Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7503/16.3T8FNC-A.L1-7
Relator: DIOGO RAVARA
Descritores: SENTENÇA
NULIDADE
CONDOMÍNIO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: · A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº 1, al. c) do CPC) só se verifica quando ocorra uma verdadeira situação de incompatibilidade entre aqueles e esta, de modo a concluir-se que esta não pode ser consequência lógica daqueles.
· As atas de assembleias de condóminos que deliberem a aplicação de penalidades consagradas em regulamento do condomínio não constituem título executivo nos termos previstos no art. 6º do DL nº 268/94, de 25-10.
· As prestações suportadas pelos condóminos para liquidar a quota-parte que a cada um cabe das despesas a que se refere o art. 1424º, nº 1 do Código Civil, quando instituídas com regularidade e periodicidade, estão sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 310º, nº 1, al. g) do CC.
· Não ocorre interrupção da prescrição se o facto a que a lei atribuiu efeito interruptivo ocorrer depois de esgotado o prazo de prescrição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa em que é executada, veio C., Lda  deduzir oposição por meio de embargos à execução para pagamento de quantia certa que o condomínio T. lhe havia movido, para pagamento de contribuições e penalidades, e apresentando como títulos executivos atas de assembleias de condóminos.
Para tanto invocou a falta de título no que respeita a penalidades e outros montantes não relativos a contribuições com despesas correntes do condomínio; a prescrição do crédito exequendo referente ao período de agosto de 2004 a dezembro de 2011; a sua ilegitimidade (substantiva) no que diz respeito à fração BR no período subsequente a 15-12-2015 por a ter vendido a terceiro; e o pagamento de parte dos montantes peticionados. Finalmente sustentou que as frações BE, BI e BQ se acham na posse de terceiros, sendo que como consta das atas dadas à execução, são estes quem deve pagar as contribuições das fracções que possuem.
Recebidos os embargos, contestou a exequente e ora embargada, reconhecendo ter recebido quantias a título de pagamento (parcial), imputando os montantes recebidos e consequentemente, reduzindo o montante global da quantia exequenda; mas em tudo o mais pugnando pela improcedência dos embargos e pela condenação da embargante como litigante de má-fé.
Foi proferido despacho saneador e de gestão processual, dispensando-se a realização de audiência prévia, após o que teve lugar a audiência de julgamento.
Realizada esta, foi proferida sentença, julgando os embargos parcialmente procedentes, e “prescritas as quotas respeitantes aos meses de agosto de 2004 a dezembro de 2011, bem como insuscetíveis de serem executados os valores requeridos a título de penalidades”, determinando-se o prosseguimento da execução “em conformidade”, isto é quanto aos demais créditos exequendos.
Inconformada com tal decisão, veio o exequente e embargado dela interpor o presente recurso de apelação, cuja motivação resumiu nos termos das seguintes conclusões:
· Vem o presente recurso interposto da sentença do tribunal a quo, datada de 19/09/2018, que julgou parcialmente procedente os embargos do executado, julgando-se prescritas as quotas respeitantes aos meses de Agosto de 2004 a Dezembro de 2011, no valor de 858,97€, bem como insusceptíveis de serem executados os valores requeridos a título de penalidades, no valor de valor de 2.520,57€ (Dois mil, quinhentos e vinte euros e cinquenta e sete cêntimos), e determinando o prosseguimento da execução em conformidade.
· A sentença, aqui em crise, está ferida, irremediavelmente, de várias nulidades, nomeadamente: por não ter verificado a existência por diversas vezes da interrupção da prescrição, pelo pagamento, pois além dos alegados pagamentos não considerou o documento 16 junto com a contestação aos embargos donde consta todo o elenco de pagamentos; e por não ter considerado haver título executivo quanto às penalidades pelo não pagamento atempado das quotas a que o embargante estava obrigado; e nem se ter debruçado sobre o pedido de litigância de má fé alegado na contestação aos embargos efectuado pelo embargado, aqui recorrente. Restringindo-se aqui ao objecto inicial do recurso apenas a estas questões, nos termos do art.º 635. n .º 4 do CPC.
· A sentença recorrida é nula e ilegal, por violar, entre outras, as normas constantes dos artigos 608º, 615.º, n.º 1 alíneas c) e d) do CPC e o artigo 6.º do Decreto – Lei nº268/94, de 25/10 e art.º 1434.º, n.º 1 do Código Civil (adiante designado por C.C).
· Na sentença ora recorrida decidiu a Mma. juíza que se mostravam prescritas as quotas respeitantes aos meses de Agosto de 2004 a Dezembro de 2011, uma vez que se encontra decorrido o prazo de 5 anos de prescrição, independentemente do pagamento que realizou em 2017 (Fls. 12 e 13 da sentença).
· Ora o Tribunal a quo apenas atendeu ao pagamento efectuado em 2017, apesar de ter sido alegado pela aqui recorrente também outros pagamentos e consequente interrupção da prescrição (art.ºs 60.º e 61.º da contestação). Além do mais a recorrente indicou prova dos mesmos sob o documento n.º 16 da contestação aos embargos.
· Espantosamente teve-se apenas em conta o pagamento realizado em Fevereiro de 2017 e não os diversos pagamentos que demonstram a interrupção da prescrição extintiva, nos termos do art.º325.º, n.º 2 do C.C.
· Mal andou a sentença ao decidir ter-se mostrado interrompida a prescrição, decidindo pela prescrição das quotas de Agosto de 2004 a Dezembro de 2011, porquanto a prescrição de 5 anos nunca perfez os 5 anos ininterruptamente.
· Mostrando-se interrompida todos os anos desde 2004 até 2009, em 2010, 2014, 2015 e 2017, inutilizando-se o tempo já decorrido, nos termos do disposto no art.º 326.º do C.C., iniciando-se novo prazo a cada pagamento efectuado.
· A sentença sub iudice, e salvo o devido respeito, fez uma errada apreciação da prova produzida, tendo julgado provados alguns factos que, efetivamente, não o foram e tendo omitido outros que, além de provados, eram relevantes para a apreciação da questão em apreço.
· Nulidade que novamente enferma a sentença ora recorrida, os termos do art.º 615.º, n.º 1 alínea c) do C.P.C.
· Da sentença verifica-se também a contradição entre a fundamentação de direito e da decisão de inexistência de título quanto às penalidades requeridas, porquanto recorre-se da doutrina de Sandra Passinhas para explicitar a interpretação a fazer acerca do art.º 6.º do Decreto – Lei nº268/94, de 25/10, que atribui força executiva às actas de assembleias de condomínio que deliberem “às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como ao pagamento de serviços comuns que não devam ser suportados pelo condomínio”, onde esta defende que “deve entender-se de forma ampla a expressão «contribuições devidas ao condomínio» de forma a nela se integrarem as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, com inovações, contribuições para o fundo comum de reserva, seguro de incêndio e as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434º do Código Civil”.
· Para depois, e sem qualquer suporte legal, e, em violação do disposto nos referidos art.º. 6.º do Decreto – Lei nº 268/94, de 25/10 e art.º 1434º, n.º 1 do C.C., concluir pela insuficiência do título executivo quanto às penalidades requeridas.
· Ora estamos perante uma flagrante contradição da fundamentação, pois o termo “contribuições devidas ao condomínio” devia ser entendido, como defende a doutrina, e jurisprudência, em “sentido amplo” de modo a integrar as penalidades que estão previstas no regulamento de condomínio nos termos do artigo 12º, n.º 2 e 4 do Regulamento de Condomínio (doc. nº56).
· Pois as referidas penalidades constam de acta de assembleias onde foram deliberadas e aprovadas aplicar ao embargante, conforme determinado no ponto 4 da assembleia de condóminos realizada a 17 de Outubro de 2016, e junta sob Doc. n.º 7 da contestação aos embargos do executado.
· Mal andou novamente a sentença, quando não entendeu que por se ter observado o disposto no art.º 1434 do C.C., ter sido prevista a aplicação de penalidades no regulamento de condomínio, ter sido previsto o prazo de pagamento das quotas, e ter sido deliberada em assembleia de condóminos devidamente convocada, essa acta, não ser título executivo, pois além de ser título executivo quanto às restantes quotas é também título executivo, porquanto a mesma contém a aplicação da penalidade válida, além de ser certa, líquida e exigível.
· A fixação de penas pecuniárias para inobservância das disposições do Cód. Civil, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador é legalmente admissível de acordo com o disposto no art. 1434º, n.º 1 do CC.
· E a jurisprudência junto dos diversos Tribunais superiores tem tido semelhante entendimento de se entender incluir as penalidades no conceito dos “contribuições devidas ao condomínio” do art.º 6.º, n.º 1 do referido Decreto–Lei nº268/94, de 25/10 veja-se: o acórdão do Tribunal da relação do Porto de 17-05-2016 proc.2059/14.4TBGDM-A.P1 onde se decidiu “A acta da assembleia de condóminos, na parte em que se aplica sanções a estes, vale como título executivo.” E também a jurisprudência do presente Tribunal da Relação de  Lisboa de 08-07-2007 (proc.9276/2007-7), onde se lê: “O âmbito da acta, enquanto título executivo, cabem o montante das “contribuições devidas ao condomínio”. Neste sentido também o acórdão da Relação do Porto de 03-03-2008 Proc.0850785; e da Relação de Évora, de 30-06-2011, Proc.318/10.4TBLLE.E1). Seguindo semelhante entendimento o Tribunal da Relação de Coimbra de 05-06-2001 (Proc. 455/2001) que “O campo de aplicação da expressão "contribuições devidas ao condomínio" constante da parte inicial do nº1 do referido artº 6º, deve ser perspectivado de forma ampla, de molde a abarcar, as penalizações ou penas pecuniárias.”
· E decorre também da leitura do preâmbulo do Decreto – Lei nº268/94, de 25/10 que o mesmo surgiu com “o objectivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros.”
· Sendo que a entender-se que as penalidades não estariam incluídas na interpretação das “contribuições devidas ao condomínio” e que são aplicadas aos condóminos, que sabem da sua existência por estarem previstas nos regulamentos de condomínio, além de serem discutidas e aplicadas em assembleia de condóminos e constantes de acta, não terem o mesmo tratamento das restantes “quotas devidas ao condomínio” sendo portanto alvo de um tratamento quase “desigual” quando a forma de aprovação e aplicação é a mesma.
· Acrescendo ainda o facto de ser de todo incongruente e contraditório com a proclamada intenção no preâmbulo do referido Decreto-Lei de tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal.
· Não fazendo sentido que se intente acção executiva para a “cobrança das contribuições e despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, e ao pagamento de serviços de interesse comum” e para a cobrança do montante resultante das penas pecuniárias legalmente estabelecidas o condomínio estivesse impedido de instaurar execução, tendo previamente que instaurar uma acção declarativa condenatória.
· Além do mais o entendimento sufragado na sentença ora recorrida seria, onerar mais uma vez o já penalizado condomínio que, por força de condóminos incumpridores como o embargante que além de contribuírem para com a consequente falha de tesouraria, veria mais uma vez retardada e colocado na já de si difícil gestão do condomínio e o pagamento aos diversos fornecedores, com custos acrescidos com uma acção de condenação.
· Prejudicando, ao fim e ao cabo os condóminos cumpridores, onerando o condomínio com mais uma acção para aplicar uma penalização ao condómino incumpridor.
· Assim o conceito do nº 1 do art. 6º do DL nº 268/94 de 25/10, deve ser interpretado no sentido de incluir no âmbito do título executivo ali referido as penalidades previstas no regulamento do condomínio, e terá que ser revogada a sentença, ao qual subjaz um entendimento oposto devendo em consequência a execução prosseguir também quanto à “penalidade” requerida no valor de valor de 2.520,57€ (Dois mil, quinhentos e vinte euros e cinquenta e sete cêntimos).
· Sendo assim declarada a clara violação pela sentença do art. 1434.º do Código Civil e do art.º 6.º, n.º 1 do DL nº 268/94 de 25/10.
· O Tribunal a quo, não se pronunciou na sentença, como o deveria ter feito, sobre o pedido de litigância de má fé efectuado pelo embargado na sua contestação aos embargos como elencado nos art.º 83.º a 89.º da referida contestação.
· Na verdade, o ora Recorrente entendeu, e entende, que o recorrido deve ser condenado em litigante de má fé, pois não devia ter-se oposto à execução quando sempre pagou e nunca questionou as actas dadas à execução, bem sabendo que as actas dadas à execução são título bastante.
· Alterou a verdade dos factos alegando que não tem que pagar porque os bens se encontravam na posse de terceiros, quando esse facto é totalmente alheio ao recorrente. Mas pior é ter omitido/falseado documentos para se arrogar como não proprietário.
· Mas, independentemente de nos assistir, ou não, razão nesta questão da litigância de má fé, a verdade é que o Tribunal não poderia ter deixado de se pronunciar quanto à questão suscitada.
· Ao ter ignorado de forma clara aquela exceção devidamente deduzida, o Tribunal a quo feriu irremediavelmente de nulidade a sentença proferida, nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC.
· Ora, estando nós perante um enxerto à execução o Tribunal deve na sentença decidir, obrigatoriamente, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
· No caso em apreço, em momento algum, o Tribunal se pronunciou quanto à litigância de má fé, e por isso, de forma inequívoca, tornou a sentença proferida nula.
· Nos termos do artigo 608º n.º 1 do CPC, na sentença, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
· Ora, e não o fazendo, e tal como preceituado pela alínea d) do n.º 1 do citado artigo 615º do CPC, é nula a sentença, porquanto o juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, existindo assim a chamada omissão de pronúncia.
Remata as suas conclusões nos seguintes termos: “deve a sentença aqui em crise ser revogada, por nula, julgando-se totalmente improcedentes os embargos, porquanto a prescrição foi interrompida sendo devidas as quotas respeitantes aos meses de Agosto de 2004 a Dezembro de 2011, no valor de 858,97€, devendo ser consideradas também como título suficiente as actas dada à execução para aplicação da penalidade no de valor de 2.520,57€ (Dois mil, quinhentos e vinte euros e cinquenta e sete cêntimos)”.
A recorrida respondeu ao recurso e interpôs recurso subordinado, apresentando contra-alegações, que resumiu nos termos das seguintes conclusões:
· O recorrente limitou o objecto do seu recurso ao conhecimento da existência de alegados vícios que inquinam a sentença recorrida de nulidade, restringindo, deste modo, o poder de cognição deste Venerando Tribunal à verificação da (in)existência de nulidades;
· Concluindo-se, como entende se impor, não existirem e/ou não poderem ser conhecidas as nulidades invocadas, deverá o recurso improceder;
· O pagamento da quota mensal de condomínio constitui uma obrigação única, em que cada quota é uma obrigação pecuniária autónoma e independente, exigindo-se que por referência a cada uma dessas obrigações se verifique facto que a lei atribua o efeito interruptivo da prescrição.
· Ao decidir-se pela prescrição de algumas – devidamente individualizadas e identificadas – das obrigações peticionadas, a douta sentença não incorreu em nulidade;
· No que às penalidades se refere, a douta sentença expressa a interpretação da instância sobre a matéria, sem que isso constitua prática inquina a sentença de vício gerador de nulidade, improcedendo a alegação da recorrente;
· Sem prejuízo, dir-se-á que nenhuma das actas juntas aos autos reúne os requisitos para que possam ser qualificadas de título executivo, seja para cobrança de penalidades, seja para cobrança de quotas de condomínio;
· A concordância e adesão expressas pela recorrente ao teor do despacho exarado no inicio da audiência de julgamento, determina a renuncia ao pedido de condenação da recorrida, como litigante de má-fé, pelo que, a sentença recorrida não omitiu a pronuncia sobre questão alegada;
· Ainda que assim não se entenda, o comportamento da recorrente acima referido, a que acresce a renúncia à produção de prova, fez inculcar no tribunal a legitima convicção que a recorrente renunciava à sua alegação de litigância de má-fé, pelo que a invocação desta questão em sede de recurso viola o princípio da confiança, não devendo ser admitida;
· Assim não se considerando e julgando-se procedente o recurso interposto, pede-se subsidiariamente que seja julgado que as actas dadas a execução não reúnem os requisitos para que sejam qualificadas como título executivo, julgando-se procedentes os embargos, com as legais consequências
Recebido o recurso, foi proferido despacho do relator determinando a baixa dos autos, a fim de o Tribunal recorrido se pronunciar acerca das nulidades da sentença, o que foi feito, tendo a Mmª Juíza a quo proferido despacho, no qual apreciou o pedido de condenação da embargante como litigante de má-fé, que julgou improcedente, e se pronunciou no sentido da improcedência das demais nulidades da sentença invocadas pelo recorrente.
Notificadas as partes deste despacho, nenhuma delas usou da faculdade de requerer a extensão do objeto do recurso de modo a abranger referida decisão sobre litigância de má-fé.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

 II - OBJETO DO RECURSO
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil).
Não obstante, está vedado a este Tribunal o conhecimento de questões  que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
No caso vertente, sustentou a recorrida nas suas alegações de recurso, que “o recorrente limitou o seu recurso ao conhecimento da existência de alegados vícios que inquinam a sentença recorrida de nulidade, restringindo, deste modo, o poder deste Venerando Tribunal à verificação da (in)existência de nulidades”, e que “concluindo-se, como entende se impor não existirem e/ou não poderem ser conhecidas as nulidades invocadas, deverá o recurso improceder.”
Estabelece o art. 635º, nº 3 do CPC que “na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente.”
Por seu turno, dispõe o nº 4 do mesmo preceito que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso”.
No caso vertente, uma leitura superficial das conclusões que sumariam a motivação de recurso apresentadas pelo recorrente poderia conduzir à ideia de que o mesmo pretendeu restringir o objeto do recurso à apreciação das nulidades da sentença, às quais se reporta nas alíneas 2º, 3º, 10º, 30º, e 34º das conclusões.
Contudo, uma análise mais atenta das mesmas conclusões, e sobretudo a interpretação das mesmas à luz da motivação recursal que as antecede permite afastar essa perceção. Basta atentar nos subtítulos inseridos na mesma motivação, em numeração romana, para compreender que não foi essa a intenção do recorrente, que pretendeu também que o Tribunal se pronuncie sobre a “não correta valoração da interrupção da prescrição e da sua prova”; e a “inexistência de título quanto às penalidades requeridas”, questões que também alude pelo menos nos arts. 4º a 8º; e 14º a 25º das conclusões de recurso.
Assim sendo, para além das nulidades da sentença invocadas, haverá que ter em consideração igualmente estas questões de facto e de Direito.
Não obstante, há que ter presente que a Mmª Juíza a quo supriu a invocada nulidade fundada na omissão de pronúncia quanto à questão da litigância de má-fé, apreciando e julgando improcedente o pedido de condenação da ré como litigante de má-fé formulado pelo autor.
A decisão proferida sobre o pedido de condenação da ré como litigante de má-fé proferida em tal despacho incorporou-se na sentença recorrida (art. 617º, nº 4 do CPC).
Este despacho foi notificado às partes, não tendo qualquer delas requerido a ampliação do objeto do recurso, no sentido de sindicar a decisão proferida sobre aquele pedido de condenação da ré como litigante de má-fé.
Com efeito, nos termos do disposto no art. 617º, nº 3 do CPC, as partes dispunham do prazo de 10 dias para, querendo, ampliar o objeto do recurso, de modo a integrar no mesmo a referida decisão sobre litigância de má-fé, o que não fizeram.
Não o tendo feito, a referida decisão sobre litigância de má-fé transitou em julgado (arts. 619º, nº 1 e 628º, ambos do CPC).
Em consequência, considera-se prejudicada a apreciação do recurso, no tocante à invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto a este pedido (arts. 26º a 34º das conclusões do recorrente); bem como a exceção de “renúncia à (…) alegação de litigância de má-fé“ (al. H- das conclusões da recorrida).

Nesta conformidade, as questões essenciais a decidir no presente recurso são as seguintes:
A – Recurso principal (do embargante)
· Nulidades da sentença
· Impugnação da decisão sobre matéria de facto
· Prescrição
· Penalidades
B - Recurso subordinado (da embargada)
1. Exequibilidade das atas apresentadas como títulos executivos.

III - OS FACTOS
Na decisão sobre matéria de facto, o Tribunal recorrido considerou os seguintes factos provados, não tendo elencado quaisquer factos não provados:

· O Exequente T.  é administrado por “A. – administração de condomínios, Lda” conforme deliberação da Assembleia de Condóminos de 17 de Outubro de 2016.
· O Executado C é proprietário das fracções, BE, B, AU, AV, BF, BI, BO, BQ, BR, do prédio descrito na Conservatória do Registo predial do Funchal sob os artigos ..., respectivamente, da freguesia do Caniço, e concelho de Santa Cruz, e inscrito na matriz predial sob os Artigos ..., respectivamente, sitos ...
· O valor das quotas de condomínio a pagar mensalmente pelo Executado, no que respeita às fracções BE, AU, AV, BF, para o período de 01-08-2004 a 31-07-2005 é de 3,56€, para o período de 01-08-2005 a 31-07-2006 é de 3,82€, para o período de 01-08-2006 a 31¬07-2007 é de 3,65€, para o período de 01-08-2007 a 31-07-2008 é de 3,64€, para o período de 01-08-2008 a 31-07-2009 é de 3,71€, para o período de 01-08-2009 a 31-07-2010 é de 3,74€, para o período de 01-08-2010 a 31-07-2011 é de 3,74€, para o período de 01-08-2011 a 31¬07-2012 é de 3,73€, para o período de 01-08-2012 a 31-07-2013 é de 3,94€, para o período de 01-08-2013 a 31-07-2014 é de 3,84€, para o período de 01-08-2014 a 31-07-2015 é de 3,89€, para o período de 01-08-2015 a31-07-2014 até ao presente é de 3,94€, na sede da Exequente.
· O valor das quotas de condomínio a pagar mensalmente pelo Executado, no que respeita à fracção B, para o período de 01-08-2013 a 31-07-2014 é de 109,25€, para o período de 01-08-2014 a 31-07-2015 é de 110,80€, para o período de 01-08-2015 até ao presente é de 112,30€, na sede da Exequente.
· O valor das quotas de condomínio a pagar mensalmente pelo Executado, no que respeita à fracção BI e BQ, para o período de 01-08-2004 a 31-07-2005 é de 1,06€, para o período de 01-08-2005 a 31-07-2006 é de 1,09€, para o período de 01-08-2006 a 31-07-2007 é de 1,05€, para o período de 01-08-2007 a 31-07-2008 é de 1,05€, para o período de 01-08-2008 a 31-07-2009 é de 1,06€, para o período de 01-08-2009 a 31-07-2010 é de 1,07€, para o período de 01-08-2010 a 31-07-2011 é de 1,07€, para o período de 01-08-2011 a 31-07-2012 é de 1,07€, para o período de 01-08-2012 a 31-07-2013 é de 1,03€, para o período de 01-08-2013 a 31-07-2014 é de 1,10€, para o período de 01-08-2014 a 31-07-2015 é de 1,11€, para o período de 01-08-2015 até a18/12/2016 é de 1,12€, na sede da Exequente.
· O valor das quotas de condomínio a pagar mensalmente pelo Executado, no que respeita à fracção BR, para o período de 01-08-2009 a 31-07-2010 é de 1,43€, para o período de 01-08-2010 a 31-07-2011 é de 1,43€, para o período de 01-08-2011 a 31-07-2012 é de 1,42€, para o período de 01-08-2012 a 31-07-2013 é de 1,50€, para o período de 01-08-2013 a 31-07-2014 é 1,46€, para o período de 01-08-2014 a 31-07-2015 é de 1,49€, para o período de 01-08-2015 até 18/12/2016 é 1,50€, na sede da Exequente.
· O Executado não pagou as quotas de condomínio vencidas, no que respeita à fracção BE, referentes aos meses de Agosto de 2004 a Dezembro de 2016, no valor de 562,98€ (quinhentos e sessenta e dois euros e noventa e oito cêntimos) conforme acta e extracto discriminado.
· O Executado só pagou das quotas de condomínio vencidas, no que respeita à fracção B, referentes aos meses de Maio de 2014 a Dezembro de 2016, o valor de €1.990,63, do valor de 3.559,80€ (três mil, quinhentos e cinquenta e nove euros e oitenta cêntimos) conforme acta e extracto discriminado.
· O Executado não pagou as quotas de condomínio vencidas, no que respeita à fracção AU, referentes aos meses de Abril de 2010 a Dezembro de 2016, no valor de 316,92€ (trezentos e dezasseis euros e noventa e dois cêntimos).
· O Executado não pagou as quotas de condomínio vencidas, no que respeita à fracção AV, referentes aos meses de Abril de 2010 a Dezembro de 2016, no valor de 316,92€ (trezentos e dezasseis euros e noventa e dois cêntimos).
· O Executado não pagou as quotas de condomínio, no que respeita à fracção BF, vencidas referentes aos meses de Abril de 2010 a Dezembro de 2016, no valor de 317,02€ (trezentos e dezassete euros e dois cêntimos).
· O Executado não pagou as quotas de condomínio, no que respeita à fracção BI, vencidas referentes aos meses de Agosto de 2004 a Dezembro de 2016, no valor de 159,72€ (cento e cinquenta e nove euros e setenta e dois cêntimos).
· O Executado não pagou as quotas de condomínio, no que respeita à fracção BQ, vencidas referentes aos meses de Abril de 2010 a Dezembro de 2016, no valor de 88,96€ (oitenta e oito euros e noventa e seis cêntimos).
· O Executado não pagou as quotas de condomínio, no que respeita à fracção BR vencidas referentes aos meses de Abril de 2010 a Dezembro de 2016, no valor de 118,82€ (Cento e dezoito euros e oitenta e dois cêntimos).
· O Executado não pagou as quotas de seguro respeitante à fracção BE, do ano de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2015 e 2016, o valor de 0,5€, 0,5€, 0,5€, 0,57€, 0,53€,0,51€, 0,52€, 1,01€ e 1,04, respectivamente, no valor total de 5,68€, na sede da Exequente.
· O Executado não pagou, no que respeita à fracção BE, a sua quota parte com as despesas extra referente a: ensaio, detectação e reparação de fuga de gás, no valor de 0,38€; com a substituição do retentor do pistão, no valor de 2,69€; com saldos finais de 2003 a 2004, no valor de 60,55€; a recuperação do fundo comum de reserva, no valor de 1,89€; a despesas com as diversas reparações da porta da garagem, em julho e novembro de 2006, Janeiro e Novembro de 2009, no valor de 0,71€ e 0,42€, 0,77€ e 0,82; com a colocação de placa de identificação do edifício em 2008, no valor de 0,19€; com a reparação de muro de varanda do edifício em 2008, no valor de 0,85€; com a impermeabilização de duas caixas de pluviais/residuais, no valor de 1,03€; com a colocação de uma bomba de esgoto nova, no valor de 5,33€ ; com o desentupimento das fossas, no valor de 3,14€; com os desvios de orçamento de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, no valor de 15,87€, 35,31€, 0,96€ e 3,13€; perfazendo o valor de total de 134,04€ (cento e trinta e quatro euros e quatro cêntimos).
· O Executado não pagou, no que respeita à fracção B, a sua quota parte com o seguro respeitante à fracção B, do ano de 2010, 2011, 2015, e 2016 o valor de 129,53€, 107,79€, 28,62€, e 29,48€ respectivamente, no valor total de 295,42€, na sede da Exequente. · O Executado não pagou, no que respeita à fracção B, a sua quota parte com as despesas extra referente a: com saldos finais de 2003 a 2004, no valor de 593,70€; com a reparação de muro de varanda do edifício em 2008, no valor de 24,08€; a despesas com as diversas reparações da porta da garagem, e Janeiro e Novembro de 2009, no valor de 21,98€ e 23,28; com a impermeabilização de duas caixas de pluviais/residuais, no valor de 29,33€; com a colocação de uma bomba de esgoto nova, no valor de 151,89€; com o desentupimento das fossas, no valor de 89,45€; com os desvios de orçamento de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, no valor de 15,87€, 35,31€, 45,39€ e 14,94€; perfazendo o valor de total de 1.178,24€ (mil cento e setenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos) na sede da Exequente.
· O Executado não pagou, no que respeita à fracção AU, a sua quota parte com as despesas extra referente a: com saldos finais de 2003 a 2004, no valor de7,25€; a despesa com a reparação da porta da garagem, em Novembro de 2009, no valor de 0,82€; com o desentupimento das fossas, no valor de 3,14€; com os desvios de orçamento de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, no valor de 15,87€, 35,31€, 0,96€ e 3,13€; as quotas de seguro do ano de 2010, 2011, 2015 e 2016, o valor de 0,51€, 0,52€, 1,01€ e 1,04€ respectivamente, perfazendo o valor de total de 69,56€ (sessenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos) na sede da Exequente.
· O Executado não pagou, no que respeita à fracção AV, a sua quota parte com as despesas extra referente a: com saldos finais de 2003 a 2004, no valor de7,25€; a despesa com a reparação da porta da garagem, em Novembro de 2009, no valor de 0,82€; com o desentupimento das fossas, no valor de 3,14€; com os desvios de orçamento de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, no valor de 15,87€, 35,31€, 0,96€ e 3,13€; as quotas de seguro do ano de 2010, 2011 e 2015, o valor de 0,51€, 0,52€, 1,01€ e 1,04€ respectivamente, perfazendo o valor de total de 69,56€ (sessenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos) na sede da Exequente.
· O Executado não pagou, no que respeita à fracção BF, a sua quota parte com as despesas extra referente a: com saldos finais de 2003 a 2004, no valor de7,7 6€; a despesa com a reparação da porta da garagem, em Novembro de 2009, no valor de 0,82€; com o desentupimento das fossas, no valor de 3,14€; com os desvios de orçamento de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, no valor de 15,87€, 35,31€, 0,96€ e 3,13€; as quotas de seguro do ano de 2010, 2011, 2015 e 2016, o valor de 0,51€, 0,52€, 1,01€ e 1,04, respectivamente, perfazendo o valor de total de 70,07€ (sessenta euros e sete cêntimos) na sede da Exequente.
· O Executado não pagou as quotas de seguro respeitante à fracção BI, do ano de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2015 e 2016, o valor de 0,14€, 0,14€, 0,14€, 0,16€, 0,15€, 0,14€, 0,15€, 0,29€ e 0,30, respectivamente, no valor total de 1,61€, na sede da Exequente.
· O Executado não pagou também, no que respeita à fracção BI, a sua quota parte com as despesas extra referente a: ensaio, detectação e reparação de fuga de gás, no valor de 0,11€; com a substituição do retentor do pistão, no valor de 0,77€; com saldos finais de 2003 a 2004, no valor de 24,51€; a recuperação do fundo comum de reserva, no valor de 0,54€; a despesas com as diversas reparações da porta da garagem, em julho e novembro de 2006, e Janeiro e Novembro de 2009, no valor de 0,20€ e 0,12€, 0,22€ e 0, 23€; com a colocação de placa de identificação do edifício em 2008, no valor de 0,05€; com a reparação de muro de varanda do edifício em 2008, no valor de 0,24€; com a impermeabilização de duas caixas de pluviais/residuais, no valor de 0,29€; com a colocação de uma bomba de esgoto nova, no valor de 1,52€; com o desentupimento das fossas, no valor de 0,90€; com os desvios de orçamento de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, no valor de 15,87€, 35,31€, 0,96€ e 3,13€; perfazendo o valor de total de 84,35€ (oitenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos).
· O Executado não pagou, no que respeita à fracção BQ, a sua quota parte com as despesas extra referente a: com saldos finais de 2003 a 2004, no valor de 2,11€; a despesa com a reparação da porta da garagem, em Novembro de 2009, no valor de 0,23€; com o desentupimento das fossas, no valor de 0,90€; com os desvios de orçamento de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, no valor de 15,87€, 35,31€, 0,96€ e 0,90€; as quotas de seguro do ano de 2010, 2011, 2015 e 2016, o valor de 0,14€, 0,15€, 0,29€ e 0,30€, respectivamente, perfazendo o valor de total de 57,16€ (Cinquenta e sete euros e dezasseis cêntimos) na sede da Exequente.
· O Executado não pagou, no que respeita à fracção BR, a sua quota parte com as despesas extra referente a: com saldos finais de 2003 a 2004, no valor de 2,56€; a despesa com a reparação da porta da garagem, em Novembro de 2009, no valor de 0,31€; com o desentupimento das fossas, no valor de 1,20€; com os desvios de orçamento de 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, no valor de 15,87€, 35,31€, 0,96€ e 1,19€; as quotas de seguro do ano de 2010, 2011, 2015 e 2016, o valor de 0,19€, 0,20€, 0,38€ e 0,39, respectivamente, perfazendo o valor de total de 58,56€ (Cinquenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos) na sede da Exequente.

IV - OS FACTOS E O DIREITO
Estabelecidas as questões suscitadas na apelação cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica.

A – Recurso principal (do embargante)
1. Das nulidades da sentença
Dispõe o art. 615º, nº 1, al. c) do CPC que a sentença é nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Como ensinava ALBERTO DOS REIS, tal contradição configura um “vício lógico” que “compromete” a sentença.
Por seu turno, e ainda de acordo com o referido Mestre, a sentença ou acórdão serão obscuros quando neles se contenha “algum passo cujo sentido seja ininteligível” ou cujo sentido exato não se logre alcançar. Já a ambiguidade ocorre quando “alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos”.
Por seu turno, sustenta MANUEL TOMÉ SOARES GOMES:
“segundo o artigo 607º, nº 3, parte final, o juiz na sentença deverá concluir pela decisão final, o que se reconduz, analiticamente, ao estabelecimento de uma equação discursiva entre:
· A base da facti species, simples ou complexa, plasmada no quadro normativo aplicável – a dita premissa maior;
· A factualidade dada como provada – a dita premissa menor; e uma conclusão sustentada na estatuição legal correspondente ao referido quadro normativo.
Entre tais premissas e conclusão deve existir portanto um nexo lógico que permita, no limite, a formulação de um juízo de conformidade ou de desconformidade, o que não se verifica quando as premissas e a conclusão se mostrem formalmente incompatíveis, numa relação de exclusão lógica. Na verdade, sobre dois termos excludentes nem tão pouco é possível formular um juízo de mérito ou de demérito; já não assim quando se trate de uma relação de mera inconcludência, sobre a qual é possível formular um juízo de demérito.
Ora, a oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença só releva como vício formal, para os efeitos da nulidade cominada na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, num dizer e desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o seu mérito. Se a relação entre a fundamentação e a decisão for apenas de mera inconcludência estar-se-á já perante uma questão de mérito, reconduzida a erro de julgamento e, por isso, determinativa da improcedência da acção.”
Finalmente, dizem ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA:
“9. A nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
10. A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.”
No caso vertente, sustenta o recorrente que a sentença é nula, por enfermar de contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto:
· “fez uma errada apreciação da prova produzida, tendo julgado provados factos que, efetivamente não o foram e tendo omitido outros que, além de provados, eram relevantes para a apreciação da questão em apreço” (arts. 9º e 10º das conclusões de recurso do embargado);
· Enferma de “contradição entre a fundamentação de direito” e a “decisão de inexistência de título quanto às penalidades requeridas, porquanto socorre-se da doutrina de Sandra Passinhas (…) para depois, e sem qualquer suporte legal, e em violação do disposto nos referidos art.º 6.º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25/10 e art,º 1434, n.º 1 do CC., concluir pela insuficiência do título executivo quanto às penalidades requeridas” (arts. 11º e 12º das conclusões de recurso do embargado).
Relativamente à primeira questão acima enunciada, cumpre dizer que o que se retira da mesma é uma manifestação de discordância relativamente à decisão sobre matéria de facto, cujo natural enquadramento é a impugnação da decisão sobre matéria de facto, nos termos previstos no art. 640º, ambos do CPC.
Já no que respeita à invocada contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão no tocante à falta de título executivo quanto às penalidades, importa ter presente que, como adiante teremos oportunidade de expor, e ao contrário do que se possa depreender dos argumentos do recorrente, a verdade é que a interpretação do disposto no art. 6º do DL nº 268/94, de 25-10 tem suscitado diversas leituras na doutrina e jurisprudência, dando lugar a pelo menos duas teses distintas: Uma de acordo com a qual o referido preceito deve ser interpretado no sentido de que as atas de assembleias de condóminos que documentem deliberações no sentido de aplicar penalidades consagradas em regulamentos do condomínio constituem título executivo quanto aos créditos emergentes dessas penalidades, e outra sustentando o inverso.
A sentença recorrida colheu esta última tese, embora para tanto se socorra de uma citação da Drª Sandra Passinhas, que, reconhece-se, advoga a posição inversa, ou seja, a de que as penalidades ou “penas fixadas nos termos do artigo 1434 do Código Civil” se integram no conceito de “contribuições devidas ao condomínio” a que se refere o já mencionado art. 6º do DL nº 268/94, de 25-10.
Daqui emerge que não se verifica nenhuma contradição entre os factos provados e a decisão, nem sequer uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, na medida em que a interpretação do mencionado preceito que exclui do seu âmbito de aplicação os créditos emergentes da aplicação de penalidades estipuladas pelo condomínio ao abrigo do art. 1434º do CC corresponde a uma das soluções plausíveis da questão jurídica em discussão.
Nesta conformidade, sem prejuízo da apreciação em sede própria das questões relativas à impugnação da decisão sobre matéria de facto, à interrupção da prescrição, e às penalidades, concluímos que a sentença não enferma das nulidades que lhe foram imputadas.

2. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Dispõe o art. 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente, impuserem decisão diversa.
Nos termos do art. 640º n.º 1 do mesmo código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Em contrapartida, cabe ao recorrido o ónus de apontar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, e caso assim o entenda, transcrever os excertos que considere importantes, tudo isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
No caso vertente, verificamos que no ponto II. da motivação do recurso, e nos arts. 5º e 6º das conclusões, o recorrente manifesta discordância relativamente à decisão sobre matéria de facto, mas fá-lo em termos que, pela sua ambiguidade, vaguidade, imprecisão e incompletude, não permitem ter por observados os ónus que lhe são impostos no citado art. 640º, nº 1 do CPC.
Com efeito, e em primeiro lugar, o recorrente não afirma expressamente a intenção de impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Depois, e em segundo lugar, o recorrente não indica com clareza quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, embora faça uma alusão à circunstância de ter junto um documento do qual em seu entender resulta “que o embargante efectuou, desde 2004 e todos os anos diversos pagamentos até 2009 e depois efectuou pagamentos em 20-096-2010, em 28-08-2014, 7-05-2015 e depois em 17-02-2017”.
Em terceiro lugar, o recorrente também não indica de forma clara, a decisão probatória que em seu entender, deveria ter sido proferida, sendo certo que a referência vaga e genérica aos invocados pagamentos é manifestamente insuficiente, até porque o recorrente também não indica (nem sequer o fez nos articulados), os concretos montantes que considera terem sido pagos em cada uma das datas ali referidas.
Ora, como é sabido, a expressão pagamento constitui um conceito de direito, e não um facto. Designa-se pagamento o cumprimento de obrigações pecuniárias, o que pressupõe a entrega por determinada pessoa física ou jurídica de determinado montante, para liquidar determinada obrigação pecuniária. Tal pressupõe a individualização de diversos elementos fácticos, máxime os montantes entregues, coisa que o recorrente não fez nas suas alegações de recurso, tal como nunca o fez na contestação, ou em qualquer requerimento que dirigiu ao processo.
Assim sendo, não se tomará conhecimento do recurso, quando interpretados os referidos trechos no sentido de traduzirem uma intenção de impugnar a decisão sobre matéria de facto, e no que respeita a esta matéria.

3. Da prescrição e da sua alegada interrupção
A sentença recorrida julgou “prescritas as quotas respeitantes aos meses de agosto de 2004 a dezembro de 2011, bem como insuscetíveis de serem executados os valores requeridos a título de penalidades”.
Para tanto aduziu a seguinte fundamentação:
“A prescrição consiste, na faculdade de o beneficiário recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício de um direito decorrido certo prazo (art.º 304.º, n.º 1, do CC), encontrando-se previsto o prazo ordinário de 20 anos (art.º 309.º do CC), e outros mais curtos, diga-se, excepcionais, de 5 anos (art.º 310.º do CC), de 6 meses (art.º 316.º do CC) ou de 2 anos (art.º 317.º do CC).
A maioria da doutrina e jurisprudência assume o entendimento de que, em relação às quotas de condomínio, ou seja, às comparticipações das despesas comuns, sendo prestações periodicamente renováveis e não prestações instantâneas fraccionadas, estas integram, assim, a situação prevista na alínea g) do art.º 310.º, do CC, estando, pois, sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos. São prestações que se renovam, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio, artigos 1424.º e 1431.º e por essa razão gozam do prazo especial de 5 anos, iniciando-se este prazo a partir da data em que a prestação pode ser exigida — n.º 1 do artigo 306.º C. Civil.
Então atendendo ao invocado pela embargada, que refere que a prescrição terá sido interrompida em 2017 com um pagamento efectuado, obviamente que nessa data já se encontram prescritas as respectivas quota respeitantes aos meses de Agosto de 2004 a Dezembro de 2011.
Face ao exposto, consideram-se prescritas as quotas respeitantes aos meses de Agosto  de 2004 a Dezembro de 2011, uma vez que se encontra decorrido o prazo de 5 anos de  prescrição, independentemente dos pagamento que realizou em 2017.
Muito embora o CC não contenha qualquer definição de prescrição, estabelece o nº 1 do art. 298º deste código que a mesma se reconduz ao “não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei” de direitos que a lei não qualifique como indisponíveis ou declare dela isentos.
Este não exercício do direito pelo tempo previsto na lei tem como consequência, nos termos previstos no art. 304º, nº 1 a faculdade que assiste ao beneficiário a faculdade de “recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”.
Como ensina MENEZES CORDEIRO, uma vez invocada, a prescrição constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo credor daquele que a invoca. Não configura um facto extintivo, porque não extingue a obrigação prescrita, na medida em que a mesma subsiste, embora transmutada ou convertida em obrigação natural. Essa a razão pela qual o nº 2 do art. 304º do CC estabelece que cumprida a obrigação prescrita não há lugar à repetição do indevido (vd. tb. os arts. 402º a 404º do CC).
No caso vertente, a embargante invocou a prescrição dos créditos exequendos respeitantes a “quotas” ou contribuições relativas ao período de agosto de 2004 a dezembro de 2011.
A sentença recorrida subsumiu as referidas “quotas” ao disposto no art. 1424º do CC em termos que não merereceram reparo por parte de embargante e embargado, e se afiguram consinantes com a atas que constituem os títulos apresentados à execução.
Estabelece o nº 1 do art. 1424º do CC que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em roporção do valor das suas frações”.
O Tribunal a quo, na sentença recorrida, qualificou as contribuições dos condóminos nos termos da citada disposição legal como prestações periódicas visto que o seu montante depende da aprovação, pela assembleia dgeral de condóminos e esta reúne pelo menos uma vez por ano – art. 1431º, nº 1 do CC.
E na verdade, pelo menos na maior parte das situações, aquelas contribuições têm natureza regular e periódica.
Como bem aponta ARAGÃO SEIA, “As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do artigo 1424.º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio – artigos 1424.º e 1431.º. Assim sendo, prescrevem no prazo de cinco anos - alínea g) do artigo 310.° - e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida — n.º 1 do artigo 306.º”.
Em sentido idêntico se pronunciou ABÍLIO NETO.
Mas, não é forçoso que assim seja.
Com efeito, se é verdade que aquelas despesas sejam impostas com periodicidade mínima, não é forçoso que as mesmas sejam periódicas, porquanto se podem ser fixadas a forfait e cobradas anual, trimestral, ou mensalmente, também podem ter caráter pontual (como sucede relativamente a despesas decorrentes de obras de conservação extraordinárias) – neste sentido cfr. acs. RP de 14-05-2015 (Carlos Gil), p. 388/11.8TJPRT-A.P1, e de 04-02-2016 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 2648/13.4TBLLE-A.P1.
De qualquer modo, como bem apontaram ARAGÃO SEIA e ABÍLIO NETO, as “quotas” ou contribuições fixadas e cobradas com aquele ritmo anual, semestral, trimestral ou mensal têm natureza periódica e por isso ficam sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos previsto na al. g) do art. 310º do CC – No sentido exposto cfr, entre outros, os arestos já citados, bem como os acs. RL 21-06-2011 (Mª Amélia Ribeiro), p. 7855/07.6TBOER-A.L1; RP 27-05-2014 (Vieira e Cunha), p. 4393/11.6TBVLG-A.P1;  e RE 14-05-2015 (Francisco Xavier), p. 3202/09.0TBLLE-A.E1.
No caso vertente, rsesulta da factualidade provada que para além das penalidades de que trataremos adiante, as atas de assembleias de condóminos que constituem os títulos dados à execução reportam-se a três “géneros” de “quotas” ou contribuições:
· As “quotas de condomínio”, de periodicidade mensal, referidas nos pontos 3. a 8.,  e 9. a 14.;
· As “quotas de seguro”, referidas nos pontos 15., 17., e 22., ;
· As “quotas-parte” “com (…) despesas extra”, referidas nos pontos 16., 18., 19., 20., 21., 23., 24., e 25.
Ora, resulta da leitura da fundamentação da sentença recorrida, mais precisamente da referência constante dos dois últimos parágrafo da sua antepenúltima página (fls. 72 v.) e do segundo parágrafo da página subsequente (fls. 73) que as “quotas” que o Tribunal a quo considerou prescritas são as “quotas de condomínio”, que tinham periodicidade mensal, mais precisamente as referentes aos meses de agosto de 2004 a dezembro de 2011.
Quanto a estas, em 17-12-2016, data da propositura da execução embargada já se mostrava decorrido o prazo prescricional, razão pela qual o Tribunal a quo considerou tais prestações prescritas.
O recorrente objeta que o prazo de prescrição não se completou relativamente a nenhuma das prestações mensais acima referidas, por terem ocorrido pagamentos parcelares nos anos de 2004 a 2010, 2014, 2015, e 2017, geradores de interrupção da prescrição (arts. 4º a 8º das conclusões).
Tal entendimento estriba-se no disposto no art. 325º, nº 2 do CC, o qual por sua vez deve ser lido em articulação com o nº 1 do mesmo preceito.
Antes porém, importa fazer referência ao conceito de interrupção da prescrição.
Como resulta do disposto no art. 326º do CC, a interrupção é o efeito produzido por determinado facto que destrói e inutiliza um prazo em curso, determinando que o mesmo volte a correr de novo e por inteiro.
Assim, e como bem aponta MENEZES CORDEIRO, a interrupção distingue-se da suspensão, dado que esta opera uma “paragem” no decurso do prazo e que, quando cessa, detetrmina o retomar do prazo suspenso, no exato momento em que a suspensão ocorreu.
Regressando ao disposto no art. 325º do CC, determina o seu nº 1 que “a prescição é (…) interrmpida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o dirteito pode ser interrompido”.
E acrescenta o nº 2 que “o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam”.
Interpretando este normativo referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA:
“Não é relevante o reconhecimento que se faça perante terceiro, nem o reconhecimento tácito que não se baseie em facto inequívocamente o esprima(…).
Podem ponderar-se como casos inequívocos de reconhecimento o pagamento de juros, a atribuição de uma garantia, o cumprimento de uma prestação (mas não já o pagamento de uma parte da dívida, se o solvens declara simultaneamente que não se considera devedor da parte restante), o pedido de prorogação de prazo, a descrição da dívida em inventário, a menção dela num balanço dum falido ou dum insolvente, desde que, nestes últimos casos, se possa considerar o reconhecimento como feito perante o credor.”
À luz destes ensinamentos, verificamos que o pagamento parcelar pode, em determinadas circunstâncias, gerar a interrupção da prescrição.
Contudo, no caso em apreço assim não será.
Com efeito, e desde logo, no que se refere ao invocado pagamento ocorrido no ano de 2017, a sua invocação só pode dever-se a lapso do recorrente.
Na verdade, tal pagamento efetuado, em 17-02-2017, invocado no art. 38º da petição de embargos e expressamente reconhecido no art. 64º da contestação, nunca poderia ter qualquer efeito interruptivo relativamente aos prazos de prescrição das “quotas de condomínio” relativas aos meses de agosto de 2004 a dezembro de 2011 pela simples razão de que naquela data todos estes prazos já se tinham completado.
Ora, é inegável, e por isso quase desnecessário realçar que só um prazo que ainda esteja em curso pode ser interrompido, visto que um prazo totalmente esgotado já se extinguiu…
Por outro lado, e como já referimos, não foi circunstanciadamente alegado, nem consta da factualidade provada qualquer outro pagamento.
Acresce que não é de admitir a impugnação da decisão sobre matéria de facto que o recorrente parece ter esboçado, o que impede a ponderação de quaisquer pagamentos parcelares anteriores a 17-02-2017.
Nesta conformidade, concluímos que não ficou demonstrado qualquer facto interruptivo da prescrição.
Em consequência, nada há a censurar à decisão recorrida, na parte em que considerou prescritas as “quotas de condomínio” relativas aos meses de agosto de 2004 a dezembro de 2011.

4. Da falta ou insuficiência de título quanto às penalidades
Estabelece o art. 10º, nº 5 do CPC que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Como ensina LEBRE DE FREITAS, “(…) o acertamento é o ponto de partida da acção executiva, pois a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de que ela é objecto. O título executivo contém esse acertamento; daí que se diga que constitui a base da execução, por ele se determinando «o fim e os limites da acção executiva» (…) e o seu objecto, assim como a legitimidade activa e passiva para ela (…), e, sem prejuízo de poder ter que ser complementado (…), em face dele se verificando se a obrigação é certa, líquida e exigível (…).”.
Assim, sempre que a obrigação exequenda não se mostre devidamente acobertada por um título executivo, ou exceda os seus limites, verifica-se o vício de falta de título executivo, o qual pode ser total ou parcial.
Sendo manifesta a falta de título executivo, tal constitui fundamento para indeferimento liminar do requerimento executivo (art. 726, nº 2, al. a) do CPC) ou, caso o vício seja detetado posteriormente, mas antes de ocorrer o primeiro ato de alienação de bens penhorados, o mesmo legitima a rejeição da execução, que por essa forma se extingue (art. 734º, nºs 1 e 2 do CPC).
Quer o indeferimento do requerimento executivo, quer a rejeição da execução  poderão ser totais ou meramente parciais – vd. arts. 726º, nº 2 e 734º, nº 2 do CPC.
No caso vertente, a execução tem por títulos executivos as atas relativas a diversas assembleias de condóminos.
Trata-se de documentos a que lei especial reconhece natureza executiva, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 703º, nº 1,  al. d) do CPC e 6º, nº 1 do DL nº 268/94, de 25-10.
Com efeito, estabelece o primeiro preceito que “à execução (…) podem servir de base (…) os documentos a que, por disposição legal, seja atribuída força executiva”, enquanto que o segundo dispõe que “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Esta última disposição legal confere, pois, a natureza de título executivo às atas das reuniões da assembleia de condóminos.
Como é sabido, a referida assembleia é um órgão do condomínio, ao qual compete a gestão de edifício constituído em propriedade horizontal, nos termos regulados nos arts. 1414º e segs. do CC.
A propriedade horizontal é uma forma especial de propriedade referente a edifícios constituídos por frações autónomas (art. 1415º do CC) e partes comuns (art. 1421º do CC), em que cada condómino é proprietário de uma ou mais fracções e comproprietário das partes comuns (art. 1420º, nº 1 do CC).
Nos termos do disposto no art. 1430º, nº 1 do CC, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos (1431º do CC) e a um administrador, e o citado art. 6º do DL 268/94 atribui a natureza de título executivo às atas de tais assembleias.
Porém, o mesmo preceito procede a uma clara delimitação objetiva e subjetiva do título executivo em apreço.
Assim, e no que diz respeito à delimitação objetiva, estabelece a disposição legal em análise que os créditos suscetíveis de titulação são os relativos às “contribuições devidas ao condomínio” ou a “quaisquer despesas necessárias à conservação ou fruição das partes comuns”.
Como diz ABRANTES GERALDES, “é claro que tal exequibilidade está delimitada pelas obrigações expressamente referidas na lei”.
Mas que obrigações serão essas?
Trata-se das despesas a que se refere o art. 1424º, do Código Civil, que tem por epígrafe “Encargos de conservação e fruição”, e que no seu nº 1 estabelece que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.
Da conjugação destes dois preceitos resulta, de forma clara, que a ata da assembleia de condóminos não constitui título quanto a todos e quaisquer créditos de que o condomínio seja titular, mas apenas no que respeita àqueles a que se reporta o art. 1424º, nº 1 do CC, a saber os que tenham que ver com o pagamento de despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
A este propósito tem sido abundantemente debatida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se a ata da assembleia de condóminos constitui título executivo relativamente a créditos provenientes de penas pecuniárias aplicadas pelo condomínio nos termos previstos no art. 1434º, nº 1 do CC e as despesas judiciais, incluindo honorários de advogado suportadas pelo condomínio devido a ações judiciais em que litigue contra condóminos.
E ao contrário do que parece depreender-se do teor das alegações do recorrente, a questão está muito longe de se considerar pacífica, e não se descortina nem no plano da doutrina, nem no da jurisprudência uma tendência que ser possa qualificar de dominante ou maioritária.
Na verdade, respondendo à questão enunciada num sentido afirmativo se pronunciaram os seguintes acórdãos:
· RL 08-07-2007 (Arnaldo Silva), p. 9276/2007-7
· RP 24-09-2013 (Mª João Areias), p. 7378/11.9YYPRT-A.P1
· RL 20-02-2014 (Olindo Geraldes), p. 8801/09.8TBCSC-A.L1-2
· RP 24-02-2015 (Mª Amália Santos), p. 6265/13.0YYPRT-A.P1
· RG 22-10-2015 (Jorge Teixeira), p. 1538/12.2TBBRG-A.G1
· RP 17-05-2016 (José Carvalho), p. 2059/14.4TBGDM-A.P1
· RG 02-03-2017 (Jorge Teixeira), p. 2154/16.5T8VCT-A.G1
· RL 30-04-2019 (Higina Castelo), p. 286/18.4T8SNT.L1-7
E no campo da doutrina o mesmo entendimento foi subscrito por SANDRA PASSINHAS.
Porém, no sentido oposto, decidiram os seguintes arestos:
· RG 08-01-2013 (Paulo Barreto), p. 8630/08.6TBBRG-A.G1
· RC 04-06-2013 (Arlindo Oliveira), p. 607/12.3TBFIG-A.C1
· RP 16-12-2015 (Ana Lucinda Cabral), p. 2812/13.6TBVNG-B.P1
· RL de 02-06-2016 (Octávia Viegas), proc. 16871-11.2T2SNT-8;
· RC 07-02-2017 (Emídio Francisco Santos), p. 454/15.0T8CVL.C1
· RP 07-05-2018 (Carlos Querido), p. 9990/17.3T8PRT-B.P1
· RL 11-12-2018 (Eduardo Petersen Silva), p. 2336/14.3T8OER-A.L1-6
· RL de 22-01-2019 (do mesmo coletivo que julga o presente), p. 3450/11.3TBVFX.L1-7
Em sentido concordante com esta última tese se pronunciou igualmente RUI PINTO, para quem “esta ata não constitui título executivo de quaisquer outras obrigações pecuniárias de condomínio, como o pagamento de penas pecuniárias fixadas pela assembleia do condomínio, nos termos do art.º 1434.º do CC. […] as penalidades não são nem “contribuições”, nem “despesas”, mas obrigações sucedâneas por incumprimento”. E de forma idêntica se manifestaram ANA PRATA E OUTROS.
Perante o supra exposto, afigura-se manifesto que a questão se mantém viva e fraturante na doutrina e na jurisprudência (mesmo no seio desta secção), e que no caso em apreço cumpre solucioná-la, optando por uma das vias interpretativas enunciadas.
Adiantamos desde já que subscrevemos na íntegra a segunda das teses, por nos convencerem os argumentos invocados na sua sustentação, à qual, como já mencionados, tivemos oportunidade de aderir em acórdão proferido há alguns meses.
Para tanto, socorremo-nos da fundamentação do já referido ac. RP de 07-05-2018, que acompanhamos na íntegra, a qual, depois de transcrever o art. 703º do CPC, discorre nos seguintes termos: 
“Sublinhámos as palavras “apenas” e “disposição especial”, para enfatizar o princípio da excecionalidade das normas que preveem títulos executivos avulsos em razão do seu caráter restritivo de direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, como refere Rui Pinto na obra citada […].
Face à apontada característica de excecionalidade, as normas que preveem títulos executivos extrajudiciais têm um âmbito taxativo, não admitindo interpretação analógica, apesar de permitirem interpretação extensiva, atento o disposto no artigo 11.º do Código Civil.
Definida a natureza excecional da norma, passamos à integração concreta da sua previsão.
Decorre da sua interpretação gramatical, que o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 atribui força executiva à ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações: i) contribuições devidas ao condomínio; ii) quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns; iii) pagamento de serviços de interesse comum.
E poderemos integrar no conceito de “contribuições devidas ao condomínio” as sanções pecuniárias?
Haverá que tomar em consideração a epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10: «Dívidas por encargos de condomínio».
O artigo 1424.º do Código Civil define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns incluem-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam.
Sendo inegável a conclusão de que, uma vez fixada e deliberada em ata, a penalização pecuniária em que incorre o condómino se traduz numa “contribuição devida ao condomínio”, haverá, no entanto, que concluir, atenta a sua natureza excecional, que o título executivo a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 [sob a epígrafe «Dívidas por encargos de condomínio»] não abrange no seu âmbito tal penalização, na medida em que esta não corresponde a um “encargo de condomínio” de acordo com a definição consagrada no artigo 1424.º do Código Civil.
Os “encargos de condomínio” a que se referem o artigo 1424.º do Código Civil e o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 apenas respeitam à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como aos “serviços de interesse comum”, traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas.
(…), a contribuição referente a uma penalização deliberada pela assembleia de condóminos nada tem a ver com a previsão legal do artigo 1424.º do Código Civil, não se integrando na previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, encontrando-se prevista, no n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil, que permite a fixação de «penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador».
Fazendo apelo às regras de interpretação previstas no artigo 9.º do Código Civil, constituem elementos da interpretação jurídica: a análise da letra e a determinação do espírito da lei, sendo esta efetuada através dos elementos racional, sistemático, histórico e conjuntural.
O Código Civil incorpora no conceito de “pensamento legislativo” (art.º 9.º/1 do CC) um elemento interpretativo de particular relevância – racional ou ratio legis[3] - o qual se traduz na razão de ser, no fim objetivo, prático, que a lei se propõe atingir; a ratio legis revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina[4].
E o objetivo visado pelo legislador ao atribuir à ata de deliberação do condomínio força executiva, através de «disposição especial» [art.º 703.º, n.º 1, d) do CPC], terá sido o de garantir a imediata exequibilidade das “Dívidas por encargos de condomínio”, como se inscreve na epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrangendo o título apenas as “contribuições devidas ao condomínio” referentes a tais encargos.
Pensamos, salvo o devido respeito, que conclusão diversa não encontra suporte legitimador no parâmetro de excecionalidade expressamente previsto para os títulos executivos avulsos.
Com efeito, se considerarmos que o conceito de “contribuições devidas ao condomínio” para efeitos de integração da previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrange tudo o que for devido – qualquer contribuição, desde que deliberada pela respetiva assembleia – deparamo-nos com uma “norma aberta” em que a assembleia de condóminos assume uma estranha soberania: tudo o que delibera que seja devido ao condomínio passa a ser de imediato exequível sem recurso à ação declarativa.
Em conclusão, a integração da previsão legal do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, no que concerne às “contribuições devidas ao condomínio” deverá ser feita com referência ao artigo 1424.º do Código Civil, que define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum.”
Acolhendo inteiramente este entendimento, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, na parte em que considerou “insusceptíveis de serem executados os valores requeridos a título de penalidades”.

Termos em que se conclui pela total improcedência do recurso principal.

B – Recurso subordinado (da embargante)
O recurso subordinado, na parte que não resultou prejudicado pelo suprimento da omissão de pronúncia sobre a questão da litigância de má-fé, foi interposto de forma condicional, ou seja, nos termos expressamente requeridos pela embargante para ser apreciado apenas e só se o recurso do embargado fosse julgado procedente, nos termos previstos no art. 636º, nº 1 do CPC.
Assim sendo, perante a total improcedência do recurso principal, não há que apreciar o recurso subordinado – art. 608º, nº 2, 2ª parte, do CPC, ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo código.

V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
· Não tomar conhecimento do objeto do recurso principal, no que respeita à impugnação da decisão sobre matéria de facto;
· No mais, julgar o recurso principal totalmente improcedente;
· Considerar prejudicada a apreciação do recurso subordinado.
· Consequentemente, confirmar integralmente a sentença recorrida.
Custas pelo embargado e recorrente principal.

Lisboa,11 de julho de 2019

Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa