Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
271/13.2YHLSB.L3-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Ultrapassado o período de 2 meses a contar da publicação no BPI, a “modificação” das decisões proferidas pelo INPI apenas pode vir a ter lugar por via judicial, e no âmbito de processo de declaração de nulidade e anulação dos direitos de propriedade industrial, previsto no art. 35º do CPI.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


... – ..., LLC recorreu da decisão proferida pela Direcção de Marcas e Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 27.5.2013, publicada no Boletim da Propriedade Industrial (BPI) nº 105/2013, de 4.6.2013.

Alegou, em síntese:

Tendo sido concedidos a pedido da requerida ... Budvar, National Corporation, os registos das Indicações Geográficas (I.G.) nºs 96, 97 e 98, constituídas respectivamente pelas expressões ... Budvar, BeerFromBudweise BudejovickyBudvar,por despachos de 4.6.2012, publicados no BPI nº 110/2012, de 8.6.2012, a recorrente não foi tempestivamente notificada de tais decisões apesar de ter reclamado contra essa pretensão da requerida e de ser parte interveniente no processo administrativo, pois apenas por ofícios de 13.3.2013 o INPI lhe deu a conhecer que haviam sido concedidos tais registos.

Assim, requereu, em 2.4.2013, ao INPI, naqueles referidos processos de registo, a sanação de tais irregularidades, alegando que a omissão de notificação tempestiva inquinara a eficácia das decisões de concessão e era ofensiva do seu direito de defesa, pedindo que fosse dada sem efeito a publicação das mesmas no mencionado BPI, o que foi indeferido pelo despacho ora sob recurso, que deve ser anulado e declaradas ineficazes as notificações feitas pelo INPI, que devem ser repetidas.

Em todo o caso e sem prescindir, os pedidos de registo em questão violam o Regulamento (EU) nº 1151/2012, de 21.11.2012, e o Despacho Normativo nº 47/97, de 11.8.

Os sinais distintivos em questão não correspondem a qualquer indicação geográfica e a recorrida não procedeu também às especificações estabelecidas na lei, pelo que devem ser recusados.
Cumprido o disposto no art. 43º do CPC, pronunciou-se o INPI, remetendo o processo administrativo para apensação.

Foi proferido despacho que não admitiu o recurso interposto pelo recorrente, por extemporâneo, tendo sido interposta apelação que veio a ser julgada procedente, por decisão singular de 20.01.2014, considerando o recurso tempestivo e determinando a subsequente tramitação dos autos.

Citada, a requerida pronunciou-se propugnando pelo indeferimento do recurso, por intempestivo, bem como por ilegitimidade e falta de interesse em agir da recorrente, ou, assim não se entendendo, sustenta a sua total improcedência.

O tribunal proferiu despacho declarando-se incompetente para conhecer do recurso apresentado, tendo sido interposta apelação que veio a ser julgada procedente, por acórdão de 27.10.2015, declarando o tribunal recorrido materialmente competente.

Foi, então, proferida sentença que julgou o recurso globalmente improcedente, e, consequentemente, manteve o despacho recorrido de 27 de Maio de 2013, publicado no Boletim da Propriedade Industrial nº 105/2013, de 4 de Junho de 2013.

Não se conformando com o teor da sentença, dela apelou a recorrente, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1.O objecto da apelação é a douta sentença proferida nos autos em 29.1.2016, que julga o recurso interposto globalmente improcedente e, consequentemente, mantém o despacho recorrido de 27.5.2013, publicado no B.P.I. n.º 105/2013, de 4.6.2013.
2.Na sentença recorrida não se respeitou o decidido nestes autos pela Relação de Lisboa, em 20.01.2014 e em 27.10.2015, decisões que transitaram em julgado.
3.Na decisão singular de 20.01.2014 foi decido que o recurso do despacho da Senhora Directora de Marcas e Patentes do I.N.P.I. de 27.5.2013, publicado no B.P.I. n.º 105/2013, de 04/06/2013, foi apresentado tempestivamente, tendo-se concluído o seguinte: «Deste modo, na procedência do recurso, revoga-se a decisão substituindo-se por outra que considera o recurso em tempo e seguindo-se a subsequente tramitação processual».
4.Surpreende que, agora, de novo, o Tribunal a quo decida que o recurso é extemporâneo.
5.Mais uma vez, o Tribunal a quo não aprecia nem decide sobre a questão material controvertida, que considera prejudicada, por considerar, de novo, que o recurso foi interposto intempestivamente.
6.Isto, contrariando o acórdão Relação de Lisboa de 27.10.2015, proferido nestes autos, onde se decidiu o seguinte: «Aceitando-se que constituem atos administrativos todos os praticados pelo INPI, não podemos ignorar que os enunciados no art. 39.º do C.P.I. são nos termos da lei, do foro comum, neles se integrando, para além dos que (directamente) concedam ou recusem direitos de propriedade industrial, também os relativos a atos que afectem esses direitos. É precisamente o caso. A recorrente, mal ou bem, pretendeu com a pretensão formulada pôr em causa a concessão do registo de determinadas Indicações Geográficas. Em consequência, a decisão proferida a tal propósito, ainda que rejeitando o pedido por razões de índole processual e não de mérito, respeita inevitavelmente a ato que afecta tais direitos, inserindo-se, desse modo e de acordo com os normativos acima citados, nas competências próprias dos tribunais comuns para decidir dos atos do INPI. Cumpre, por isso, revogar a decisão recorrida, e julgar o Tribunal a quo materialmente competente para conhecer do recurso interposto.» - sublinhados nossos.
7.Nas citadas decisões do Tribunal da Relação de Lisboa considerou-se que o despacho da Senhora Directora de Marcas e Patentes de 27.5.2013, que foi publicado no B.P.I. n.º 105/2013, de 04.6.2013, é um acto é recorrível e que o recurso interposto do mesmo foi tempestivo.
8.Contrariando o decidido, o Tribunal a quo rejeitou o recurso, de novo, e com o mesmo fundamento de direito (extemporaneidade da interposição do recurso), tendo-se abstido, mais uma vez, de conhecer do mérito, isto é, da questão material controvertida.
9.Para além de ter violado o(s) caso(s) julgado(s) das decisões proferidas pela Relação de Lisboa nos presentes autos, a sentença recorrida enferma de nulidade, por o juiz não se ter pronunciado sobre questões que devesse apreciar, nos termos do artº 615º, nº 1, alínea d) do CPC.
10.Por isso, deve ser declarada a nulidade da sentença recorrida e determinado ao Tribunal a quo, mais uma vez, que se digne julgar o recurso interposto nos autos, quanto à questão de fundo.
11.Uma vez que o presente processo se situa no domínio da jurisdição plena (art.º 39.º, n.º 1 do C.P.I.), pede-se ao Tribunal ad quem que se digne decidir a questão material controvertida, ou, se assim não o entender, que determine ao Tribunal a quo que o faça.
12.Para tanto, importa ter em consideração o contexto em que foi proferida a concreta decisão administrativa recorrida nos autos: o I.N.P.I. notificou o Agente Oficial da Propriedade Industrial da Recorrente (Dr. Jorge Cruz), por ofícios de 13/03/2013, de que tinham sido concedidos os registos das I.G. n.ºs 96, 97 e 98, por despachos proferidos em 04/06/2012, publicados no B.P. n.º 110/2012, de 08/06/2012 – vd. factos provados 12.
13.Essas “notificações” foram actos absolutamente inúteis, por extemporâneos, destinados a tentar “sanar”, a posteriori, omissões do I.N.P.I. (de notificação das suas decisões à ora Recorrente), visto que, à data em que tais notificações foram realizadas (13/03/2013), já havia
precludido o prazo para a interposição de recurso dos actos notificados, há mais de 7 (sete) meses, isto é, em 08/08/2012 – cf. art.º 42.º do C.P.I.
14.A Recorrente não foi notificada dos referidos despachos de concessão do I.N.P.I., em tempo útil, nos termos do art.º 16.º, n.º 1, 1.ª parte do C.P.I., preceito que, nos casos em que tenha havido reclamação contra um pedido de registo, dispõe que «As partes intervenientes no processo administrativo são notificadas das decisões finais do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (…)».
15.Nos termos dessa norma legal, as notificações dos mencionados despachos de concessão ao mandatário da Recorrente nos processos de registo teriam de ser efectuadas antes de precludido o prazo de recurso, por a sua finalidade consistir em dar a conhecer aos interessados o sentido da decisão, incluindo a sua fundamentação, bem como dar conhecimento da publicação oficial do aviso da decisão, para efeitos de eventual impugnação judicial – art.º 39.º, al. a) do CPI/2008.
16.E não se diga, como na sentença, que com a publicação de um mero aviso de concessão de um registo, o interessado já poderia, querendo, recorrer, visto que, sem a notificação do próprio despacho, o interessado não tem conhecimento dos fundamentos da decisão, para os poder impugnar, de forma totalmente esclarecida, como é seu direito.
17.A notificação de uma decisão do I.N.P.I. às partes intervenientes no processo de registo é uma formalidade essencial e obrigatória (por prevista na lei), residindo a sua ratio em dar-lhes a conhecer o sentido da decisão (concessão ou recusa), o seu autor, a fundamentação (de facto e de direito) e a data em que foi ou será publicitado o acto no B.P.I., do aviso da decisão (do qual não consta o conteúdo substancial da decisão, para que, com conhecimento pleno, possam exercer os direitos de impugnação da decisão.
18.As referidas notificações não são meras formalidades, que possam ser cumpridas em qualquer data, antes se exige que, para cumprirem a sua finalidade, sejam efectuadas em tempo razoável e útil, isto é, no mínimo, dentro do prazo de 2 meses a contar da publicação da decisão final, de forma a alertar os interessados para exercerem, atempadamente, os meios impugnatórios que a lei lhes reconhece.
19.No caso, o I.N.P.I. notificou o Agente Oficial da Propriedade Industrial que representava a Reclamante (ora Recorrente) nos processos de registo das I.G. n.ºs 96, 97 e 98, mais de 7 (sete) meses depois da prolação do prazo impugnatório, tendo-se limitado a tentar “sanar” o vício de falta de notificação (tempestiva) com a prática de actos inúteis (intempestivos).
20.Após essas “notificações”, a Recorrente requereu ao I.N.P.I., em 2.4.2013, nos processos de registo das I.G. n.ºs 96, 97 e 98, que essas violações do princípio geral de que todas as formalidades previstas na lei são essenciais e obrigatórias, fossem sanadas.
21.A Sr.ª Directora de Marcas e Patentes do I.N.P.I., por despacho exarado em 27.5.2013, notificado à Recorrente em 29.5.2013 e publicado no B.P.I. n.º 105/2013, de 4.6.2013, indeferiu esses requerimentos, por ter considerado que o dever de notificação fora cumprido em… 13.3.2013 !
22.Quando a Recorrente foi notificada dos referidos despachos (tardiamente, por responsabilidade exclusiva do I.N.P.I.), interpôs recurso dos mesmos e tempestivamente.
23.A matéria desse recurso é, primacialmente, a ineficácia dos despachos de concessão dos registos das I.G. n.ºs 96, 97 e 98, e não a validade destes.
24.Quando no art.º 39.º, al. a) do CPI/2008 o legislador se refere aos recursos das decisões do I.N.P.I. que concedam ou recusem direitos de propriedade industrial, abrange, sem nenhuma distinção, tanto os recursos cujo objecto seja a (in)validade desses actos, como os que tenham por objecto a sua (in)eficácia.
25.Razões por que se pede a esta Relação – ou, se assim não se entender, ao Tribunal a quo – que declare a ineficácia dos despachos de concessão dos registos das I.G. n.ºs 96, 97 e 98, por falta de notificação tempestiva dos mesmos à Reclamante/Recorrente, e dar sem efeito as publicações (muito anteriores às notificações) no B.P.I. n.º 105/2013, de 4.6.2013, e,
26.em consequência, sendo determinado ao I.N.P.I. que efectue novas notificações daqueles despachos à Reclamante/Recorrente e, de seguida, que o mesmo I.N.P.I. efectue novas publicações das decisões de concessão dos registos das I.G. n.ºs 96, 97 e 98.

Termina pedindo a procedência total da apelação.

Não se mostram juntas contra-alegações.

O tribunal recorrido proferiu despacho no sentido de não se verificar qualquer invalidade da decisão proferida.


QUESTÕES A DECIDIR.

Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) as questões a decidir são:
a)da violação de caso julgado relativamente às decisões proferidas por este tribunal em 20.01.2014 e 27.10.2015;
b)da nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
c)do mérito da causa.
Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Na 1ª instância foram dados como assentes os seguintes factos:

1.Em 06/10/1997 a sociedade checa ... BUDVAR, NATIONAL CORPORATION requereu o registo das Indicações Geográficas (I.G.) n.ºs 96, 97 e 98, constituídas, respectivamente, pelas expressões “... BUDVAR”, “BEER FROM BUDWEIS” e “BUDEJOVICKY BUDVAR”.
2.A Recorrente reclamou contra esses pedidos de registo, tendo a Recorrida contestado.
3.Ambas as partes submeteram exposições suplementares.
4.Por despachos do Director de Marcas e Patentes do INPI, por subdelegação de competências, foram recusados os registos das I.G. nºs 96, 97 e 98, com fundamento no disposto no artº 253º, al. b) do CPI (na redação do Decreto-Lei n.º 15/95, de 24/01, adiante designado por “CPI/95”), por ter sido considerado que as expressões “... BUDVAR”, “BEER FROM BUDWEIS” e “BUDEJOVICKY BUDVAR” não deveriam ser consideradas indicações geográficas, de harmonia com o disposto no artº 249º do CPI/95.
5.A Recorrida interpôs recurso hierárquico dessas decisões, em 22/02/2002, tendo a Recorrente contestado, em 11/03/2002.
6.Por despachos de 04/07/2002 foram mantidas as decisões de recusa dos referidos registos.
7.A Recorrida interpôs recursos dessas decisões para o Tribunal de Comércio de Lisboa, tendo a Recorrente apresentado resposta, pugnando pela manutenção das decisões recorridas.
8.Por sentenças de 10/03/2003, o Tribunal de Comércio de Lisboa decidiu anular os despachos de recusa dos registos das I.G. nºs 96, 97 e 98, determinou que os processos de registo fossem devolvidos ao INPI e que este teria de produzir novas decisões, depois de sanar os vícios de que enfermavam as decisões anuladas.
9.Em execução das referidas sentenças, o INPI notificou a requerente dos registos para apresentar «as condições tradicionais ou regulamentadas do uso da denominação ou da indicação e os limites da respetiva localidade, região ou território».
10.A Recorrida requereu a junção de documentos aos processos, visando demonstrar a verificação dos requisitos exigidos no artº 252, nº 1, al. c) do CPI/95.
11.A Recorrente respondeu a esses requerimentos, defendendo que os documentos apresentados não permitiam regularizar a instrução dos pedidos de registo, nos termos exigidos por lei, tendo alegado, ainda, que os pedidos de registo deveriam ser recusados, também, nos termos do disposto nos arts. 24º, nº 1, al. b) e nº 2, com referência aos artºs 305º, nº 3, 306º e 307º, nº 1, al. c) do CPI (na redação do Decreto-Lei n.º 36/2003, de 05/03, vigente à data).
12.O INPI notificou o Agente da Propriedade Industrial da Recorrente (Jorge Cruz), por ofícios de 13/03/2013, de que tinham sido concedidos os registos das I.G. nºs 96, 97 e 98, por despachos proferidos em 04/06/2012, publicados no Boletim da Propriedade Industrial nº 110/2012, de 08/06/2012.
13.Em 02/04/2013, a Recorrente requereu ao INPI, nos processos de registo das I.G. nºs 96, 97 e 98, que fossem sanadas essas irregularidades, alegando que a omissão de notificação tempestiva inquinara a eficácia das decisões de concessão e era ofensiva dos direitos de defesa da Recorrente, requerendo que fosse dada sem efeito a publicação das mesmas no BPI nº 110/2012.
14.A Directora de Marcas e Patentes do INPI, por despacho exarado em 27/05/2013, notificado à Recorrente em 29/05/2013 e publicado no BPI nº 105/2013, de 04/06/2013, indeferiu esses requerimentos.
*

Nos termos do disposto no arts. 607º, nº 4 e 663º, nº 2 do CPC, tem-se, ainda, como assente:
15.A notificação a que se alude em 12. foi efectuada em resposta aos requerimentos da recorrente de 7.3.2013, nos quais requereu a notificação da decisão proferida no âmbito dos pedidos de registo em causa (IG nº 96, 97 e 98), “em virtude de até ao momento não ter sido notificada da mesma, nos termos do art. 16º, nº 1 do CPI” (fls. 489 e 490, fls. 762 a 764, e fls.624 a 626, dos processos administrativos apensos relativos às IG nºs 96, 97 e 98, respectivamente).
No que, ora, importa, e no essencial, é o seguinte o teor das decisões judiciais proferidas nos presentes autos:
16.Despacho proferido a 16.10.2013: “O recorrente ...-..., LLC veio interpor recurso da decisão do INPI, IP, nos termos do art. 39º do CPI. Conforme resulta do disposto no art. 42º, do CPI, o recurso deve ser interposto no prazo de dois meses a contar da publicação no BPI. A decisão do INPI foi proferida a 27.5.2013, notificada ao recorrente em 29.5.2013 (doc. de fls. 72, 73 e 74), e foi publicada no BPI em 4.6.2013. O recurso em apreço deu entrada em juízo a 5.9.2013. Do que fica exposto concluímos, sem qualquer dúvida, que o recurso interposto pelo recorrente é intempestivo. Assim, de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 39º e 42º do CPI, não admito o recurso interposto pelo recorrente por extemporâneo. …”.
17.Decisão singular da Relação de Lisboa de 20.01.2014: “… Relembre-se que face ao disposto no art. 42º do CPI o prazo para recorrer é de dois meses a contar da publicação no BPI, sendo que no caso, a decisão foi proferida em 27.5.2013 e publicada em 4.6.2013. O despacho em causa refere que o recurso deu entrada em juízo em 5.9.2013. No entanto não é assim, uma vez que, tendo o recurso sido tramitado via “citius” do mesmo se alcança ter dado entrada em 2.9.2013, como de forma evidente se conclui de fls. 24, … Ora, sendo o prazo para recurso de dois meses o mesmo terminaria em 4.8.2013, por conseguinte, em férias judiciais. Nessa medida transfere-se ou não a prática de tal acto para o primeiro dia útil seguinte, isto é, 2.9.2013 ? Se se responder afirmativamente, o recurso estará em prazo. O tribunal entendeu, no entanto, que não, porquanto, … “Ao prazo de propositura de acções não se aplica a suspensão de prazos judiciais” … “o prazo de propositura de uma acção como prazo substantivo que é e porque respeita a período de tempo exigido para exercício de direitos materiais, de acordo com o art. 298º, nº 2, do CC, são-lhes aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição” … Por conseguinte, terminando no decurso das férias aceita-se que a acção não tem de ser intentada senão no primeiro dia útil seguinte ao seu termo, pois que em tal situação imperam as mesmas razões de direito ditadas pela aplicação da regra da alínea e) do art. 279º do Código Civil, que determina que recaindo o termo do prazo para a prática do acto em tribunal no período de férias judiciais, o mesmo se transfere para o 1º dia útil após esse período. Por conseguinte, não se trata de suspensão do prazo que, obviamente, não pode ser suspenso. Tão só a conclusão que a prática de acto judicial – no caso interposição de recurso – cujo prazo tem natureza substantiva e que termina em férias, se concretize, se pratique, se transfira para o primeiro dia útil subsequente. É o caso. … Deste modo, na procedência do recurso, revoga-se a decisão substituindo-se por outra que considera o recurso em tempo, seguindo-se a subsequente tramitação processual. …”.
18.Despacho proferido a 17.11.2014: “A recorrente ...-..., LLC veio interpor recurso “do despacho da Sra. Directora de Marcas e Patentes do INPI, de 27.5.2013, publicado no BPI nº 105/2013, de 4.6.2013 (…)”. … Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a questão essencial relativa ao presente recurso deverá ser equacionada numa perspectiva diferente da que até agora tem sido. Com efeito, o recurso é circunscrito ao despacho supra referido, conforme é expressamente delimitado pela recorrente. Nos requerimentos sobre os quais recaiu esse despacho, pretendia a ora recorrente, em suma que: fosse dado sem efeito o despacho de concessão das marcas em causa e dada sem efeito as suas publicações no BPI; seja efectuado novo exame; e, que a mesma seja notificada da decisão final na sequência deste novo exame. A decisão recorrida acabou por indeferir os requerimentos, em síntese, por entender que a lei não lhe permite alterar as suas decisões por requerimento das partes, com excepção do pedido de modificação oficiosa nos termos do art. 23º do CPI. Assim, a decisão em causa limitou-se exclusivamente a entender que nada poderia modificar do que já tinha sido decidido. Aliás, quanto a nós, era a única decisão possível pois não existe qualquer fundamento legal para que tal pudesse ser efectuado. As decisões finais do INPI quanto aos registos só podem ser impugnadas judicialmente, ou por recurso da decisão administrativa (arts. 23º, 39º e 42º do CPI) ou por posterior acção de nulidade ou anulação (art. 35º do CPI). No entanto, conforme entendemos, existe uma questão prévia que impede o tribunal de apreciar e decidir em concreto nestes autos a questão de fundo destes autos, uma vez que o despacho em crise não é recorrível para este tribunal. … Assim, o recurso para este tribunal é inadmissível. Não se trata assim, conforme entendemos, de um problema de prazo, mas sim de recorribilidade, nos termos em que o recurso foi apresentado. A competência para conhecer dos restantes despachos ou decisões do INPI, como puras decisões administrativas que consistem, são de competência dos tribunais administrativos, se se verificarem os restantes requisitos para a sua admissão por estes. … Face ao que se deixa dito e tendo em conta as disposições legais invocadas, declara-se este tribunal incompetente para conhecer do recurso apresentado, indeferindo-se o mesmo e absolvendo-se a requerida da instância …”.
19.Acórdão da Relação de Lisboa de 27.10.2015: “… A questão está em saber se a decisão do INPI ora sob escrutínio concede ou recusa direito de propriedade industrial ou é relativa a transmissão, licença, declaração de caducidade ou a qualquer outro acto que afecte, modifique ou extinga direitos de propriedade industrial, pois só dessas cabe recurso para o Tribunal de Propriedade Industrial. A nosso ver, a dúvida só poderá colocar-se verdadeiramente quanto à última hipótese, afigurando-se que nenhuma das situações anteriores se verifica. … Ou seja, sem tomar posição sobre o acerto do caminho escolhido ou sobre a bondade da pretensão formulada, parece inegável que a recorrente procurou, directa e indirectamente, através do pedido dirigido ao INPI e do recurso instaurado em 1ª instância, pôr em causa os referidos registos das IG nºs 96, 97 e 98, não deixando, por isso, a decisão proferida pelo INPI que indeferiu a sua pretensão de afectar os aludidos direitos de propriedade industrial. Assinala-se que, para além de arguir irregularidades processuais do processo administrativo de concessão dos registos das ditas I.G., a recorrente não deixou de reiterar também junto do Tribunal da Propriedade Intelectual que os aludidos pedidos de registo respectivos violam normas legais, que os sinais distintivos em questão não correspondem a qualquer indicação geográfica e que a recorrida não procedeu às especificações estabelecidas na lei, assim questionando de forma directa a mencionada concessão. Ou seja, a recorrente pretende, em última análise, ver revistos os despachos de concessão dos registos das I.G. nºs 96, 97 e 98. Ora, estando em causa a apreciação de matéria relativa à subsistência e validade das decisões que haviam concedido os registos, temos forçosamente de entender que o indeferimento do INPI constitui acto que afecta direitos de propriedade industrial, devendo, por isso, considerar-se inserido nas competências próprias do Tribunal da Propriedade Intelectual. Está bem de ver que esta conclusão nada tem que ver, repetimos, com qualquer juízo de valor sobre a pretensão formulada e muito menos implica o seu deferimento. Trata-se aqui apenas de saber se a apreciação do respectivo mérito cabe aos tribunais judiciais (em concreto, ao Tribunal da Propriedade Intelectual) ou à jurisdição administrativa. Diga-se, aliás, que a consideração feita na decisão ora recorrida de que “a decisão que concedeu a marca configura-se como já não passível de recurso”, constitui, ela mesma, um juízo de fundo sobre a pretensão formulada que, salvo o devido respeito, contende com a conclusão final de que o Tribunal a quo não era materialmente competente para decidir. Aceitando-se que constituem actos administrativos todos os praticados pelo INPI, não podemos ignorar que os enunciados no art. 39º do CPI são, nos termos da lei, do foro comum, neles se integrando, para além dos que (directamente) concedam ou recusem direitos de propriedade industrial, também os relativos a actos que afectem esses direitos. É precisamente o caso. A recorrente, mal ou bem, pretendeu com a pretensão formulada pôr em causa a concessão do registo de determinadas Indicações Geográficas. Em consequência, a decisão proferida a tal propósito, ainda que rejeitando o pedido por razões de índole processual e não de mérito, respeita inevitavelmente a acto que afecta tais direitos, inserindo-se, deste modo e de acordo com os normativos acima citados, nas competências próprias dos tribunais comuns para decidir dos actos do INPI. … Termos em que e face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando, por consequência, a decisão recorrida e julgando o Tribunal a quo materialmente competente para conhecer do recurso interposto. …”.
20.Sentença recorrida: “A recorrente ...-..., LLC veio ao abrigo do Código da Propriedade Industrial apresentar recurso “do despacho da Sra. Directora de Marcas e Patentes do INPI, de 27.5.2013, publicado no BPI nº 105/2013, de 4.6.2013 (…)”, que indeferiu os seus requerimentos, nos quais pretendia que fosse dado sem efeito os despachos de concessão das IG nºs 96, 97 e 98 bem como a respectiva publicação dos mesmos no BPI, se proceda a novos exames e se notifique então a requerente nos termos do artigo 16º do CPI nessa sequência. Alegou no essencial que não foi notificada nos termos do artigo 16º do CPI sendo que o agente da propriedade industrial que a representa só foi notificado em 13.3.2013 quando a publicação no BPI já havia ocorrido em 8.6.2012. Alegou ainda de seguida razões substantivas porque entende que tais despachos devem ser dados sem efeito. A recorrida "... Budvar, National Corporation", respondeu ao recurso apresentado, defendendo entre o mais, a falta de interesse em agir da recorrente e a ineptidão do requerimento inicial. … Vem a recorrida defender a ineptidão da petição inicial por não se compreender o pedido da recorrente. Ora, conforme se constata, a petição inicial da recorrente não deixa dúvidas que o que esta pretende, em primeiro lugar é a revogação do despacho em causa ou “anulação” como refere. De qualquer forma, sempre se dirá que a alegada ineptidão nunca se verificaria, pois resulta claramente da contestação apresentada pela recorrida que compreendeu perfeitamente a causa de pedir e o pedido da recorrente …. Não podemos deixar de referir que efectivamente parece existir alguma confusão da recorrente com os vários pedidos que refere na sua pi. de recurso. Com efeito, a mesma pede desde logo a “anulação” dos despachos que indeferiram os seus pedidos por terem sido considerados intempestivos. Ou seja, pede que o Tribunal os considere tempestivos por falta de notificação atempada das decisões tomadas que com esses requerimentos pediam que fossem revistas. Ora, o INPI não tomou qualquer decisão de mérito sobre os argumentos apresentados pela recorrente, mas apenas uma decisão de indeferimento por razões adjectivas de prazos. Assim, os restantes pedidos da recorrente não poderiam aqui ser apreciados. Efectivamente, se por um lado o Tribunal entender que a recorrente tem razão, então terá que revogar o despacho do INPI e devolver os processos para que o mesmo aprecie as razões substantivas invocadas e nunca, anular o despacho e decidir imediatamente sobre a matéria que o INPI não chegou sequer a apreciar. Com efeito, sendo este Tribunal uma instância de recurso, só após apreciação e decisão do INPI sobre as razões substantivas alegadas poderia apreciar as questões aí levantadas, e de acordo com a decisão que o INPI viesse a tomar (que poderia nem existir, pois o INPI poderia, hipoteticamente, dar razão à ora recorrente se apreciasse o mérito da reclamação). Por outro lado, sendo a decisão negativa, então quaisquer dos pedidos efectuados ficam também prejudicados, pois o requerimento que os pede não será sequer admissível. Assim, os restantes pedidos da recorrente (determinação que o INPI faça os exames que pediu e que depois notifique a recorrente e que os registos sejam anulados) nunca poderiam proceder, pois não existiu qualquer decisão do INPI resultante da apreciação das razões substantivas apresentadas pela recorrente no sentido de modificação ou não das decisões de registo anteriores. … Conforme se afere, a recorrente vem defender que deveria ter sido notificada atempadamente da publicação no BPI das decisões do INPI sobre as quais tinha apresentado reclamação, uma vez que só assim poderia ter reagido atempadamente às mesmas atendendo ao prazo de dois meses que dispunha. Defende assim que a sua notificação pessoal era uma formalidade essencial decorrente do artigo 16.º do CPI. Ora, conforme decorre do n.º 1 do artigo 16.º do CPI “As partes intervenientes no processo administrativo são notificadas das decisões finais do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, sendo essas notificações efectuadas exclusivamente através de publicação no Boletim da Propriedade Industrial sempre que proferido despacho de concessão no âmbito de processos em que não tenha sido apresentada qualquer reclamação”. Esta norma só tem aplicação plena aos casos em que não tenha sido apresentada reclamação, pois nestes casos, terão que existir notificações relativas às reclamações e outras peças processuais juntas nesse âmbito (nºs 2 e 3). Decorre ainda do n.º 3 do mesmo artigo que, não havendo reclamações a notificação “é efectuada exclusivamente através de publicação no Boletim da Propriedade Industrial” e o NPI “deve avisar os requerentes dessa publicação pelos meios que considere adequados”. Esta norma também não tem aplicação ao caso em apreço, pois existiram reclamações. Decorre ainda do n.º 2 do artigo 29.º do CPI que “A publicação no Boletim da Propriedade Industrial produz efeitos de notificação directa às partes e, salvo disposição em contrário, marca o início dos prazos previstos neste Código”. Esta norma não deixa quaisquer dúvidas, quanto a nós, de que é a publicação no BPI que constitui a “notificação directa às partes” e “marca o início dos prazos previstos”, não se exigindo mais qualquer ato relativa a tais notificações. Compreende-se a distinção entre os casos em que não existem reclamações de avisar os requerentes da publicação uma vez que nestes casos o(s) requerente(s) apenas apresentam o pedido e nunca mais tem notícia do pedido que pode levar meses ou anos a ser decidido. Já no caso de existência de reclamações as partes interessadas acompanham mais de perto todo o processo, pois vão sendo notificadas dos vários requerimentos e contra requerimentos que os contra interessados vão apresentando, pelo que o legislador entendeu que nestes casos nem se justificava qualquer aviso referente à publicação. Veja-se que, ainda assim, nos casos em que não existam reclamações, o referido aviso não marca qualquer prazo ou constitui qualquer notificação, mas apenas uma chamada de atenção de que já existiu decisão, para o caso em que os interessados não estivessem atentos às publicações, como se lhes impunha (aliás, só assim se compreenderia o facto desse aviso poder mesmo ser apenas verbal). Ou seja, mesmos nestes casos os prazos iniciam-se com a publicação. É este, quanto a nós, o único sentido que decorre das normas em causa, pois o mesmo decorre claramente da sua letra e espírito. A interpretação da recorrente não só contraria a letra da lei como não se vislumbra minimamente que possa estar contida no seu espírito e, “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil). Aliás, a própria recorrente não indica qual a norma ou interpretação que a leva a defender a sua tese, mas apenas que as notificações deveriam ter sido efectuadas “nos termos legais” (artigo 14 da pi.) ou que “a notificação das decisões finais do INPI às partes intervenientes no processo administrativo são obrigatórias (por estarem previstas na lei)”, mas apenas remete para o artigo “16.º n.º 1 primeira parte”, mas, como já referimos, a própria norma invocada refere que “essas notificações efectuadas exclusivamente através de publicação no Boletim da Propriedade Industrial”. Pelo exposto, não podemos deixar de considerar que a ora recorrente foi notificada das decisões que concederam as IGs, em 8 de Junho de 2012, data da publicação do BPI. Assim, sendo a recorrente dispôs de um prazo de dois meses para reagir contra as referidas decisões, ou através de requerimento de revisão oficiosa das mesmas (artigo 23.º n.º 1 do CPI), ou através de recurso judicial (artigo 39.º alínea a) do mesmo código). Ora, a mesma apenas apresentou requerimentos ao INPI em 2 de Abril de 2013, ou seja, cerca de 9 meses após a notificação efectuada através da publicação no BPI. Assim, tais requerimentos eram manifestamente intempestivos, pelo que, conforme já havíamos referido no nosso anterior despacho, era a única decisão possível pois não existe qualquer fundamento legal para que tal pudesse ser efectuado. As decisões finais do INPI quanto aos registos só podem ser impugnadas judicialmente, ou por recurso da decisão administrativa (artigos 23.º, 39.º e 42.º do CPI) ou por posterior acção de nulidade ou anulação (artigo 35.º do CPI). Ficam prejudicadas as restantes questões pois as mesmas só poderiam, eventualmente, ser apreciadas se se considerasse que o requerimento apresentado no INPI era tempestivo. …”.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Sustenta a apelante que a sentença recorrida violou o caso julgado das decisões proferidas pela Relação de Lisboa, e, não tendo conhecido de mérito (sobre a relação material controvertida), é nula, por omissão de pronúncia.

Reproduzimos, em parte, o teor das referidas decisões (bem como dos despachos sobre que recaíram) e da sentença recorrida para evidenciar a falta de razão da apelante.

Ao contrário do sustentado pela apelante, o tribunal recorrido não “rejeitou o recurso, de novo, e com o mesmo fundamento de direito (extemporaneidade da interposição do recurso), tendo-se abstido, mais uma vez, de conhecer do mérito, isto é a questão material controvertida”.

O tribunal recorrido não rejeitou, de novo, o recurso.

O tribunal recorrido, acatando as decisões do Tribunal da Relação quanto à tempestividade do recurso e quanto à sua competência material para dele conhecer, apreciou o mérito do recurso e julgou o mesmo globalmente improcedente, mantendo o despacho recorrido de 27.5.2013, publicado no BPI nº 105/2013, de 4.6.2013.

A sentença recorrida, em momento algum, refere a extemporaneidade do recurso que lhe incumbia conhecer, ou seja o recurso interposto pela apelante do despacho do INPI de 27.5.2013.

O que o tribunal recorrido refere, na apreciação de mérito, é que os requerimentos apresentados ao INPI em 2.4.2013, e sobre os quais recaiu(iram) o(s) despacho(s) recorrido(s) eram manifestamente intempestivos, porquanto aquele organismo, por força do disposto no art. 23º, nº 1 do CPI, já nada podia fazer.

E a sentença recorrida conheceu do mérito do recurso.

Começou o tribunal recorrido por enunciar os fundamentos do recurso: “…Conforme se afere, a recorrente vem defender que deveria ter sido notificada atempadamente da publicação no BPI das decisões do INPI sobre as quais tinha apresentado reclamação, uma vez que só assim poderia ter reagido atempadamente às mesmas atendendo ao prazo de dois meses que dispunha. Defende assim que a sua notificação pessoal era uma formalidade essencial decorrente do artigo 16.º do CPI.”.

E, nessa óptica, o tribunal recorrido apreciou a questão, concluindo não assistir razão à recorrente, porquanto o disposto no nº 2 do art. 29º do CPI não deixa quaisquer dúvidas de que é a publicação no BPI que constitui a “notificação directa às partes” e “marca o início dos prazos previstos”, não se exigindo mais qualquer acto relativo a tais notificações, e mesmo no caso previsto no nº 3 do art. 16º do CPI, o aviso aí referido não marca qualquer prazo ou constitui qualquer notificação, mas apenas uma chamada de atenção de que já existiu decisão, contrariando a interpretação da recorrente não só a letra da lei, como o seu espírito.

E concluiu que, tendo em conta a data de publicação das decisões do INPI (8.6.2012), a recorrente tinha o prazo de 2 meses para reagir contra as mesmas, ou através do requerimento de revisão oficiosa (contemplado no art. 23º do CPI), ou através de recurso judicial (referido no art. 39º, al. a) do mesmo código), pelo que os requerimentos apresentados em 2.4.2013 eram intempestivos, porque o INPI já nada podia fazer ao abrigo do referido art. 23º, pelo que a decisão constante do despacho recorrido era a única legal, por falta de fundamento para o requerido pela recorrente.

Já quanto às decisões finais do INPI quanto aos registos, a impugnação só poderia ser por recurso da decisão administrativa, nos termos dos arts. 23º, 39º e 42º do CPI, ou por posterior acção de anulação (art. 35º do CPI), o que não era o caso.

Atentando nos termos do recurso – no qual se pede a anulação do despacho recorrido, por não ter apreciado a invocada irregularidade/nulidade de notificações obrigatórias, e não ter dado sem efeito a publicação das decisões de concessão das IG -, verifica-se que o tribunal recorrido apreciou “o mérito do recurso”.

E quanto à apreciação das questões “substantivas” invocadas, entendeu estar prejudicada face à decisão de manter o despacho recorrido, e na esteira do que já anteriormente referido, aquando da apreciação da invocada excepção de ineptidão da PI.

De facto, aquando da apreciação daquela excepção, o tribunal recorrido já havia referido que, sendo uma instância de recurso, não poderia apreciar as questões substantivas invocadas, por não ter existido qualquer decisão do INPI resultante da apreciação das razões substantivas apresentadas pela recorrente no sentido de modificação ou não das decisões de registo anteriores.

Não se verifica, pois, a invocada violação de caso julgado, nem omissão de pronúncia da sentença recorrida, improcedendo a apelação nesta parte.

2.Por último alega a apelante que “uma vez que o processo se situa no domínio da jurisdição plena (art. 39º, nº 1 do CPI), pede-se ao tribunal ad quem que se digne decidir a questão material controvertida, ou se assim não se entender, que determine ao tribunal a quo, mais uma vez, que o faça”.

Conforme acabado de referir, o tribunal recorrido decidiu a questão material controvertida no recurso, mantendo a decisão do INPI recorrida, por a considerar correcta à face da lei, e só poderia, eventualmente, conhecer, de plena jurisdição, nos termos do mencionado artigo, se tivesse entendido ser de revogar ou anular aquela decisão [1].

Este tribunal poderia apreciar a questão, substituindo-se ao tribunal recorrido, nos termos do art. 665º, nºs 1 e 2 do CPC, se tivesse declarado nula a sentença recorrida, o que não se verificou.

Em todo o caso, o que se nos afigura é que a apelante não concorda com a decisão recorrida e pretende a sua reapreciação por este tribunal, o que se passa a fazer.

A apelante teve intervenção nos processos administrativos em causa, reclamando contra os pedidos de registo das IG nºs 96, 97, e 98, requeridas em 1997, pela requerida.

Na sequência de várias vicissitudes processuais referidas nos pontos 4. a 8. da fundamentação de facto, o INPI veio a proferir despacho(s) de concessão dos requeridos registos em 4.6.2012, publicado(s) no BPI nº 110/2012, de 8.6.2012.

O INPI notificou o Agente de Propriedade Industrial da recorrente por ofícios de 13.3.2013, de que tinham sido concedidos os referidos registos por despachos proferidos em 4.6.2012, publicados no BPI de 8.6.2012.

Em 2.4.2013, a recorrente requereu ao INPI, nos referidos processos, que fosse dado sem efeito o despacho de concessão proferido em 4.6.2012; fosse dada sem efeito a publicação desse mesmo despacho no BPI; fosse promovido novo exame do pedido de registo, com pronúncia sobre os factos, documentos e argumentos submetidos pelas partes, bem como a conformidade com a sentença do Tribunal de Comércio de Lisboa; fosse notificada à recorrente, nos termos do art. 16º, nº 1 do CPI, a decisão final que viesse a ser proferida na sequência do reexame do pedido de registo (ponto 13 dos factos provados e docs. juntos de fls. 53 a 67 dos autos).

Fundamentou a sua pretensão na verificação de irregularidades, alegando que as decisões eram omissas “sobre a razão e a forma como foram sanados ou supridos os vícios apontados pelo Tribunal e os fundamentos que determinavam a concessão de um registo”, para além de ter sido omitida a notificação tempestiva daquelas decisões (o que apenas foi feito mais de 7 meses depois da sua publicação no BPI), inquinando a eficácia das decisões de concessão, e sendo ofensivo dos direitos de defesa da recorrente.

Em 27.5.2013, a Directora de Marcas e Patentes do INPI indeferiu esses requerimentos, “por o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 35º do CPI excluir, ab initio, a hipótese do INPI modificar ou suprir os despachos de concessão dos registos das IG em apreço”.

Na informação que sustentou a referida decisão escreveu-se que: não existe qualquer disposição legal que fundamente e possibilite que o INPI dê sem efeito despachos proferidos e já há muito publicados, uma vez que, tendo os despachos sido publicados em 8.6.2012, cessou em Agosto do mesmo ano o prazo de 2 meses previsto no art. 23º do CPI; eventual extinção dos registos e apreciação da bondade das pretensões da recorrente passará obrigatoriamente pelo desencadeamento da competente acção nos termos do art. 35º; a recorrente foi notificada dos despachos por ofícios datados de 12.3.2012.

Recorreu a apelante para o tribunal de 1ª instância pedindo, no que ora importa, que o despacho de indeferimento recorrido fosse anulado, e declarada a ineficácia das notificações feitas pelo INPI dos despachos de concessão, devendo, em consequência, ser ordenado “ao INPI que sejam notificados à Recorrente aqueles despachos de concessão, e, no seguimento dessas notificações, e em tempo oportuno, que sejam feitas novas publicações no BPI dessas decisões, de forma a que a recorrente possa exercer os direitos impugnatórios que a lei lhe confere” [2].

A fundamentar tal pedido, a recorrente alegava, em síntese, que:

-nos termos do nº 1 do art. 16º do CPI, era obrigatória a sua notificação dos despachos de concessão dos registos, por forma a poder exercer os direitos de impugnação dos mesmos, não sendo as referidas notificações mera formalidade, devendo ser feitas dentro do prazo de 2 meses a contar da publicação da decisão final;
-a notificação feita 7 meses depois era inútil e limitou-se a tentar sanar a falta do vício da notificação;
-a irregularidade cometida inquina a eficácia das decisões de concessão, e é ofensiva dos direitos de defesa, motivo pelo qual requereu que as respectivas publicações fossem dadas sem efeito.

Se bem atentarmos na decisão da Directora de Marcas e Patentes do INPI, e no recurso da apelante para o tribunal de 1ª instância, verifica-se que a apelante não afronta, directamente, a fundamentação daquela para indeferir o requerido pelo apelante, antes represtina os argumentos utilizados nos requerimentos que foram alvo do referido despacho.

De facto, a fundamentação da Sra. Directora para indeferir o requerido foi a de que o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 35º do CPI excluía, ab initio, a hipótese do INPI modificar ou suprir os despachos de concessão dos registos das IG em apreço.

Ou seja, entendeu que, decorrido certo lapso temporal, a lei não permite ao INPI que modifique ou supra os despachos de concessão de registos (das IG nomeadamente).

Quanto a esta fundamentação nada disse a recorrente.

O que veio alegar foi que tinha, alegadamente, havido preterição de formalidades legais fundamentais na concessão dos registos, pelo que o INPI tinha de dar as publicações (que estavam inquinadas pelas referidas irregularidades) sem efeito, suprir as irregularidades invocadas e proceder a novas publicações.

Ora, nunca a pretensão da recorrente poderia proceder, pela singela razão de que assistia plena razão à Sra. Directora de Marcas e Patentes do INPI.

Proferida decisão e publicada a mesma (arts. 29º e 356º, nº 1, al. d) do CPI), pode o INPI modificá-la nos termos do art. 23º do CPI.

Dispõe o referido artigo que “1 – Se no prazo de dois meses após a publicação de um despacho se reconhecer que este deve ser modificado, o processo é submetido a despacho superior, com a informação dos factos de que tenha havido conhecimento e que aconselhem a revogação da decisão proferida. 2 – Entende-se por despacho superior aquele que é proferido por superior hierárquico de quem, efectivamente, assinou a decisão a modificar”.

António Campinos e Luís Couto Gonçalves, na ob. cit., pág. 124, explicam que “o nº 1 determina a possibilidade de modificação das decisões proferidas pelo INPI, procurando assim evitar o recurso aos tribunais sempre que se constate ter havido desconhecimento de factos que podem vir a aconselhar a revogação ou a modificação do despacho proferido. É a publicação dos despachos de concessão ou de recusa do INPI no BPI que estabelece o início do período em que este Instituto pode ainda conhecer dos factos susceptíveis de ditar uma modificação ou revogação das suas decisões”.

Ultrapassado o referido período de 2 meses a contar da publicação no BPI, a “modificação” das decisões proferidas pelo INPI apenas pode vir a ter lugar por via judicial, e no âmbito de processo de declaração de nulidade e anulação dos direitos de propriedade industrial, previsto no art. 35º do CPI [3].

De facto, dispõe o nº 1 deste artigo que “a declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial”.

E o nº 1 do art. 33º do mesmo diploma legal estabelece que “As patentes, os modelos de utilidade e os registos são total ou parcialmente nulos: a) Quando o seu objecto for insusceptível de protecção; b) Quando, na respectiva concessão, tenha havido preterição de procedimento ou formalidades imprescindíveis para a concessão do direito; c) Quando forem violadas regras de ordem pública”.

Também o art. 313º do CPI dispõe que “Para além do que se dispõe no artigo 33º, o registo de uma denominação de origem ou de uma indicação geográfica é nulo quando, na sua concessão, tenha sido infringido o previsto nas alíneas b), d) e f) do artigo 308º”.

O nº 2 do art. 4º do CPI estabelece que a concessão de um registo implica a mera presunção jurídica do cumprimento dos requisitos da sua concessão, sendo a presunção em causa juris tantum, podendo, pois, ser ilidida junto do competente órgão jurisdicional, pondo em causa a validade do registo concedido.

Do que se deixa dito conclui-se que, mostrando-se (há muito) decorrido o prazo de 2 meses a contar da publicação dos despachos de concessão no BPI, nunca poderia o INPI apreciar, e, muito menos, deferir, a pretensão da apelante, pelo que o despacho proferido pela Sra. Directora de Marcas e Patentes daquele Instituto nenhuma censura nos merece, por estar de acordo com a lei.

Improcede, pois, totalmente, a apelação.

DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

*


Lisboa, 2016.11.22

                                                          
(Cristina Coelho)                                                          
(Luís Filipe Pires de Sousa)
(Carla Câmara)



[1]António Campinos e Luís Couto Gonçalves, em CPI Anotado, 2015 – 2ª ed. rev. e act., pág. 146, escrevem que “Neste artigo estabelece-se, desde 2003, que o recurso judicial das decisões proferidas pelo INPI é de plena jurisdição, e não de mera legalidade, podendo o tribunal não apenas revogar ou decidir pela manutenção do despacho impugnado, mas também substituir-se à própria Administração, modificando a decisão administrativa ou optando pela respectiva substituição”.
[2]E, sem prescindir, sustentava, ainda, que os pedidos de registo das IG violam o Regulamento (UE) nº 1151/2012, de 21.11 e o Despacho Normativo nº 47/97, de 11.08, e, por consequência incorrem no disposto no art. 308º, al. f) do CPI, devendo os registos das IG ser recusados, por força dos arts. 308º e 24º do CPI.
[3]Uma vez que o prazo para recorrer nos termos do art. 39º do CPI, também se mostra esgotado (art. 42º do CPI).