Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1236/14.2TFLSB.L1-9
Relator: FERNANDO ESTRELA
Descritores: EXECUÇÃO POR COIMA
INDEFERIMENTO LIMINAR
CUSTOS DE ACTIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I - o disposto no artigo 35.º, n.º4, 2ª parte, do Regulamento das Custas Judiciais, não é aplicável, directa ou subsidiariamente, a sanções penais em sentido amplo, tais como penas de multa ou coimas.
II - atento o teor do artigo 89.º, n.º2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas e o artigo 491.º do Código de Processo Penal, o qual determina os casos em que o Ministério Público intenta a execução em casos de pena de multa e coimas e a diferente natureza da coima e custas, considera-se que o critério previsto no artigo 35.º, n.º 4, 2ª parte do Regulamento das Custas Judiciais não é aplicável ao caso dos presentes autos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I – No Proc.º n.º 1236/14.2TFLSB do 2.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, 2.ª Secção, por despacho judicial de 4 de Julho de 2014, foi decidido “indeferir o requerimento executivo” formulado pelo Ministério Público.

II – Cumpre decidir.
1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
2. O recurso será julgado em conferência, atento o disposto no art.º 419.º n.º 3 alínea b) do C.P.Penal.
3. Da decisão mencionada interpôs recurso o M.P. que, por nos merecer total concordância, transcrevemos na sua quase totalidade as respectivas alegações de recurso que se mostram lapidares:
1. No âmbito do presente processo o Ministério Público propôs, ao abrigo do disposto no artigo 89.º, n.º2, do Regime Geral de Contra-Ordenações e Coimas, acção executiva para pagamento de coima e custas aplicadas por decisão administrativa definitiva.
 2. Contudo, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (recorrido): «Uma vez que inexistem quaisquer bens ou rendimentos do executado indicados pelo M.P. conhecidos susceptíveis de penhora e suficientes face ao valor da execução e atento o montante da dívida que é inferior aos custos da actividades e às despesas prováveis da execução, o M.P. deve abster-se de instaurar a execução, nos termos do artigo 35.º, n.º4, do Regulamento das Custas Processuais aplicável ex vi artigos 89.º, n.º2, do RGCO e 491.º e 510.º, ambos do Código de Processo Penal. Pelo exposto, indefiro o requerimento executivo. Sem custas por legalmente inadmissíveis. Proceda-se ao arquivamento dos autos. Notifique.»
3. As causas de indeferimento liminar do requerimento executivo estão previstas no artigo 726.º do Código de Processo Civil.
4. Dispõem os números 2, 3, 4, e 5 de tal norma que «2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título; b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso; c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso; d) Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter caráter patrimonial e não poder ser objeto de transação. 3 - É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados. 4 - Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º. 5 - Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo.».
5. No caso em análise não só inexiste qualquer causa de indeferimento liminar do requerimento executivo prevista no artigo supra referido, como tal não foi invocado no despacho em crise.
6. Na verdade, o despacho em crise, conforme se alcança do seu teor supra transcrito, limita-se a indeferir liminarmente o requerimento executivo por considerar que o Ministério Público deveria ter-se abstido de o instaurar nos termos do artigo 35.º, n.º4, do Regulamento das Custas Processuais.
Vejamos.
Prescreve o artigo 89.º, n.º1 e 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas que «1. O não pagamento em conformidade com o disposto no artigo anterior dará lugar à execução (…) 2. A execução é promovida pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal competente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Penal sobre a execução da multa.»
E estabelece o artigo 491.º, n.º1 e 2, do Código de Processo Penal, que «1- Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial. 2 - Tendo o condenado bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue os termos da execução por custas.».
Estatui, ainda, o artigo 510.º do Código de Processo Penal que «Em tudo o que não esteja especialmente previsto neste Código, a execução de bens rege-se pelo disposto no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais.» 
Por último, o artigo 35.º, n.º4 do Regulamento das Custas Processuais estabelece que «4. O Ministério Público apenas instaura a execução quando sejam conhecidos bens penhoráveis do devedor que se afigurem suficientes face ao valor da execução, abstendo-se de a instaurar quando a dívida seja de montante inferior aos custos da actividade e às despesas prováveis da execução.»
No entanto, o disposto no artigo 35.º, n.º4, 2ª parte, do Regulamento das Custas Judiciais, não é aplicável, directa ou subsidiariamente, a sanções penais em sentido amplo, tais como penas de multa ou coimas.
Com efeito, conforme se refere na versão actualizada da Circular da P.G.R. n.º9/2006, datada de 28/12/2006, «(…) II. Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 89º, nº 2 do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro e do art. 491º, nº 2 do Código de Processo Penal, a execução para pagamento coercivo de coima segue os termos da execução por custas, prevista nos arts. 35º e 36º do Regulamento das Custas Judiciais. Aquela remissão legal deve ser entendida no sentido de que à execução por coima se aplica o regime processual das execuções por custas (tal como se aplica, de resto, à execução das multas criminais). Essa aplicação, deve, no entanto, ter sempre presente a diferente natureza das quantias a executar e as finalidades que lhe estão subjacentes. De facto, as coimas e as custas têm natureza diversa, o que determina a necessidade de ser ponderada e considerada essa diferente natureza na aplicação concreta daquele regime. A coima é uma sanção, resultante de uma condenação por contra-ordenação. Corresponde ao sancionamento de uma conduta qualificada pela lei como um facto típico, ilícito e censurável (artigo 1º, do Decreto-Lei 433/82, de 27/10). A sua execução coerciva tem como finalidade o cumprimento de uma sanção com carácter punitivo, aplicada no âmbito de um ordenamento jurídico sancionatório. Contrariamente, as custas constituem encargos com a justiça, não têm natureza sancionatória, não se equiparando a sanções penais. Por isso mesmo, o disposto no art. 35º, nº 4, 2ª parte do Regulamento das Custas Judiciais não é aplicável às execuções (a instaurar ou instauradas ) para pagamento coercivo de dívida de coima. (…) IV - Tendo em conta o exposto (…) ao abrigo do disposto no art. 12º, nº 2, al. b), do Estatuto do Ministério Público, determino que os Senhores Magistrados e Agentes do Ministério Público observem e sustentem o seguinte: «1 - A remessa legal feita pelas disposições conjugadas do art. 89º, nº 2 do Decreto Lei 433/82, de 27 de Outubro e do art. 491º do Código de Processo Penal, para o regime processual da execução por custas, não poderá deixar de salvaguardar a natureza das dívidas a executar e as finalidades da execução. 1.2 - Considerando, pois, a natureza da coima, sanção de carácter punitivo, o disposto no art. 35º, nº 4, 2ª parte, do Regulamento das Custas Judiciais não será aplicável quando esteja em causa a instauração de uma execução para pagamento de dívida de coima, nem no âmbito de execução já instaurada para o mesmo efeito. 1.3 - Recebido um processo de contra-ordenação, remetido por autoridade administrativa para efeitos do disposto no art. 89º do Decreto-Lei n.º433/82, de 27 de Outubro (ou tendo vista de processo de contra-ordenação pendente em Tribunal para os mesmos efeitos), os senhores Magistrados do Ministério Público, desde que reunidos os demais pressupostos legais, deverão instaurar execução, independentemente do valor da coima a executar. (…)»
Assim sendo, atento o teor das normas legais supra referidas, nomeadamente o artigo 89.º, n.º2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas e o artigo 491.º do Código de Processo Penal, os quais determinam os casos em que o Ministério Público intenta a execução em casos de pena de multa e coimas e a diferente natureza da coima e custas, considera-se o critério previsto no artigo 35.º, n.º 4, 2ª parte não é aplicável ao caso dos presentes autos.
(…)
Por último, a conclusão formada pelo tribunal a quo de que inexistem quaisquer bens ou rendimentos do executado indicados pelo Ministério Público conhecidos susceptíveis de penhora e suficientes face ao valor da execução carece de fundamentação, isto é, não é acompanhada de qualquer facto que a suporte, tendo violado o disposto no artigo 154.º do Código de Processo Civil.

III – Pelo exposto, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que determine o prosseguimento da acção executiva.
Sem custas.
 (Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd art.º 94.º n.º2 do C.P.Penal)
                                             
Lisboa, 15 de Janeiro de 2015

Fernando Estrela
                                                                                                      Guilherme Castanheira