Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
167/21.4YUSTR.L1-PICRS
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
TELEVISÃO
COLOCAÇÃO DE PRODUTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: SENTENÇA CONFIRMADA
Sumário: I.– Para os efeitos do disposto no 41.º-A da Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho – Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTV) –, estamos perante colocação do produto quando se verifique uma apresentação de natureza indirecta ou «subliminar» (porque surgida fora de um contexto publicitário pré-conhecido) de bens ou serviços, aproveitando o interesse do destinatário por algo distinto dessa apresentação e apelando a estados de fruição do lazer e de ausência de esforço racional de análise, tirando proveito da predisposição para gostar e aceitar no contexto da visualização de uma obra de ficção ou de outra forma de apresentação de conteúdos no quadro de um programa televisivo;

II.– Para que se materialize essa figura, mister é que tal mensagem seja introduzida com vista ao percebimento de uma vantagem económica;

III.– Resulta do art. 41.º-A (sempre na redacção declarada aplicável a estes autos), particularmente dos seus n.ºs 1 e 2, a admissibilidade restrita da colocação de produto, ou seja, com sujeição a limitações e regras vertidas nos números subsequentes;

IV.– Na colocação de produto, situam-se em linha de confluência (e, eventualmente, de colisão) interesses distintamente titulados, a saber: a) o do consumidor em ser protegido; b) o do autor da obra em tutelar a identidade e a integridade da sua obra; c) o das operadoras de garantirem a sua subsistência e de gerarem lucro; e d) o dos titulares das marcas de obterem a atenção dos consumidores para os seus produtos e serviços;

V.– É a operadora de televisão quem faz as escolhas soberanas e quem tem o poder último de admitir ou rejeitar a colocação do produto sendo ela, consequentemente, a destinatária das interdições emergentes da lei bem como a visada no tipo dos ilícitos enunciados nos n.ºs 3, 4 e 5 do referido art. 41.º-A.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

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I.–RELATÓRIO    

             
A TVI TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A, com os sinais identificativos constantes dos autos, impugnou judicialmente decisão proferida pela ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL (ERC) que lhe impôs sanções pela prática das infracções descritas nos autos.

O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:

Pelo presente recurso de contra-ordenação, veio a TVI Televisão Independente, S.A. (doravante, abreviadamente, TVI ou Recorrente), proprietária do serviço de programas TVI, com sede na Rua Mário Castelhano, 40, Queluz de Baixo, 2734-502 Barcarena, nos termos do disposto no artigo 59.º do Regime Geral das Contra-ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro adiante abreviadamente, RGCO) impugnar judicialmente a decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que a condenou, pela prática das seguintes contra-ordenações:

1.– Pela violação no n.º 3 do artigo 41.º- A da LTSAP, a título de dolo, respeitante à conduta nos pontos 14 a 17, 17.3.4, 17.3.7 e 17.3.8, 18 a 21, da decisão administrativa, no pagamento de uma coima concreta de € 40.000,00 (quarenta mil euros);
2.– Pela violação no n.º 4 do artigo 41.º- A da LTSAP, a título de dolo, respeitante à conduta nos pontos 14 a 17, 17.1.2, 18 a 20.3, da decisão administrativa, no pagamento de uma coima concreta de € 40.000,00 (quarenta mil euros);
3.– Pela violação no n.º 4 do artigo 41.º- A da LTSAP, a título de dolo, respeitante à conduta nos pontos 14 a 17, 17.3.5, 18 a 20.3, da decisão administrativa, no pagamento de uma coima concreta de € 40.000,00 (quarenta mil euros);
4.– Pela violação no n.º 4 do artigo 41.º- A da LTSAP, a título de dolo, respeitante à  conduta nos pontos 14 a 17, 17.3.6, 18 a 20.3, da decisão administrativa, no pagamento de uma coima concreta de € 40.000,00 (quarenta mil euros);
5.– Pela violação no n.º 5 do artigo 41.º- A da LTSAP, a título de dolo, respeitante à conduta nos pontos 14 a 17, 17.1.1 e 17.1.3, 18 a 20.3, da decisão administrativa, no pagamento de uma coima concreta de € 40.000,00 (quarenta mil euros);
6.– Pela violação no n.º 5 do artigo 41.º- A da LTSAP, a título de dolo, respeitante à conduta nos pontos 14 a 17, 17.1.1 e 17.1.3, 18 a 20.3, da decisão administrativa, no pagamento de uma coima concreta de € 40.000,00 (quarenta mil euros);
7.– Pela violação no n.º 5 do artigo 41.º- A da LTSAP, a título de dolo, respeitante à conduta nos pontos 14 a 17, 17.4.1 a 17.4.3, 18 a 20.3, da decisão administrativa, no pagamento de uma coima concreta de € 40.000,00 (quarenta mil euros).
Para além disso, a ERS operou ao cúmulo jurídico das coimas acima referidas e condenou a Recorrente numa  coima única no valor de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), com a advertência de que deverá adequar as suas tabelas de colocação do produto ao disposto na lei.

Para tanto, apresentou as conclusões seguintes:

a)-Na decisão impugnada considera-se que a arguida praticou a contraordenação prevista e punida no disposto no art. 76.º, n.º 1, alínea a), da Lei da Televisão, uma vez que, na opinião da ERC, “(...)a TVI ao atuar da forma descrita, ao dar relevo indevido às marcas Universidade Autónoma de Lisboa(UAL), ”Pescanova”, “Meu Super” e “Vichy” construiu a linha narrativa em função dos interesses comerciais, quer pela forma recorrente como são apresentadas e postas em evidência, quer pela inexistência de justificação editorial, inobservando os limites previstos nas lei. (artigo 41.º-A, n.ºs 3 a 5, da LTSAP) para a colocação de produto.”;
b)-Não obstante, a  deliberação da ERC, não verificou e demonstrou os  factos, elementos e requisitos necessários para, em concreto, poder afirmar que a TVI pode ser contraordenacionalmente responsável por ter sido utilizada no identificado segmento de programação essa forma de comunicação comercial audiovisual;
c)-Invertendo por completo a lógica de apreciação da questão, partindo de um pressuposto não fundamentado e muito menos provado, a existência de colocação de produto numa novela emitida pela TVI, para depois concluir, com clara insuficiência de factos e com recurso a prova inconsistente, pela existência de um acordo comercial com as marcas e por um relevo excessivo destas, com existência de interferência editorial;
d)-Para que se pudesse concluir pela existência de colocação de produto, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do art. 2.º, e do art. 41.º-A, da Lei da Televisão, é materialmente necessário que estejamos perante uma relação comercial entre uma marca e um operador de televisão e que a referência ao bem e serviço durante um programa seja feito “(…) a troco de pagamento ou retribuição similar”  a esse mesmo operador;
e)-Nos termos do n.º 6, do mesmo art. 41.º-A “Os programas que contenham colocação de produto, quando produzidos ou encomendados pelo operador de televisão ou pelo operador de serviços audiovisuais a pedido que procede à respectiva difusão ou, ainda por uma sua filial, devem ser adequadamente identificados no inicio(…)”,
f)-Assim se estabelecendo que o operador de televisão apenas é responsável pela inserção de colocação de produto e pela observância do regime estabelecido pela LTSAP, nos casos em que os programas sejam diretamente por si produzidos ou encomendados;
g)-Não basta afirmar que se deu relevo indevido a uma determinada marca ou produto e que tal inclusão não foi feita por razões editoriais para daí tirar a presunção de que estamos perante uma colocação de produto, como efetivamente fez a ERC na decisão sob recurso.
h)-Era necessário identificar e estabelecer factualmente que o programa em análise tinha sido produzido diretamente pela TVI ou por esta encomendado a uma produtora audiovisual e depois seria necessário investigar qual a razão de tal inserção, se correspondeu ou não a uma relação comercial entre o operador de televisão e a marca ou seus detentores e se as referências aos serviços e marca no decurso da novela Única Mulher foram efetuadas a troco de pagamento ou retribuição similar à TVI.
i)-Pelo contrário, a decisão sob recurso não apurou os factos necessários a essa 73 imputação, nem se baseou nos factos dados como provados na decisão.
j)-Compulsados os factos dados como provados na decisão e que serviram de 75 fundamento para a condenação - pontos 13 a 21 da deliberação –, não é possível encontrar um único em que se estabeleça que a TVI foi a responsável direta pela produção da novela Única Mulher ou que a sua realização partiu de uma sua encomenda a uma produtora audiovisual, ou que emitiu os conteúdos em análise em troca de qualquer benefício económico, pagamento ou retribuição similar;
k)-Assim se demonstrando que a condenação dos autos não está sustentada em 81 qualquer facto ou prova, transformando dois factos positivos essenciais para o preenchimento do tipo contraordenacional pelo qual condenou a arguida e cuja prova lhe competia – a produção ou encomenda da obra e a existência de pagamento ou retribuição similar à TVI – em conclusões não sustentadas nos factos e nas provas, nas quais, não obstante, acaba por fundamentar a condenação da arguida;
l)-invertendo o ónus da prova que cabia à acusação, nos termos do disposto na alínea 87 c), do n.º 2, do art. 53.º, do Código de Processo Penal, não respeitando os princípios de apreciação da prova estabelecidos pelo art. 127.º, do mesmo diploma legal, e violando de forma manifesta o principio da presunção de inocência previsto no n.º 2, do art. 32.º, da Constituição da República Portuguesa, que constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver apurado os factos decisivos para a decisão da causa.
m)-Se a ERC não conseguiu coligir prova para determinar se a TVI foi a produtora direta da novela Única Mulher, ou que a encomendou pera [para] produção, ou apurou se efetivamente recebeu alguma retribuição ou pagamento similar pela situação que descreve, competindo-lhe o ónus da prova, apenas deveria ter dado como facto não provado que: A TVI obteve pagamento ou retribuição similar pelas menções que foram efetuadas.
n)-Porém, e apesar de não existir qualquer facto provado que minimamente o sustente, 99 vem a ERC, na parte da decisão sobre a fundamentação de direito - ponto 71 da deliberação impugnada – alegar que “(..) A Única Mulher foi líder de audiências no seu horário de exibição (ponto 20.3), tendo a arguida retirado benefícios económicos com a prática das contraordenações acima de €. 104.233(cento e quatro mil, duzentos e vinte e três euros, isto é, no mínimo €14.889(€13.139+€1750), por cada contraordenação, conforme ponto 19 e 21 da presente”;
o)-Sustentando-se a decisão de condenação da arguida nessa presunção, que não encontra qualquer sustentação na matéria de facto dada como provada e que está construída sobre um conjunto de conclusões que não têm nenhuma adesão á realidade e aos demais factos dados como provados na decisão.
p)-Não basta olhar e consultar uma tabela de preços comerciais para de forma automática concluir que esse montante foi pago e recebido pela TVI. É uma mera hipótese que deveria ter sido complementada por prova adicional que o demonstrasse. Prova essa que a ERC nem sequer tentou obter.
q)-Não existindo assim, qualquer prova, mesmo que indireta, que possa sustentar a conclusão de que a as marcas referidas na decisão tenham pago à TVI qualquer quantia pecuniária ou garantido outra retribuição similar.
r)-A ERC limita-se a afirmar que a “Arguida emitiu a partir de 15 de março de 2015, no seu serviço de programas TVI, o programa “A Única Mulher.”, esquecendo-se de verificar, apurar e provar que se o referido programa era uma produção própria do operador ou tinha sido 119 uma obra de encomenda.
s)-Como é facilmente percetível pela simples observação da ficha técnica do programa, o programa não foi produzido e realizado diretamente pela TVI, mas por uma produtora externa, a Plural – Entertainement SA., que idealizou, escreveu, produziu e realizou a  novela Única Mulher, entregando-a à TVI, mediante pagamento, pronta para ser emitida em antena;
t)-Existe uma manifesta insuficiência da matéria de facto que sustenta a decisão de condenação da arguida, não estando evidenciados e demonstrados os elementos objetivos e subjetivos constitutivos dos tipos contraordenacionais em causa.
u)-O que necessariamente importa a absolvição da arguida das contraordenações que lhe foram aplicadas.
v)-Para que possa existir colocação de produto, tal como está definido na alínea d), do 131 n.º 1, do art. 2.º, e art. 41.º-A, da Lei da Televisão, é materialmente necessário que estejamos perante uma relação comercial entre uma marca e um operador de televisão;
w)-O conceito de comunicação comercial audiovisual decorre da aplicação direta da Diretiva n.º 2007/65/CE, do Parlamento Europeu, designada por Diretiva dos Serviços de Comunicação Social Audiovisual, que alterou a Diretiva 89/552/CEE, nomeadamente o seu art. 1.º, alínea h), e bem assim da Diretiva 2010/13/UE, que volta a alterar o mencionado regime;
x)-Como se percebe da simples leitura da definição de comunicação comercial audiovisual incluída nas diretivas comunitárias, mas também na referida legislação nacional, para que esta exista é obviamente necessária a existência de uma relação comercial destinada a promover bens ou serviços.
y)-Fornecendo as diretivas comunitárias, com aplicação direta no nosso ordenamento,  a definição e os critérios necessários para se determinar quando e em que condições se pode determinar que existiu uma comunicação comercial oculta, como será necessariamente, no entendimento da ERC, o caso dos autos.
z)-A TVI não produziu a novela dos autos e, por isso, não estabeleceu qualquer 146 relação comercial direta com as marcas;
 “aa)-Não tendo a ERC demonstrado a autoria do programa, a intencionalidade da arguida, o fim publicitário que diz existir e o inerente pagamento ou retribuição similar, a TVI não pode ter violado as regras estabelecidas nos artigo 41.º-A, n.ºs. 3, 5 e 6 da LTSAP;
bb)-A TVI não teve intervenção na escrita e composição da novela Única Mulher, nem de qualquer das cenas identificadas na decisão sob recurso, que foram da total responsabilidade dos guionistas da Plural, não tendo, por isso, estabelecido nenhuma decisão de tratar desta ou daquela forma as marcas identificadas pela ERC;
cc)-A forma como a Pural fez essas menções no interior da novela é, assim, da sua inteira responsabilidade;
dd)-Não foi a TVI que escolheu o tipo, género e duração das menções a essas marcas, tal como não foi a TVI que decidiu como se fariam as menções, que tempo teriam, e bem assim, que imagens eram colhidas e escolhidas para as compor;
ee)-Por isso, a responsabilidade e independência editoriais da TVI não foram, como sustenta a decisão, influenciados ou condicionados de qualquer modo por terceiros, nomeadamente pela marca Meu Super, como refere a decisão sob impugnação.
ff)- Para mais, porque, segundo a Plural, a narrativa da novela incluía desde o inicio que a personagem Concha iria reformular um negócio de supermercado para marcar a sua independência e emancipação em relação à sua relação conjugal falhada e que domina uma significativa parte da história;
gg)-73.-Não tendo sendo, por isso, como afirma a ERC, a marca a condicionar e determinar a narrativa, mas pelo contrário, foi a história sempre definida para a personagem Concha que, por ser coincidente no formato de negócio, possibilitou a inserção da marca Meu Super;
hh)-Assim, a decisão aqui impugnada viola o disposto na alínea d) e e), do n.º 1 , do art. 171 2.º, e os n.ºs 3, 4, 5 e 6 do art. 41.º-A, da Lei da Televisão, e a Diretiva n.º 2007/65/CE, do 172 Parlamento Europeu, designada por Diretiva dos Serviços de Comunicação Social Audiovisual, nomeadamente as alíneas c), h), i) e j), do n.º 2, do art. 1.º, e os seu art.s 3.º-E e 3.º-G, da Diretiva 174 89/552/CE, do Conselho Europeu, e as alíneas c), h), i) e j), do n.º 1, do art. 1.º, e os seus art.s 9.º 175 e 11.º, da Diretiva 2010/13/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho.
ii)-Por outro lado, da análise da douta decisão impugnada, é patente a falta de fundamentação que sustenta o elemento subjetivo do tipo e o elevadíssimo montante da coima aplicável;
jj)-A ERC não aduz factos suscetíveis de alicerçar a conclusão de que a recorrente agiu com dolo na prática das infrações objeto da decisão, infrações essas que, aliás, não se verificaram, como acima se demonstrou.
kk)-Até porque, não foi a TVI a responsável pela produção e realização da novela Única Mulher, não tendo sido responsável, nem pela escrita ou filmagem das cenas identificadas na decisão sob recurso, o que necessariamente não pode de deixar de ser tido em consideração no elemento subjetivo do tipo;
ll)-O processo 306/19.5YUSTR, que a ERC indica como agravante da conduta da arguida por suposta reiteração, só foi objeto de decisão administrativa da ERC muito depois das factos descritos na presente decisão e só transitou em julgado no final de 2020, muito depois dos factos em análise;
mm)-Mesmo que a impugnante tivesse praticado as infrações descritas na  decisão recorrida – que não praticou – sempre se teria de concluir que o fizera por negligência, não provado que está o dolo.
nn)- Tal facto é por demais relevante atento o disposto no n.º 4, do artigo 17.º, do Decreto-Lei nº 433/1982 de 27 de outubro, e é, portanto, forçoso concluir pela nulidade da 195 decisão na medida em que nela não se fundamenta a conclusão de que a recorrente utilizou dolo na alegada prática das infrações descritas na mesma, sendo certo que, ocorrendo mera negligência, a ora impugnante apenas poderia ser punida com coima a fixar até metade do valor máximo fixado na alínea a) do n.º 1 do artigo 76.º daquela Lei da Televisão.
oo)-É o que determina o n.º 2, do mesmo art. 76.º da atual Lei da Televisão;
pp)-Da mesma forma, são absolutamente incompreensíveis e não fundamentados os elevados valores das coimas parcelares aplicadas à arguida, todas de igual montante e no dobro do mínimo legal - €. 40.000,00(quarenta mil euros), sem que se perceba o porquê dessa bitola igual para todas as supostas infrações, que necessariamente tiveram conteúdos, tempos e exposição diferente para as marcas, mas que são todos, sem qualquer fundamentação, tratados como tendo sido iguais.
qq)-É também patente o erro da ERC na contabilização do limite máximo da coima aplicável às contraordenações que imputa à TVI - €.280.000,00(duzentos e oitenta mil euros) que resulta claro da contraposição entre os pontos 62 e 63 da decisão e também dos pontos 78.3 e 78.4.
rr)-Verificando-se que a ERC imputa duas vezes à arguida a mesma contraordenação prevista no n.º 4, do art. 41.º-A, da LTSAP, referente aos conteúdos da marca Meu Super;
ss)-Não estamos assim perante sete contraordenações com o valor unitário de €. 213 40.000,00, o que somaria os tais €. 280.000,00, mas perante seis, o que somaria €. 240.000,00;
tt)-O que também não pode deixar e ser tido em linha de conta na determinação da coima única eventualmente a aplicar;
uu)-Neste termos, não foram tomados em devida consideração os critérios legais 217 vinculativos na determinação da medida da pena, dessa forma violando o disposto nos art. 8.º, 218 9.º, n.ºs 1 e 3, art. 18.º e n.º 4 do art. 17.º do D.L. n.º 433/82 de 27/10, e ainda o art. 71.º, n.º 1, 2 e 219 3, e o n.º 1 do art. 72.º do Código Penal, aplicável por força do disposto no art. 41.º do citado D.L. 220 n.º433/82.”
Recebido o recurso e enviados os autos ao Ministério Público, este apresentou-os nos termos do artigo 62.º, n.º 1 do RGCO.

Foi proferida sentença que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve na íntegra a decisão objecto de impugnação.

É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por TVI – TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A., que alegou e apresentou as seguintes conclusões:

A)A recorrente não se pode conformar com a decisão da Mma. Juíza a quo,  que, ao invés de pura e simplesmente verificar as lacunas da decisão administrativa e falha de factos que integrassem o tipo contraordenacional pelo qual a recorrente vinha condenada, optou, sem qualquer prova adicional, numa alteração da matéria de facto dada como prova, por forma a incluir a presunção de que a recorrente recebeu das marcas quantias monetárias não concretamente apuradas.
B)Tal como a decisão de condenação da ERC, a sentença sob recurso não verificou e demonstrou os elementos e requisitos necessários para, em concreto, poder afirmar que a TVI utilizou no identificado segmento de programação a forma de comunicação comercial audiovisual da Colocação de Produto.
C)Invertendo por completo a lógica de apreciação da questão, partindo de um pressuposto não fundamentado e muito menos provado, a existência de colocação de produto numa novela emitida pela TVI, para depois concluir, com clara insuficiência de factos e com recurso a prova inconsistente, pela existência de um acordo comercial com as marcas e por um relevo excessivo destas, com existência de interferência editorial.
D)Para que se pudesse concluir pela existência de colocação de produto, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do art. 2.º, e do art. 41.º-A, da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido, é materialmente necessário que estejamos perante uma relação comercial entre uma marca e um operador de televisão e que a referência ao bem e serviço durante um programa seja feito “(...) a troco de pagamento ou retribuição similar.” a esse mesmo operador.
E)Era, por isso, primeiro necessário identificar e estabelecer factualmente que o programa em análise tinha sido produzido diretamente pela TVI ou por esta encomendado a uma produtora audiovisual.
F)E depois seria necessário investigar qual a razão de tais inserções, se correspondeu ou não a uma relação comercial entre o operador de televisão e a marca ou seus detentores e se as referências aos serviços e marca no decurso da novela Única Mulher foi efetuada a troco de pagamento ou retribuição similar à TVI.
G)Se compulsados os factos dados como provados na decisão administrativa e que serviram de fundamento para a condenação, não é possível encontrar um em que se estabeleça que a TVI emitiu os conteúdos em análise em troca de qualquer benefício económico, pagamento ou retribuição similar ou que se tratava de uma obra de encomenda.
H)Transformando um facto positivo essencial para o preenchimento do tipo contraordenacional pelo qual condenou a arguida e cuja prova lhe competia – a existência de pagamento ou retribuição similar à TVI – numa conclusão não apoiada, nem sustentada nos factos e nas provas, na qual, não obstante, acabou por fundamentar a condenação da arguida.
I)E Invertendo o ónus da prova que cabia à acusação, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 2, do art. 53.º, do Código de Processo Penal, não respeitando os princípios de apreciação da prova estabelecidos pelo art. 127.º, do mesmo diploma legal, e violando de forma manifesta o principio da presunção de inocência previsto no n.º 2, do art. 32.º, da Constituição da República Portuguesa, que constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
J)A sentença sob recurso, apesar de verificar esta patente lacuna da decisão administrativa, preferindo alterar a matéria de facto dada como provada para incluir uma presunção, não consubstanciada na prova, de que, afinal, a TVI tinha recebido o pagamento ou retribuição similar das marcas.
K)Quando deveria, pura e simplesmente ter absolvido a recorrente e não tentar encontrar por mera presunção, como efetivamente fez, uma justificação alternativa e também sem apoio na prova dos autos, para manter a condenação da recorrente.
L)Tese que foi pela primeira vez apresentada à recorrente com a sentença de que se recorre, não lhe tendo sido, por isso, concedida a hipótese de apresentar defesa sobre este inovador facto dado como provado, que, constituindo uma completa e absoluta novidade, naturalmente constitui uma alteração substancial dos factos pelos quais a recorrente foi condenada na decisão administrativa, que não poderia ter sido tomada em consideração na decisão do pressente processo, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 359.º CPP.
M)E constituindo, por isso, causa de nulidade da sentença nos termos da alínea b), do n.º 1, do art.º 379.º, do CPP, pois condenou a arguida por factos e fundamentos bem diferentes e diversos dos descritos na decisão administrativa que a recorrente impugnou.
N)Sendo que, ao contrário do que defende a sentença, no caso, a prova indireta nem seria sequer admissível porque nem a entidade administrativa, nem o Tribunal, desenvolveu qualquer diligência, para apurar o facto que pretendia ver provado.
O)Está claramente em causa o principio constitucional da tipicidade – art. 29.º, n.º 1, da CRP e n.º 1, do art. 1.º, do CPP -, que implica que a lei especifique suficientemente os factos ou os pressupostos que constituem o tipo legal de contraordenação e, também, naturalmente o principio da segurança jurídica – art. 2.º CRP.
P)Estando em causa o exercício de um direito, a liberdade de programação e de expressão, consagrado capítulo dos Direitos, liberdades e garantias pessoais, da Constituição da República Portuguesa, tal direito só pode ser limitado, nos termos do n.º 2, do art. 18.º, da CRP, nos casos expressamente previstos, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos.
Q)O conceito de colocação de produto explanado na definição da LTSAP, pressupõe que as referências do operador televisivo sejam efetuadas a troco de pagamento ou retribuição similar, e tal elemento integra o elemento do tipo contraordenacional previsto na alinea a), do n.º 1, do art. 76.º, da LTSAP, por referência às alíneas d) e e), do n. 1, do art. 2.º e n.º 3, 4, 5 e 9, do art. 41-A, do mesmo diploma legal.
R)Nem a ERC, nem a sentença sob recurso conseguiram preencher com a prova alcançada esse elemento objetivo do tipo contraordenacional, limitando-se a fazer na parte da fundamentação da decisão meras presunções inconsistentes e ilegais.
S)E, em caso de dúvida, ou se realizavam diligências de prova, desfazendo-se as dúvidas de modo inequívoco, ou tem que se decidir a favor do arguido. É o princípio da inocência até prova em contrário que o impõe.
T)Configurando a presente condenação da recorrente uma errada interpretação da lei, dos conceitos jurídicos da colocação de produto e de ajuda à produção, uma intromissão abusiva na liberdade de programação da arguida e um ato de censura injustificado.
U)E tal interpretação restritiva da letra da lei, – designadamente do alíneas d) e e), do n. 1, do art. 2.º e n.º 3, 4, 5 e 9, do art. 41-A, da LTSAP - é materialmente inconstitucional por violação do principio da tipicidade e do núcleo essencial de um direito, liberdade e garantia –, a liberdade de expressão e de programação prevista nos art.s 37.º e 38.º da CRP – violando os princípios da legalidade, tipicidade estado de direito democrático e também as garantias de defesa e contraditório previstas nos art.s 2.º, 18.º, 29.º, n.º 1 e 3, 32,º, n.º 1 e 10, 37 e 38.º da CRP.
V)A discricionariedade com que o julgador aprecia a prova não pode confundir-se com arbitrariedade. Por isso, a apreciação terá de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e portanto, em geral, suscetível de motivação e controlo.
W)Não tendo a Sentença logrado verificar, nem investigar e provar os factos suficientes que lhe permitam aplicar à aqui arguida uma sanção pela prática das contraordenações que lhe imputa.
X)Não tendo a ERC, nem o Tribunal a quo, efetuado qualquer esforço probatório no sentido de demonstrar a intencionalidade da arguida, o fim publicitário que diz existir e o inerente pagamento ou retribuição similar.
Y)Por outro lado, da análise da douta decisão sob recurso, resulta patente a falta de fundamentação que sustenta o elemento subjetivo do tipo e os elevadíssimos montante das coimas aplicáveis.
Z)Pois, ao mesmo tempo que reconhece nos factos dados como provados – facto 16, 21 e 22 – que a novela dos autos é uma produção externa da responsabilidade da produtora Plural, que idealizou, escreveu, produziu e realizou a novela e que a TVI não escolheu o tipo, género e duração das menções às marcas, o tempo que teriam e que imagens eram escolhidas, ainda assim consegue encontrar espaço para decidir da sua atuação dolosa.
AA) E por tudo isto, mesmo que a impugnante tivesse praticado as infrações descritas na decisão recorrida – que não praticou – sempre se teria de concluir que o fizera por negligência, não provado que está a sua intervenção direta e decisiva nas infrações dos autos.
BB)Forçoso é, portanto, concluir pela errada decisão da sentença, na medida em que a conclusão de que a recorrente utilizou dolo na alegada prática das infrações descritas na mesma, não tem sustentação na matéria de facto dada como provada, sendo certo que, ocorrendo mera negligência, a ora recorrente apenas poderia ser punida com coima a fixar até metade do valor máximo fixado na alínea a) do n.º 1 do artigo 76.º daquela Lei da Televisão.
CC)Sob pena de violação do disposto no n.º 2 do art. 3.º, do D.L. n.º 433/82 de 27/10, e ainda o n.º 4 do art. 2.º do Código Penal, aplicável por força do disposto no art. 41.º do citado D.L. n.º 433/82.
DD)Da mesma forma, permanecem,injustificados e não discernidos na sentença os valores das coimas parcelares aplicadas à arguida na decisão administrativa, todas de igual montante e no dobro do mínimo legal - €. 40.000,00(quarenta mil euros), porque a sentença foi incapaz de retirar da omissão da decisão administrativa qualquer consequência para a determinação em concreto de cada coima a aplicar à arguida.
EE)Assim, não foram tomados em devida consideração os critérios legais vinculativos na determinação da medida da pena, dessa forma violando o disposto nos art. 8.º, 9.º, n.ºs 1 e 3, art. 18.º e n.º 4 do art. 17.º do D.L. n.º 433/82 de 27/10, e ainda o art. 71.º, n.º 1, 2 e 3, e o n.º 1 do art. 72.º do Código Penal, aplicável por força do disposto no art. 41.º do citado D.L. n.º 433/82.

Terminou sustentando dever «ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva a arguida da contraordenação por que foi condenada».

ERC – ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL respondeu às alegações apresentando as seguintes conclusões:

A.ENQUADRAMENTO

i)- No essencial, a Recorrente sustenta a nulidade da Sentença no seguinte:

A)A Sentença recorrida não logrou verificar e demonstrar que a TVI recebeu contrapartidas económicas pela inserção das marcas na novela para que, em concreto, pudéssemos afirmar que a TVI recorreu à figura da Colocação de Produto, ficando por preencher o elemento objetivo do tipo contraordenacional e, padecendo, por isso, de nulidade a Sentença recorrida, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, alínea b) e 359.º, n.º 1, ambos do CPP, na medida em que, dar como provado o facto n.º 12 consubstancia uma alteração substancial dos factos (cfr. conclusões A) a M), N) e O), Q), R) e S), U) a X) do Recurso interposto pela TVI);
B)A Sentença Recorrida viola o artigo 18.º, n.º 2, da CRP, na medida em que constitui uma restrição abusiva à liberdade de programação e expressão, consagrada na Lei Fundamental como direito liberdade e garantia (cfr. conclusões P) e T) do Recurso interposto pela TVI); 
C)A Sentença Recorrida é parca na fundamentação atinente à verificação do elemento subjetivo do tipo, dando como provado que a novela resultou de uma produção externa (obra da produtora Plural) em relação à qual a TVI não escolheu o tipo, o género e a duração das menções às marcas), mas, ainda assim, a Sentença consegue discernir uma atuação dolosa por parte da Recorrente, num circunstancialismo do qual resultaria somente negligência, por não provada que está a sua intervenção direta e decisiva nas infrações dos autos (cfr. conclusões Y) a CC) do Recurso interposto pela TVI); 
D)Permanecem injustificados os valores das coimas parcelares aplicadas à ora Recorrente, em violação do disposto nos artigos 8.º, 9.º, n.ºs 1 e 3, 17.º e artigo 18.º, n.º 4, todos do RGCO e artigos 71.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 72.º, n.º 1, ambos do Código Penal, aplicável por força do artigo 41.º, do RGCO (cfr. conclusões DD) a EE) do Recurso interposto pela TVI).

B.DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR FALTA DE MOTIVAÇÃO

E)A Recorrente, no Recurso interposto, limita-se a repetir a argumentação que já havia sido expedita aquando da impugnação judicial, sendo detetável a reprodução ipsis verbis de argumentos, conclusões e artigos proferidos nos dois momentos.
F)Deverá, por isso, nos termos do disposto nos artigos 412.º, n.º 1, 414.º, n.º 2 e 420.º, todos do CPP, ser rejeitado o Recurso interposto de que ora se responde.
G)Caso assim não se entenda – o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio – não poderá de deixar de se considerar improcedente o Recurso interposto pela Recorrente, nos termos que curaremos infra.

C.DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO DO RECURSO APRESENTADO

i)- Considerações preliminares:

H)O cerne dos presentes autos consiste em perceber se, da prova produzida, poderia o Tribunal a quo concluir que na Colocação de Produto aquando da exibição, pela TVI, da novela “A Única Mulher”, foram excedidos os limites do preceito da LTSAP e, por isso, foram exibidos, dentro da ficção, conteúdos de cariz publicitário condicionantes da independência editorial, capazes de encorajar diretamente à compra ou à locação de produtos ou serviços e que tenham assumido um relevo indevido, em violação do disposto no artigo 41.º-A, n.ºs 3 a 5, da LTSAP.
I)A Recorrente vem pedir que a Sentença seja revogada e substituída por outra que absolva ou, subsidiariamente, que seja condenada a título de mera negligência, por não provada que está a sua intervenção direta e decisiva nas infrações dos autos.

Vejamos porque é que não assiste razão à Recorrente:

ii)-Da alegada insuficiência da Sentença na verificação do elemento objetivo contraordenacional

J)A Recorrente, ao afirmar, nas conclusões A) a F), Q), V) a X) do Recurso interposto, que a Sentença Recorrida não logrou provar a verificação e os elementos necessários para, em concreto, poder afirmar que a TVI recorreu à figura da Colocação de Produto, recorre de matéria de facto;
K)Em particular, recorre do facto provado n.º 11 não devendo, por isso, nesta parte, ser admitido o recurso.
L)Caso assim se não entenda – o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio – o recurso deve ainda assim improceder.
M)Como bem explica a Sentença, não é crível que a Recorrente, na qualidade de sociedade comercial que visa o lucro e tendo em consideração a conjetura sobre a proveniência das receitas dos operadores de televisão nacionais (relatada pelas testemunhas arroladas e identificada pela própria Recorrente) não tivesse recebido contrapartida patrimonial pela inserção das várias marcas na novela em causa.
N)Tal resulta, igualmente, da prova documental junta aos autos, obtida pelo decurso do processo administrativo, como as Informações Comerciais referente aos montantes praticados para a utilização da Colocação de Produto na novela.
O)Remete-se, quanto a este tema, para o já exposto e fundamentado nas páginas 30 a 34 da Sentença.

P)Para mais, as considerações tecidas pela Recorrente sobre a insuficiência da “prova indireta”, por se ter baseado apenas na prova produzida em sede de processo administrativo, não têm cabimento:
a.-Não o merecem porque o processo movido pela ora Recorrida foi um processo completo, no âmbito do qual foi feita a análise de várias horas de registos audiovisuais com os episódios da novela “A Única Mulher” (tendo sido feita uma pormenorizada descrição do guião, enquadramento de imagem e do tempo e modo em como foram exibidas as inserções das marcas em causa), foi junta prova documental e foram ouvidas três Testemunhas arroladas pela então Arguida;
b.-A referida prova produzida no processo administrativo movido pela ERC sempre se mostrou bastante para o Tribunal a quo, que no Despacho com a referência 315701, assinado a 16/09/2021, já havia notificado sujeitos processuais da sua pretensão de proferir Decisão da presente causa por Despacho Judicial, em conformidade com o disposto no artigo 64.º, do RGCO;
c.-Por fim, também cumpre referir que não houve produção de prova em Audiência de Julgamento porque a esse direito prescindiu o Ilustre Mandatário da Recorrente, tendo prescindido sucessivamente da audição das Testemunhas por si anteriormente arroladas.

Q)Por tudo quanto se expôs, improcede a argumentação de que foi insuficiente a prova que fundamentou a decisão do Tribunal de primeira instância, mormente nas páginas 4 a 7 das motivações e nas conclusões A) a F), N) e O), P) e Q), U), V) a X), do Recurso interposto.

iii)-Do vício de nulidade por alteração substancial dos factos

R)Ao alegar, a Recorrente, que a Sentença recorrida condena em factos diversos dos descritos na acusação (cfr. artigos 379.º, n.º 1, alínea b) e 359.º, n.º 1, ambos do CPP), a mesma recorre, uma vez mais, de matéria de facto nos exatos termos do disposto nas conclusões K), L) da presente resposta;
S)Deve, por isso, uma vez mais, quanto a esta parte, ser rejeitado o recurso.
T)Caso assim se não entenda – o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio – o recurso deve ainda assim improceder.

Vejamos porquê:

U)O facto provado n.º 11 – referente à existência de contrapartida patrimonial em troca da Colocação de Produto na novela – nunca consubstanciaria uma alteração substancial dos factos, nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea f), do CPP, uma vez que o mesmo já constava do ponto 71 da “motivação de direito” da Decisão Condenatória proferida pela ERC e impugnada judicialmente pela Recorrente.
V)O que distingue o facto provado n.º 11 do facto que já constava da decisão administrativa foi uma mera especificação quantitativa, cabalmente justificada e fundamentada pela Sentença Recorrida, na nota de rodapé n.º 1, da página 25 da Sentença.
W)Diga-se, inclusive, que desse facto (ponto 71 da Decisão Administrativa) já se havia defendido a ora Recorrente, em sede de impugnação judicial, nos artigos 22.º a 39.º e nas conclusões n) a u).
X)Pelo exposto, não procede a argumentação de que o facto provado n.º 11 consubstancia uma alteração substancial dos factos, vertida nas conclusões do G) a M), R) e S) do Recurso interposto pela TVI.

iv)-Da alegada insuficiência na verificação do elemento subjetivo do tipo contraordenacional

Y)A Recorrente, ao alegar insuficiência da fundamentação da Sentença Recorrida no atinente à verificação do elemento subjetivo do tipo, vem, uma vez mais, recorrer de matéria de facto, em particular do facto provado n.º 12.
Z)Constata-se, neste ponto, que a Recorrente discute a Decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada, pois que, em seu entender, na situação dos autos não ocorre uma atuação com dolo (e, se pela culpabilidade se entendesse, considerando o referido circunstancialismo, somente à negligência reconduziria a sua própria conduta).
AA)Acontece que, de novo, esquece-se a Recorrente do disposto no artigo no artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, que veda ao Tribunal da Relação o conhecimento da matéria de facto apurada na primeira instância.
BB)Não deve, uma vez mais, ser admitido quanto a esta parte, o recurso interposto.
CC)Caso assim se não entenda – o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio – o recurso deve ainda assim improceder.
DD)A respeito demonstra-se mais do que suficiente – a nosso ver, e salvo melhor opinião – a ampla fundamentação da Sentença, remetendo-nos, por isso, para as páginas 35 a 41 da Sentença, quanto à verificação do elemento subjetivo e da conduta dolosa da Recorrente e, igualmente, no que foi referido nos pontos 28 a 32 da presente Resposta.
EE)Deverá, por isso, ser confirmada a Sentença recorrida a este respeito, mantendo-se a condenação da Recorrente a título de dolo eventual, pela prática das sete contraordenações em causa, já que a Recorrente bem sabia o regime legal referente à Colocação do Produto que a vincula, tendo a mesma decidido conformar-se com a produção do resultado típico e com a consequente a lesão dos bens jurídicos implícitos.
FF)Pelo exposto, improcede, uma vez mais, a argumentação da Recorrente presente nas conclusões Y) a CC) do Recurso interposto.
GG)Para mais, considerando a completude e amplitude da explicitação da Sentença recorrida no enquadramento da matéria dos presentes autos à figura da Colocação de Produto e na fundamentação da violação dessa mesma figura à luz da legislação nacional e comunitária, remetemos, a este respeito, para as páginas 43 a 64 da Sentença nas quais nos revemos e concordamos em absoluto.
HH)Devendo, também por isso, resultar improcedente o Recurso no que tange as conclusões P), T) e U).
v) Sobre a alegada desconsideração dos critérios legais de fixação da medida da pena
II)Por fim, vem a Recorrente alegar que permanecerem injustificados e não discernidos na Sentença os valores das coimas parcelares aplicadas à Arguida, o que, para si, consubstancia uma violação dos artigos 8.º, 9.º, n.ºs 1 e 3, 18.º e 17.º, n.º 4, todos do RGCO, e ainda os artigos 71.º, n.ºs 1, 2 e 3, e o n.º 1 do artigo 72.º, ambos do CP, aplicável por força do disposto no artigo 41.º, do RGCO.

JJ)Ao contrário do que vem dizer a Recorrente, a Sentença fundamentou e enquadrou a valoração que fez da conduta da Recorrente e a medida da pena, nos critérios do artigo 18.º, do RGCO:
a.-Para tal, a Sentença Recorrida identificou, nas sete violações dos n.ºs 3 a 5, do artigo 41.º-A, da LTSAP, duas violações de “gravidade ligeiramente abaixo do mediano”, três violações de “gravidade mediana”, uma violação de “gravidade acima do mediana” e outra de “gravidade elevada”.
b.-Sobre o grau de culpa, conforme ficou exposto, classifica-o como dolo eventual;
c.-Não considerou a situação económica do agente, por não ter sido junto comprovativo da mesma e em estrito cumprimento do artigo 72.º-A, do RGCO;

KK)Não cabe, pelo exposto, qualquer censura à Sentença do Tribunal a quo, devendo, uma vez mais, resultar improcedente a argumentação da Recorrente, vertida nas suas conclusões DD) e EE) do Recurso de que se responde.

Terminou defendendo a improcedência do recurso.

Também o Ministério Público respondeu ao recurso sustentando, sem apresentar conclusões, a improcedência do mesmo.

Foi colhido o visto do Ministério Público junto deste Tribunal tendo o mesmo elaborado parecer em cujo seio manifestou integral acordo com a posição anterior da mesma magistratura, aditando considerar não existir verdadeira motivação do recurso.

Obtidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões a avaliar:

1.São insuficientes para a confirmação da decisão da autoridade administrativa os factos dados como demonstrados na sentença impugnada?
2.A sentença é nula nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do art. 379.º, do Código de Processo Penal por ter condenado a Arguida por factos e fundamentos diversos dos descritos na decisão administrativa que a Recorrente impugnou?
3.Pelas razões indicadas no recurso, foram violados os princípios constitucionais da presunção de inocência, tipicidade, legalidade e também as garantias de defesa e contraditório e a liberdade de programação e de expressão?
4.Mesmo que a Impugnante tivesse praticado as infrações descritas na decisão recorrida, sempre se teria de concluir que o fizera por negligência, não provada que está a sua intervenção direta e decisiva nas infrações dos autos?
5.Não foram tomados em devida consideração os critérios legais vinculativos na determinação da medida da pena?

II.FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto

Vem provado que:

1.A Recorrente TVI – Televisão Independente, S.A. é uma operadora televisiva, conforme inscrição n.º 523384 no livro de registos dos operadores de televisão e respectivos  serviços de programas da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), à qual foi atribuída licença para o exercício da actividade de televisão, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/92, de 22 de Fevereiro, para o serviço de programas TVI, generalista, de âmbito nacional, de acesso não condicionado livre, tendo a licença sido renovada pela Deliberação 1-L/2006, de 20 de Junho de 2006, reiterada pela deliberação 2/LIC-TV/2007, de 20 de Dezembro de 2007;
2.A Recorrente emitiu, a partir de 15 de Março de 2015, no seu serviço de programas TVI, o programa “A Única Mulher”;
3.O programa “A Única Mulher” é uma história de ficção, estruturado em episódios, em que o seguinte é a continuação do anterior;
4.Na telenovela “A Única Mulher”, foram inseridas, nos episódios emitidos, de 19 de Agosto a 2 de Dezembro de 2015, as marcas “Universidade Autónoma de Lisboa (UAL)”,  “Pescanova”, “Meu Super (Continente)” e “Vichy”, nos seguintes moldes, conforme cd das  respectivas gravações que se encontra junto nos autos e se considera inteiramente reproduzido:
a.- Marca Universidade Autónoma de Lisboa (UAL)









5.Na informação comercial n.º 106/15, de 06/03/2014, da Direcção Comercial da TVI, encontramos informação designada como «colocação de produto», onde é possível ler-se  que «[de] acordo com a natureza do programa e tendo em vista satisfazer as necessidades  específicas de cada anunciante, no âmbito da colocação de produto, temos disponíveis as  seguintes oportunidades:
a.-Presenças Normais: Passivas, Manipuladas e Manipuladas com alteração de  guião;
b.-Presenças Especiais: Modelação de Guião e Modelação de Personagem».

6.A informação comercial n.º 106/15, de 06/03/2014 apresenta os seguintes valores de investimento por presença:

7.A novela "A Única Mulher" foi uma novela com estreia mundial com transmissão em simultâneo na TVI Internacional e é um sucesso imediato além-fronteiras, tendo alcançado o topo da lista dos programas com mais “buzz social” da televisão nacional;
8.Foi emitida de segunda feira a sábado, em prime-time;
9.Em média obteve uma audiência de 1 milhão e 250 mil espectadores e 30% do share do target adultos, sendo o programa líder de audiências no seu horário de exibição
10.A TVI refere a cena de 18 de Setembro de 2015, descrita no ponto 4.12 desta decisão, respeitante à inauguração do supermercado “Meu Super” como exemplo de «Presença  Especial de Modelação de Guião (com influência na história)» com «alterações nas falas e  comportamentos das personagens e influência na história», conforme link 399 https://www.tvimedia.pt/portfolio-item/modelacao-de-guiao/;
11.A Recorrente recebeu das marcas quantias monetárias não concretamente apuradas por cada inserção que fez na novela em causa dessas marcas, valores esses nunca inferiores a € 3.229,00 (Quanto a este facto importa realizar três precisões: Primeiro. Apesar deste facto não constar dos factos provados da decisão administrativa, o certo é que o mesmo consta da motivação de direito, o que não impede que o tribunal o tome em consideração, sem necessidade de lançar mão do disposto no n.º 1 do artigo 358.º do CPP, ex vi do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO, sendo certo que a própria Recorrente, em sede de impugnação, se defendeu do mesmo. Segundo. Para além disso, na decisão administrativa o facto concreto que constava era: “a Arguida retirado benefícios económicos com a prática das contraordenações acima de €104.223 (cento e quatro mil, duzentos e vinte três euros), isto é, no mínimo €14.889 (€13.139 + €1750), por cada contraordenação, conforme ponto 19 e 21 da presente decisão.” Tendo em vista que o ponto 19 respeita à tabela comercial da própria Recorrente, onde são fixados os preços pela colocação de produto, facilmente se percebe que aquilo que é exprimido pela decisão, de acordo com um declaratário normal, é que a Recorrente precisamente recebeu das marcas aqueles valores. Na verdade, em sede de impugnação, a Recorrente também revela que percebeu assim o facto pois defende-se dizendo que não existe prova acerca dessa conclusão extraída pela ERC. Terceiro. Apesar de constar o valor de mínimo €14.889 (€13.139 + €1750), por cada contra-ordenação, na decisão administrativa, o tribunal apenas logrou apurar um valor de pelo menos € 3.229,00, valor esse que sendo inferior ao que consta da decisão administrativa ainda se engloba naquele primeiro, motivo pelo qual considerámos que, por se tratar de uma mera precisão que não prejudica a Recorrente (o valor inferior engloba-se no superior), não seria de lançar mão do disposto no n.º 1 do artigo 358.º do CPP, ex vi do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO.);
12.A Recorrente bem sabia o regime legal – Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a  Pedido – nomeadamente, as regras referentes a colocação do produto, sabendo estar obrigada ao seu cumprimento, mas mesmo assim quis praticar os factos supra referidos, tal como o fez, conformando-se com o incumprimento dos deveres que sobre si impendiam;

13.Do seu registo contra-ordenacional constam os seguintes antecedentes contra-ordenacionais, em sede dos quais foi condenada nas sanções que se elencam:

13.1-Coima no valor de € 75.000,00 pela sentença de 16 de Janeiro de 2013 do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, proferida no processo n.º 412 48/12.2YQSTR, transitada em julgado e 01-11-2013, pela prática de infracção prevista e punida pelos artigos 27.º, n.º 3 e 77.º, n.º 1 alínea a) da LTV;
13.2-Coima no valor de € 10.000,00 pela sentença de 06-12-2013 do Tribunal da  Concorrência, Regulação e Supervisão, proferida no processo n.º 41/13.8YUSTR, transitada em julgado em 05-06 -2014, pela prática de infracção prevista e punida pelos artigos 27.º, n.ºs 4 e 8 e 76, n.º 1, al. a) e n.º 3, todos da LTV;
13.3-Coima de € 5.000,00 pela sentença de 12-12-2013 do Tribunal da  Concorrência, Regulação e Supervisão, proferida no processo n.º 5363/12.2YUSTR, transitada em julgado em 10-01-2014, pela prática de infracção prevista e punida pelos artigos 24.º, n.º 6 e 34.º, n.º 1, alínea a), do Código da Publicidade;
13.4-Coima única de € 6.000,00 pela sentença de 19-12-2013 do Tribunal da  Concorrência, Regulação e Supervisão, proferida no processo n.º 43/13.4YUSTR, transitada em julgado em 17-01- 2014, pela prática de duas infracções previstas e punidas pelos artigos 8.º, n.ºs 1 e 2 e 34.º, n.º 1, alínea a) do Código da Publicidade;
13.5-Coima de € 20.000,00 pela sentença de 20-10-2016 do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, proferida no processo n.º 169/16.2YUSTR, transitada em julgado em 09-10-2017 após confirmação por Acórdão da Relação de Lisboa de 19-09-2017, pela prática de infracção prevista e punida pelos artigos 27.º, n.º 8 e 76.º, n.º 1, alínea a) e 3, ambos da LTV;
13.6-Coima de € 20.000,00 pela sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de 29-04-2017, proferida no processo n.º 35/17.4YUSTR, transitada em julgado em 27-10-2017 após confirmação por Acórdão da Relação de Lisboa de 11-10-2017, pela prática de infracção prevista e punida pelos artigos 27.º, n.º 4, segunda parte, e 76.º, n.º 1 alínea a), ambos da LTV;
13.7-Coima de € 18.000,00 pela sentença de 05-06-2019 do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, proferida no âmbito do processo n.º 438 51/19.1YUSTR, após confirmação por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão de 05-11-2019, pela prática de contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 33.º, n.º 4, alíneas a), c) e d) e 76.º, n.º 1, alínea a), ambos da LTV;
13.8-Coima de € 30.000,00 pela sentença de 29-06-2020 do Tribunal da  Concorrência, Regulação e Supervisão, proferida no âmbito do processo n.º 306/19.5YUSTR, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-09-2020, pela prática de duas infracções previstas e punidas pelos artigos 27.º, n.º 4, segunda parte, 41.º-A e 76.º, n.º 1 alínea a), todos da LTV;
14.A Recorrente não revela arrependimento;
15.Apesar de devidamente notificada para o efeito pelo tribunal, a Recorrente não juntou nos autos documentação actualizada sobre a sua situação económico-financeira,  designadamente cópia da última IES entregue;

- Da impugnação:
16.O programa em questão não foi produzido e realizado directamente pela TVI, mas por uma produtora externa, a Plural – Entertainement SA., que idealizou, escreveu, produziu e  realizou a novela Única Mulher, entregando-a à TVI, mediante pagamento, pronta para ser emitida em antena;
17.A TVI tem almejado criar uma ligação afectiva mais forte entre as suas audiências e os principais programas de ficção da sua oferta televisiva, pelo que tenta apresentar histórias em universos ficcionais nos quais os espectadores se possam rever, que sejam próximos e familiares para o público;
18.Quando existem centenas de canais de televisão como alternativa, os blocos publicitários potenciam a mudança de canal pelo espectador; quando a visualização é diferida, os  blocos são potencialmente desconsiderados pelos consumidores;
19.Assim, a migração das comunicações comerciais para o interior dos programas permite a manutenção da rentabilidade das operadoras televisivas;
20.Num canal generalista de acesso não condicionado livre, as receitas comerciais permitem a emissão de programação de maior qualidade;
21.Não foi a TVI que escolheu o tipo, género e duração das menções às marcas identificadas, tal como não foi a TVI que decidiu como se fariam as menções, que tempo teriam, e bem assim, que imagens eram colhidas e escolhidas para as compor;
22.A narrativa da novela incluía desde o inicio que a personagem Concha iria reformular um negócio de supermercado para marcar a sua independência e emancipação em relação à sua relação conjugal falhada e que domina uma significativa parte da história.

Fundamentação de Direito

1.São insuficientes para a confirmação da decisão da autoridade administrativa os factos dados como demonstrados na sentença impugnada?

É norma axilar na operação de subsunção ao Direito dos factos colhidos nos autos o 41.º-A da Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho – Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTV) –, na versão vigente no momento temporal de materialização dos factos apreciados nos autos, ou seja, com o conteúdo que brotou da Lei n.º 8/2011, de 11 de Abril, sendo que não há lugar à aplicação concreta do regime de reconhecimento da supremacia do tratamento mais favorável consagrado no n.º 2 do  art. 3.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO), por não se consagrarem regras mais favoráveis na versão actual introduzida pela Lei n.º 74/2020, de 19 de Novembro.

Interessa, para os efeitos visados neste recurso, o que, na apontada norma, se refere à colocação de produto, face à matéria de facto provada, sendo irrelevante a vertente normativa incidente sobre a ajuda à produção.

A LTV definia expressamente, à data da prática dos factos ajuizados, «colocação de produto» como «a comunicação comercial audiovisual que consiste na inclusão ou referência a um bem ou serviço, ou à respectiva marca comercial, num programa a troco de pagamento ou retribuição similar» [cf. a al. d) do  art. 2.º].

À luz desta definição, estamos perante colocação do produto quando se verifique uma apresentação de natureza indirecta ou «subliminar» (porque surgida fora de um contexto publicitário pré-conhecido) de bens ou serviços, aproveitando o interesse do destinatário por algo distinto dessa apresentação e apelando a estados de fruição do lazer e de ausência de esforço racional de análise, tirando proveito da predisposição para gostar e aceitar no contexto da visualização de uma obra de ficção ou de outra forma de apresentação de conteúdos, no quadro de um programa televisivo.

O bem denominado na sentença «branded entertainement» corresponde, pois, a um tipo específico de aproveitamento de um fenómeno comunicacional para introduzir um conteúdo com finalidade distinta da que preside ao acompanhamento remoto de uma narrativa ou conteúdo de entretenimento.

Constituirá, também, eventualmente, uma resposta de recurso às crescentes dificuldades de colocação de mensagens publicitárias directas e não dissimuladas emergente dos câmbios tecnológicos e da mutação das características intrínsecas dos públicos-alvo.

Para que se materialize a definição normativa, mister é que tal mensagem seja introduzida com vista ao percebimento de uma vantagem económica.

Resulta do  art. 41.º-A (sempre na redacção declarada aplicável a estes autos), particularmente dos seus n.ºs 1 e 2, a admissibilidade restrita da colocação de produto, id est, com sujeição a limitações e regras vertidas nos números subsequentes. Tal brota, com muita clareza, logo da primeira parte do n.º 1, que enuncia: «a colocação do produto só é permitida (...)»

Apesar de o regime subsequente ao declarado aplicável assumir um paradigma de suporte e uma concepção diametralmente opostos ao consignar, no mesmo número,  que a «colocação de produto apenas é proibida (...)», assiste razão ao Tribunal «a quo» ao concluir que as normas anteriores aplicáveis à situação analisada (n.ºs 3 a 5 do art. 41.º-A) revelam regime coincidente com o actual, pelo que não é possível divisar na lei nova maior favor, logo não se justificando o apelo à actual formulação normativa.

Está, efectivamente, em causa terem sido atingidos a responsabilidade e a independência editorial do operador de televisão, ter sido encorajada directamente a compra de serviços e ter ocorrido a concessão de relevo indevido ao serviço, designadamente mediante referências não justificadas por razões editoriais, susceptíveis de induzir o público em erro em relação à sua natureza. Esta matéria  não recebeu regulação distinta e mais favorável que atraia a aplicação do princípio da prevalência do regime de favor.

Na colocação de produto, situam-se em linha de confluência (e, eventualmente, de colisão) interesses distintamente titulados, a saber:
a.-o do consumidor em ser protegido;
b.-o do autor da obra em tutelar a identidade e a integridade da sua obra;
c.-o das operadoras de garantirem a sua subsistência e de gerarem lucro; e
d.-o dos titulares das marcas de obterem a atenção dos consumidores para os seus produtos e serviços.

Trata-se de um movimento multi-vectorial e multi-direccional que envolve particulares cuidados e esforços de tutela e compatibilização. Daí que se justifique em pleno a precisa regulação normativa do fenómeno.

As dificuldades intrínsecas são bem ilustradas pelo facto de o próprio legislador ter evoluído nas suas opções regulatórias, passando de um sistema de interdição-regra para um outro de admissibilidade tendencial.

Num ou noutro, porém, as restrições revelam-se necessárias para garantir a convivência e articulação de tais interesses.

A este nível, assumem muita importância as limitações emergentes do n.º 3  do  art. 41.º-A que estatui:

3O conteúdo dos programas em que exista colocação de produto e, no caso dos serviços de programas televisivos, a sua programação não podem, em caso algum, ser influenciados de modo a afectar a respectiva responsabilidade e independência editorial.

Neste âmbito, bem andou o Tribunal ao buscar e localizar na al. c) do n.º 1 do artigo 1.º da Diretiva 2010/13/UE relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual)na redacção anterior à da Diretiva (UE) 2018/1808 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018 – a noção de  «Responsabilidade editorial»,

[c) «Responsabilidade editorial», o exercício de um controlo efectivo tanto sobre a selecção de programas como sobre a sua organização, quer sob a forma de grelha de programas, no caso das emissões televisivas, quer sob a forma de catálogo, no caso dos serviços de comunicação social audiovisual a pedido. A responsabilidade editorial não implica necessariamente uma responsabilidade jurídica, nos termos do direito nacional, pelos conteúdos ou serviços fornecidos];

É, da mesma forma, correcta a conclusão pela inexistência de definição normativa de «independência editorial» e pela associação da mesma à noção de controlo e autoridade sobre os conteúdos bem como à de blindagem a  influências externas.

No âmbito apreciado, são também axilares as interdições introduzidas na LTV pela Lei n.º 8/2011, de 11.04, com o seguinte teor:
4- Os programas que sejam objecto de colocação de produto não podem encorajar directamente à compra ou locação de produtos ou serviços, nomeadamente através de referências promocionais específicas a esses produtos ou serviços.
5- A colocação de produto não pode conceder relevo indevido a produtos, serviços ou marcas comerciais, designadamente quando a referência efectuada não seja justificada por razões editoriais ou seja susceptível de induzir o público em erro em relação à sua natureza, ou ainda pela forma recorrente como aqueles elementos são apresentados ou postos em evidência.

São claras as noções semânticas aqui contidas. O Tribunal «a quo» interpretou-as bem.

Associados, aqueles números revelam a ontologia da colocação do produto, com os contornos já descritos, sobretudo as vertentes ausência de estrutura publicitária clássica e inserção numa narrativa de forma fluida e coerente e sem produção de desvios às finalidades e urdidura central dessa narrativa.

Revela-se aí que, complementarmente, se protege o consumidor da possibilidade de ser induzido em erro num âmbito de «hipnose» contextual que gera predisposição para crer, misturando, de forma incontrolada, ficção e realidade.

O número 3 dos factos provados revela que estamos perante uma história de ficção repartida em episódios articulados entre si sendo, pois, correcto que se afirme, como fez o Tribunal que proferiu a decisão criticada, estarmos perante situação assinalada pelo licitude da colocação do produto – cf. o n.º 1 do  art. 41.º-A da LTV.

É certo, da mesma forma, à luz do demonstrado, a existência de diversas acções de colocação de produto nas situações apreciadas nos autos – cf. o n.º 4 dos factos demonstrados – sendo que se patenteou a existência do sinalagma referido na parte final da al. d) do n.º do art. 2.º da LTV (vd., de forma conjugada, os factos n.ºs 5, 6 e 11). As marcas abrangidas foram: «Universidade Autónoma de Lisboa (UAL)», «Meu Super» / «Continente», «Pescanova» e “Neovadiol» / «Vichy».

Quanto à qualificação da colocação do produto como lícita ou ilícita, são muito esclarecedoras as menções constantes do facto n.º 4. Daí se extraem exagerada duração das inserções (vd. os tempos indicados nesse número, designadamente o facto 4.12), integração forçada na narrativa (veja-se o conteúdo das mensagens inseridas), concentração na comunicação publicitária com desapego do acto de contar uma história (idem) e sobreposição dos interesses da marca veiculada aos da transmissão de conteúdos de uma obra de ficção (vd., por exemplo, o facto 4.12)

Neste manifesto contexto, teve o Tribunal «a quo» insofismavel razão ao extrair conclusão no sentido da verificação de «um enfraquecimento da autoridade do autor sobre o conteúdo editorial da sua obra vertida na novela em causa, evidenciando os factos provados que as decisões do autor sobre os conteúdos dessa obra passaram a estar» influenciadas «pelos interesse promocionais do anunciante em causa». Assim é.

Merecem confirmação, neste âmbito, as referências de subsunção dos factos às normas de definição de interdições feitas na sentença impugnada sendo não menos acertadas as referências às emergentes compressões da liberdade criativa e, até, editorial, sob o peso dos interesses económicos subjacentes.

O mesmo se pode dizer da violação dos interesses dos consumidores protegidos, sobretudo, no n.º 5 do art. 41.º-A da Lei apreciada. Há, no caso apreciado, concessão de exagerado e incoerente, logo indevido, relevo a produtos, serviços e marcas sob o efeito hipnótico do acto de contar uma história.

Há, conforme notado pelo Tribunal de Primeira instância, uma relação de subserviência (logo de secundarização de interesses) entre a novela e a marca, com prejuízo para aquela e para a credibilização interna e aquisição de coerência narrativa.

Este quadro não depende da identidade do produtor já que é a operadora de televisão quem faz as escolhas soberanas e quem tem o poder de admitir ou rejeitar, sendo que se revelou que a Visada até possuía uma tabela de preços para acolher o fenómeno da colocação de produto. Foi, pois, também a Arguida quem viu a sua independência naufragar nos rochedos dos interesses económicos prevalecentes. Na expressão assumida na definição constante da al. n) do n.º 1 do  art. 2.º da LTV, foi sempre a operadora visada a «responsável pela organização de serviços de programas televisivos». É ela a destinatária da interdição; é ela a visada no tipo do ilícito; foi ela quem, nesta abordagem, praticou as contra-ordenações ajuizadas.

Neste percurso avaliativo, revelou-se acertado o recurso ao disposto no  art. 7.º do RGCO que consagra, sem ambiguidades, a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas entre as quais a Visada se incluiu.

Não faltam, no contexto analisado, elementos para se concluir pelo preenchimento dos elementos objectivos do tipo do ilícito, ou seja, pela colocação de produtos nos termos interditados pelos n.ºs 4 e 5 do  art. 41.º-A da LDTV.

Aceita-se como adequada à cristalização fáctica a referência a que foi violado o disposto no n.º 4 do apontado artigo «com a colocação do serviço “curso de Engenharia Electrotécnica e Telecomunicações”, da Universidade Autónoma de Lisboa, do serviço “cartão continente” e do produto “legumes congelados da marca Continente”» por se divisar, efectivamente, de forma clara encorajamento directo à compra e com efeitos claros na narrativa.
É também sufragável o entendimento expendido na sentença no sentido de que, a referência à marca «Meu Super» / «Continente» em violação do disposto no referido número envolve a prática de duas contra-ordenações, uma relativa à colocação do produto «cartão continente» (no dia 07.10.2015) e outra do produto vegetais congelados da marca «Continente» (no dia 10.10.2015), sendo tecnicamente aceitável a conclusão pela existência de um concurso real de infracções.

É, pois, certo ter a Recorrente preenchido por três vezes distintas (incluindo, em consequência, as duas apontadas), a contra-ordenação referenciada na a) do n.º 1 do artigo 76.º da LTV por inobservância do disposto no n.º 4 do artigo 41.º-A da LTV.

Mostra-se adequada aos factos a conclusão pela violação do estabelecido no n.º 5 do artigo 41.º-A da LTV, no âmbito da colocação das marcas «Universidade Autónoma de Lisboa» / «UAL», «Pescanova» e «Vichy», aceitando-se que, na apresentação desses signos, foram feitas referências aos mesmos utilizando métodos e lógica publicitária, à margem de quaisquer razões editoriais plausíveis – tudo bem visível nos planos escolhidos, na artificialidade e inadequação narrativa das menções e concessão de relevo exagerado à marca e às suas conquista no âmbito do prémio «Sécil Universidade» (facto 4.3).

São convincentes e muito adequados os fundamentos invocados na sentença a este propósito sendo ocioso e violador do princípio da economia processual qualquer esforço de repetição do ajustadamente referido a esse propósito.

As colocações de produtos assumidas geraram discursos tão artificiais, deslocados das necessidades narrativas, tão dilatados e lateralizados, recorreram a artifícios técnicos tão pouco adequados ao normal acto de contar uma história que se desenha como flagrantemente desajustado sustentar-se ser possível enquadrar o encadeado de acções apreciadas num quadro de concessão de relevo normal e não dilatado e distorcido a produtos e serviços.

Nada se divisa que permita afastar o flagrante preenchimento dos elementos objectivos dos tipos contra-ordenacionais pelos quais a Recorrente foi condenada.

Quanto aos elementos subjectivos, revelam-se muito esclarecedores e claros os que brotam da concatenação dos pontos 5, 6, 11 e 12 dos factos cristalizados. Apontam todos, quando articulados (e sem saírem beliscados pelos factos emergentes da impugnação), para o preenchimento dos elementos cognitivo e volitivo do dolo, sendo de considerar existente, à luz do fixado, um quadro fáctico subsumível ao estabelecido n.º 3 do artigo 14.º, n.º 3 do do Código Penal aplicável «ex vi» do  art. 32.º do RGCO.

Não se requer, consequentemente, o recurso a quaisquer presunções, como pretende a Recorrente mas, antes, a mera subsunção clara de factos ao Direito, fazendo-se apelo, isso sim, como se impunha, à experiência do julgador e ao seu bom senso e sentido de Justiça.

Aliás, a narrativa proposta no recurso para aceitação pelo Tribunal não tinha qualquer sentido à luz dos factos provados e menos passava o crivo dessa experiência e, sequer, do bom senso. Antes corresponderia a juízo totalmente inquinado conceber que uma estação de televisão com décadas de experiência colocasse no ar uma novela programa líder de audiências no seu horário de maior visualização, dirigido a uma audiência de 1 milhão e 250 mil espectadores e com 30% de partilha do alvo adultos, e desconhecesse a própria novela, ou seja, que aí se encontrava embutida publicidade dissimulada geradora de manifesta e significativa alteração da narrativa, aproveitando a distracção dos espectadores «hipnotizados» pelo enredo para colocar perante eles produtos e serviços. Afinal, todos teriam conhecido a publicidade oculta e embutida na obra difundida porque os episódios que a continha foram emitidos, com excepção da própria TVI que os colocou no ar.

Tudo agravando, constituiria vera agressão à inteligência do Tribunal esperar-se que o mesmo pudesse aceitar como válida a noção de que a emissora de televisão Arguida, que se suporta nas receitas de publicidade como é publicamente conhecido (e resulta dos factos n.ºs 5, 6, 19 e 20), justamente quando logrou ter na sua programação uma novela de dilatado sucesso, desconhecesse a publicidade nela veiculada e por ela nada recebesse (apesar de ter tabelas de preços para o efeito) apenas por se tratar de uma produção externa. Ou seja, a TVI, na verdade, à luz dessa tese, passaria a sua novela mais importante, no seu horário de maior audiência, com reverberação internacional e sucesso além-fronteiras, sem qualquer remuneração pela publicidade sua fonte de subsistência e, afinal, desconhecia, não controlava e não lhe era paga a ostensiva colação de produto aí feita (mas não procurou revelar negócio jurídico que estabelecesse serem integralmente da produtora os direitos relativos a tal publicidade).

A moldura abstracta das coimas aplicáveis situa-se, no caso em apreço, entre 20.000,00 EUR e 150.000,00 EUR – v.d  a al. a) do n.º 1 do art. 76.º LTV.

Na determinação das suas medidas concretas, o Tribunal, com acerto, aplicou o regime do  art. 18.º do RGCO que lhe mandava atender à situação económica da Recorrente (cuja evolução assumiu desconhecer, tendo aplicado o princípio da proibição da «reformatio in pejus» para conservar a avaliação anterior), à gravidade das contra-ordenações (distinguindo, com acerto, os diversos níveis de gravidade e relevando especialmente «a corrupção da autonomia ou independência editorial do operador de televisão» e o compromisso da expressão artística, que considerou importarem um desvalor acrescido, destrinçando, com inegável acerto, os factos subsumíveis aos n.ºs 3, 4 e 5 do  art. 41.º-A sempre sob análise),  à culpa (concluindo, bem, à luz do provado, não ser a mesma diminuta, atendendo, com inegável acerto, ao longo exercício da actividade da Recorrente –  mais de 29 anos – gerador de acrescidas responsabilidades e uma maior definição do elemento intelectual do dolo e da vontade nele esteada).

O Tribunal atendeu também (e com adequação, à luz da fundamentação fornecida) ao facto de a Recorrente, notificada para o efeito, não ter juntado qualquer documento comprovativo da sua situação, não tendo, não obstante, valorado negativamente esse factor em nome do princípio in dubio pro reo.

Fez bem, o Órgão Jurisdicional, em não considerar como elemento circunstancial favorável para a Recorrente a necessidade de financiamento. Aliás, levado às últimas consequências, este argumento serviria até para justificar quaisquer delitos de raiz económica gerando uma intolerável e ilegal causa geral de exclusão da ilicitude ou, ao menos, da culpa.

Atendeu, também, como devia, à extensa lista de antecedentes contra- ordenacionais dados como demonstrados sob o n.º 13 dos factos demonstrados afirmando, bem, emergirem daí mais fundas exigências de prevenção especial.

Não deixou, da mesma forma, também em termos tecnicamente aceitáveis, de considerar o tempo entretanto decorrido atribuíndo-lhe, acertadamente, efeito mitigador.

Tudo culminou decidindo manter as coimas de 40.000,00 EUR para cada umas das sete contra-ordenações avaliadas, por força da aplicação do princípio da proibição da refomatio in pejus, já que revelou entender justificar-se uma fixação das molduras concretas mais fina, atendendo à  diversidade de situações analisadas.

Não merece censura este entendimento, sobretudo por se revelar que o Tribunal «a quo» atendeu a que coimas de valor  inferior a € 40.000,00 comprometeriam as exigências de prevenção que concretamente emergem do caso em apreço e a que se verifica total ausência de arrependimento, visível no curso do processo e até à decisão final.

Aceites as necessidades concretas no que tange aos fins das sanções em apreço (também de prevenção geral), andou bem o Tribunal ao não reduzir as coimas individuais (e também ao declarar não as poder aumentar em atenção àquele princípio).

O Órgão Jurisdicional fez aplicação proficiente das regras do concurso de contra-ordenações consagradas no  art. 19.º do RGCO, definindo adequadamente, à luz desse regime, quer o valor mínimo quer o limite emergente do n.º 2 que, como bem disse, não baliza o valor da soma das sanções concretas porque a esta superior (300.000,00 EUR face aos 280.000,00 Eur emergente da adição das sete penas de 40.000,00 EUR).

É aceitável, à luz das finalidades em apreço e do regime normativo aplicável, o critério acolhido na sentença que assenta em se atender ao conjunto dos factos e à responsabilidade social da Visada, com a aproximação possível ao limite máximo correspondente ao resultado de tal adição, sendo adequado ponderar circunstâncias atenuantes que não tenham já contribuído para a definição da medida concreta das coimas parcelares.

A ilicitude global é, efectivamente, de nível mediano e a reiteração reporta-se a um só tipo de ilícito, o que corresponde a circunstâncias atendíveis para os fins de graduação visados.

Tudo visto e ponderado o acima enunciado princípio da proibição da reformatio in pejus, mostra-se plenamente justificado que o Tribunal tenha mantido a coima única conjunta no valor de 75.000,00 EUR (setenta e cinco mil euros) aplicada pela Entidade Reguladora pela prática das sete contra-ordenações ajuizadas, correspondentes à violação do estabelecido nos n.ºs 3, 4 e 5 do art. 41.º-A da LTV e punidas pela al. a) do n.º 1 do artigo 76.º do mesmo encadeado normativo.

Face ao exposto, responde-se negativamente à questão n.º 1.

2.A sentença é nula nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do art. 379.º, do Código de Processo Penal por ter condenado a Arguida por factos e fundamentos diversos dos descritos na decisão administrativa que a Recorrente impugnou?

Nas suas conclusões de recurso, a Recorrente não referiu expressa e claramente qual o concreto facto relativamente ao qual existiria alteração substancial subsumível ao estabelecido no n.º 1 do  art. 359.º do Código de Processo Penal.

Admitindo, face ao vertido em tais conclusões, que a Recorrente se pretende refeir ao facto n.º 11, tem que se referir que a mesma não logrou refutar a base circunstancial e técnica na qual o Tribunal «a quo» esteou a cristalização desse facto, nos seguintes termos:

Quanto a este facto importa realizar três precisões: Primeiro. Apesar deste facto não constar dos factos provados da decisão administrativa, o certo é que o mesmo consta da motivação de direito, o que não impede que o tribunal o tome em consideração, sem necessidade de lançar mão do disposto no n.º 1 do artigo 358.º do CPP, ex vi do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO, sendo certo que a própria Recorrente, em sede de impugnação, se defendeu do mesmo. Segundo. Para além disso, na decisão administrativa o facto concreto que constava era: “a Arguida retirado benefícios económicos com a prática das contraordenações acima de €104.223 (cento e quatro mil, duzentos e vinte três euros), isto é, no mínimo €14.889 (€13.139 + €1750), por cada contraordenação, conforme ponto 19 e 21 da presente decisão.” Tendo em vista que o ponto 19 respeita à tabela comercial da própria Recorrente, onde são fixados os preços pela colocação de produto, facilmente se percebe que aquilo que é exprimido pela decisão, de acordo com um declaratário normal, é que a Recorrente precisamente recebeu das marcas aqueles valores. Na verdade, em sede de impugnação, a Recorrente também revela que percebeu assim o facto pois defende-se dizendo que não existe prova acerca dessa conclusão extraída pela ERC. Terceiro. Apesar de constar o valor de mínimo €14.889 (€13.139 + €1750), por cada contra-ordenação, na decisão administrativa, o tribunal apenas logrou apurar um valor de pelo menos € 3.229,00, valor esse que sendo inferior ao que consta da decisão administrativa ainda se engloba naquele primeiro, motivo pelo qual considerámos que, por se tratar de uma mera precisão que não prejudica a Recorrente (o valor inferior engloba-se no superior), não seria de lançar mão do disposto no n.º 1 do artigo 358.º do CPP, ex vi do n.º 1 do artigo 41.º do RGCO.

É plena a adequação desta narrativa ao ocorrido nos autos.

A justificação técnica lançada pelo Tribunal nos termos reproduzidos mostra-se acertada e plenamente convincente.

É indicador claro da bondade da solução da Primeira Instância, sobretudo, o facto de o núcleo do fixado constar da fundamentação da decisão administrativa nos termos expendidos e de, na impugnação, a Recorrente se ter defendido quanto à matéria cristalizada.

Quanto a este último ponto, importa referir que é, justamente, a possibilidade de conhecer com antecipação a potencialidade de fixação fáctica e quanto a ela se poder apresentar defesa o elemento central do mecanismo de concessão de validade à alteração substancial, nos casos em que exista essa alteração (o que não se materializa na presente situação – relembra-se: por constar já da decisão administrativa e ter sido objecto de pronúncia da Visada) e se verifique a existência de acordo quanto à continuação –  cf. o n.º 4 do  art. 359.º do Código de Processo Penal.

Quanto à adequação do juízo de cristalização do apontado facto fixado (e dos demais), está vedado a este Tribunal pronunciar-se, face ao disposto no n.º 1 do  art. 75.º do RGCO, não tendo sido invocado e demonstrado o preenchimento da previsão da al. c) do n.º 2 do  art. 410 do Código de Processo Penal (CPP) aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do art. 41.º do do mesmo RGCO. 

Não há, assim, que fazer qualquer menção decisória à questão do alegado desrespeito dos «princípios de apreciação da prova estabelecidos pelo art. 127.º» do CPP ou da inversão do ónus da prova que, indevidamente, se tentaram introduzir no recurso.
Flui do exposto impor-se dar resposta negativa à presente questão, não se justificando mais detalhadas considerações sobre a matéria atento o carácter flagrante da insustentabilidade do pretendido no recurso a este nível.

3.Pelas razões indicadas no recurso, foram violados os princípios constitucionais da presunção de inocência, tipicidade, legalidade e também as garantias de defesa e contraditório e a liberdade de programação e de expressão??

Face ao respondido às questões n.ºs 1 e 3, não tem qualquer sentido colocar-se a problemática da presunção de inocência dos arguido sendo que não é sequer cogitável a violação do disposto no n.º 2 do  art. 32.º da Constituição da República Portuguesa quando, por um lado, nenhum tratamento como condenada foi dado à Visada até trânsito em julgado da decisão proferida e, por outro, em sede de avaliação da bondade das teses brandidas, não se contendeu com o princípio do «in dubio pro reo», brocardo latino que pressupõe a existência de uma dúvida («dubio») o que, flagrantemente, não ocorre na situação ajuizada.

Ao invés, é muito claro, na situação apreciada, nos termos já enunciados, o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos contra-ordenacionalmente responsabilizadores.

As normas analisadas em sede de resposta à questão n.º 1 estavam pré-formadas e validamente aprovadas e publicadas com anterioridade relativamente às condutas apreciadas e eram claras a enunciar os comportamentos interditos (que a Visada bem devia conhecer atenta a sua longa presença no mercado em que exerce a sua actividade). Não se colocam dúvidas quanto ao acatamento do princípio da legalidade bem como do da tipicidade naquele integrado.

Aliás, em matéria de contra-ordenações, haveria que atender a uma importante especialidade de regime (aqui de ponderação realmente desnecessária face ao respeito pleno desses princípios ao nível mais exigente). Tal especialidade corresponde ao que enunciámos e sumariámos no acórdão desta Relação proferido no processo n.º 178/20.7YUSTR.L1-PICRS, nos seguintes termos: «O princípio da legalidade e o seu efluente princípio da tipicidade, enunciados no art. 2.º do RGCO têm uma dimensão menor, menos exigente, mais flexível, mais dúctil, mais aberta, do que os contidos na sua expressão penal».

Logo falece, pois, de forma flagrante, qualquer tentativa de encontrar na decisão impugnada a violação deste princípio.

Também em ponto algum dos autos se divisa o comprometimento das faculdades de contestar e fazer valer pontos de vista bem como de impugnar (sendo este recurso vivo exemplo do exercício dessa faculdade), exigidos ao nível do Direito Internacional Pactício, do Direito da União Europeia e da Constituição da República Portuguesa.

Tal não emerge, seguramente, da alegada alteração substancial de factos já analisa e patentemente não concretizada neste processo.

No que tange à liberdade de programação e expressão, foi ela, necessariamente, bem ponderada pelo legislador ao erigir as normas que a Arguida violou e bem devia conhecer e respeitar na sua actividade comercial. E ao criar tais preceitos, mais não fez esse legislador do que afirmar que na actividade de fornecimento de serviços de televisão não vale tudo; há limites; e tais limites atendem a outros interesses também necessitados de protecção, confluentes e de igual importância, que há que salvaguardar (designadamente, como se enunciou supra, os direitos dos consumidores, dos criadores e dos autores).

Neste âmbito, ao punir-se a TVI pelo desrespeito da Lei da Televisão que tinha que bem conhecer e cumprir, não se está a limitar a sua liberdade de programar e exprimir ideias e conceitos mas a proteger interesses igualmente relevantes, titulados pela sociedade e corporizados, sobretudo, pelos apontados consumidores, autores e criadores. Aliás, no caso em apreço, não estamos perante o exercício dessas liberdades mas no quadro, aqui ilícito, de claríssima uma busca da obtenção de proventos comerciais actuando contra o Direito constituído.

Se alguém poderia, a este nível, falar em compressão da sua liberdade de expressão, antes seriam os criadores que viam a sua narrativa invadida e adulterada pela publicidade semi-oculta.

Quanto às questões de constitucionalidade, é central notar que não foram identificadas e isoladas normas e interpretações envolvidas num contexto subsumível ao disposto no n.º 1 do art. 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), designadamente nas suas alíneas a) e b).

Seguro é não poder o acto de julgar ser erigido em objecto do juízo de constitucionalidade. O que está em causa são normas e não decisões, conforme resulta do apontado preceito. A este nível e neste sentido, mostra-se muito adequada a citação da obra de Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, Almedina, 2010, feita pelo Ministério Público nas suas alegações de primeira instância e particularmente feliz a sua afirmação «Não é identificada a dimensão normativa da decisão que no entendimento da arguida enferma de inconstitucionalidade».

Não há, in casu, a colocação em crise de uma específica interpretação normativa através da sua precisa identificação mas um ataque a uma decisão judicial em diversas vertentes, sem focagem numa norma, assim substituída pelas diversas linhas argumentativas do juízo e da sua construção. Desconforme à Lei Fundamental não seria a leitura de um preceito jurídico mas a própria decisão nas suas várias vertentes. 

Não tem sentido técnico esta abordagem e menos a mesma revela substracto avaliativo.

Em virtude do referido, é mandatório responder negativamente também a esta questão.

4.Mesmo que a Impugnante tivesse praticado as infrações descritas na decisão recorrida, sempre se teria de concluir que o fizera por negligência, não provada que está a sua intervenção direta e decisiva nas infrações dos autos?

Face ao respondido à questão n.º 1 e ao provado nos autos, impõe-se responder negativamente à presente questão.

5.Não foram tomados em devida consideração os critérios legais vinculativos na determinação da medida da pena?

Atento o respondido à questão n.º 1, impõe-se responder negativamente à presente questão.

III.DECISÃO

Pelo exposto, negamos provimento ao recurso e, em consequência, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4,5 UCS.
*


Lisboa, 26.09.2022



Carlos M. G. de Melo Marinho - (Relator)
Paula Dória de Cardoso Pott - (1.ª Adjunta)
Ana Mónica Carrasqueiro Mendonça Pavão - (2.ª Adjunta)