da Recorrente no pagamento das importâncias, a liquidar em execução de sentença, devidas a título de “diferenças salariais e outros subsídios decorrentes da aplicação da tabela do ACT da R.”.
ooo) Ora, de acordo com o disposto no artigo 496.º do Código do Trabalho, a convenção coletiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.
ppp) Esta norma é um reflexo do princípio da dupla filiação, por força do qual a aplicabilidade de um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho depende da sua subscrição pelo empregador e da filiação do trabalhador num dos sindicatos outorgantes da mesma.
qqq) A falta de um destes requisitos torna inaplicável o instrumento de regulamentação coletiva a uma concreta relação laboral, inaplicabilidade essa que apenas será afastada se o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho em causa for objeto de uma portaria de extensão.
rrr) In casu, não ficou demonstrado que o Recorrido AA estivesse filiado num dos sindicatos outorgantes dos instrumentos de regulamentação coletiva negociais em vigor na Recorrente.
sss) Por outro lado, nenhum dos referidos instrumentos de regulamentação coletiva foi objeto de uma portaria de extensão.
ttt) Pelo que os mesmos não são aplicáveis à relação contratual em causa nos presentes autos.
uuu) Não se podendo concluir - por falta de prova quanto aos requisitos de que depende a sua aplicabilidade - que tal instrumento de regulamentação coletiva era aplicável, não poderia a Recorrente ter sido condenada no pagamento das referidas “diferenças salariais e outros subsídios decorrentes da aplicação da tabela do ACT da Ré”.
vvv) Por assim não ter entendido, a sentença recorrida violou o artigo 496.º do Código do Trabalho.»
A sentença impugnada, quanto a tal questão - em rigor, quanto a todas as demais pretensões formuladas pelo Autor, que ainda estavam pendentes - limitou-se a perorar (telegraficamente) nos seguintes moldes:
«B – Dos demais pedidos
Quanto ao demais peticionado – nível de integração do A, diferenças salariais e outros subsídios decorrentes da aplicação da tabela do ACT da R –, face à ausência de elementos que nos permitam determinar os mesmos, deverá ser relegado para liquidação em execução de sentença.».
Se percorrermos, por seu turno, a Matéria de Facto dada como Provada e os documentos que a complementam, constatamos que inexiste aí qualquer menção à qualidade de sindicalizado do Autor, sendo certo que diversas associações sindicais firmaram com a RTP e outras empresas, Acordos Coletivos de Trabalho entre 2005 a 2007[45], não existindo qualquer registo de publicação de Portarias de Extensão quanto aos mesmos nem existindo nos autos acordos escritos firmados entre as partes que nos remetam para um desses instrumentos de regulamentação coletiva[46].
Ora, a ser assim e inexistindo elementos que nos imponham a equiparação de estatuto profissional do recorrido, quer em termos qualitativos (categoria e nível de integração), como quantitativos (diferenças salariais e subsídios peticionados ao abrigo do ACT), com recurso ao princípio constitucional de trabalho igual, salário igual (art.º 59.º, n.º 1, al. a), da C.R.P.), afigura-se-nos que a Apelante tem razão no que sustenta nas conclusões acima transcritas, só se podendo manter a sua condenação na parte em que determina o seguinte: «a) declaramos estar o Autor vinculado à Ré, desde Novembro de 2004, através de um contrato de trabalho, como eletricista; b) condenamos a Ré a integrar o Autor nos seus quadros».
Em conclusão, pelos fundamentos expostos, tem o recurso de Apelação da Ré RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SA de ser julgado parcialmente procedente, na sua vertente jurídica, com a inerente alteração da sentença recorrida nos moldes indicados.  

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 712.º e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:
a) Em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SA, na sua vertente da impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto, com a inerente alteração do teor do Ponto 30.;
b) Em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, SA, na sua vertente jurídica, com a revogação da sentença recorrida, na parte em que a condenou no «nível de integração do Autor, diferenças salariais e outros subsídios decorrentes da aplicação da tabela do ACT da Ré», ainda que relegando a sua quantificação para incidente de liquidação (2.ª parte da alínea b) e alínea c) da parte decisória), mantendo-se a mesma no demais (alínea a) e 1.ª parte da alínea b) da parte decisória).
*
Custas da ação e do presente recurso a cargo da Apelante e Apelado, na proporção do decaimento – artigo 446.º, número 1 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.


Lisboa, 18 de Junho de 2014

José Eduardo Sapateiro
Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas

[1]Tais pedidos são os seguintes:
«c) Ser declarado nulo e de nenhum efeito o contrato celebrado entre o Autor e a BB, LDA.;
d) Ser declarado nulo e de nenhum efeito o contrato celebrado entre o Autor e a CC, LDA.».
 
 
[2] Corresponde à resposta de “Provado” dada ao Artigo 7.º da Base Instrutória.  
[3] 10.º) Os horários do Autor são impostos pela Subdireção de Produção Técnica da Ré? Resposta: Provado que os horários do Autor são determinados pela Subdireção de Produção Técnica da Ré.
[4] Corresponde à resposta de “Provado” dada ao Artigo 18.º da Base Instrutória.  
[5] Corresponde à resposta de “Provado” dada ao Artigo 21.º da Base Instrutória.  
[6] Corresponde à resposta de “Provado” dada ao Artigo 24.º da Base Instrutória.  
[7] 28.º) É a Ré quem elabora os horários do Autor, sendo que a "GREEN" apenas os envia por correio eletrónico para o Autor? Resposta: Provado apenas que é a Ré quem elabora os horários do Autor.

[8] Mas já não “de trabalho”, pois as expressões “horário de trabalho” ou “horários de trabalho” nunca constam, quer dos artigos da Base Instrutória, quer das respetivas respostas.  
[9] Não é despiciendo realçar, nesta matéria, a posição que o tribunal recorrido adotou relativamente ao artigo 28.º da Base Instrutória:
«18.º) É a Ré quem, diretamente, fiscaliza e coordena o trabalho do Autor, através da Subdireção de Produção Técnica, do Departamento de Meios de Produção? Resposta: Não se responde por ser conclusivo.»    
[10] CPC Anotado III, 212. (Nota de Rodapé do Aresto transcrito)
[11] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Lda., 1993, pág. 194. Itálico e negrito do Relator. (Nota de Rodapé do Aresto transcrito)
[12] A AÇÃO DECLARATIVA COMUM À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 195. (Nota de Rodapé do Aresto transcrito)
[13] Significativo que a lei adjetiva civil vigente [Cfr. Lei 41/2013] conquanto não deixe de fazer incidir a prova sobre os factos alegados, constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito, refere, com sentido de arejamento, que «A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova» (Art.º 410.º CPC) (Nota de Rodapé do Aresto transcrito)
[14] Maxime, no voto de vencido. (Nota de Rodapé do Aresto transcrito)
[15] Cfr. também os seguintes Arestos do Supremo Tribunal de Justiça, que abordam também a difícil problemática da destrinça entre matéria de direito e matéria de facto: de 22/4/2009, processo n.º 08S1901, relator: Mário Pereira, de 7/05/2009, processo n.º 08S3441, relator: Vasques Dinis e de 09/12/2010, processo n.º 838/06.5TTMTS.P1.S1, relator: Mário Pereira e de 12/05/2010, processo n.º 1394/06.0TTPNF.P1.S1, relator: Pinto Hespanhol, todos publicados em www.dgsi.pt (ver o Sumário deste último Acórdão noutra parte deste Aresto).        
[16] V.g., aqueles apresentados pelo Autor com a sua Petição Inicial – o contrato denominado de “contrato de trabalho a termo certo”, datado de 15/11/2004 e junto a fls. 46 a 51, como Doc. n.º 4, Recibos de remunerações de fls. 52 a 65, como Doc. n.º 5, o negócio intitulado de “Contrato de cessão da posição contratual”, datado de 1/10/2005 e firmado entre as duas sociedades acima identificadas e o Autor, junto a fls. 66 a 69, como Doc. n.º 6, o documento chamado de “Aditamento a contrato de trabalho a termo certo”, celebrado entre o Apelado e a CC (Doc. n.º 7, a fls. 70 a 72), o escrito denominado de “Acordo de renovação expressa de contrato de trabalho a termo certo”, assinado pelas mesmas partes do anterior e datado de 15/1/2006 (Doc. n.º 8, a fls. 73 a 76), as “Fichas de Trabalho” de fls. 77 a 606, emitidas pela CC e identificadas como Doc. n.º 9 (referentes ao período de 4/4/2006 a 31/10/2008), os “Recibos de Vencimento” de fls. 607 a 639, emitidos por computador e não assinados, relativos ao Autor (Técnico de Eletrónica) e ao período que medeia entre Novembro de 2005 e Setembro de 2008 (retribuição-base + subsídio de alimentação + subsídio de transporte), juntos como Doc. n.º 10 – e os apresentados pela Ré - “Contrato de Prestação de Serviços” de fls. 769 a 775, celebrado entre a Ré e a CC e datado de 1/1/2009, junto como Doc. n.º 2 e os E-Mails de fls. 778 e 779 (28/5/2008) e de 780 e 781 (18/3/2009), que contêm as listagens atualizadas de colaboradores da CC a prestar serviço na RTP, juntos como Doc. n.º 3.                   
[17] Em “A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei”, 2008, Coimbra Editora, págs. 111 e segs. Cfr., também da mesma autora, o texto denominado «Prestação de serviço versus cedência ilegal de trabalhadores»
[18] «Ilícita porque celebrada à margem dos esquemas de cedência de mão-de-obra permitidos pela lei, leia-se, no ordenamento jurídico português, através das ETTs (como teremos oportunidade de explanar no capítulo seguinte) e da figura da cedência ocasional (art.º 322.° do CT).» (Nota de Rodapé da autora acima transcrita)
[19] «Parece enquadrar-se nesta, descrição a matéria de facto subjacente a dois casos decididos pelo STJ. Atente-se, para o efeito, na redação das cláusulas dos contratos que estiveram na origem da potencial litigiosidade. No acórdão do STJ de 21-02-2001 (CJ, I, 2001, pp. 294 e segs.) podem ver-se: "Cláusula 1.ª - 1) A 2.ª Outorgante obriga-se a exe­cutar para a 1.ª Outorgante, dentro de prazos requeridos e com a qualidade técnica exigida pelos padrões da indústria aeronáutica, trabalhos inerentes à atividade de manutenção e de reparação de aeronaves, seus sistemas e componentes, e bem assim a realizar tarefas de natu­reza técnico-administrativa, administrativa e de serventia, de apoio aquela atividade, podendo qualquer destes trabalhos, conforme os requisitos da 1.ª Outorgante, ser efetuado nas próprias instalações desta ou nas da 2.ª Outorgante. 2) - As partes acordarão quanto aos serviços concretos a realizar-se, por categoria, quanto ao número de trabalhadores a serem neles utilizados pela 2.ª Outorgante, ficando as alterações desse acordo sujeitas aos prazos previstos na cláusula 11.ª, salvo mútuo acordo em contrário. Cláusula 2.ª Para a realização das atividades referidas no n.º 1 da cláusula anterior, a 2.ª Outorgante utilizará exclusivamente profissionais do seu quadro permanente de pessoal devidamente qualificados e certificados pela 1.ª Outorgante."
Num outro acórdão do STJ de 04-05-2005, Proc. n.º 04S1505 (www.dgsi.pt) - do contrato em questão resultava que: "os trabalhadores encarregados da execução dos serviços pelo segundo outorgante dependerão exclusivamente dele, quer jurídica quer economicamente, recebendo do mesmo as ordens, instruções e informações necessárias à boa prestação do trabalho". Mais, identificava-se a entidade prestadora como entidade patro­nal e aludia-se à sede da mesma como local normal de trabalho dos trabalhadores em causa.» (Nota de Rodapé da autora acima transcrita)


[20] »Assim, na nossa jurisprudência, ver os mencionados os acórdãos do STJ de 21-02-2001 e de 04-05-2005. Na jurisprudência espanhola, estes indícios contribuem para apurar o chamado "empregador efetivo", MONICA LLANO SANCHEZ, "Empresas de servicios, prestamismo laboral y precariedade en el empleo", RL, ano XXII, n.º 2. 2006, p. 21.» (Nota de Rodapé da autora acima transcrita)
[21] «Repare-se que nada exclui que, mesmo num contrato designado pelas par­tes como prestação do serviço, possa essa faculdade ser conferida à entidade beneficiária. Veja-se a cláusula do contrato sobre a qual se debruçou o acórdão do STJ do 21-02-2001, "a 2.ª Outorgante utilizará exclusivamente profissionais do seu quadro permanente de pes­soal devidamente qualificados e certificados pela 1.ª Outorgante." (itálico nosso).» (Nota de Rodapé da autora acima transcrita)
[22]  «Também este dado não põe em causa o critério-chave. O pagamento da retribuição pode ser efetuado por outras entidades que não aquela que exerce os pode­res do direção e autoridade, ver acórdão do STJ do 04-05-2005.» (Nota de Rodapé da autora acima transcrita)
[23] «Curiosamente, nuns dos processos acima descritos, foi a própria empresa beneficiária da atividade quem decidiu que os trabalhadores deveriam deixar de lhe pres­tar atividade.» (Nota de Rodapé da autora acima transcrita)
[24] «Itálico nosso.» (Nota de Rodapé da autora acima transcrita)
[25] «Assim procedeu o STJ no seu acórdão de 21-02-2001. Curiosa é a argu­mentação esgrimida no outro acórdão (de 04-05-2005) do mesmo tribunal. Isto por um triplo nível de raciocínio. Em primeiro lugar, o tribunal como que aproveita o facto de a interpretação-qualificação do contrato como trabalho subordinado exigir do intérprete uma análise exaustiva do comportamento das partes na fase executiva, para fazer daí decorrer que a identificação da entidade patronal se faz, não com a identificação da pessoa jurídica que outorga o contrato escrito, mas individualizando a entidade sob cujo poder de direção o trabalhador presta a sue atividade hetero-determinada. A ser assim, repare-se, a questão podia ver-se esgotada aqui. Se, para que exista um contrato de trabalho basta um vínculo contratual materialmente estabelecido entre dois sujeitos sem qualquer vínculo formal entre si, a partir daí, podia o tribunal inferir a existência de um contrato do trabalho (tacitamente concluído?) entre o trabalhador e a entidade beneficiária.
Num segundo momento, o tribunal volta-se para os contratos celebrados - o con­trato de prestação de serviço celebrado entre as duas empresas e o contrato de trabalho celebrado entre a suposta empresa prestadora e o trabalhador. Não põe em causa a qualificação dos mesmos. No entanto, reconhece que sob a capa desses mesmos con­tratos se esconde a verdadeira operação económica em causa (esta sim objeto do cen­sura jurídica). "Sob a capa de uma aparente subcontratação, o que só pretendia era colocar Autor [trabalhador] à disposição da Ré B (entidade beneficiária) para trabalhar com esta - através do um esquema do intermediação à margem daqueles que a lei admite [cedência ocasional do trabalhadores e trabalho temporário] - e para afastar a prestação de atividade do Autor a B durante mais de 9 anos do regime do contrato individual de trabalho." Para o que terá contribuído a desconformidade entre o que foi declarado e o que veio a ser executado.
Curiosamente, apesar desta formulação, em nenhum memento o tribunal se refere aqueles negócios como negócios simulados (referimo-nos à simulação objetiva). E bem vistas as coisas, a alusão à simulação não seria totalmente despicienda. Mesmo que por­ventura não estivessem verificados todos os requisitos legais, o enquadramento da simulação para tal tipo de situações mostrava-se adequado. As partes afirmam que o con­trato de prestação de serviço celebrado supõe a realização de determinada atividade, quando, na realidade, o que as partes efetivamente pretendem com a operação vem a revelar-se afinal uma prestação sui generis, a do fornecimento de trabalhadores; esta sim ilícita porque celebrada à margem dos esquemas de cedência de mão-de-obra permitidos pela lei - e no caso de ser a operação dissimulada, nula por força do art.º 241.º, n.º 1, do C. Civil. Em todo o caso, reconhecemos as dificuldades que na situação cm causa este enquadramento podia implicar por força da articulação entre o contrato de prestação do serviço e o contrato do trabalho.
Em vez disso, optou-se - a nosso ver com alguma falta de clareza - por recon­duzir quer os contratos de prestação de serviço, quer os contratos do trabalho a negócios nulos. Seja afirmando que tais negócios constituíam uma intermediação de terceiras entidades contrariando normas imperativas (quais normas imperativas? as da cedência? as normas laborais no seu todo?). Seja sustentando que constituíam negócios em fraude a lei (ao que parece fazendo apelo à tese subjetivista, rectius ao intuito fraudatório). O que não deixa de ser curioso, se pensarmos que o recurso à figura da fraude à lei esteve historicamente associado a outros contextos normativos, diversos do atual, como bem ilustra a evolução da experiência jurídica espanhola (cf. MARIA LUISA PÉREZ GUER­RERO / MIGUEL RODRIGUEZ-PIÑERO ROYO, “El artículo 43…”    cit., pp. 192 e 55.). Por um lado, foi o expediente de reação em épocas em que não havia um princípio de proibição de cedência de mão-de-obra. Por outro, foi também amplamente convocado pelos tribunais na época em que a proibição de cedência, por assumir, do ponto de vista legal, uma forma tão geral e incondicionada (isto é, antes da legalização do trabalho temporário), reclamava da parte dos tribunais uma certa “tolerância judicial” a certas formas de cessão de trabalhadores. Nessa ótica, para excluir do âmbito da proibição certas modalidades de cedência, exigia-se a verificação de elementos intencionais (ou fraudulentos)» (Nota de Rodapé da autora acima transcrita) 
[26] E que são os seguintes, reproduzindo-se para o efeito os seus Sumários:
- Aresto de 12/02/2001, processo n.º 1917/00, relator: António Pereira, em C.J./S.T.J., Ano X, 2001, Tomo I, págs. 294 a 297 (Sumário):
I - Se as partes celebraram um contrato que denominaram de prestação de serviços, mas não se provando que houve o fornecimento de certo resultado não se verifica o contrato de prestação de serviços.
II - Se os trabalhadores de certa entidade que se obrigaram a prestar o resultado da sua atividade e exercem a sua atividade a outra entidade, durante certo período, obedecendo às ordens desta na execução das suas tarefas, configura-se uma cedência ocasional.
III - Essa cedência, se não se provar o acordo dos trabalhadores, é ilícita, podendo estes optar por trabalhar para a cessionária.
IV - Essa opção tem de ser comunicada à cessionária por carta registada com aviso de receção, carta essa que pode ser substituída pela citação em ação que vise a condenação da cessionária a reconhecê-los como seus trabalhadores.
V - Tal efeito não é prejudicado se não existir comunicação à cedente.        
- Aresto de 04/05/2005, processo n.º 04S1505, relator: Vítor Mesquita, em www.dgsi.pt (Sumário):
I - A questão de determinar a entidade a quem o trabalhador está laboralmente vinculado não pode ater-se à identificação da entidade patronal em sentido formal (pessoa jurídica que outorga o contrato escrito), exigindo ao intérprete uma análise exaustiva do comportamento das partes na execução do contrato de modo a identificar a entidade sob cujo poder de direção o trabalhador presta a sua atividade hetero-determinada.
II - Estando provados factos demonstrativos de que o A. desenvolveu a sua atividade profissional integrado na estrutura organizativa de uma empresa, a par dos demais trabalhadores denominados "efetivos" desta, e sujeito às ordens, direção e fiscalização da mesma, deve considerar-se a prestação de trabalho do A. se prestou de forma juridicamente subordinada à mesma e em dessintonia, quer com o que estabeleciam os "contratos de trabalho a termo" sucessivamente celebrados entre o A. e outras sociedades (que identificavam estas como entidade patronal do A. e aludiam na respetivo clausulado à sede das mesmas como local normal de trabalho do A.), quer com os sucessivos "contratos de prestação de serviços" celebrados entre estas sociedades e a sociedade beneficiária da prestação de trabalho do A. (cujo clausulado prescrevia que os trabalhadores encarregados da execução dos serviços pelo segundo outorgante dependerão exclusivamente dele, quer jurídica quer economicamente, recebendo do mesmo as ordens, instruções e informações necessárias à boa prestação do trabalho).
III - A subcontratação não pode também constituir um expediente fraudatório, destinado a iludir as normas imperativas de Direito do Trabalho e consubstanciando uma desresponsabilização do empresário principal relativamente a um processo produtivo que se encontrava na sua esfera de direção e do qual beneficiou de forma que repugna à consciência jurídica.
IV - Os negócios jurídicos que permitem a intermediação de terceiras entidades, contrariando normas imperativas, são nulos nos termos do disposto no art.º 294.º do CC, o que sucede quando se procede ao desdobramento dos vínculos contratuais que formalmente enquadram a prestação de atividade pelo trabalhador para excluir o seu enquadramento num vínculo contratual duradouro materialmente estabelecido entre dois sujeitos sem qualquer vínculo formal entre si, que perdurou entre 1992 e 2000.
V - São nulos por fraude à lei, quer os contratos a termo subscritos pelo autor e pelas empresas ditas "subcontratadas", quer os contratos de prestação de serviços subscritos por estas e pelo empresário principal, não produzindo quaisquer efeitos no que diz respeito ao vínculo laboral permanente que se formou entre o autor e o empresário principal (através do exercício estável e continuado da atividade do primeiro de modo juridicamente subordinado ao segundo).
VI - Não tem virtualidade extintiva desde contrato por tempo indeterminado o último contrato a termo celebrado (como nenhum dos outros teve), se após a subscrição do mesmo o trabalhador continuou a desenvolver as mesmas funções e no mesmo condicionalismo de subordinação jurídica ao empresário principal, verificando-se que nenhum dos contratos escritos teve qualquer projeção na conformação ou no desenrolar da relação laboral que, entre 1992 e 2000 mantiveram o autor e o empresário principal, a qual permaneceu inalterada para lá dos seus sucessivos inícios e cessações, bem como dos interregnos mais ou menos prolongados em que a prestação de trabalho se manteve sem qualquer contrato escrito com outra entidade.
VII - Constitui ónus do trabalhador o de provar os factos constitutivos deste vínculo laboral duradouro, nada mais lhe incumbindo provar, constituindo tarefas de qualificação jurídica que ao tribunal pertencem (art.º 664 do CPC) as de saber (se se considerar que tal interessa à composição do litígio) se os contratos a termo consubstanciam contratos de trabalho temporário e se os contratos de prestação de serviços consubstanciam contratos de utilização de trabalho temporário cuja nulidade tem como consequência se considere o trabalho prestado ao utilizador com base num contrato individual de trabalho sem termo.
VIII - Não consubstancia um despedimento emitido pelo empresário principal, com a virtualidade de fazer cessar o contrato que o vinculava ao autor, a comunicação efetuada ao autor pela ré com quem celebrou o último denominado "contrato de trabalho a termo", desacompanhada de qualquer outra atitude do empresário principal demonstrativa de que este pretendia fazer cessa o contrato.        

[27] Cfr., ainda, com interesse o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/10/2007, processo n.º 07S1260, relator: Sousa Peixoto, em www.dgsi.pt (Sumário):
Provando-se que os autores prestam a sua atividade nas instalações de determinada empresa, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado, no âmbito de um processo de externalização, entre essa empresa e a empresa com quem os autores tinham celebrado contrato de trabalho e se estiver provado que a sua atividade era dirigida e orientada por um representante desta última empresa, não há fraude à lei.
[28]                                                           Artigo 21.º
Fraude à lei
Na aplicação das normas de conflitos são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente.
[29] Em “Dicionário Jurídico - Direito Civil, Direito Processual Civil e Organização Judiciária”, Setembro de 1980, Livros de Direito, Moraes Editores, pág. 251.
[30] Em “Teoria Geral do Direito Civil”, 5.ª Edição, 2008, Almedina, págs. 592 e seguintes.
[31] Cfr., quanto a esta distinção e às suas consequências jurídicas, Pedro Pais de Vasconcelos, obra e local citados.  
[32] Vd., p. ex., Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4.ª Reimpressão, Liv. Almedina, Coimbra – 1974, págs. 180-181 e 337-340. (Nota de Rodapé do acórdão transcrito no texto)
[33] Cfr., a esse respeito, os Arestos do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/7/2007, processo n.º 5032/2007-4, relator: Ferreira Marques e de 23/1/2013, processo n.º 2194/11.0TTLSB.L1-4, relator: Leopoldo Mansinho Soares, aqui se fazendo alusão, em termos doutrinários, a «PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, Código do Trabalho Anotado, 8.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, anotação I e III ao artigo 147.º por LUÍS MIGUEL MONTEIRO e PEDRO MADEIRA DE BRITO, p. 397 e seguintes».
[34] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3/4/2014, processo n.º 5/13.1T4AGD.C1, relator: Jorge Loureiro, em www.dgsi.pt
[35] Não se ignoram as objeções, aliás, espelhadas no excerto que acima reproduzimos, que a Dr.ª Joana Antunes Vicente faz na sua obra já referenciada, quanto à maneira como a jurisprudência dos nossos tribunais superiores parece evitar a abordagem de hipóteses como a dos autos na perspetiva do instituto da simulação, mas dir-se-á que a factualidade dada como assente nesta ação, bem como os documentos que a complementam, não permitem aferir, com um mínimo de rigor e objetividade, a celebração desses acordos simulatórios entre a RTP e as duas empresas (“de palha”, como se usa dizer na gíria).   
[36] Já no âmbito da LCT, a nossa doutrina sustentava o seguinte, quanto à destrinça entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços:
- Dr. Luís Brito Correia, “Direito do Trabalho”, I – Relações Individuais, Universidade Católica, Lisboa, 1981, págs. 88 e seguintes:
“ (...) 2. O trabalhador obriga-se a prestar um facto, não uma coisa: diversamente do que acontece no arrendamento ou no aluguer.
E esse facto é uma atividade, isto é, um determinado tipo de atos sucessivos orientados para um fim, e não o resultado dessa atividade: diferentemente do que se passa com os contratos de trabalho autónomo...
Isto não significa que o resultado da atividade do trabalhador seja juridicamente irrelevante. Não basta a simples prática formal dos atos determinados pela entidade patronal, para que a obrigação do trabalhador possa ter-se por cumprida. É necessário que o trabalhador exerça a sua atividade com diligência e lealdade, o que envolve a obrigação de fazer certo grau de esforço e de o orientar para o resultado pretendido pela entidade patronal, na medida em que seja conhecido. Mas o contrato considera-se cumprido (e a retribuição devida) desde que seja prestada a atividade com diligência e lealdade, mesmo que o resultado pretendido não seja alcançado.
Essencial é que o trabalhador coloque a sua capacidade de trabalho à disposição da entidade patronal. O trabalhador cumpre a sua obrigação desde que obedeça às ordens recebidas: se a entidade patronal não lhe der que fazer, considera-se cumprida a obrigação de prestar trabalho, apesar de o trabalhador estar efetivamente inativo, desde que esteja pronto a trabalhar. (...)
3. A atividade do trabalhador é, como regra, uma atividade duradoura, exercida normalmente (mas não necessariamente) como profissão. Por isso, pode dizer-se que o contrato de trabalho é um contrato de execução sucessiva ou continuada. E mais frequentemente sem prazo.
Quer o trabalhador, quer a própria entidade patronal têm, em regra, interesse na estabilidade da relação de trabalho, embora por motivos diferentes. (...)
A entidade patronal tem o poder de determinar em cada momento ou de forma genérica (através de ordens ou instruções, v. g., regulamento interno) o modo ou o conteúdo e circunstâncias da prestação de trabalho... E o trabalhador deve obediência à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina de trabalho...
Trata-se aqui, em todo o caso, de uma situação de dependência potencial: basta que a entidade patronal tenha o poder de dar ordens e de aplicar sanções; não é preciso que as dê ou as aplique constantemente”.
- Dr. Galvão Teles, Contratos Civis, em BMJ n.º 83, página 166:
A subordinação consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a atividade em si mesma, quando mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação”.
- Dr. Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação anotada, Petrony, 1983, págs. 10 e seguintes:
A qualificação do trabalho como subordinado ou autónomo, torna-se por vezes difícil, e o único critério legítimo está em averiguar se a atividade é ou não prestada sob a direção, ordens e fiscalização da pessoa a quem ela aproveita – o critério da subordinação jurídica.
Porém, em casos duvidosos e complexos, será útil ao intérprete, atender a uma série de elementos objetivos que, devidamente ponderados e articulados (e nunca inferindo de qualquer deles isoladamente), poderão, com alguma segurança, indicar a autonomia ou subordinação, como sejam:
1.º) Natureza do objeto do contrato: promessa de um resultado (trabalho autónomo) ou promessa de uma simples atividade (trabalho subordinado);
2.º) Índole da prestação do trabalho: intelectual e criadora (trabalho autónomo) ou manual (trabalho subordinado);
3.º) Propriedade dos instrumentos de trabalho: se dela é titular o trabalhador (trabalho autónomo), ou a outra parte (trabalho subordinado);
4.º) Existência (trabalho autónomo) ou inexistência (trabalho subordinado) de colaboradores dependentes do trabalhador;
5.º) Incidência do risco da execução do trabalho: sobre o trabalhador (trabalho autónomo) ou sobre a outra parte (trabalho subordinado);
6.º) Prestação do trabalho a várias pessoas (trabalho autónomo), ou exclusivamente a uma (trabalho subordinado);
7.º) Fixação da remuneração: em função do resultado (trabalho autónomo) ou em função do tempo de trabalho (trabalho subordinado).
Ver, ainda, a opinião bastante crítica relativamente ao “método indiciário” largamente utilizado pela nossa jurisprudência e doutrina expressa pelo Dr. Albino Mendes Baptista em “Jurisprudência do Trabalho Anotada - Relação Individual de Trabalho”, 3.ª Edição, 1999, Quid Juris, págs. 17 a 63, defendendo tal autor, em contraponto aquele método, o “método tipológico”, isto é, uma operação metodológica que não é de mera subsunção ao tipo contratual legalmente definido dos indícios encontrados mas pressupõe antes um juízo de valoração dos referidos sinais, extraídos da execução efetiva do acordo, de forma a procurar qualificar corretamente o contrato concreto em presença, sem perder de vista também a indagação da vontade das partes na concretização do mesmo - cf. obra citada, págs. 54 a 56
[37] Igualmente no quadro do regime anterior ao Código do Trabalho de 2003, cf., quanto à jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, os inúmeros Arestos citados por Abílio Neto, Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 13.ª Edição, 1994, Ediforum, Lisboa, págs. 49 e seguintes e Dr. Luís Pedro Moitinho de Almeida, “ Código de Processo do Trabalho Anotado “, 3.ª Edição, Coimbra Editora Lda., págs. 22 e seguintes.

[38] Relativamente à circunstância da retribuição do Autor não ser paga pela RTP mas pelas empresas intermediárias, recorde-se o que Joana Antunes Vicente afirma a esse respeito, em nota já antes transcrita: «Também este dado não põe em causa o critério-chave. O pagamento da retribuição pode ser efetuado por outras entidades que não aquela que exerce os pode­res do direção e autoridade, ver acórdão do STJ do 04-05-2005.»
Cfr., ainda, o Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 17/10/2012, Apelação n.º 299/11.7TTALM.L1, relator: José Eduardo Sapateiro (sendo os dois Juízes Desembargadores que igualmente o subscrevem, os adjuntos do presente Aresto), com o seguinte Sumário parcial (inédito):
III - Não desresponsabiliza juridicamente nem lhe retira essa qualidade, a circunstância de um empregador, que celebrou com um trabalhador um contrato de trabalho, não ser quem, a final (por razões contabilísticas e internas do grupo económico onde se insere ou outras), liquida ao segundo uma parte da contrapartida pecuniária devida pelo trabalho prestado.     
           
[39] Cfr. Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, alterado pelas Leis n.ºs 39/96, de 31 de Agosto, 146/99, de 1 de Setembro e 99/2003, de 27 de Agosto - que aprovou o Código do Trabalho de 2003 - e Lei n.º 19/2007, de 22 de Maio, que foi alterada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro - que aprovou o Código do Trabalho de 2009 - e revogada pelo Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de Setembro, bem como o Decreto-Lei nº 260/2009, de 25 de Setembro, alterado pela Lei n.º 5/2014, de 12 de Fevereiro, respeitante ao Regime Jurídico do Exercício e Licenciamento das Agências Privadas de Colocação e das Empresas de Trabalho Temporário.
[40] Em “Cedência ocasional de trabalhadores”, texto publicado em Questões Laborais, Ano XII, 2005, n.º 25, Coimbra Editora, págs. 77 e seguintes.  
[41] Deve respeitar e tratar com urbanidade o cessionário e todos os que integram a sua estrutura, cumprir as ordens que desta dimanem, executar a sua atividade de acordo com a programação definida pelo cessionário, etc.
[42] «As palavras são de MARIA REGINA REDINHA, “A relação laboral fragmentada”, cit., p. 122.» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
[43] MARIA REGINA REDINHA, “A relação laboral fragmentada”, cit., p. 153, nota 364. Em sentido idêntico, CATARINA CARVALHO, “Da mobilidade dos trabalhadores no âmbito dos grupos de empresas nacionais”, cit., p. 276» (Nota de Rodapé do autor transcrito)
 
[44] Recorde-se aqui o último Ponto do Sumário desse Aresto: «V - Tal efeito não é prejudicado se não existir comunicação à cedente.»
[45] Cfr. respetivamente, os BTE n.ºs 14/2005 (SMAV e outros), 11/2006 (SMAV e outros), 29/2006 (STT e outros), 21/2006 (Sindicato dos Jornalistas), 31/2006 (Adesão do SINDELTECO à ACT do SMAV, publicado no BTE n.º 11/2006), 16/2007 (STT e outros) e 22/2007 (SMAV e outros).   
[46] Ver, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/1/2013, processo n.º 4193/06.5TTLSB.L1 relator: José Eduardo Sapateiro (sendo os dois Juízes Desembargadores que igualmente o subscrevem, os adjuntos do presente Aresto), com o seguinte Sumário (inédito):  
«A regulamentação coletiva é aplicável a uma determinada relação de trabalho por força do princípio da dupla filiação – isto é, quando o empregador e o trabalhador estão inscritos nas associações subscritoras do mesmo –, em virtude da publicação de um Regulamento de Extensão ou ainda nos termos das cláusulas de remissão para tal regulamentação que se mostrem inseridas no respetivo contrato de trabalho.»   
Decisão Texto Integral: