Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3251/10.6TBBRR-A.L1-6
Relator: TOMÉ ALMEIDA RAMIÃO
Descritores: PENHOR
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Do contrato de penhor emerge um direito real de garantia das obrigações, conferindo ao credor pignoratício o direito à satisfação do seu crédito, bem como juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro, podendo a obrigação garantida ser futura ou condicional ( art.º 666.º, n.ºs 1 e 3 do C. Civil).
2. A prestação de obrigação sob condição suspensiva só é exigível depois de a condição se verificar, pois até lá todos os efeitos do respetivo negócio constitutivo ficam suspensos (art.º do C. Civil.).
3. Compete ao credor de obrigação sujeita a condição suspensiva alegar e demonstrar que a condição ocorreu, sob pena de não poder reclamar o crédito, nos termos do art.º 865.º/1 do C. P. Civil, atenta a manifesta inexigibilidade.
4. O credor reclamante carece de título executivo, por não resultar dos contratos de penhor, juntos nos autos e por ele e executada subscritos, ter sido, por esta, constituída ou reconhecida qualquer obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, mas antes a constituição de penhor sobre os depósitos a prazo para garantia do cumprimento das responsabilidades decorrentes de garantias bancárias, autónomas e à primeira interpelação, por ele prestadas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório.
1. Por apenso ao processo executivo para pagamento de quantia certa, que “E”, S.A., instaurou contra “N”, Lda., veio o B..., S.A. reclamar os seus créditos sobre a executada, nos valores de €362.136,60 e €672.717,50, ao abrigo do disposto no artigo 865.º, n.º 2, do C. P. Civil, referentes a contrato de penhor específico sobre os depósitos a prazo, penhorados na execução.
Alegou, para tanto, e em síntese, que a executada lhe solicitou em 7 de maio de 2008 e 19 de agosto de 2009 a emissão de uma garantia bancária, pelos valores de €672.717,50 e €62.136,60, respetivamente, as quais foram prestadas para caucionar o pagamento antecipado de 15% do projeto S..., no âmbito do contrato de fornecimento celebrado com M... Portugal, assumindo a reclamante a responsabilidade de entregar tais valores que fossem necessários até esse limite, se a entidade afiançada faltar ao cumprimento das obrigações por si assumidas, pagando a reclamante essas importâncias, tendo direito a haver da executada o valor que vier a pagar, e tendo a executada constituído a seu favor um Penhor Específico sobre dois depósitos a prazo que detém no banco e que foram penhorados na execução.
Juntou documentos que titulam as garantias bancárias e contratos de penhor específico sobre os depósitos.

Regularmente notificados para impugnar os créditos reclamados, nem o exequente, nem a executada, deduziram oposição.

Após foi proferida a competente sentença, em que considerando que credor reclamante não dispõe de título executivo que possa fundamentar a reclamação, julgou não reconhecido o crédito reclamado e, em consequência, não foi graduado.

4. Inconformado com esta sentença veio o reclamante B..., S.A., interpor o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
a) O presente recurso é interposto da sentença do apenso reclamação de créditos que considerou não reconhecido o crédito reclamado pelo B..., S.A., não o graduando.
b) O Tribunal a quo considerou que o crédito não se encontrava vencido e que a prestação não era ainda exigível, pelo que não haveria título executivo que pudesse fundamentar a reclamação.
c) No caso em apreço, estamos perante penhor de um depósito bancário a prazo, que contragarante uma garantia bancária prestada pelo banco apelante.
d) O documento que titula o penhor dos autos visa garantir uma eventual obrigação futura da Executada para com o apelante por força do acionamento e satisfação da garantia bancária prestada em benefício de M..., Lda.
e) O ora apelante reclamou o seu crédito, com base nos fundamentos acima referidos, e juntou documentos. Os restantes intervenientes processuais (exequente e executada) foram notificados da reclamação apresentada e não deduziram impugnação.
f) Apesar da obrigação da executada pagar ao banco e contragarantida pelo penhor em causa ainda não se ter vencido, tal não constitui qualquer objeção à apresentação da reclamação e da sua admissão.
g) O artº 865.º, 7, do Código de processo Civil dispõe que o credor é admitido à execução ainda que o respetivo crédito se não mostre vencido.
h) E o art.º 868.º, 3, do CPC determina que a consequência para o crédito não vencido está em a sentença final apenas determinar que, na conta para pagamento, se efetue o desconto correspondente ao benefício da antecipação.
i) Nesse sentido parecem apontar Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (Código de Processo Civil Anotado, III, Coimbra, 203, pag. 506), dizendo:
«Diferentemente da obrigação exequenda, a obrigação do credor reclamante pode ser inexigível, o que constitui derivação do regime da extinção, com a venda executiva, de todos os direitos reais de garantia que incidam sobre o seu objeto (…). Se o for, há lugar ao desconto, no final, dos juros correspondentes ao período de antecipação (art.º 868-3)».
j) Só quando se permite a reclamação de créditos ainda não vencidos, o concurso de credores pode preencher o seu objetivo normal e natural que é o de libertar de ónus e encargos os bens a excluir (cf. S.T.J. 20/1/00 BMJ 493/335).
k) Deste modo, numa interpretação correta e útil do regime legal, o crédito com condição suspensiva deve equiparar-se ao crédito ainda não vencido, aplicando-se o previsto no art.º 868.º, 3, do Código de Processo Civil, fazendo-se o respetivo desconto pela antecipação.
l) A sentença recorrida violou pois o disposto nos art.ºs 865.º, 868.º do Código de Processo Civil bem como no art.º 66.º, 1 e 3, do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exªs doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo (fls. 81)
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 660º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1, todos do C. P. Civil, constata-se que o thema decidendum consiste em saber se os créditos reclamados, referentes às garantias bancárias, beneficiam de título executivo e se devem, ou não, ser reconhecidos e graduados.

IIIFundamentação.
1. Matéria de facto.
Para a decisão recorrida foi considerada assente a seguinte factualidade:
a) Em 07.05.2008 a executada solicitou ao banco reclamante a emissão de uma garantia bancária com o n.º ... pelo montante de € 672.717,50;
b) Tal garantia foi prestada para caucionar o pagamento antecipado de 15% da 3ª FASE do projeto S... no âmbito de contrato celebrado com M..., Lda., e seria válida até que o beneficiário comunicasse o seu desinteresse;
c) Para garantia das obrigações assumidas pelo banco, em 12.07.2008 a executada constituiu a favor daquele um penhor específico sobre o depósito a prazo que detém na referida instituição bancária, com o n.º ..., até ao limite de € 672.717,50;
d) Em 19.08.2009 a executada solicitou ao banco reclamante a emissão de uma garantia bancária com o n.º ... pelo montante de € 362.136,60;
e) Tal garantia foi prestada para caucionar o pagamento antecipado de 15% da FASE I do projeto S... no âmbito de contrato celebrado com M..., Lda., e seria válida até 6 meses após a cessação do contrato ou até notificação ao banco do integral cumprimento das responsabilidades asseguradas pela garantia;
f) Para garantia das obrigações assumidas pelo banco, em 19.08.2009 a executada constituiu a favor daquele um penhor específico sobre o depósito a prazo que detém na referida instituição bancária, com o n.º ..., até ao limite de € 362.136,60;
g) Os depósitos a prazo supra descritos foram penhorados nos autos principais, em 22.10.2012, para garantia da quantia exequenda e despesas prováveis, num total de € 106.308,43.

Nos termos dos art.ºs 659.º/3 e 712.º/2 do C. P. Civil, acrescenta-se a seguinte factualidade:
h) Consta da cláusula 1.ª da Garantia Bancária n.º ...:
“ A presente garantia bancária, autónoma e à primeira solicitação, destina-se a assegurar o pagamento da quantia de €672.717,50 referente a adiantamento pago pelo beneficiário à ordenante com a com a encomenda da 3.ª fase (NP 3815494), correspondente a 15% do valor da referida fase, no âmbito do contrato celebrado para fornecimento de trabalhos no âmbito do S...”.
i) E consta da sua cláusula 2.ª:
“O Banco compromete-se irrevogável, incondicionalmente e sem reservas a entregar ao beneficiário a quantia que lhe seja reclamada, até ao limite máximo acima referido, cujo pagamento garante, quando para tal for interpelado por escrito pelo beneficiário” ( fls. 10).

2. O direito.
A questão essencial a decidir consiste em saber se os documentos que titulam o contrato de penhor de depósito a prazo e das garantias bancária, juntos com a petição de reclamação de créditos, constituem, ou não, titulo executivo.
Sustenta o recorrente estarmos perante penhor de um depósito bancário a prazo, que contragarante uma garantia bancária prestada pelo banco apelante e que apesar da obrigação da executada pagar ao banco e contragarantida pelo penhor em causa ainda não se ter vencido, tal não constitui qualquer objeção à apresentação da reclamação e da sua admissão, já que o artº 865.º, 7, do Código de Processo Civil dispõe que o credor é admitido à execução ainda que o respetivo crédito se não mostre vencido.
Na decisão recorrida considerou-se:
“Nos termos do art. 865º, n.ºs 1 e 2 do CPC, só o credor que goze de garantia real sobre bens penhorados pode reclamar o pagamento dos respetivos créditos, devendo a reclamação ter por base um título exequível.
No caso, da factualidade assente resulta indiscutível que o banco reclamante tem constituída a seu favor uma garantia real – penhor – sobre os depósitos que foram penhorados na execução (cfr. art. 666º, n.º 1, do Cód. Civil).
Por outro lado, a obrigação garantida por cada um dos penhores é condicional (cfr. n.º 3, do referido preceito legal), na medida em que o crédito se encontra sujeito a uma condição suspensiva, dependendo da circunstância de ser ou não acionada a garantia (e por que montante) por parte da beneficiária M..., Lda.
Daqui decorre, pois, que não só o crédito não se encontra vencido, como a própria prestação ainda é inexigível, não sendo sequer certo que alguma vez se venha a verificar a condição em causa.
Conclui-se, assim, que o credor reclamante não dispõe de título executivo que possa fundamentar a presente reclamação – neste sentido, acórdãos …”
Vejamos, pois, se lhe assiste razão.

De acordo com o disposto no art.º 865.º, n.º 1 do C. P. Civil, “só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respetivos créditos.
E estabelece o seu n.º2 que a reclamação tem por base um título exequível.
Assim, só o credor com garantia real sobre os bens penhorados poderá reclamar o seu crédito, tendo por base um título executivo.
Por sua vez, esclarece o seu n.º7 que “o credor é admitido à execução, ainda que o crédito não esteja vencido; mas se a obrigação for incerta ou ilíquida, torná-la-á certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente”.
Por outro lado, como flui expressamente do art.º 802.º do C. P. Civil, em conformidade com o título, a obrigação exequenda tem de ser certa, exigível e líquida, estabelecendo as disposições seguintes os procedimentos adjetivos necessários à sua concretização.
Significa, pois, ser pressuposto necessário da reclamação a titularidade de um crédito por parte do reclamante, para além de estar munido de título executivo e beneficiar de um direito real de garantia sobre os bens penhorados.
Como é sabido, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva - n.º1 do art.º 45.º do C. P. Civil.
E o art.º 46.º, n.º1, do C. P. Civil, fixa taxativamente as várias espécies de títulos executivos, nomeadamente “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto” – alínea c); e “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” - alínea d).
Referindo-se às condições necessárias de que depende a exequibilidade do direito á prestação, escreve Lebre de Freitas, A ação Executiva, Depois da Reforma, 4.ª edição, pág. 29: “O dever de prestar deve constar dum título: o título executivo. Trata-se dum pressuposto de caráter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da ação executiva”.
Decorre, pois, do art.º 45.º/1 do C. P. Civil, que é o título executivo que determina o “fim e os limites da ação executiva”, e como fim possível, o seu n.º2 indica o “ pagamento de quantia certa”, a “entrega de coisa certa” ou a “prestação de facto, “quer positivo, quer negativo” – Eurico Lopes Cardoso, in “Manual da Ação Executiva”, pág. 31.
Como ensina José Alberto dos Reis, in “Processo de Execução”, Vol. I. 3.ª Edição, pág. 147, a propósito dos requisitos substanciais do título executivo, “O segundo requisito não está expressamente previsto na lei, mas é uma exigência da própria natureza e função do título executivo. O título executivo pressupõe necessariamente a afirmação de um direito em benefício de uma pessoa e a constituição de uma obrigação a cargo de outra.”
Também Anselmo de Castro, A Ação Executiva Singular, Comum e Especial, a pág. 11, sublinha que “...pela análise do título se há de determinar a espécie de prestação e da execução que lhe corresponde (entrega de coisa, prestação de facto, dívida pecuniária), se determinará o quantum da prestação e se fixará a legitimidade ativa e passiva para a ação”.
Ora, o recorrente juntou com a petição de reclamação de créditos os documentos que titulam as garantias bancárias e os contratos de penhor sobre os depósitos a prazo penhorados na execução.
Resulta do documento de fls. 13 e 14, que consubstanciam o Contrato de Penhor Específico sobre o depósito a prazo n.º ..., no valor de €336,359,00, da sua cláusula 2.ª, o seguinte:
Sobre o depósito a prazo identificado neste contrato, e sucessivas renovações que o mesmo venha a ter independentemente da numeração interna que lhe venha a ser atribuída, constitui o primeiro outorgante penhor, a favor do B..., S. A., para garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas por “N” - Engenharia e Serviços de Telecomunicações S.A perante o Banco, até ao limite de EUR 672.717,50 euros ( Seiscentos e setenta e dois mil, setecentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos ) provenientes do contrato de crédito, sob a forma de Garantia bancária , no montante de EUR 672.717,50 euros ( Seiscentos e setenta e dois mil, setecentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos ), que o Banco lhe conceda nesta data, incluindo reembolso do capital até ao indicado montante, ao qual acrescem os respetivos juros remuneratórios e moratórios às taxas contratualmente acordadas ou outras taxas posteriormente convencionadas, cláusula penal, as comissões e demais encargos legal ou contratualmente exigíveis, e, ainda, das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de Advogados e Solicitadores que o Banco venha a fazer para assegurar ou cobrar quaisquer dos referidos créditos”.
E consta da sua Cláusula 5.ª :
“Havendo lugar à execução do penhor fica desde já autorizado o B..., por força do presente instrumento, a utilizar da(s) referida(s) conta(s) de depósito a prazo número ... as importâncias necessárias para pagamento das responsabilidades asseguradas”.
E idêntica redação foi inscrita no Contrato de Penhor Específico sobre o depósito a prazo n.º ..., no valor de €181.068,30, junto a fls. 17 e 18.
Assim, decorre dos referidos documentos apenas a constituição do penhor sobre os depósitos a prazo, de modo a garantir um eventual incumprimento das obrigações assumidas pela executada e consequente acionamento das garantias bancárias prestadas pela recorrente e solicitadas por aquela em 07.05.2008, com o n.º ..., pelo montante de € 672.717,50, e em 19.08.2009, com o n.º ..., pelo montante de € 362.136,60.
Ora, o penhor é considerado um direito real de garantia das obrigações e vem definido e regulado nos art.ºs 666.º e segs. do C. Civil, conferindo ao credor pignoratício o direito à satisfação do seu crédito, bem como juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro, podendo a obrigação garantida pelo penhor ser futura ou condicional ( n.ºs 1 e 3).
No caso concreto, estamos em presença de um penhor que incide sobre depósito bancário, a que Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Bancário”, 3.ª Edição, pág. 625, define como penhor financeiro (qualificação que é dada pela natureza dos sujeitos, do objeto do penhor, da obrigação garantida e da vontade das partes), sublinhando que, em rigor, tratar-se de um penhor de direitos (art.º 679.º do C. Civil), sendo a garantia caracterizada pela entrega do seu objeto ao credor pignoratício ou tomador da garantia sem que, por isso, a propriedade se transfira para este último.
Também Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, “Garantias de Cumprimento”, 5.ª Edição, págs. 170 e segs., sustentam que o penhor de aplicações financeiras, frequentemente utilizado pelas instituições de crédito, poderá revestir uma modalidade de penhor de direitos, ao qual se aplicam os artigos 679.º e seguintes do C. Civil, sendo que o seu traço específico está no facto de se empenhar um direito sobre numerário que se encontra na disponibilidade do credor pignoratício. E acrescentam que “este tipo de garantia, seja na modalidade clássica de penhor de depósitos a prazo ou de qualquer outra aplicação, pressupõe um depósito no banco, que vai ser posteriormente transformado em determinado «produto bancário», nos termos do acordo estabelecido entre o depositante e depositário”.
E Menezes Leitão, “Garantias das Obrigações”, 2006, pág. 287/288, considera tratar-se de um penhor de créditos, porquanto o penhor não incide sobre o dinheiro depositado, que pertence à entidade bancária, mas sim sobre o crédito que o depositante é titular sobre esse banco.
No caso particular do penhor sobre depósito a prazo o titular fica impedido de movimentar a conta bancária enquanto se mantiver o penhor ou não for liquidada a dívida, permitindo-se normalmente ao Banco, na data do vencimento, pagar-se pela dívida garantida através de débito na referida conta, como aliás foi aceite pelas partes na cláusula 5.ª do citado contrato de penhor.
Importa ter presente, também, que o penhor sobre aplicações financeiras está previsto no Decreto-Lei nº 105/2004, de 8/5, que regula os contratos de garantia financeira, como o contrato de penhor financeiro, incorporando na ordem jurídica interna a Diretiva nº 2002/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de junho, relativa aos acordos de garantia financeira, diploma legal que contém algumas das especialidades em relação ao regime geral do penhor previsto nos art.ºs 666.º e segs. do C. Civil, em particular a possibilidade de se poder conferir ao beneficiário da garantia o direito de disposição sobre o seu objeto ( art.º 9.º/1), bem como o estabelecimento, por acordo, do pacto comissório, permitindo ao beneficiário da garantia proceder à sua execução, fazendo seus os instrumentos financeiros dados em garantia ( art.º 11.º/1).
E no que respeita às garantias bancárias prestadas pelo recorrente, está assente que foram prestadas autonomamente e à primeira solicitação, visando assegurar o pagamento das quantias de €672.717,50 e € 362.136,60, respetivamente, comprometendo-se irrevogável, incondicionalmente e sem reservas a entregar ao beneficiário essas quantias que lhe sejam reclamadas, até esse montante, e cujo pagamento garantiu quando para tal for interpelado por escrito pelo beneficiário.
A garantia bancária autónoma é uma garantia de natureza pessoal, com contornos idênticos à da fiança (art.º 627.º/1 do C. Civil), consistindo num contrato celebrado entre o interessado (o mandante) e o garante, a favor de um terceiro (o garantido ou beneficiário), obrigando-se o garante a pagar ao beneficiário uma determinada importância, que é devida pelo mandante, sendo que tal pagamento se efetuará á primeira solicitação, ou seja, o garante pagará ao beneficiário esse valor logo que este lha peça, podendo ser automática ou não automática – cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit. pág. 642. E acrescenta este Professor que “a função da garantia autónoma não é, tanto, a de assegurar o cumprimento dum determinado contrato. Ela visa, antes, assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas no texto da própria garantia, uma determinada quantia em dinheiro”.
A propósito da natureza desta garantia bancária escreve Menezes de Leitão, “Direito das Obrigações”, Vol. II, 8.ª Edição, 2011, pág. 353/354: “Esta garantia ocorre quando determinada entidade (normalmente bancária ou financeira) vem garantir pessoalmente a satisfação de uma obrigação assumida por terceiro, independentemente da validade ou eficácia desta obrigação e dos meios de defesa que a ela possam ser opostos”. E realça a existência de uma relação de cobertura entre o dador da ordem e o garante, referindo haver “ um compromisso entre o garante e o garantido pelo qual aquele se compromete a emitir uma garantia a favor da pessoa que venha a ser designada por este, exigindo como contrapartida o pagamento de uma comissão, ao mesmo tempo que o garantido se compromete, além de pagar a comissão, a reembolsar imediatamente o garante, caso este venha a ter que efetivamente que efetuar ao beneficiário da garantia a prestação a que se comprometeu” ( pág.357).
E não tendo regulamentação específica na lei, esta prática, bastante generalizada nas relações comerciais, assenta no princípio da autonomia privada (art.º 405.º do C. Civil).
Porém, a figura da garantia autónoma à primeira solicitação está expressamente prevista no art.º 4.º, n.º1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 69/2004, de 25 de março, diploma que regula a disciplina aplicável aos valores mobiliários de natureza monetária designados por papel comercial.
No caso em apreço, o recorrente tem constituída a seu favor uma garantia real, decorrente dos contratos de penhor sobre os depósitos a prazo penhorados na execução, visando garantir um eventual direito de sub-rogação (art.º 644.º do C. Civil), caso lhe venham a ser exigidas as garantias bancárias prestadas e descritas em a) e d) da matéria de facto.
Ora, a verdade é que a obrigação de pagamento das quantias reclamadas, assumida pelo recorrente com a emissão dessas garantias bancárias, está sujeita a uma condição suspensiva, admitida expressamente no n.º3 do art.º 666.º do C. Civil.
E reza o art.º 270 do C. Civil que as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico, dizendo-se suspensiva essa condição.
Do que se deixa dito é fácil de concluir que não ocorrendo essa condição o negócio não produz os efeitos jurídicos pretendidos pelas partes, o mesmo é dizer que sem a demonstração da exigência de pagamento pelo beneficiário da garantia bancária e a efetivação desse pagamento pelo garante, este não é titular de qualquer crédito sobre o dador dessa ordem ( o garantido).
E assim sendo, não alegando, nem demonstrando, o recorrente, a verificação dessa condição, é apodítico não ser titular de qualquer direito de crédito sobre a executada.
Como ensina Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 92, “a prestação de obrigação sob condição suspensiva só é exigível depois de a condição se verificar, pois até lá todos os efeitos do respetivo negócio constitutivo ficam suspensos (art. 270 CC)”.
E acrescenta: “ Daí que o art. 804.º, nºs 1 a 4, exija ao credor exequente a prova da verificação da condição, sem o que a execução não é admissível”.
No mesmo sentido Lopes Cardoso, ob. cit. pág. 220/221 e Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução” 11.ª Edição, págs.125/126.
Com efeito, não consta da reclamação a alegação e, consequentemente, não está provado, que a condição se verificou, facto essencial, porque constitutivo do seu direito (art.º 342.º/1 do C. Civil).
Conclui-se, assim, que o recorrente não é credor das quantias reclamadas, isto é, os créditos reclamados não são exigíveis, não sendo, por isso, admissível que pudesse cobrar os créditos pelo produto da venda dos bens penhorados, que ainda não existem, se é que alguma vez poderão vir a existir.
E não se argumente, como sustenta o recorrente, que apesar da obrigação da executada pagar ao banco e contragarantida pelo penhor ainda não se ter vencido, tal não constitui qualquer objeção à apresentação da reclamação e da sua admissão, nos termos do artº 865.º, n.º7, do C. P. Civil.
É que o vencimento da obrigação, a que se reporta essa disposição legal, está relacionada com a sua exigibilidade, não sendo, pois, de exigir esse requisito para o reclamado crédito na medida em que essa solução assenta na caducidade dos direitos reais de garantia com a venda executiva, nos termos do art.º 824.º/2 do C. civil, justificando que todos os credores com garantia real reclamem os seus créditos no respetivo concurso, mesmo que eles não se encontrem vencidos – cf. Amâncio Ferreira, ob. cit. pág. 333, citando José Batista.
Mas a verificação doutra situação de inexigibilidade da obrigação, não identificada com a falta de vencimento, como é o caso em apreço, não autoriza a reclamação do crédito (ibidem).
Seguindo, de novo, os ensinamentos do Professor Lebre de Freitas, ob. cit. pág. 82/83, a prestação não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como é o caso em que a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva e ainda não se verificou. E sublinha: “O conceito de exigibilidade não se confunde com o de vencimento nem com o de mora do devedor.”
Aliás, o próprio recorrente reconhece não ser ainda titular de qualquer crédito, quando sustenta que “assumiu a responsabilidade de entregar tais valores que fossem necessários até esse limite, se a entidade afiançada faltar ao cumprimento das obrigações por si assumidas”. Só que tais condições não estão demonstradas, a saber: incumprimento das obrigações assumidas pelo dador da ordem ( a executada); exigência do pagamento pela entidade beneficiária da garantia bancária e efetivo pagamento pela entidade garante ( o recorrente).
Se assim é, ou seja, se não desembolsou as quantias em causa como pode vir reclamar esses pseudo“créditos” e obter o respetivo pagamento pelo produto dos bens penhorados?
Acresce dizer que o recorrente não é igualmente portador ou detentor de título executivo.
Na verdade, dos contratos de penhor juntos nos autos, subscritos pelo recorrente e executada, não resulta ter sido constituída ou reconhecida, por esta, qualquer obrigação pecuniária, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, mas antes a constituição do penhor sobre o depósito a prazo para “garantia do cumprimento das responsabilidades assumidas por “N” - Engenharia e Serviços de Telecomunicações S.A perante o Banco, até ao limite de EUR 672.717,50 euros ( Seiscentos e setenta e dois mil, setecentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos ) provenientes do contrato de crédito, sob a forma de Garantia bancária , no montante de EUR 672.717,50 euros ( Seiscentos e setenta e dois mil, setecentos e dezassete euros e cinquenta cêntimos…, incluindo reembolso do capital até ao indicado montante, ao qual acrescem os respetivos juros remuneratórios e moratórios às taxas contratualmente acordadas ou outras taxas posteriormente convencionadas, cláusula penal, as comissões e demais encargos legal ou contratualmente exigíveis, e, ainda, das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de Advogados e Solicitadores que o Banco venha a fazer para assegurar ou cobrar quaisquer dos referidos créditos”.
Portanto, esses documentos particulares, por si só, ou conjugados com as garantias bancárias, não constituem título executivo, nos termos já definidos no art.º 46.º/1, alínea c), do C. P. Civil.
No sentido da inexistência de título executivo, nestes casos, já se pronunciaram os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 9/2/2009, Proc. n.º 495/05.6TBSJM; de 14/05/2012, Proc. n.º 3448/09.1YYPRT-A.P1; e de 15/02/2012, Proc. n.º 8817/09.4YYPRT-C.P1; e Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/03/2012, Proc. n.º 287/10.0TTPDLA.L1-4, e de 24/02/2011, Proc. n.º 5510/09.1TVLSB-D.L1-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
E a circunstância dos créditos reclamados não serem impugnados, não impunham o seu reconhecimento e verificação, nos termos do n.º2 do art.º 868.º C. P. Civil, visto que, como se prescreve no n.º4 deste preceito legal, serão reconhecidos os créditos e as respetivas garantias reais que não forem impugnados, “sem prejuízo das exceções ao efeito cominatório da revelia, vigentes em processo declarativo, ou do conhecimento das questões que deviam ter implicado rejeição liminar da reclamação”.
Por isso, considerando a inexigibilidade dos créditos reclamados e ausência de título executivo, pressupostos que condicionam a reclamação, porque motivavam a prolação de despacho de indeferimento liminar, não fica o tribunal impedido apreciar tais questões na decisão final, não obstante a sua liminar admissão.
Concluindo, a decisão recorrida não merece qualquer censura, pelo que deve improceder a apelação.
Vencido no recurso, as custas da apelação serão por conta do recorrente, face ao disposto nos art.ºs 446º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil.
(…)

V. Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente.

Lisboa, 2013/02/14

Tomé Ramião
Vítor Amaral
Fernanda Isabel Pereira