Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4960/10.5TCLRS.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FIADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: -A prolação de despacho liminar de citação do executado, nos casos em que é legalmente determinado o despacho liminar, não faz caso julgado relativamente à inexistência ou insuficiência do título executivo que nele não tenham sido, concreta e especificamente, apreciadas.
-Para a constituição de título executivo é suficiente que a indicação do montante em dívida pelo arrendatário seja feita de modo liquidável.
-A existência de contrato de arrendamento com intervenção pessoal do fiador, conjugada com a notificação judicial avulsa ao arrendatário do montante em dívida, constitui título executivo bastante contra o fiador, mesmo que não notificado também.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.-Relatório:


L..., S..., C... e M..., todos nos autos m. id., vieram interpor a presente execução comum para pagamento de quantia certa, no valor de €23.460,45, contra T... Ldª e S..., J..., J... e J..., todos nos autos também m. id., a primeira na qualidade de sublocatária e os restantes na qualidade de fiadores, e resultando a quantia exequenda das rendas não pagas no montante de €17.958,40, da não aquisição e instalação da climatização a que a executada se vinculara como contrapartida de duas rendas, no valor de €3.500,00, da indemnização devida pela não desocupação (€1.644,80) conforme cláusula acordada e após notificação judicial avulsa da resolução do contrato de subarrendamento, e de juros de mora vencidos, acrescendo rendas e indemnização e juros vincendos.

Alegaram, em síntese, que a sociedade executada tomou de arrendamento aos exequentes, por escrito, uma loja para o exercício da sua actividade comercial, mediante o pagamento da quantia mensal de €1.600,00, actualizada desde Novembro de 2009 para €1.644,80, e que a arrendatária deixou de pagar rendas na data do seu vencimento, pelo que os exequentes procederam à resolução do contrato, mediante comunicação efectuada àquela, em 22 de Fevereiro de 2010, através de notificação judicial avulsa.
Estão em dívida rendas no montante total de €17.958,40, sendo ainda que a arrendatária não procedeu à aquisição e instalação de climatização, contrariamente ao que se vinculou, como contrapartida das rendas devidas nos meses de Julho e Agosto de 2008, pelo que é devida a quantia adicional de €3.500,00.

A arrendatária deveria ter saído do locado no final do terceiro mês seguinte à resolução, o que não ocorreu, pelo que, conforme acordado na cláusula 13ª do contrato, é devido, a título de indemnização, o correspondente ao montante em dobro da renda estipulada, devendo à renda do mês de Junho de 2010 acrescer a quantia de €1.644,80, correspondente ao seu dobro, tendo os exequentes um crédito sobre os executados no valor total de €23.103,20, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, bem como acrescidos das rendas até à entrega efectiva do locado, e da respectiva indemnização.

Os demais executados assumiram integralmente todas as obrigações que do referido contrato emergiam para a arrendatária, renunciando inclusivamente ao benefício de excussão prévia, pelo que também estes, na qualidade de fiadores, são responsáveis solidariamente pelo pagamento das aludidas quantias.

Os exequentes juntaram o denominado “Contrato de Sublocação”, um documento intitulado “Adenda ao Contrato de Sublocação”, a notificação judicial avulsa da sociedade executada, cartas registadas com aviso de recepção enviadas aos executados fiadores.

O processo foi remetido para despacho liminar, por decisão proferida pelo agente de execução, e em 18 de Fevereiro de 2011 foi proferido despacho liminar de citação dos executados, nos termos do artigo 812º E, nº 5 do CPC.

Por requerimento posterior, vieram os exequentes requerer o reforço da penhora em virtude das rendas e indemnização não pagas até à entrega do locado - que comunicaram já ter ocorrido em 30 de Julho de 2011 - valores que aumentam a quantia exequenda para €72.000,00.

Após diversas vicissitudes, veio a ser proferido despacho que apreciou o requerimento executivo e afinal decidiu:

pelo exposto, e ao abrigo do artigo 732.º do CPC/2013, ex vi artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho:

1)Rejeito a presente execução:
a) na parte em que foi instaurada contra a sociedade executada para cobrança de quaisquer outros valores, além dos que dizem respeito às rendas vencidas e não pagas referentes aos meses de Agosto de 2009 a Janeiro de 2010, no montante global de €9.734,40 (nove mil setecentos e trinta e quatro euros e quarenta cêntimos), acrescido dos juros de mora, calculados desde a data de vencimento e sobre o valor de cada uma das referidas rendas, à taxa anual de quatro por cento, até integral e efectivo pagamento da dívida;
b)na parte em que foi instaurada contra os executados J..., J..., J... e S...
2)Julgo extinta a instância executiva na parte acima referida no número um, alíneas a) e b).
3)Ordeno o oportuno levantamento das penhoras que tenham sido efectuadas sobre bens e ou direitos dos executados J..., J..., J... e S...
Custas a cargo dos exequentes, na proporção do decaimento, que fixo, por apelo a critérios de adequação e proporcionalidade, em setenta por cento (artigo 527.º, nºs 1 e 2 do CPC/2013).
Notifique, incluindo os credores reclamantes e o cônjuge do executado J..., e comunique à Exma. Senhora Agente de Execução”.

Inconformados, interpuseram os exequentes o presente recurso, formulado a final as seguintes conclusões, aqui transcritas na parte relevante:

“A) (…)
B)2.-A OFENSA DE CASO JULGADO.

13)O presente processo foi remetido para despacho liminar, por decisão proferida pelo agente de execução, porquanto:
Analisado o requerimento executivo e os documentos juntos:
d)Não se verificam motivos para recusa do requerimento executivo, artigo 811º do Código de Processo Civil.
e)Execução fundada em título executivo, nos termos da lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, cfr. alínea d) do artigo 812º-D, do C.P.C. Pelo exposto, remete eletronicamente a V. Exa. os presentes autos para despacho liminar.

14)O processo foi concluso em 18 de Fevereiro de 2011 e foi proferido o seguinte despacho liminar: Cite-se os Executados – artigo 812º E, nº 5 do CPC.
15)Significando esta tomada de posição que a Mª Juíza que proferiu o despacho entendeu que não havia motivos para indeferir liminarmente (total ou parcialmente) o requerimento executivo.
16)É claríssima a redação do nº 5 do artigo 812º E do CPC. Quando o processo deva prosseguir, ou seja quando não houver motivos para indeferimento liminar, total ou parcial e não houver motivos para convidar o exequente a suprir irregularidades ou sanar a falta de pressupostos, o juiz profere despacho de citação do executado, para que este, no prazo de 20 dias, pague ou se oponha à execução.
17)Ao proferir este despacho, a Mª Juíza certificou-se da suficiência do título executivo, razão pela qual entendeu que o processo devia prosseguir, ordenando a citação dos executados.
18)O artigo 732º do CPC/2013 a que alude a douta decisão recorrida refere-se aos termos da oposição à execução pelo que não é aplicável à situação em apreço, sendo o artigo 734º do CPC/2013 que corresponde ao antigo artigo 820º, com algumas alterações, que prevê que o juiz possa conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que se tivessem sido apreciadas nos termos do disposto no artigo 726º, poderiam ter determinado o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
19)Quer isto significar que esta faculdade que é dada ao juiz aplica-se apenas aos casos em que o processo não é concluso para despacho liminar.
20)Havendo lugar a despacho liminar (artº 812ºD), é neste que a apreciação judicial deve ser feita; não havendo lugar a despacho liminar, pode tal apreciação ser feita até à primeira transmissão de bens penhorados (artº 820º, nº 1) – Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 29 de Janeiro de 2015, processo 4675/11.7TBSTS-A.P1.
21)Já tendo sido apreciadas em sede de despacho liminar proferido, as questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar, não podem nesta sede vir novamente a ser apreciadas.
22)A decisão proferida e de que se recorre ofende o caso julgado.
23)Nos termos do disposto nos artigos 619º e 620º do CPC/2013, transitada em julgado a decisão que decide do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória (caso julgado).
24)O despacho liminar proferido em Fevereiro de 2011 transitou em julgado e ficou a ter força obrigatória (caso julgado).
25)Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 625º do CPC, havendo contradição entre duas decisões que, dentro do processo versem sobre a mesma questão concreta da relação processual, cumpre-se a que foi proferida em primeiro lugar e no caso vertente o primeiro despacho liminar, transitado em julgado.

26)A decisão proferida ofende o caso julgado, situação da qual se extrairão duas conclusões, a saber:
-legitima a interposição do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 629º, nº 2, alínea a);
-a decisão ora recorrida deverá ser declarada nula, mantendo-se o despacho liminar proferido, o qual considerou o título executivo suficiente para a acção, ordenando-se o prosseguimento dos autos.

B)3. (…)
C)A NULIDADE DA DECISÃO.

29)No processo civil, o termo “sentença” designa o “acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” (art. 152º, nº 2, do NCPC).
30)É nula a sentença quando, nomeadamente, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – artigo 615º, nº a, alínea b) e c) do NCPC.
31)A decisão em crise que consiste numa verdadeira sentença nos termos do CPC, elenca os artigos 45º, nº 1, 46º, nº 1, 802º, 814º e 815º do CPC antigo para fundamentar que relativamente às rendas vencidas em data posterior a Janeiro de 2010, incluindo juros vencidos e vincendos e indemnização convencionada pelo atraso na restituição do locado não existe título executivo quanto à sociedade executada, mas não se alcança qual a aplicação dos referidos preceitos à situação em crise.
32)Acresce que a decisão foi ainda proferida ao abrigo do disposto no artigo 732º do NCPC, o qual se refere aos termos da oposição à execução, que também nada tem a ver com a situação dos autos.
33)A decisão “sentença” padece dos vícios referidos no artigo 615º, nº 1, alíneas b) e c) do NCPC, a saber não especifica corretamente os fundamentos de direito que justificam a decisão e por outro lado os preceitos legais elencados em nada têm a ver com a decisão proferida, tornando a decisão ininteligível, termos em que é nula, devendo ser declarada como tal, com as legais consequências.

NÃO CONCEDENDO
D)A SUFICIÊNCIA DO TÍTULO QUER QUANTO À SOCIEDADE EXECUTADA QUER QUANTO AOS EXECUTADOS/FIADORES.
D)1.-Inexistência de comunicação à sociedade executada relativamente às rendas vencidas a partir de Janeiro de 2010.
34)Sem conceder no que concerne à existência de caso julgado, diremos que através da notificação judicial avulsa realizada pelos exequentes contra a sociedade executada, foi dado conhecimento à executada que os exequentes consideravam resolvido o contrato de sublocação celebrado e em consequência deveria a executada entregar o local subarrendado, livre e devoluto de pessoas e bens, até ao final do terceiro mês seguinte à resolução, assim como proceder ao pagamento das rendas vencidas e vincendas até à entrega do locado, sendo que as rendas vencidas são actualmente de 9.734,40 €.
35)A sociedade executada foi ainda notificada, nos termos da cláusula décima terceira da adenda ao contrato de sublocação, que, caso não entregasse o locado no prazo estipulado no artigo 1087º do Código Civil, ficaria a dever aos exequentes, por cada mês que decorresse até à efetiva restituição do locado, o dobro da renda estipulada.
36)O Mº Juiz a quo entendeu que uma vez que a exequente não comunicou à sociedade executada o valor das rendas vencidas a partir de Janeiro de 2010, inexiste título quanto a esses valores peticionados.
37)Não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo porquanto para que o título executivo abranja as rendas vencidas e eventuais penalizações, bem como os respetivos juros, é suficiente que tal menção conste da notificação efetuada. E foi o que sucedeu no presente caso.

38)Neste sentido veja-se o constante do acórdão da Relação do Porto, proferido em 22-03-2012, no processo RP201203225644/11.2TBMAI-A.P1. sumariado nos seguintes termos:
1-Cumprida a exigência sobre título executivo prevista no art. 15 nº 2 do Novo Regime do Arrendamento Urbano, podem cobrar-se em execução para pagamento de quantia certa, ao abrigo do art. 805 nº 8 e nº 9 do Código de Processo Civil, não só as rendas em dívida até ao fim do contrato de arrendamento, como as indemnizações que são sucedâneo directo dessas rendas;
2-Essas indemnizações vêm previstas no art. 1045 nº 1 do Código Civil para compensação do senhorio pelo atraso na restituição do arrendado após o fim do arrendamento e podem englobar-se na execução, mesmo no caso em que à data do requerimento executivo ainda não tenha sido restituído o arrendado e tais indemnizações se continuem a vencer.

39)No mesmo sentido cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 182/13.1TBCTB – A.C1.
40)A notificação judicial avulsa foi efetuada em 22 de Fevereiro de 2010 e o contrato considerou-se resolvido no final do terceiro mês seguinte, ou seja final de Maio de 2010.
41)Os exequentes têm direito a receber da sociedade executada as rendas, em singelo, relativas aos meses de Janeiro de 2009 a Maio de 2010.
42)O locado foi entregue aos exequentes em 30 de Julho de 2011, pelo que relativamente às rendas devidas desde Junho de 2010 até Julho de 2011, as mesmas são acrescidas do dobro do seu valor.
43)Sobre as referidas quantias acrescem juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento.
44)Termos em que resta concluir que os exequentes têm título executivo para cobrar todas as rendas devidas desde Janeiro de 2009 a 30 de Julho de 2011.

D)2.-Inexistência de título executivo em relação à sociedade executada quanto ao pagamento da indemnização de 3.500,00 € relativa a obras em falta.
45)Entendemos que o despacho liminar proferido tem força de caso julgado, tendo admitido o título executivo, estando assim o valor de 3.500,00 € abrangido pelo título.

D)3.-Inexistência de título quanto aos fiadores.
46)Ainda não concedendo quanto ao alegado supra, entendemos que o título executivo é eficaz quer contra a sociedade executada quer quanto aos executados/fiadores.
47)A presente execução funda-se no contrato de sublocação celebrado entre os exequentes, como sublocadores, a sociedade executada como sublocatária e os restantes exequentes como fiadores.

48)O título executivo ora junto e conforme já referido é composto por um conjunto de documentos, a saber:
- contrato de locação financeira
- contrato de sublocação
- adenda ao contrato de sublocação
- notificação judicial avulsa da sociedade executada
- cartas expedidas aos executados/fiadores
49)Os executados/fiadores obrigaram-se especificamente, como principais pagadores, a assumir solidariamente com a executada a obrigação de fiel cumprimento de todas as cláusulas do contrato de sublocação e a sua adenda, seus aditamentos legais e suas renovações até à efetiva restituição do local, livre, devoluto e nas condições estipuladas e declararam a solidariedade da fiança, renunciando ao benefício da excussão prévia.
50)Nos termos do disposto no artigo 15º, nº 2, al. e) do NRAU o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação feita ao arrendatário do montante das rendas em dívida, constitui título executivo contra os arrendatários mas também contra os fiadores.
51)Sendo o título executivo composto pelo contrato de arrendamento e pela comunicação referida e constando os fiadores do contrato de arrendamento, o título executivo tem em vista todos os que se obrigaram naquele contrato.
52)A lei não diz que o contrato de arrendamento tem eficácia executiva apenas em relação ao arrendatário. O que se encontra estatuído é que o contrato de arrendamento só é título executivo se se encontrar acompanhado do documento comprovativo da comunicação ao arrendatário das rendas em dívida.
53)A fiança garante a satisfação da obrigação de pagamento da renda, independentemente de qualquer interpelação, a qual só é exigida para o arrendatário/devedor.
54)A aceitar-se uma interpretação literal e restritiva do artigo 15º, nº 2 do NRAU ter-se-ia de por em causa a utilidade das fianças nas obrigações decorrentes dos contratos de arrendamento, uma vez que não se alcança qual seria o interesse do senhorio que, depois de intentar acção executiva contra o arrendatário, iria intenção uma outra acção, desta feita declarativa e contra os fiadores, tendo de aguardar a prolacção de uma sentença nesse processo, para só muito mais tarde a executar.
55)A jurisprudência não tem tido entendimento uniforme quanto a esta matéria havendo acórdãos que perfilham este entendimento e acórdãos que perfilham o entendimento plasmado na douta sentença recorrida.

56)Entendemos que só pode colher o entendimento que expusemos e que é corroborado, nomeadamente pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 16 de Maio de 2011 no processo 515/10.2TBMAI-A.P1, assim sumariado:
Demandando-se em acção executiva por falta de pagamento de renda o arrendatário e o fiador deste, é título executivo bastante também contra o fiador, o contrato de arrendamento e ainda o comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida, perante a redacção do artº 15º, nº 2 do RAU.

57)No mesmo sentido podem ver-se os seguintes acórdãos: Tribunal da Relação do Porto, de 6-10-2009, Tribunal da Relação de Guimarães de 29-05-2012, Tribunal da Relação do Porto de 23-06-2009, no processo 2378/07.6YYPRT-A.P1.
58)Ainda no mesmo sentido cf. Acórdãos da Relação do Porto de 12.05.2009, proferido no processo 1358/07.6 YYPRT-B.P1, de 6.10.2009 processo 2789/09.2 YYPRT.P1, de 4.5.2010, processo nº 3013/08.8 TBGDM-B.P1 , de 18.10.2011, processo 8436/09.5 TBVNG, de 21.03.2013, processo 8876/09.7TBMAI, decisão da Relação de Lisboa, processo 10790/2008.7 e acórdão da da Relação de Coimbra de 21.04.2009, processo nº 7864/07.
59)Termos em que o título executivo dos presentes autos é título executivo bastante também contra os fiadores, pelo que o douto despacho recorrido é ilegal porque violador do disposto no artigo 15º, nº 2, do NRAU.
60)Existe ainda doutrina e jurisprudência que faz uma interpretação menos restritiva do citado preceito, entendendo que é título executivo bastante também contra o fiador, o contrato de arrendamento, o comprovativo da comunicação em dívida ao arrendatário e ainda comunicação do valor em dívida ao fiador, entendimento que também não perfilhamos.
61)Mas não podemos deixar de referir que os exequentes comunicaram aos fiadores por cartas datadas de 7 de Abril de 2010, enviadas sob registo e com aviso de receção, que se encontravam em dívida as rendas de Agosto de 2009 a Abril de 2010, assim como o pagamento da indemnização, o que perfazia o montante de 18.168,80 €.
62)A douta decisão em recurso refere que a carta enviada ao executado J.M.Fernandes foi enviada para morada diversa da que consta da Adenda ao Contrato de Sublocação, tendo sido recebida por terceira pessoa.
63)Com efeito a notificação foi efetuada para o escritório do Dr. J..., advogado e considera-se efetuada, tanto mais que como sócio e gerente da sociedade executada, já tinha perfeito conhecimento da situação, uma vez que havia recebido a notificação judicial avulsa.
64)Os executados J... e S... também foram notificados.
65)O único executado/fiador que não foi notificado foi J..., dado que a carta que lhe foi enviada foi devolvida.
66)Não concedendo, mas a entender-se que o título executivo se estende ao fiador só no caso de haver comunicação escrita nos termos prescritos para o arrendatário, só relativamente ao fiador J... não se verifica este circunstancialismo, pelo que só relativamente a este fiador não haveria título executivo bastante.
Termos em que e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser admitido e a decisão ora recorrida ser revogada, declarando-se a ofensa do caso julgado;
Não concedendo, deverá ser declarada a nulidade da decisão;
Ainda não concedendo, deve a decisão em causa ser revogada, declarando-se a existência de título executivo contra a sociedade arrendatária e contra os fiadores e que abrange a totalidade dos valores referidos no requerimento executivo, ordenando-se em qualquer dos casos o prosseguimento da instância”.  
        
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.

O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo da decisão.

II.-Direito.

Delimitado o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são:
1ª–A ofensa do caso julgado;
2ª–A nulidade da decisão;
3ª–A suficiência do título executivo quer quanto à sociedade executada quer quantos aos executados fiadores.

III.-Matéria de facto.
A constante do relatório que antecede, e ainda:
- que, conforme consta dos autos, o processo foi remetido para despacho liminar, por decisão proferida pelo agente de execução, nos seguintes termos:
Analisado o requerimento executivo e os documentos juntos:
d)Não se verificam motivos para recusa do requerimento executivo, artigo 811º do Código de Processo Civil.
e)Execução fundada em título executivo, nos termos da lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, cfr. alínea d) do artigo 812º-D, do C.P.C. Pelo exposto, remete eletronicamente a V. Exa. os presentes autos para despacho liminar.
-o processo foi concluso em 18 de Fevereiro de 2011 e foi proferido o seguinte despacho liminar: Cite-se os Executados – artigo 812º E, nº 5 do CPC.
-conforme resulta do despacho em apreciação, a matéria de facto documental que o fundamentou foi, e citamos o despacho, a seguinte:
O título executivo encontra-se acompanhado dos seguintes documentos:
- escrito denominado “Contrato de Sublocação”, datada de 01 de Outubro de 2008, do teor do qual resulta que os exequentes declararam “dar em sublocação” à sociedade executada, que declarou aceitar, para o exercício da actividade comercial desta, determinado local, pelo prazo de cinco anos, renovável por iguais períodos, mediante o pagamento, a efectuar até ao dia oito do mês a que respeitar, da renda mensal no valor de €1.600,00 (mil e seiscentos euros);
-escrito denominado “Adenda ao Contrato de Sublocação”, datado de 01 de Outubro de 2008, do teor do qual consta, além do mais, que: o referido contrato tem início em 01 de Outubro de 2008 e fim em 30 de Setembro de 2013; quando os exequentes “se opuserem à renovação do contrato prometido, nos termos estipulados no presente contrato, ou o contrato de sublocação cessar por qualquer outra causa” e a sociedade executada “não restituir o locado no prazo legal, esta fica obrigada a pagar, a título de indemnização, por cada mês ou fracção que decorrer até à restituição, o dobro da renda estipulada” (cláusula décima terceira); os demais executados declararam que “como fiadores e principais pagadores, comprometem-se a assumir solidariamente” com a sociedade executada “a obrigação de fiel cumprimento de todas as cláusulas do contrato de sublocação e da presente adenda, seus aditamentos legais e suas renovações até à efectiva restituição do local livre, devoluto e nas condições estipuladas e, bem assim, declararam que a fiança solidária e com renúncia ao benefício da excussão prévia que acabam de prestar subsistirá ainda que haja alteração do montante da renda”;
- notificação judicial avulsa da sociedade executada efectuada em 22 de Fevereiro de 2010, do teor da qual consta, além do mais, que: no mês de Julho de 2008, a sociedade executada ocupou o locado, com vista à realização de obras, tendo sido convencionado entre as partes que aquela procederia à realização de obras e, como contrapartida, não pagaria os dois primeiros meses de renda, correspondentes a Julho e Agosto de 2008; a sociedade executada procedeu apenas a parte das obras, pelo que é devido o custo das mesmas, no montante de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros); encontram-se por pagar as rendas referidas aos meses de Agosto de 2009 a Janeiro de 2010, sendo que as rendas passaram a ser no montante de €1.644,80 (mil seiscentos e quarenta e quatro euros e oitenta cêntimos), desde Novembro de 2009;
- carta registada com aviso de recepção de 07 de Abril de 2010, enviada ao executado J..., para morada diversa da que conta do aludido escrito denominado “Adenda ao Contrato de Sublocação”, comunicando-lhe que se encontram em dívida as rendas de Agosto de 2009 a Abril de 2010, assim como o pagamento de indemnização, o que perfaz o montante total de €18.168,80 (dezoito mil cento e sessenta e oito cêntimos e oitenta cêntimos), sendo que o respectivo aviso de recepção foi assinado por terceira pessoa;
- carta registada com aviso de recepção de 07 de Abril de 2010, enviada ao executado J..., comunicando-lhe que se encontram em dívida as rendas de Agosto de 2009 a Abril de 2010, assim como o pagamento de indemnização, o que perfaz o montante total de €18.168,80 (dezoito mil cento e sessenta e oito cêntimos e oitenta cêntimos), sendo que o respectivo aviso de recepção foi assinado pelo próprio;
- carta registada com aviso de recepção de 07 de Abril de 2010, enviada ao executado J..., para a morada indicada no escrito denominado “Adenda ao Contrato de Sublocação”, comunicando-lhe que se encontram em dívida as rendas de Agosto de 2009 a Abril de 2010, assim como o pagamento de indemnização, o que perfaz o montante total de €18.168,80 (dezoito mil cento e sessenta e oito cêntimos e oitenta cêntimos), sendo que tal carta foi devolvida aos exequentes;
- carta registada com aviso de recepção de 07 de Abril de 2010, enviada ao executado S..., comunicando-lhe que se encontram em dívida as rendas de Agosto de 2009 a Abril de 2010, assim como o pagamento de indemnização, o que perfaz o montante total de €18.168,80 (dezoito mil cento e sessenta e oito cêntimos e oitenta cêntimos), sendo que o respectivo aviso de recepção foi assinado pelo próprio” (fim de citação).
Mais se consigna que a notificação judicial avulsa da sociedade foi feita na pessoa de J..., e que na mesma os notificantes declararam “considerar resolvido o contrato de sublocação celebrado com a requerida (…) em consequência deverá a requerida entregar a referida Loja livre e devoluta de pessoas e bens, aos requerentes, até ao final do terceiro mês seguinte à resolução (…) assim como proceder ao pagamento das rendas vencidas e vincendas até à entrega do locado, sendo que as rendas vencidas são actualmente no valor de €9.734,40” e que, na mesma notificação, declararam ainda que “conforme cláusula 13ª do Doc. 6, que caso não entregue o locado no prazo estipulado no artigo 1.087 do Código Civil, ficará a dever aos requerentes, por cada mês que decorra até à efectiva restituição do locado, o dobro da renda estipulada (…)”.

IV.-Apreciação.

1ª-questão:

Os recorrentes invocam que a apreciação do requerimento e título executivo feita na decisão recorrida viola o caso julgado que sobre a validade e suficiência do título se havia formado com a prolação de despacho liminar de citação.
A presente execução foi autuada em 25.6.2010. Não se lhe aplica pois, quanto às questões relacionadas com o título executivo, requerimento executivo e fase introdutória da execução, o disposto no actual Código de Processo Civil – artigo 6º nº 3 da Lei 41/2013.
O artigo 14º-A da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro veio estabelecer que “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.

Por seu turno, o artigo 812º-D do CPC aplicável, resultante do aditamento determinado pelo Decreto-Lei nº 226/2008 de 20 de Novembro, determina que o processo é remetido para despacho liminar, entre outras, nas execuções fundadas em título executivo nos termos da Lei nº 6/2006.

Trata-se de uma norma muito compreensível em face da relevância dos interesses envolvidos: por um lado, pode estar em causa o direito à habitação, por outro pode estar em causa o direito a um uso estável do arrendado para fins não habitacionais, e do lado contrário estão os interesses dos senhorios, naturalmente afectados por limitações externas ao funcionamento do mercado de arrendamento.

Compreende-se pois que a celeridade processual não deva correr sem que, logo de início e para resolver definitivamente quaisquer dúvidas, intervenha a autoridade judicial no exercício de uma competência que normalmente estará arredada da figura do agente de execução. 

Dispõe o artigo 812º-E do CPC aplicável, sob a epígrafe “Indeferimento Liminar”:
1-Nos casos previstos no artigo anterior, o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando:
a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;
b) Ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;
c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesto, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda que ao juiz seja lícito conhecer.
2-É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceder os limites constantes do título executivo.
3-Fora dos casos previstos no n.º 1, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 265.º
4-Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo.
5-Quando o processo deva prosseguir e, no caso do n.º 3 do artigo 804.º, o devedor deva ser ouvido, o juiz profere despacho de citação do executado para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução”.

Eis pois o conteúdo da competência a exercer pelo juiz na ocasião liminar, ou seja, o juiz tem de indeferir liminarmente o requerimento executivo, ao menos parcialmente, se verificar a manifesta insuficiência do título.

Ora, o despacho recorrido rejeita a execução por insuficiência do título, julga extinta, em parte, a instância, e ordena consequentemente o levantamento de penhoras. Significa isto que a competência aqui exercida era a que devia ter sido exercida liminarmente.

Havendo coincidência de juízo entre o momento em que o despacho foi proferido e o momento da apreciação liminar, regressamos à pergunta dos recorrentes: o facto de ter sido proferido despacho liminar ordenando a citação dos executados fez caso julgado?

Entendemos que não.

Com efeito, o caso julgado dum despacho que recai sobre a relação processual, o caso julgado formal, só se forma relativamente às questões sobre as quais o tribunal se pronunciou expressamente. Como se sabe, não só a sentença ou decisão constitui caso julgado nos precisos termos em que julga, como a regra de resolução de casos julgados contraditórios se aplica apenas a decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta – cfr. artigo 625º nº 2 do actual CPC e artigo 675º nº 2 da versão anterior.

De resto, já assim resultava expressamente do primitivo artigo 234º nº 5 do CPC, relativamente às diligências de citação: “Não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar”, disciplina que se mantém no artigo 226º nº 5 do actual Código.

No mesmo sentido, o acórdão desta Relação de 07.06.2016, processo 5356/12.0TBVFC.B.L1.7.

Improcede pois esta questão.

2ª-questão:
Vêm invocadas as nulidade previstas no artigo 615º nº 1, alínea b) e c) do CPC, ou seja, não especificação dos fundamentos de facto e de direito e oposição entre os fundamentos e a decisão ou ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Concretamente, alegam os recorrentes, que a decisão elenca os “artigos 45º, nº 1, 46º, nº 1, 802º, 814º e 815º do CPC antigo para fundamentar que relativamente às rendas vencidas em data posterior a Janeiro de 2010, incluindo juros vencidos e vincendos e indemnização convencionada pelo atraso na restituição do locado não existe título executivo quanto à sociedade executada, mas não se alcança qual a aplicação dos referidos preceitos à situação em crise” e “a decisão foi ainda proferida ao abrigo do disposto no artigo 732º do NCPC, o qual se refere aos termos da oposição à execução, que também nada tem a ver com a situação dos autos”.

É entendimento unânime que a nulidade por falta de fundamentação só se verifica no caso de falta absoluta de fundamentação e não na sua simples deficiência ou erro. Por outro lado, não se alcançar qual seja a aplicação dos preceitos à situação apreciada ou que a decisão tenha sido proferida ao abrigo de um artigo relativo a fase processual não coincidente com aquela em que o despacho é proferido, não corresponde à falta absoluta de fundamentação, mas eventualmente a um erro da fundamentação convocada, e não corresponde a nenhuma ambiguidade ou obscuridade (que se há-de revelar no contexto da decisão) que torne a decisão ininteligível (o que também há-de resultar da sua simples leitura): não é o caso. Podem os recorrentes ter razão e o tribunal ter errado na convocação e aplicação dos referidos preceitos legais, no que se revela um erro de julgamento mas não uma nulidade da decisão.
Improcede pois esta questão.

3ª-questão:-a suficiência do título executivo quer quanto à sociedade executada quer quantos aos executados fiadores.
Conforme resulta das conclusões do recurso – “D) 2. Inexistência de título executivo em relação à sociedade executada quanto ao pagamento da indemnização de 3.500,00 € relativa a obras em falta.
45)Entendemos que o despacho liminar proferido tem força de caso julgado, tendo admitido o título executivo, estando assim o valor de 3.500,00 € abrangido pelo título” – os recorrentes não avançam nenhuma outra razão para a existência do título relativo ao valor de obras em falta, e assim e em função do decidido na 1ª questão, improcede esta parte da questão.

No mais, entendeu a decisão recorrida que: “(…) no que respeita às rendas vencidas em data posterior a Janeiro de 2010, acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos, incluindo a indemnização convencionada pelo atraso na restituição do locado, acrescida também dos juros de mora vencidos e vincendos, uma vez que inexiste, quanto a estes valores, qualquer comunicação feita à sociedade executada, forçoso será concluir no sentido de que inexiste, quanto a eles, título executivo (Cf. artigos 45.º, n.º 1, 46.º, n.º 1, 802.º, 814.º e 815.º do CPC antigo, ex vi artigo 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e 15.º, n.º 2 do NRAU, na redacção conferida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, aqui aplicável).

Invocam os recorrentes que: “através da notificação judicial avulsa (…) foi dado conhecimento à executada que os exequentes consideravam resolvido o contrato de sublocação celebrado e em consequência deveria a executada entregar o local subarrendado, livre e devoluto de pessoas e bens, até ao final do terceiro mês seguinte à resolução, assim como proceder ao pagamento das rendas vencidas e vincendas até à entrega do locado, sendo que as rendas vencidas são actualmente de 9.734,40 €.

(…) foi a sociedade executada notificada, nos termos da cláusula décima terceira da adenda ao contrato de sublocação, que, caso não entregasse o locado no prazo estipulado no artigo 1087º do Código Civil, ficaria a dever aos exequentes, por cada mês que decorresse até à efectiva restituição do locado, o dobro da renda estipulada.

(…) para que o título executivo abranja as rendas vencidas e eventuais penalizações, bem como os respetivos juros, é suficiente que tal menção conste da notificação efetuada. E foi o que sucedeu no presente caso.

40)A notificação judicial avulsa foi efetuada em 22 de Fevereiro de 2010 e o contrato considerou-se resolvido no final do terceiro mês seguinte, ou seja final de Maio de 2010.
41)Os exequentes têm direito a receber da sociedade executada as rendas, em singelo, relativas aos meses de Janeiro de 2009 a Maio de 2010.
42)O locado foi entregue aos exequentes em 30 de Julho de 2011, pelo que relativamente às rendas devidas desde Junho de 2010 até Julho de 2011, as mesmas são acrescidas do dobro do seu valor.
43)Sobre as referidas quantias acrescem juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento”.

Está no fundo pois em questão saber se a notificação judicial avulsa constitutiva do título executivo – “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário” – carece de comunicação dos valores concretos (o montante em dívida) entendidos como devidos, ou se se basta com a indicação do motivo constitutivo dos valores, de modo que, por dedução das consequências deste, permita perceber ao notificando o valor concretamente em dívida.

Ora, não há dúvida que foi a sociedade notificada da resolução do contrato e em consequência do dever de entregar o locado, e para “proceder ao pagamento das rendas vencidas e vincendas até à entrega do locado, sendo que as rendas vencidas são actualmente de 9.734,40 €”. A fixação concreta do valor destas rendas vincendas depende da data em que o locado for (ou foi) entregue, e o valor devido, pelo atraso na restituição do locado, está também avisado na notificação judicial avulsa realizada: - é o dobro da renda devida.

Em suma, sendo conhecido o valor da renda, derivando da lei o prazo de entrega do locado após a declaração de resolução, e dependendo este da data concreta em que a entrega seja feita, e em caso de ultrapassar o prazo, tendo havido aviso de que seria devido o pagamento da renda em dobro, os concretos valores devidos podem, com mediana clareza, ser alcançados, compreendidos e estabelecidos, em suma podem, pelo notificado, ser liquidados por dependerem de simples cálculo aritmético a partir da data de entrega do locado.

De resto, a interpretação segundo a qual “o montante em dívida” tem de ser indicado por referência numérica expressa seria incompatível com os casos em que estivessem em curso efeitos ainda não concretamente fixados, mas fixáveis, designadamente rendas vencidas após a notificação judicial avulsa.

Considera-se assim que a notificação realizada cumpre com suficiência o dever de informar e é apta a integrar o título executivo, concluindo-se pois que há título executivo para a cobrança de todas as rendas devidas desde Janeiro de 2009 a 30 de Julho de 2011, data de entrega do locado. 
Procede pois esta parte da questão.

Por outro lado, a decisão recorrida considerou ainda que:(…) Por decidir permanece apenas a questão de saber se existe título executivo contra os executados/fiadores em relação aos valores das rendas dos meses de Agosto de 2009 a Maio de 2010 e da indemnização convencionada pelo atraso na restituição do locado, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos, tal como peticionado no requerimento executivo.
Ora, os exequentes, contrariamente ao que fizeram constar das comunicações enviadas aos executados/fiadores, só contabilizaram nesta execução as rendas em singelo dos meses de Agosto de 2009 a Maio de 2010.
Assim sendo, o que se poderá questionar, mais concretamente, é se existe título executivo contra os executados/fiadores que abranja as rendas em singelo dos meses de Agosto de 2009 a Abril de 2010, acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos.
É que, relativamente aos valores da renda em singelo do mês de Maio de 2010 e da indemnização convencionada pelo atraso na restituição do locado, com o acréscimo dos juros de mora vencidos e vincendos, inexiste qualquer comunicação feita àqueles, pelo que não há como afirmar a existência de título contra os mesmos para cobrança coerciva de tais valores.
Pois bem, é conhecida diversa jurisprudência dos nossos tribunais superiores que tem considerado o fiador abrangido pela força executiva do contrato de arrendamento e pelo comprovativo da comunicação ao arrendatário referida a rendas em dívida. Entre os que defendem esta posição, discute-se ainda se para haver título executivo contra o fiador é necessário comprovativo da comunicação ao próprio ou basta a comunicação ao arrendatário, havendo partidários de ambas as soluções.
Ora, na nossa opinião, e salvo o devido respeito por entendimento contrário, a razão está do lado dos defensores da inexistência de título executivo contra o fiador, ainda que seja comprovada a comunicação ao mesmo do montante em dívida.
Na verdade, a norma que confere força executiva aos citados documentos (artigo 15.º, n.º 2 do NRAU) não prevê a formação de título executivo contra o fiador e por força do princípio da taxatividade dos títulos executivos e da natureza restritiva das normas que os preveem não é possível fazer interpretações extensivas da norma.
Ademais, a lei apenas admite que a comunicação seja realizada ao arrendatário, certamente porque somente esta parte está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e de deduzir alguma eventual oposição.
De referir ainda que a alteração do NRAU pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, deixou intocado o texto quando a questão já se discutia, num sinal de que o legislador não pretendeu tornar claro que o fiador também pode ser executado; o Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de Janeiro, denuncia essa intenção legislativa ao consagrar expressamente que só o arrendatário pode ser objecto do procedimento especial de despejo quando nele está compreendido a execução das rendas em dívida.
Finalmente, importa considerar que o fiador se encontra numa posição mais débil, pelo que não lhe deve corresponder um regime mais agravado do ponto de vista processual, como sucede se inclusivamente se prescindir da notificação dele.
Em suma, e independentemente de outras considerações, que não há que desenvolver, em face do exposto, os exequentes também não dispõem, na nossa perspectiva, de título executivo contra os executados/fiadores no que diz respeito às rendas em singelo dos meses de Agosto de 2009 a Abril de 2010, acrescidas dos juros de mora vencidos e vincendos”.

Argumentam os recorrentes que:
“D)3.-Inexistência de título quanto aos fiadores.
46)Ainda não concedendo quanto ao alegado supra, entendemos que o título executivo é eficaz quer contra a sociedade executada quer quanto aos executados/fiadores.
47)A presente execução funda-se no contrato de sublocação celebrado entre os exequentes, como sublocadores, a sociedade executada como sublocatária e os restantes exequentes como fiadores.
48)O título executivo ora junto e conforme já referido é composto por um conjunto de documentos, a saber:
- contrato de locação financeira
- contrato de sublocação
- adenda ao contrato de sublocação
- notificação judicial avulsa da sociedade executada
- cartas expedidas aos executados/fiadores
49)Os executados/fiadores obrigaram-se especificamente, como principais pagadores, a assumir solidariamente com a executada a obrigação de fiel cumprimento de todas as cláusulas do contrato de sublocação e a sua adenda, seus aditamentos legais e suas renovações até à efetiva restituição do local, livre, devoluto e nas condições estipuladas e declararam a solidariedade da fiança, renunciando ao benefício da excussão prévia.
50)Nos termos do disposto no artigo 15º, nº 2, al. e) do NRAU o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação feita ao arrendatário do montante das rendas em dívida, constitui título executivo contra os arrendatários mas também contra os fiadores.
51)Sendo o título executivo composto pelo contrato de arrendamento e pela comunicação referida e constando os fiadores do contrato de arrendamento, o título executivo tem em vista todos os que se obrigaram naquele contrato.
52)A lei não diz que o contrato de arrendamento tem eficácia executiva apenas em relação ao arrendatário. O que se encontra estatuído é que o contrato de arrendamento só é título executivo se se encontrar acompanhado do documento comprovativo da comunicação ao arrendatário das rendas em dívida.
53)A fiança garante a satisfação da obrigação de pagamento da renda, independentemente de qualquer interpelação, a qual só é exigida para o arrendatário/devedor.
54)A aceitar-se uma interpretação literal e restritiva do artigo 15º, nº 2 do NRAU ter-se-ia de por em causa a utilidade das fianças nas obrigações decorrentes dos contratos de arrendamento, uma vez que não se alcança qual seria o interesse do senhorio que, depois de intentar acção executiva contra o arrendatário, iria intenção uma outra acção, desta feita declarativa e contra os fiadores, tendo de aguardar a prolacção de uma sentença nesse processo, para só muito mais tarde a executar”.

Ora, dando conta da diversidade jurisprudencial, e pela minúcia de análise, citamos o acórdão desta Relação de 07.06.2016, processo 5356/12.0TBVFC.B.L1.7, já acima referido:
“2–Alcance do título executivo complexo formado nos termos do artigo 14º-A do NRAU (correspondente ao anterior artigo 15º, nº 2).Prossecução da execução contra os fiadores.
A decisão da presente apelação prende-se basicamente com a interpretação a conferir ao artigo 14º-A, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com o aditamento resultante da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, que corresponde ao anterior artigo 15º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Refere a disposição legal: “O contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.

Discute-se se o título executivo complexo assim formado abrange, ou não, o fiador do arrendatário que teve intervenção pessoal no contrato de arrendamento sub judice, subscrevendo-o.

A descrita questão jurídica já foi objecto de intensa análise doutrinária e jurisprudencial, verificando-se acentuada dissidência.

Em termos doutrinários, para além das referências que constam da decisão recorrida, importa salientar-se o argumentário expendido por Fernando Gravato de Morais, in “Falta de pagamento de renda no arrendamento urbano”, pags. 77 a 81; Cadernos de Direito Privado, nº 27, pags. 57 a 63, e in “A jurisprudência no triénio posterior à entrada em vigor do NRAU”, publicado na revista “Direito e Justiça – Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes”, pags. 512 a 513.

Sustenta este autor, revelando contudo dúvidas quanto à interpretação do preceito, que do texto do artigo 15º, nº 2 do NRAU (antes da alteração introduzida pelo actual artigo 14º-A), apenas se pode afirmar uma tendência no sentido da não aplicabilidade ao fiador, dado ter sido pensado apenas para o arrendatário.

Argumenta, neste sentido, o risco da fiança; o eventual desconhecimento pelo fiador da situação de mora; a especial fragilidade da posição do garante e a possibilidade de multiplicação de acções noutros casos previstos no NRAU.

Entende o autor que o nº 2 do artigo 15º do NRAU insere-se num normativo destinado, essencialmente, a proteger os interesses do senhorio perante o arrendatário, sendo esse o contexto da lei, expresso no amplo leque de casos do nº 1.

Salienta que a não multiplicação de acções judiciais não pode ser feita à custa (apenas) do fiador e que o regime do NRAU compreende muitos casos de multiplicação de acções – sendo este apenas mais um.

Alude a que o fiador, se o senhorio actuar logo, e observados todos os prazos, pode ser confrontado com a acção executiva, na melhor das hipóteses, treze a catorze meses após o incumprimento do afiançado.

No mesmo sentido, Rui Pinto, in “Manual de Execução de Despejo”, a páginas 1164 a 1165, exclui o fiador do âmbito e alcance do artigo 14ºA do NRAU, afirmando a natureza restritiva das normas que prevêem categorias de títulos executivos, limitados em relação a uma interpretação não literal.

No plano jurisprudencial, manifestando-se no sentido da não formação de título executivo contra o fiador do arrendatário, vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Novembro de 2007 (relator José Eduardo Sapateiro); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Setembro de 2014 (relator Ezaguy Martins); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31 de Março de 2009 (relatora Ana Resende); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Abril de 2014 (relator Aristides de Almeida), todos publicados in www.dgsi.pt.

Em sentido oposto, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2014 (relator Granja da Fonseca); decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2008 (relator Tomé Gomes); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Março de 2013 (relatora Anabela Dias da Silva); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Junho de 2009 (relator Cândido Lemos); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Março de 2009 (relatora Catarina Arêlo Manso), acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Maio de 2011 (relator Rui Moura); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de Outubro de 2009 (relator Henrique Antunes); acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Junho de 2010 (relatora Fátima Galante); acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Abril de 2009 (relatora Sílvia Pires); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Maio de 2010 (Rodrigues Pires); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Maio de 2009 (relator Guerra Banha); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Outubro de 2011 (relatora Cecília Agante) todos publicados in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21 de Março de 2013 (relator Bernardo Domingos), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXVIII, Tomo II, pags. 251 a 254; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de Março de 2012 (relator Ilídio Sacarrão Martins) – sumário – publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXVII, Tomo II, página 301; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Outubro de 2015 (relator Rui da Ponte Gomes); acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29 de Maio de 2012 (relatora Maria da Purificação Carvalho), ambos publicitados in www.jusnet.pt.; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Maio de 2016 (relatora Maria do Rosário Morgado) e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Maio de 2014 (relatora Rosa Ribeiro Coelho), ambos ainda não publicados.

Apreciando:

Não obstante as inevitáveis dúvidas que uma questão tão fracturante sempre suscita, afigura-se-nos ser de perfilhar este último entendimento, pela seguinte ordem de razões:

1ª–A norma em análise – o artigo 14º-A do NRAU (bem como o antecedente artigo 15º, nº 2, do mesmo diploma legal) – não identifica concretamente o sujeito contra o qual se formou o título executivo, não aludindo à pessoa do arrendatário ou à do fiador.
Refere, apenas que “o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da notificação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas (…)”.

Trata-se de um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva, nos termos da alínea d) do nº 1, do artigo 703º do Código de Processo Civil.
É, portanto, neste quadro de especialidade e excepcionalidade que terá que ser entendida e enquadrada a formação do título executivo em referência.
O artigo 10º, nºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, estabelecendo que o título executivo constitui a base que determina o fim e os limites da acção executiva, legitima o exequente a obter, nessa sede, a realização de uma obrigação que lhe é devida, sem necessidade de prévia instauração de acção declarativa.
Consistindo o título executivo no contrato de arrendamento celebrado, complementado com a comunicação ao arrendatário (e ao fiador) do montante em dívida, é absolutamente compreensível e expectável que a obtenção da realização da obrigação devida ao senhorio – o pagamento das rendas vencidas – possa advir, nesta sede, do conjunto dos responsáveis pelo incumprimento e que se assumiram, enquanto tais, no próprio título exequendo: o arrendatário e o seu garante, que nessa mesma específica qualidade aceitou e subscreveu o documento agora dado à execução.
Concordantemente, lei não refere nem sugere, em momento algum, em termos restritivos, que este título especial só deva ter eficácia executiva contra o arrendatário.
Na situação sub judice, tendo existido comunicação válida aos fiadores, é indiscutível que os mesmos figuram, enquanto verdadeiros e próprios obrigados, no título complexo que serve de base à execução para pagamento de quantia certa (as rendas vencidas e não pagas).
Não cremos, portanto, que existam razões sérias e bastantes para os excluir do processo executivo, no qual poderão, naturalmente, exercer os mais amplos direitos de defesa – tal como sucederia na acção declarativa, a intentar com o mesmo objecto essencial e prosseguindo idêntico finalidade mediata.

2ª–O conteúdo da responsabilidade do fiador, sendo própria e autónoma, molda-se sobre o da pessoa afiançada, nos termos gerais dos artigos 627º, nº 1 e 634º do Código Civil.
Trata-se de uma posição pessoal de garante, a título acessório, do cumprimento da obrigação assumida pelo devedor principal.
Conforme salienta Luís Menezes Leitão, in “Garantia das Obrigações”, a página 108, “a fiança resulta sempre ou de um contrato entre o fiador e o credor, ou de um contrato entre o fiador e o devedor que, nesse caso, revestirá a natureza de contrato a favor de terceiro (…) Apesar de a fiança ser normalmente originada num contrato entre duas partes, ela é sempre elemento de uma relação triangular entre o fiador, o credor e o devedor”.

As características e o regime jurídico da fiança (mormente o preceituado nos artigos 627º, nº 2, 631º, 632º e 637º do Código Civil) não prejudicam, de modo algum, a possibilidade de criação, quanto ao fiador, de um título a que a lei especialmente confira força executiva, conforme é precisamente o caso do citado artigo 14º-A do NRAU, relativamente ao não pagamento das rendas vencidas no contrato de arrendamento.
Não se trata, nesta situação, da constituição de um título executivo (contra os garantes) por mera notificação extrajudicial, atendendo a que o contrato de arrendamento, enquanto mero documento particular, não revestiria, por si, a qualidade de título executivo (questão abordada no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Novembro de 2007 -relator José Eduardo Sapateiro).
Diferentemente, neste particular, o legislador quis consagrar um título a que, em especial, atribuiu força executiva (cfr. artigo 703º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil), conferindo-lhe uma específica e inconfundível natureza e alcance.
Como se referiu, esse mesmo título, de natureza complexa, é composto pelo contrato de arrendamento e pela notificação ao arrendatário (e ao fiador) quanto aos montantes em dívida.
A situação do fiador, enquanto executado, é neste contexto precisamente similar à do próprio arrendatário: ambos figuram no contrato de arrendamento; ambos são responsáveis pelo pagamento das rendas vencidas; de ambos pode o credor senhorio exigir tal pagamento.

Logo, o título executivo criado ex novo, com foros de especialidade, protegendo primordialmente o interesse do senhorio, deve valer contra ambos.
A tal não se opõe o regime substantivo da fiança que, nos termos do artigo 634º do Código Civil, prevê que a responsabilidade do fiador cubra as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, indiciando a própria desnecessidade da sua interpelação (sobre este ponto, vide, entre outros, a decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2008 – relator Tomé Gomes).
Na situação sub judice, como se disse, os executados fiadores tiveram intervenção pessoal e directa no contrato de arrendamento que constitui um dos documentos base que serve de suporte à presente execução.
São, portanto, directamente responsáveis pelas consequências patrimoniais associadas ao incumprimento pelo arrendatário quanto à sua obrigação básica do pagamento pontual da renda estabelecida, tendo-lhes sido comunicado previamente, através de notificação judicial avulsa, o montante em dívida a este título.
Não se vislumbra, portanto, tomando em consideração o regime substantivo correspondente à figura da fiança, qualquer motivo suficientemente forte e relevante para não devam ser abrangidos pela previsão do artigo 14º-A do NRAU (e do artigo 15º, nº 2 do regime antecedente).

3ª–Afigura-se-nos absolutamente inócuo, para estes efeitos, que a anterior disposição legal aplicável previsse, no respectivo artigo 15.°, nº 2: “0 contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em divida".
A alteração introduzida pelo actual artigo 14º-A limitou-se a acrescentar, no âmbito da abrangência da norma, “os encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário”, sem bulir com o essencial da sua previsão: a possibilidade do senhorio, após haver notificado o devedor ou devedores, partir de imediato para a acção executiva, sem as delongas associadas à instauração prévia da acção declarativa com vista ao reconhecimento do seu crédito.
Não é pelo facto da norma se ter tornado mais abrangente, reforçando a tutela dos direitos do locador face ao incumprimento do locatário, que daí vem a resultar qualquer tipo de exclusão de responsabilidade, em sede executiva, do fiador do inquilino.

4ª–A ausência de referência formal – preto no branco – à figura do fiador na letra do artigo 14º-A do NRAU, não é, só por si, susceptível de desarmar o senhorio relativamente à possibilidade de investida executiva contra o garante pelo cumprimento das obrigações do arrendatário.
É a própria norma a conferir a natureza de título executivo ao contrato de arrendamento, conjugado com a subsequente comunicação pessoal da dívida, o que levará razoavelmente a entender, coerente e logicamente – perscrutando, deste modo, a intenção legislativa -, a responsabilização, directa e pessoal, de todos e cada um dos sujeitos obrigados nesse mesmo título: quer o arrendatário, quer o fiador que aí figure.

5ª–A referenciada circunstância de o artigo 14º-A não haver alterado substancialmente o que anteriormente dispunha o antecedente 15º, nº 2, quando o assunto já teria sido objecto de discussão e entendimentos divergentes, constitui um argumento manifestamente débil e inconsistente.
Com efeito, a intervenção legislativa não tem de pautar-se necessariamente pela função pedagógica, clarificadora ou uniformizadora do sentido das normas cuja interpretação gere controvérsia. Não é isso que se pede ou que se espera do legislador. Se norma antecedente já revelava o sentido e alcance que ora se propugna, era totalmente dispensável e inapropriada a interpretação autêntica realizada, enviesadamente, por esta via omissiva ou inerte.

6ª–É perfeitamente normal que o Decreto-lei nº 1/2013, de 7 de Janeiro, no seu artigo 7º, obrigue a que o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas em atraso só possa ser deduzido contra o arrendatário e não contra o fiador.
Note-se que o objectivo fundamental desse diploma de natureza especial é a cessação do arrendamento e a desocupação célere do locado, em termos particularmente simples e eficazes, procurando-se obstar a invocação de qualquer matéria que, tornando mais complexa a lide, inviabilize ou dificulte esse concreto desiderato.
Já o título executivo que serve de base a execução com vista ao pagamento de quantia certa envolve outro tipo de objectivos: a eficaz obtenção pelo credor dos montantes pecuniários – expressos no título complexo (arrendamento e comunicação) - que lhe são devidos, em relação àqueles que se constituíram como seus devedores através da subscrição desses documentos.
Pelo não é legítimo retirar dessa circunstância, respeitante ao citado artigo 7º do Decreto-lei nº 1/2013, de 7 de Janeiro, qualquer outro tipo de ilação para a discussão que nos ocupa, uma vez que um dos diplomas não contende nem interfere com o alcance e propósitos do outro.

7ª–Não se compreende que a pretensa debilidade/fragilidade do fiador ou o seu maior risco – relativamente ao afiançado – aconselhe (interpretativamente) a deixá-lo de fora do título executivo assim formado.
O fiador é responsável directo e pessoal, enquanto garante, pelas obrigações incumpridas pelo afiançado no que se refere ao não pagamento pontual das rendas vencidas. Terá ao seu dispor os meios de defesa que assistem ao afiançado.
Ao assumir-se, livre e voluntariamente, como fiador, e havendo subscrito o contrato nessa qualidade particular, não pode invocar, em termos razoáveis, que não esperasse ou antevisse a eventualidade/probabilidade de ser chamado a responder pela obrigação típica do arrendatário que fora incumprida.
É normal e compreensível que o faça na própria sede executiva, ao lado daquele em cujo interesse se atravessou, assumindo a sua própria e autónoma responsabilidade, embora decalcada na daquele.
A circunstância de a vinculação do fiador ficar inteiramente dependente da vontade e do cumprimento do afiançado, neste caso o inquilino, constitui uma característica absolutamente natural na lógica do regime jurídico inerente ao funcionamento da figura da fiança.
De resto, é precisamente isso o que significa ser garante do cumprimento da obrigação de outrem.
O artigo 637º, nºs 1 e 2 do Código Civil, confere ao fiador a possibilidade de invocação de todos os meios de defesa, os próprios e que os competiriam ao afiançado, salvo se forem incompatíveis com a obrigação do fiador.
Este recorte essencial do regime da fiança – responsabilidade até ao limite do conteúdo da obrigação principal (artigo 631º, nº 1 do Código Civil) e abrangência quanto às consequências contratuais da mora (artigo 634º do Código Civil) – nada tem a ver com os meios que a lei entenda disponibilizar ao senhorio, enquanto credor do direito às rendas vencidas.
A pretensa fragilidade da posição jurídica do fiador não obriga, por si só, à opção por um regime menos agravado (a acção declarativa em vez da executiva) do ponto de vista processual.
De resto, a própria constituição da fiança constitui, na maior parte das situações, a melhor e mais sólida garantia concedida ao senhorio no sentido da salvaguarda da efectivação do direito básico neste relacionamento negocial: o recebimento pontual da renda.

Fará sentido obrigá-lo a desdobrar os procedimentos processuais – ao jeito de via sacra - para obter a prestação que, no mesmo circunstancialismo de facto, lhe foi expressamente assegurada, por ambos os intervenientes contratuais?

8ª–No mesmo sentido, não pode aceitar-se o argumentário de que “só o arrendatário está em condições de controlar a veracidade do conteúdo da comunicação e deduzir oposição”.
É evidente que o fiador, tendo querido assumir - e assumido de facto - a obrigação pessoal de garante, terá que diligenciar pela sua própria defesa, sem se escudar nos conhecimentos privados do seu afiançado, a que poderá ter, ou não, acesso.
É um problema exclusivo do fiador com o qual o senhorio, credor da importância exequenda, nada tem a ver.
Sempre se dirá que, normalmente, a constituição de fiança tem na base numa relação muito próxima (familiar, de amizade, ou outra) que facilmente permite, na maior parte das situações, reunir os elementos necessários para sindicar a veracidade da comunicação e congregar todos os meios de defesa.
Acrescente-se, ainda, que este tipo de conhecimento - eventualmente distanciado – refere-se a um facto de natureza objectiva e de comprovação relativamente simples: o pagamento, ou não, pontual da renda exigível.

9ª–Não colhe a argumentação de que o regime do NRAU já consagra casos de multiplicidade de acções, como sucede relativamente ao pedido de rendas, cumulado com a indemnização prevista à luz do artigo 1045º, nº 2 do Código Civil.
Com efeito, se há casos em que se compreende que não seja possível dispensar a discussão e reconhecimento do direito subjectivo na acção declarativa própria, inviabilizando a possibilidade de recurso imediato à acção executiva, tal não constitui razão suficientemente forte para restringir o âmbito da execução nas situações – como o presente – em que a formalização da obrigação devida ao senhorio, permitindo responsabilizar o arrendatário, deve logicamente produzir tal efeito relativamente ao seu garante e co-responsável, sem prejuízo do exercício dos direitos de defesa em sede de oposição à execução.
A exclusão do fiador do âmbito do título executivo obrigará, quanto a uma matéria normalmente linear – pagou ou não pagou a renda vencida – a uma inconveniente e indesejável duplicação de meios processuais, com todos os riscos inerentes, sacrificando-se o credor, em termos de custos e tempo, quando os tão proclamados valores da economia e agilização de actos e ritos, bem como da eficiência e do prestígio do funcionamento da instituição judiciária, imporiam, obviamente, a resolução conjunta, célere e global, desta questão jurídica, sem mais desdobramentos ou compassos de espera inúteis, injustificados e inconsequentes.
De resto, o entendimento oposto ao que se perfilha conduz a colocar em crise o próprio alcance prático da fiança – que existe fundamentalmente para servir o interesse do credor, que vê nela a sua garantia mais real e eficaz -, uma vez que o senhorio seria sistematicamente levado a accionar executivamente, em primeiro lugar, apenas o inquilino.
A eventual execução contra fiador, após a demorada demanda declarativa (com os custos associados), só aconteceria muito mais tarde, desfasadamente, num momento em que o crédito já se encontraria satisfeito ou em que se teria entretanto consolidado negativamente – quiçá de forma irrecuperável – o arrastado e ininterrupto prejuízo económico para o (virtual) beneficiário da fiança” (fim de citação).
Subscrevemos as razões analisadas na apreciação que antecede, afirmando pois que há título executivo contra os fiadores, a partir dos documentos que integram o título e do teor – e nos termos do teor – da notificação judicial avulsa realizada nos autos. 
Consequentemente, deve a execução prosseguir também contra eles, procedendo o recurso nesta parte.

Por outro lado, quanto à divergência entre o que consta da notificação realizada aos fiadores e à arrendatária, impõe-se também definir se deve ocorrer, quanto aos fiadores, e para que se afirme o título executivo, e quais os seus limites, a notificação judicial avulsa.

A jurisprudência volta a divergir.

A posição negativa está defendida, entre outros, no acórdão proferido no processo 16777/13.0T2SNT-A.L1.6 desta Relação e no acórdão RP201303218676/09.7TBMAI-A.P1. Em sentido contrário, a posição do acórdão RP20110516515/10.2TBMAI-A.P1.

Entendemos que tendo sido propósito da lei agilizar o mercado de arrendamento, oferecendo garantias de celeridade e segurança aos senhorios, pese embora o dever de boa-fé que preside a qualquer contrato, e pese o princípio de que a posição do fiador não deve ser mais agravada que a do devedor, este último opera essencialmente no domínio das relações entre o devedor e o fiador, e aquele tanto é cumprido com a notificação judicial avulsa, como com a citação obrigatória prévia à penhora, que no caso tem lugar. Propendemos assim a considerar a existência de título executivo contra o fiador, mesmo que a notificação judicial avulsa apenas tenha sido dirigida ao arrendatário. 

Assim e em conclusão, importa revogar a decisão recorrida na parte sob recurso, excepto relativamente ao segmento em que julgou inexistir título executivo para a quantia de 3.500,00 € de indemnização por obras em falta, ordenando-se o prosseguimento dos autos.

Não tendo sido apresentadas contra-alegações e não havendo vencimento, não há lugar a condenação em custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V.-Decisão.

Nos termos expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso, e em consequência revogar parcialmente a decisão recorrida, na parte sob recurso, exceptuada a parte em que julgou inexistir título executivo para a execução da quantia de 3.500,00€ de indemnização por falta de realização de obras, ordenando o prosseguimento da execução contra a arrendatária e os fiadores. 

Sem custas.

Registe e notifique.



Lisboa, 27.10.2016



Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes
Fátima Galante
Decisão Texto Integral: