Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5544/21.8T8ALM.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS A MENORES
ACORDO DE AMBOS OS PROGENITORES
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO
FUNDAMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Se o acordo dos pais sobre a regulação das responsabilidades parentais não corresponder à salvaguarda dos interesses das crianças, o tribunal deve recusar a homologação, nos termos do Art. 1905.º n.º 1 “in fine” do C.C..
2. Mas, se nada indiciar, em face dos elementos disponíveis nos autos, que o acordo não seja contrário aos interesses das crianças e respeitar os critérios legais, então deve ser respeitada a vontade expressa por comum acordo dos progenitores.
3. Pode haver fundamento para recusa da homologação do acordo dos progenitores estabelecido no sentido de não ser fixada qualquer pensão de alimentos a cargo do progenitor que não reside com os filhos menores de idade.
4. Mas havendo acordo sobre uma pensão de alimentos, não basta constatarmos que o valor da pensão é relativamente baixo para poder haver recusa de homologação fundada, quando considerarmos que a prestação pecuniária concretamente estabelecida se justifica no quadro duma situação de fragilidade económica do pai, que está no desemprego, a qual foi compreendida, ponderada e aceita pela mãe, com quem as crianças vivem.
5. Não havendo certezas objetivas de que este acordo, na parte relativa à pensão de alimentos, não corresponde à salvaguarda dos interesses das crianças, não deve ser recusada a homologação do acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A moveu contra B o presente processo tutelar cível, tendo em vista a regulação das responsabilidades parentais relativas aos filhos de ambos, C, nascido em 7 de Dezembro de 2010, e D, nascida em 26 de Outubro de 2008.
Designada conferência de pais, para a qual o Requerido foi devidamente citado, vieram os progenitores a chegar a acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais dos seus filhos, nos seguintes termos:
«1 - As crianças ficarão a residir com a progenitora, sendo as responsabilidades parentais nas questões de particular importância para a vida dos filhos exercida em comum por ambos os progenitores;
«2 - O pai permanecerá com os filhos em fins-de-semana alternados, isto é, de 15 em 15 dias, indo buscá-los à Sexta-feira em horário e local a combinar com a progenitora e entregando-os no Domingo seguinte, em horário e local a combinar com a progenitora;
«3 - Nas férias escolares de Verão, as crianças passarão 15 dias com cada um dos progenitores, a combinar entre estes, até dia 31 de Março de cada ano, sendo que, não havendo acordo, nos anos pares escolhe a mãe e nos anos ímpares cabe a escolha ao pai;
«4 - Nas épocas festivas de Natal e Ano Novo as crianças passarão a véspera e dia de Natal, em bloco, com um dos progenitores e a véspera e dia de Ano Novo, em bloco, com o outro progenitor, alternando nos anos seguintes, iniciando-se este ano o Natal com a progenitora e o Ano Novo com o progenitor;
«5 - No dia de aniversário dos menores, estes tomarão uma refeição principal com cada um dos progenitores, sem prejuízo das suas obrigações escolares e horas de descanso;
«6 - Os menores passarão com a mãe o Dia da Mãe e o dia de aniversário desta, sem prejuízo das suas obrigações escolares e horas de descanso;
«7 - Os menores passarão com o pai o Dia do Pai e o dia de aniversário deste, sem prejuízo das suas obrigações escolares e horas de descanso;
«8 - A título de pensão de alimentos devida aos menores, o pai suportará a quantia mensal no valor de €80,00 (oitenta euros) para cada um dos filhos, no total de €160,00 (cento e sessenta euros) mensais, a entregar à progenitora até ao dia 8 de cada mês, mediante transferência bancária, para a conta bancária da progenitora que o progenitor já conhece;
«Esta prestação manter-se-á enquanto persistir a situação de desemprego atual do progenitor;
«A partir do momento em que o progenitor inicie o exercício de atividade laboral remunerada, a prestação de alimentos devida aos filhos passará para o montante mensal de €100,00 (cem euros) para cada um dos filhos, no total de €200,00 (duzentos euros) mensais, a entregar nas mesmas condições acima mencionadas, cumprindo ao progenitor comunicar à progenitora o início dessa atividade laboral.
«9 - O montante da pensão a pagar pelo progenitor será atualizado anualmente, por aplicação do índice geral de preços no consumidor publicado pelo INE (taxa de inflação), relativo ao ano económico anterior, tendo lugar a primeira atualização em Dezembro de 2022.
«10 - As despesas de saúde e educação das crianças serão suportadas na proporção de metade por cada um dos progenitores, sendo que o progenitor que suportou a despesa deve remeter ao outro o respetivo comprovativo, com o nome e identificação fiscal do filho a que respeita a despesa, no prazo de 15 dias após a mesma ser realizada, devendo o outro progenitor pagar a sua metade no prazo de 15 dias, após recebimento desse comprovativo». (cfr. “Ata” de 07-12-2021 – Ref.ª n.º 411145451 – p.e. – fls. 17 a 18).
A conferência de pais foi então suspensa, tendo continuado no dia 21 de dezembro de 2021, no âmbito da qual a Magistrada do Ministério Público promoveu o seguinte: «Considerando que da pesquisa nas bases da segurança social, resulta que o pai destas crianças está desempregado, tendo auferido como último salário a quantia de €1.552,46 em Março do corrente ano, promovo que se oficie à segurança social, solicitando que informe se o progenitor é beneficiário de alguma prestação de cariz social e, em caso afirmativo, de que tipo, desde que data e em que montante mensal». O que veio a ser deferido pela Mm.ª juíza que presidiu à diligência (cfr. “Ata” de 21-12-2021 – Ref.ª n.º 411558169 – p.e. – fls. 16 a 28).
Nessa sequência, por email de 19 de janeiro de 2022, veio a Segurança social responder o seguinte: «(…) informamos que após pesquisa no Sistema de Informação da Segurança Social, o beneficiário com o NISS 11062796198 - B, apresenta os seguintes elementos: 1. Encontra-se a receber subsídio desemprego, com início em 31/03/2021, por um período de 630 dias com o valor diário de 17,486834€». (cfr. “E-Mail – Recibos” de 19-01-2022 – Ref.ª n.º 31410784 - p.e. – fls. 32).
Logo após, veio o Ministério Público a lançar nos autos a seguinte promoção de 2 de fevereiro de 2022:
«Considerando que o exercício das responsabilidades parentais consiste num conjunto de poderes deveres que devem ser exercidos altruisticamente, no interesse dos filhos, visando o seu desenvolvimento harmonioso e o seu bem-estar (cfr. artigos 1877º, 1878º, 1881º e 1885º do Cód. Civil).
«Considerando que são três os aspetos sobre que deve incidir o acordo: a quem incumbe a guarda/residência do menor, qual o regime de visitas a estabelecer ao progenitor a quem não for deferida a guarda/residência e o direito a alimentos devidos e a prestar.
«Considerando que este último aspeto (alimentos) não se encontra devidamente regulado no acordo que consta do presente expediente e não acautela suficientemente os interesses dos menores em questão o Ministério Público opõe-se à homologação do referido acordo». (cfr. “Promoção” de 02-02-2022 – Ref.ª n.º 412309558 - p.e. – fls. 33).
De imediato foi proferida sentença homologatória, datada de 7 de fevereiro de 2022, com o seguinte teor:
«Na presente providência tutelar cível regulação das responsabilidades parentais, que Maria ….. moveu contra João ….., atenta a legitimidade dos intervenientes, o objeto em causa e por considerar que o acordo constante da ata de 07.12.2021, com a referência 411145451, salvaguarda de forma efetiva o superior interesse de D ……, nascido em 7 de Dezembro de 2010, e de C……., nascida em 26 de Outubro de 2008, cuja audição teve inclusivamente lugar –, não obstante o parecer parcialmente desfavorável do Ministério Público, de cujo teor não se extraem quais as concretas razões de facto e de Direito que sustentam a sua discordância face ao montante da obrigação alimentícia fixada a cargo do progenitor e em benefício dos seus filhos menores –, homologo por sentença esse acordo, condenando os progenitores a cumpri-lo nos seus precisos termos e, em consequência, declaro extinta a presente instância, ao abrigo do disposto nos art.ºs 277.º, alínea d), 283.º, 284.º, 290.º e 291.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicáveis por via dos art.ºs 33.º, n.º 1 e 37.º, n.º 2, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
«Custas em partes iguais por requerente e requerido, em consonância com o disposto no art.º 537.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (…)» - (cfr. fls. 35).
É desta sentença homologatória que o Ministério Público, na defesa dos interesses dos menores, vem interpor recurso de apelação, apresentando no final as seguintes conclusões:
1. Na sentença recorrida a questão jurídica que foi apreciada e que foi decidida foi-o no sentido de que o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais dos menores C e D devia ser homologado por acautelar os interesses dos menores tendo em conta a situação económica do progenitor e o acordo alcançado.
2. Porém, e contrariamente ao considerado pela Mmº Juiz «a quo» na sentença recorrida, entendemos que o referido acordo não salvaguarda o superior interesse dos menores pois que no que concerne á questão dos alimentos devidos aos menores o montante mensal fixado para cada uma das crianças, a título de pensão de alimentos, é manifestamente insuficiente para garantir a satisfação das necessidades de alimentação, saúde, higiene, habitação, educação e vestuário dos menores, mostrando-se insuscetível de garantir que os menores tenham um nível de vida mínimo capaz de assegurar o desenvolvimento harmonioso de qualquer ser humano.
3. Razão pela qual deveria a Mmª Juiz «a quo» ter recusado a homologação de tal acordo e ordenado a subsequente tramitação dos autos nos termos e para os efeitos dos artigos 38º e seguintes da Lei nº.141/2015 de 8 de Setembro.
4. Consequentemente, e por violação do disposto no artigo 40º, nº.1 da Lei nº.141/2015 de 8 de Setembro; nos artigos 1878º, nº.1; 1905º, nº.1 «in fine»; 1912º; 2003º; 2004º, nº.1, todos do Cód. Civil; do artigo 69º, nº.1 da Constituição da República Portuguesa, e dos artigos 3º, nº.1 e 27º, nºs 1 e 2 da Convenção Sobre os Direitos da Criança - deve a sentença recorrida ser revogada, ordenando-se que os autos sigam os seus trâmites normais, nos termos e para os efeitos dos artigos 38º e seguintes da Lei nº.141/2015 de 8 de Setembro.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, a única questão a decidir é a correção da decisão de homologação do acordo sobre as responsabilidades parentais, na parte relativa à fixação da pensão de alimentos a cargo do progenitor, tendo em atenção saber se foi devidamente salvaguardo do superior interesse das crianças.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida não fixou a factualidade em que se sustentou, mas os factos relevantes para o conhecimento da presente apelação são os que resumidamente se mostram descritos no relatório do presente acórdão, que se mostram documentados nos autos.
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Relembremos que em causa está uma ação de regulação das responsabilidades parentais relativas a duas crianças, nascidas em 7 de Dezembro de 2010 e 26 de Outubro de 2008, portanto, com 11 e 13 anos, respetivamente.
Os progenitores acordaram sobre o regime de residência dos filhos, ficando ambos a viver com a Requerente-mãe, e sobre o regime de visitas a favor do Requerido-pai, sendo que sobre essas matérias não é suscitada qualquer questão no presente recurso.
Na verdade, apesar de os pais terem também chegado a acordo sobre a pensão de alimentos devida aos filhos de ambos, o Ministério Público opôs-se à homologação dessa parte do acordo, por entender que o mesmo não satisfazia suficientemente os interesses das crianças em causa, em função das suas necessidades e das disponibilidades do progenitor.
Contrariando esta promoção, o Tribunal a quo decidiu homologar o acordo em toda a sua extensão, não concordando com a promoção do Ministério Público.
Apreciando, tendo as crianças ficado a residir com a mãe, por acordo de ambos os progenitores, deveria efetivamente ser estabelecida uma pensão de alimentos a cargo do pai, tudo tendo em conta os interesses dos seus filhos, ainda menores de idade, nos termos dos Art.s 1905º e 1906º do C.C., dado não se encontrar nenhum dos pais isento dessa obrigação (cfr. Art. 1917.º do C.C.). Trata-se duma decorrência natural da parentalidade e dos inerentes deveres de assistência que a lei lhes impõe (Art.s 1874.º n.º 1 e n.º 2, 1877.º a 1879.º do C.C.).
Há que dizer que a intervenção dos Juízos de Família e Menores, mesmo no caso de haver acordo entre os progenitores, justifica-se sempre nestes casos, precisamente porque deve sempre ser salvaguardo o superior interesse das crianças. Por isso, o Tribunal da Relação de Lisboa já decidiu, e bem, que: «I- O Tribunal não deve recusar o pedido de homologação de acordo de alteração da regulação do exercício do poder paternal subscrito por ambos os progenitores com o fundamento de que a intervenção do Tribunal apenas se justifica existindo litígio entre os progenitores. II- A necessidade de homologação visa essencialmente salvaguardar a proteção dos interesses do menor, não obstando à homologação a inexistência de litígio, importando atender a que, sem tal homologação, não seria possível, em caso de incumprimento, possibilitar ao progenitor não faltoso reagir visto que relevaria apenas e tão somente a decisão judicial que homologara o acordo entretanto alterado de facto. III- Não se pode considerar que há falta de interesse em agir por parte dos progenitores pois, não homologado o acordo de alteração, não seria possível a inscrição de tal alteração no registo (artigo 1.º,alínea f) e n.º2 do Código do Registo Civil e 1920.º-B, alínea a) e 1920.º-C do Código Civil)) e os interessados não poderiam comprovar junto do próprio Estado comprovar a existência dessa alteração, designadamente para efeitos fiscais. IV- Se a lei permite a alteração do poder paternal requerida por um dos progenitores (artigo 182.º da Organização Tutelar de Menores), admitindo homologação do acordo a que ambos chegarem, permite a homologação do acordo a que ambos chegaram extrajudicialmente, impondo-se ao Tribunal verificar, quando da homologação, se os interesses do menor estão ou não acautelados (cfr. sumário do Ac. do T.R.L. de 3/12/2012 - Proc. n.º 92/10.4TBBBR-B.L1-8 – Relatora: Catarina Arêlo Manso, disponível em www.dgsi.pt).
Evidentemente que, se o acordo dos pais sobre a regulação das responsabilidades parentais, não corresponder à salvaguarda dos interesses das crianças, o tribunal deve recusar a homologação, nos termos do Art. 1905.º n.º 1 “in fine” do C.C. (vide: Ac. T.R.L. de 6/5/2014 – Proc. n.º 16246/12.6T2SNT.L1-7 – Relatora: Cristina Coelho, acessível no mesmo sítio). Mas, se nada indiciar, em face dos elementos disponíveis nos autos, que o acordo seja contrário aos interesses das crianças e respeitar os critérios legais, então deve ser respeitada a vontade expressa por comum acordo dos progenitores (cfr. Ac. do T.R.P. de 14/7/2020 – Proc. n.º 544/20.8T8MTS-C.P1 – Relatora: Fátima Andrade – idem).
A regra geral é que os pais devem, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos seus filhos (Art. 1885.º do C.C.), o que compreende a obrigação de alimentos a que estão vinculados.
A obrigação de alimentos, nos termos do Art. 2003.º n.º 1 e n.º 2 do C.C., compreende tudo o indispensável ao sustento, habitação e vestuário, bem como a instrução e educação do alimentando, no caso de este ser menor de idade.
Por outro lado, os alimentos devem ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daqueles que houverem de recebê-los, devendo na fixação dos alimentos atender-se à possibilidade de o alimentando prover à sua própria subsistência (Art. 2004.º n.º 1 e n.º 2 do C.C.).
Ora, na determinação das necessidades dos jovens, deverá atender-se ao seu padrão de vida, à ambiência familiar, social, cultural e económica a que estão habituados e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos.
Evidentemente que as necessidades dos jovens estão condicionadas por múltiplos fatores, nomeadamente a sua idade, a sua saúde, as necessidades educacionais e o nível socioeconómico dos pais.
A prestação dos alimentos não se mede apenas pelas estritas necessidades vitais da criança (alimentação, vestuário, calçado, alojamento), visando assegurar-lhe um nível de vida económico-social idêntico ao dos pais, mesmo que estes já se encontrem divorciados, ou simplesmente separados de facto, devendo ser mantido o standard de vida de que desfrutavam antes da rutura dos progenitores, que devem propiciar aos seus filhos condições de conforto e um nível de vida idêntico aos seus (neste sentido: Remédio Marques in “Algumas Notas Sobre Alimentos”, Coimbra Editora, pág. 183 e 184).
As possibilidades do obrigado devem, em princípio, ser aferidas pelos seus rendimentos e não pelo valor dos bens. Deverá atender-se às receitas e despesas do obrigado, ponderando não só os rendimentos dos bens como quaisquer outros proventos, os provenientes do trabalho ou as remunerações de carácter eventual, como gratificações, emolumentos, subsídios etc. (Neste sentido: Moutinho de Almeida in “ Os Alimentos no Código Civil de 1966”, in ROA, 1968, pág. 99; e Clara Sottomayor, in “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 2014, 6.ª Edição, Almedina, pág. 334 e segs; e Tomé d’Almeida Ramião, in “ Organização Tutelar de Menores – Anotada e Comentada”, 2012, 10.ª Edição, e “Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado”, Quid Juris, pág. 123 e segs).
Importa, portanto, apurar a parcela do seu rendimento anual e subtrair o necessário para a satisfação das suas necessidades básicas, uma espécie de rendimento livre ou isento, qual mínimo de autossobrevivência, ou reserva mínima de autossobrevivência, para efeitos de sobre ele ser refletida a pensão de alimentos, nomeadamente despesas de vestuário, calçado, custos atinentes à nova habitação, deslocação para o trabalho, tempos livres, etc., nelas não se incluindo as despesas supérfluas ou extravagantes, quantia que será dedutível ao rendimento global desse progenitor (cfr. Remédio Marques, Ob. Cit., pág. 190; e Clara Sottomayor - idem).
Não se deve exigir ao obrigado a alimentos que, para os prestar, ponha em perigo a sua própria manutenção de acordo com um mínimo de dignidade. Ou seja, não se pode pôr em causa a sua própria subsistência, sendo necessário salvaguardar o seu direito fundamental a uma sobrevivência com um mínimo de dignidade, direito constitucionalmente garantido.
Repita-se, os alimentos compreendem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentado (cfr. Art. 2003º n.º 1 e n.º 2 do C. C.) e devem corresponder às possibilidades do obrigado e às necessidades do alimentando no momento, competindo a ambos os progenitores, no interesse dos seus filhos, prover ao seu sustento (cfr. Art. 1878.º n.º 1 do C.C.).
A fixação da obrigação e alimentos tem sempre na sua base o apuramento das concretas circunstâncias da condição social dos jovens, a sua idade, o nível de vida da mãe e seu agregado familiar, apurando as suas necessidades, bem como das reais possibilidades do pai, recorrendo-se a juízos de equidade para esse efeito.
Neste contexto, tem-se colocado recorrentemente, aos tribunais superiores, a questão de não se fixar qualquer pensão de alimentos a cargo do progenitor que não fica a residir com os seus filhos, no caso do mesmo se encontrar desempregado e, portanto, não possuir qualquer rendimento.
A este propósito, porque tem todo o interesse para o caso, reproduzimos, o que é dito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de abril de 2012:
«Segundo determinada corrente jurisprudencial, demonstrado que o progenitor obrigado a prestar alimentos não dispõe de condições económicas para o fazer ou se ausentou para parte incerta, não se fixa a prestação de alimentos (Ac. Rel. Porto 01.02.2010 Proc. 1307/08.4TMPRT.P1; os Acórdãos da Relação de Lisboa de 05/05/2011, Proc. 4393/08.3TBAMD.L1-2, de 17/09/2009, Proc. 5659/04.7TBSLX.L1-2 e de 04/12/2008, Proc. 8155/2008-6, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
«Num outro sentido, ponderando a particular natureza das responsabilidades parentais, defende-se a fixação da pensão de alimentos, mesmo quando está demonstrado que o progenitor está desempregado e dispõe de condições para trabalhar ou quando é desconhecido o seu paradeiro e situação económica (Ac. Rel. Lisboa 28.06.2007 – Proc. 4572/2007-8; Ac. Rel. Lisboa de 10.05.2011 – Proc. 3823/08.9 TBAMD.L1-7; Ac. Rel. Coimbra 21.06.2011 – Proc. 11/09.0TBFZZ.C1; Ac. Rel. Porto 21.06.2011 – Proc. 1438/08.0 TMPRT.P1; Ac. Rel. Porto 27.06.2011 – Proc. 1574/09.6TMPRT.P1; Ac. STJ 12.11.2009 - 110-A/2002.L1.S1 (Relator Juiz Conselheiro Lopes do Rego, Ac. STJ 12.07.2011 – Proc. 4231/09.0TBGMR.G1. S1).
«Afigura-se-nos de particular relevância o Ac. STJ 12.07.2011 (Juiz Conselheiro Hélder Roque) numa situação de facto em que o progenitor ausentou-se para França, desconhecendo-se o paradeiro e situação económica, salientando-se (…): “Relativamente à satisfação das necessidades dos filhos, acontece uma diversa proteção, consoante exista ou não vida em comum dos respetivos progenitores, ou entre o obrigado e o menor, sem embargo de permanecer intacta, em princípio, a satisfação das necessidades decorrentes das despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos, na medida em que estes não estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou de outros rendimentos, aqueles encargos, nos termos do preceituado pelos artigos 1879º e 2004º, nº 2, do CC. É esta específica natureza de obrigação fundamental que permite compreender que, na fixação judicial dos alimentos devidos, o tribunal deva ter presente, não apenas, de forma redutora, o estrito montante pecuniário auferido pelo devedor de alimentos, em certo momento temporal, mas, de forma ampla e abrangente, toda a situação patrimonial e padrão de vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, estando, obviamente, compreendido, no dever de educação e sustento dos filhos, a obrigação do progenitor de, ativamente, procurar exercitar uma atividade profissional geradora de rendimentos[3], que lhe permita o cumprimento mínimo daquele dever fundamental». (sic)
Do sumário desse acórdão, onde se sustentou a segunda posição, sobreleva o seguinte: «I - É obrigação judicial a fixação de alimentos a favor do menor, alimentos devidos pelo progenitor com ele não convivente, mesmo que ao obrigado não se conheçam bens, rendimentos ou modo de vida. II - O acordo dos progenitores de que se não fixam alimentos não pode, pois, ser homologado» (cfr. Ac. do T.R.P. de 23/4/2012 – Proc. n.º 1480/11.4TMPRT.P1 – Relator: José Eusébio Almeida – disponível em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido foi também o mesmo Tribunal num acórdão de 12 de abril de 2012 (Proc. n.º 1659/11.9TMPRT.P1 – Relator: Leonel Serôdio) de cujo sumário consta: «Deve ser recusada, por ilegal, a homologação do acordo de regulação de responsabilidades parentais em que o progenitor não guardião não se obrigue a pagar prestação de alimentos ao filho menor, salvo se estiver devidamente comprovada a sua incapacidade, total e definitiva, de auferir rendimentos». Ou ainda o acórdão de 3 de outubro de 2011 (Proc. n.º 233/10.1TMPRT.P1 – Relatora: Ana Paula Amorim), onde se pode ler: «I- O dever de prover ao sustento dos filhos é irrenunciável, conforme resulta do art. 1882° CC e, por isso, a fixação da prestação a cargo do progenitor obrigado a alimentos, não pode ser interpretada de forma redutora. II- A fixação da pensão de alimentos deve ponderar antes de mais a necessidade de garantir o sustento do menor e por isso se exige ao progenitor um esforço para suportar esse encargo, o que significa que pelo facto de estar desempregado, não está impedido de poder trabalhar e angariar meios para suportar os encargos que derivam do facto de ser progenitor. III- Ao abrigo do art. 1905° CC deve recusar-se a homologação do acordo das responsabilidades parentais que não estabelece a pensão de alimentos devidos ao menor, porque a progenitora obrigada a prestar alimentos está desempregada».
Ainda no mesmo sentido, vai o Tribunal da Relação de Évora, no acórdão de 26 de setembro de 2019 (Proc. n.º 1265/17.4T8FAR.E1 – Relatora: Isabel Peixoto Imaginário), de sujo sumário se destaca: «- o âmbito do dever que recai sobre os pais de prover o sustento dos filhos é conformado pelo princípio da responsabilidade parental, princípio este com garantia constitucional e decorrente de instrumentos de tutela internacional, que impõe que a fixação da prestação de alimentos e a respetiva exigibilidade se sobreponha aos interesses patrimoniais de cada um dos pais, a quem incumbe adequar as despesas inerentes a si mesmos a montantes que permitam o cumprimento integral daquele dever; - por outro lado, importa apurar o montante de despesas que se afigura razoável para prover o sustento dos filhos, levando em conta o nível de rendimentos dos pais, não se justificando impor sacrifícios aos pais para proporcionar aos filhos extravagâncias e um modo de vida que supera o adequado à respetiva condição de monetariamente dependente».
Ocorre que, no caso concreto, a ponderação das necessidades das crianças e disponibilidades dos pais afigura-se particularmente difícil e comprometida, em face da instrução dos autos, porque o acordo alcançado precedeu qualquer averiguação aturada sobre a matéria.
De facto, apenas sabemos, e por mera alegação unilateral do Ministério Público, apresentada na motivação do recurso, que as duas crianças em causa, que ainda estão em idade escolar, vivem a cargo e na dependência económica total da sua mãe, que alegadamente sobreviverá só com um salário de cerca de €700,00 líquidos por mês. Já quanto ao progenitor, foi alegado que o mesmo auferiria um salário mensal, que em março de 2021 ascendia a €1.552,46, mas, entretanto, ficou no desemprego.
Em todo o caso, está documentado nos autos que o progenitor está a receber cerca de €17,49, diários, de subsídio de desemprego, desde 31 de março de 2021. O que corresponde, sensivelmente, a €524,70 por mês (€17,49 diários x 30 dias). Também sabemos que o período de subsídio de desemprego é de 630 dias, o que equivale a 21 meses, que terminarão no dia 31 de dezembro de 2022. Logo, à data da conferência de pais, apesar da situação de desemprego do progenitor, o mesmo auferia €524,70, por mês.
Apesar do exposto, não são conhecidos quais os encargos do pai das crianças, ou se o mesmo dispõe doutros bens ou rendimentos, o mesmo se passando com a progenitora, cujos rendimentos ou encargos, na verdade, não estão documentados nos autos.
Assim, o máximo que poderemos dizer é que a imagem que nos é transmitida pelos factos apresentados nas alegações de recurso, dá-nos uma perceção provável sobre o padrão de vida económica atual dos progenitores, mas os factos são excessivamente vagos e imprecisos, quer quanto às necessidades reais dos jovens carentes de alimentos, quer quanto às disponibilidades efetivas de ambos progenitores.
Nós até podermos admitir que, independentemente do padrão de vida dos progenitores, dois jovens, de 11 e 13 anos de idade, têm seguramente necessidades com alimentação, vestuário, saúde e educação de valor superior a €250,00 por mês, para cada um, mesmo que frequentem o ensino público, tomem as refeições em casa, frequentem cantina social escolar, tenham direito aos livros escolares gratuitos e sejam crianças normalmente saudáveis, não apresentando gastos extraordinários ou excessivos.
Nessa perspetiva, uma pensão de alimentos no valor de €80,00 mensais, para dois adolescentes, de 11 e 13 anos, vivendo em Portugal e em pleno seculo XXI, é claramente suficiente para prover às suas necessidades diárias de alimentação, higiene, vestuário, saúde e educação. Mas escapa-nos por completo a visão global dos rendimentos de ambos os progenitores para garantir o sustento destas duas crianças.
Aliás, se tivermos em conta apenas dos elementos de facto agora em discussão no recurso, que só em parte estão provados documentalmente, o agregado da Requerente-mãe, terá um rendimento per capita de €233,33 (€700,00 : 3), enquanto que o Requerido-pai, que objetivamente se desconhece se vive sozinho, terá €524,70 de rendimento mensal.
Noutro ponto de vista, verificamos ainda que a soma dos rendimentos de ambos os progenitores, em consideração nas alegações de recurso, dá €1.224,70, por mês (€700,00 + €524,70). O que corresponde a uma ponderação per capita de €306,18 (€1.224,70 : 4 pessoas), caso vivessem todos em conjunto, em economia comum. O que, só por si, tendo em atenção as preocupações expressas pelo Ministério Público, já levaria à conclusão de que estas crianças poderiam estar sempre condenadas a viver abaixo do limiar da pobreza, de acordo com o estabelecido no Art. 2.º da Portaria n.º 294/2021 de 13 de Dezembro, que fixou para o ano de 2022, como valor atual do indexante de apoios sociais, a quantia mensal de €443,20 de capitação dos rendimentos mensais dos agregados familiares para efeitos de atribuição de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.
Mas, vistas as coisas ainda doutra perspetiva, também se poderia sustentar que a contribuição da mãe, tendo apenas em conta os valores em discussão nas alegações de recurso, seria atualmente superior, dado que o seu rendimento mensal é atualmente maior. Pelo que, proporcionalmente, a contribuição da mãe para o rendimento global considerado ascenderia a cerca de 57, 16%, sendo a do pai de 42,84%.
Assim, se considerássemos que os encargos com ambos os filhos em causa fosse na ordem dos €500,00 por mês (€250,00 para cada criança), por não ser minimamente aceitável que fosse de valor inferior, então a pensão de alimentos a cargo do pai deveria ascender a €214,20 (€500 x 42,84%).
Seja como for, subsiste o problema de base: é que mesmo que as necessidades dos filhos em causa fossem de €250,00 para cada um – o que, como vimos, já é inferior ao valor do indexante para efeitos de apoios sociais – a verdade é que não sabemos se o progenitor poderia disponibilizar €214,20, sem pôr em risco a sua própria sobrevivência, pois desconhecemos por completo o nível dos encargos regulares que tem de suportar, relembrando-se aqui o limite previsto no Art. 2004.º n.º 2 do C.C..
O Ministério Público, aqui Recorrente, entende que a pensão de alimentos deveria ser fixada em €100,00 para cada uma das crianças. Mas, a verdade é que não temos elementos de facto que nos habilitem a concluir, sem mais, que a pensão de alimentos poderia ser fixada nesse valor, na situação atual de fragilidade económica do Requerido-pai, decorrente da sua situação de desemprego.
Em suma, só podemos concluir que são inúteis todos os exercícios de cálculo e engenharia financeira propostos, porque sempre serão fundados em suposições meramente hipotéticas que não foram devidamente apuradas.
A verdade é só uma: os autos não nos fornecem elementos de facto que nos habilitem a concluir que a pensão de alimentos devida a cada um dos filhos do Requerido deveria ser de €100,00 e não de €80,00, nesta fase, que se pretende transitória, de desemprego, tal como o Ministério Público pretende.
Mas, mais que isso, o que se constata é que ambos os progenitores, por comum acordo, ponderando as variáveis económicas, de que só eles têm efetivo conhecimento, chegaram aos valores da pensão de alimentos que deveria ficar a cargo do pai, ponderando as disponibilidade de cada um e as necessidades dos seus filhos.
Neste contexto, não podemos deixar de realçar que não deixaram de fixar uma prestação pecuniária mensal, que se pode dizer relativamente exígua, em face das necessidades objetivas globais das pessoas aqui concretamente carentes de alimentos, mas ainda assim, e este é o argumento decisivo, não temos por certo que as necessidades destas crianças não estão efetivamente salvaguardadas no caso concreto, sendo que também não sabemos se aquela pensão não corresponde à efetiva disponibilidade do pai.
Se não temos por certo que este acordo, na parte relativa à pensão de alimentos, não corresponde à salvaguarda dos interesses das crianças, não há fundamento para recusar a homologação do acordo. Não basta constatarmos que a pensão de alimentos fixada é de valor baixo, porque ela pode justificar-se no quadro duma situação de fragilidade económica do pai, que foi compreendida e ponderada pela mãe.
A tudo acresce que, não deixou o progenitor de assumir as suas responsabilidades parentais, aceitando pagar uma pensão de alimentos, que se deve presumir compatível com os seus rendimentos e despesas, sem que, em face dos elementos disponíveis nos autos, se possa concluir que o acordo alcançado seja contrário aos interesses das crianças e não respeite os critérios legais para a fixação da obrigação de alimentos.
Aliás, a pensão de alimentos poderá sempre ser objeto de oportuna alteração, em função da evolução da situação económica das partes. Mas, nas condições presentes, não há motivos reais e palpáveis para não respeitar a vontade expressa por comum acordo dos progenitores, nem, consequentemente, para recusar a homologação desse acordo, nos termos do Art. 1905.º n.º 1 “in fine” do C.C.. Improcedem, por isso, as conclusões apresentadas que sustentam o contrário.

V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, por não provada, mantendo-se a sentença homologatória recorrida nos seus precisos termos.
- As custas seriam pelo Recorrente (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.) que, no entanto, delas se mostra isento (Art. 4.º n.º 1 al. a) do R.C.P.).
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Lisboa, 14 de julho de 2020
Carlos Oliveira
 Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva