Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
592/06.0TBCSC.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: USUFRUTO
VENDA DE IMÓVEL
REGISTO
TERCEIROS DE BOA-FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I-O usufrutuário não tem apenas a faculdade de gozar plenamente a coisa, podendo transmitir o seu direito, pelo que, dentro do período de duração do usufruto, em vida da usufrutuária, pode esta fazer doação daquele seu direito;
II-Tendo a usufrutuária feito doação do imóvel a outrem, a nulidade de tal negócio será apenas parcial (no que toca à doação da nua propriedade), não inquinando todo o negócio, se não resultou demonstrado que este não teria sido concluído sem a parte viciada;
III-Só o doador está impedido de opor a nulidade do negócio ao donatário de boa fé;
IV-A nulidade da doação cede perante as regras do registo predial, na medida em que a transmissão do direito de propriedade sobre imóveis não registada é inoponível ao terceiro que levou ao registo a aquisição subsequente do mesmo transmitente;
V-Tal inoponibilidade não depende da boa fé do terceiro protegido pelo registo.
Sumário do Acordão (da exclusiva responsabilidade da relatora – art. 663, nº 7, do C.P.C.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


P...Jorge.A... (entretanto falecido) veio, em 12.1.2006, propor contra Águeda.G... (também entretanto falecida) e P...Alexandre.W.n H., ação declarativa sob a forma ordinária, pedindo a declaração de nulidade da escritura pública de doação outorgada a 13.7.2005, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, respeitante a imóvel pertencente ao A. desde 30.12.1975, bem como a restituição do dito imóvel e o cancelamento da respetiva inscrição junto da Conservatória do Registo Predial. Mais requer a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de danos morais.

Alega, para tanto e em síntese, que mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 30.12.1975, a 1ª Ré, sua tia, vendeu ao A. o imóvel sito no Bairro de Santo António, em …, concelho de …, tendo reservado para si o usufruto respetivo. Mais refere que, por incúria, não procedeu ao registo da aquisição. Tomou, entretanto, conhecimento de que a 1ª Ré doara, por escritura pública de 13.7.2005, o mesmo prédio ao 2º R., seu primo, facto que foi levado ao registo. Afirma que ambos os RR. sabiam que a nua propriedade do imóvel pertencia ao A., pelo que a doação feita é nula. Diz que com a situação descrita o A. sofreu danos morais, que computa em € 5.000,00.

Contestou o 2º R., P...H..., excecionando a ilegitimidade do A. porquanto o mesmo terá outorgado a escritura de compra e venda do imóvel no estado de casado com Sónia A..., no regime da comunhão geral de bens. Mais impugna a factualidade alegada e invoca que a escritura de doação foi por si outorgada de boa-fé, tanto mais que resultava da documentação apresentada que o prédio pertencia à 1ª Ré doadora. Mais defende que esta, mesmo depois de 30.12.1975, sempre agiu como proprietária plena do dito prédio, declarando rendas, requerendo isenção de IMI e liquidando impostos nessa qualidade, pelo que, em Julho de 2005, adquirira, de qualquer modo, o direito de propriedade sobre o imóvel por usucapião. Pede a procedência das exceções e a improcedência da causa.

Contestou a 1ª Ré, Águeda G., em termos em tudo idênticos, alegando ainda nunca ter entendido que tivesse alienado o imóvel e muito menos comunicado tal facto ao co-R.. Diz igualmente que o A. jamais agiu como proprietário do imóvel nem o registou em seu nome. Refere que a filha do A. e o marido são arrendatários do prédio, e figurando no contrato de arrendamento celebrado em 23.5.2001 a 1ª Ré como proprietária deste, não foi tal qualidade posta em causa. Pede, do mesmo modo, a procedência das exceções e a improcedência da causa.

A fls. 171, veio Sónia A... ratificar o processado.

O A. replicou, concluindo como na petição inicial.

Tendo entretanto falecido a 1ª Ré, Águeda G...., foi habilitada a prosseguir a causa, como sua única sucessora, Gertrudes H....

Foi elaborado despacho saneador, dispensando-se a seleção da matéria de facto.

Por seu turno, tendo também falecido o A., P...Jorge A...., foram habilitados a prosseguir a causa, como seus únicos sucessores, o cônjuge sobrevivo, Sónia A..., e as filhas, Patrícia...  e Sónia....

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 6.3.2015, nos seguintes termos: “(...)  julgo a presente acção procedente, por provada, e em consequência:

-Declaro nula a doação efectuada pela falecida Ré Águeda G. ao Ré P...H... titulada pela escritura outorgada em 13 de Julho de 2005, por ter sido de bem alheio;
-Condeno o Réu P...H... a restituir o imóvel ao Autor;
-Determino o cancelamento da inscrição do registo predial G3 referente ao imóvel ajuizado;
-Condeno a Ré Águeda G... (Nas pessoas dos seus herdeiros habilitados) a pagar ao Autor a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais sofridos;
-No demais peticionado, vão os Réus absolvidos.
Custas pelo A. (30%) e pelos RR. (70%) - (artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil). 

Fixo o valor da acção em € 17.508,81 – art.º 306.º do CPC.
(…).”

Inconformado, recorreu o 2º R., P...Alexandre...W.n H., culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões que a seguir se transcrevem:


A.Consta de fls. 6 da Sentença de fls… que não foram dados como provados:
-3. O 2.º R. sabia da existência do negócio de compra e venda referido em 2) dos factos provados;
-4. O 2.º R. sabia que lesava direito alheio.
(…)
-6. O R. P...H... ignorava a situação da venda prévia ao A. P... A....”

B.Na Sentença de fls…, a páginas 18, refere-se que “(…) não tendo o R. P...H... logrado provar que se encontrava de boa-fé (veja-se a resposta do Tribunal quanto à matéria de facto não provada) não poderia beneficiar da tutela registal concedida.
Tratando-se a boa-fé de matéria de exceção competia a este R. a sua prova, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova (cf. Art.º 342.º do CC), conforme já referido.” [sublinhado e negrito nossos]

C.A Sentença de fls…, a página 9, procura dar uma explicação para o referido em B, referindo que, “e se é certo que não se logrou provar que o 2.º R. sabia da situação de prévia venda, igualmente não se logrou apurar que o 2.º R. não sabia de tal situação. A prova produzido por ambas as partes não foi de molde a habilitar o Tribunal a formar a sua convicção em nenhum dos sentidos – facto não provado n.º 6 – funcionando nestes termos as regras gerais do ónus da prova. Sendo a boa-fé matéria de excepção competia ao R. a sua prova (art.º 342.º do CC)”.

D.Sucede porém que, como se reconhecerá, logrou-se demonstrar com a prova produzida e existentes nos Autos que, o Recorrente P...H..., desconhecia em absoluto a existência de um prévio negócio de compra e venda sobre o imóvel. 

De facto,
E.Consta da Contestação de fls… apresentada por Águeda de J. G., mormente dos artigos 29 e 30 da mesma que, o Réu P... Alexandre.H..., não sabia da existência da compra e venda. Trata-se de uma confissão da Ré, entretanto já falecida, mas que deveria ter sido tida em conta por parte do douto Tribunal e não o foi.

F.Ademais, resulta da prova produzida que a D. Águeda G... atuava com a consciência de ser proprietária do imóvel, tendo contratado autonomamente uma advogada para tratar da organização da documentação e marcação da escritura, tendo apresentado proposta de compra aos arrendatários das frações e tendo dito ao Recorrente que lhe ia dar a casa.

G.Os Autores, em momento algum, fizeram prova ou demonstraram que o ora Recorrente tinha conhecimento de tal negócio sendo que, aliás, ficou demonstrado nos Autos e pelos depoimentos acima referidos, que o Recorrente P...H... era, na data em que ocorreu a compra e venda, menor de idade.

H.São os próprios arrendatários que testemunham que sempre tiveram por proprietária do prédio a Sra. Águeda J...G... e não o Sr. P...J..., sendo que a mesma os questionou, pouco antes da Doação, sobre se estavam interessados em adquirir as frações que habitavam. Ora, se os próprios arrendatários que lá vivam há mais de 40 anos, desconheciam o negócio de compra e venda, como poderia sabê-lo o Réu se não mantinha qualquer contacto com a família há largos anos? Mais para mais, quando o contrato de compra e venda foi feito de forma subreptícia (sem se ter dado direito de preferência aos arrendatários), sem publicidade no registo predial e o contrato de arrendamento da própria filha dos Autores (P...A... e Sónia.A...) foi feito e assinado pela D.Águeda.J... G... na qualidade de Proprietária.

I.Ora, atendendo à prova testemunhal produzida e à credibilidade da mesma, resulta diáfano que o Recorrente se encontrava de boa-fé sendo que, tal conclusão decorre de forma clara atendendo a todos os aspetos da acção, como sejam, a data em que ocorreu o negócio de compra e venda (em que o mesmo era menor), a sua não relação com a família do Sr. P...A... e o facto de nem os arrendatários terem conhecimento de que o prédio não era propriedade da D.Águeda.J..., a qual atuava e se manifestava publicamente como proprietária do prédio e, até, chegou propor a compra das frações aos arrendatários que as habitavam, o que levanta a legítima questão de saber (que não foi objeto da presente acção), se tal negócio de compra e venda não terá sido objeto de simulação na altura em que ocorreu.

J.Desta forma, a Sentença de fls… deveria ter ido no sentido de considerar ter sido realizada prova de que, o ora Recorrente P... H..., se encontrava de boa-fé no momento da doação, uma vez que desconhecia a existência de um prévio negócio de compra e venda associado ao prédio em questão nos Autos, havendo assim um claro erro de julgamento que afeta a Sentença de fls…”

Pede seja reconhecido o erro de julgamento, “reconhecendo-se que a Sentença de fls… deveria ter proferido Decisão no sentido de que, o Recorrente P...H..., atuou de boa-fé, o que terá, necessariamente, implicações na Decisão a proferir”.

Em contra-alegações, as apeladas defendem, em súmula, o acerto do decidido.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***

II-Fundamentos de Facto:

A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:

1)Águeda de J...G... era tia de P...Alexandre... W.n H. (art.º 1.º da petição inicial).
2)Em 30.12.1975 foi outorgada escritura de compra e venda entre o falecido Autor, P...A..., e a falecida Ré Águeda J...G... referente à nua propriedade do prédio sito no António, freguesia de, concelho de…., descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …. e inscrito na matriz respectiva sob o artigo …. (art.º 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º da petição inicial).
3)Por incúria, o falecido A., P...A..., não procedeu ao registo da respectiva aquisição (art.º 7.º da petição inicial).
4)Tendo sido advertido para o fazer dentro do prazo estipulado como consta da escritura (art.º 8.º da petição inicial).
5)A falecida Ré, Águeda G..., reservou para si o respectivo usufruto do referido prédio (art.º 11.º da petição inicial).
6)Decorreram entretanto quase 30 anos (resposta restrita art.º 12.º da petição inicial).
7)Em 28.11.2005, o falecido A., P...A..., teve conhecimento de uma missiva enviada pelo 2.º R. ao arrendatário do R/C direito do aludido prédio (art.º 13.º da petição inicial).
8)Na qual, o 2.º R. dava conhecimento que havia adquirido a propriedade do prédio, fazendo referência ao registo do acto e na qual dá conta que não possui cópia do contrato de arrendamento referente àquela fracção (art.º 14.º e 15.º da petição inicial).
9)O arrendatário, genro do falecido A. deu-lhe conhecimento de tal missiva (art.º 16.º da petição inicial).
10)Em 28.11.2005, o falecido A., P...A..., dirigiu-se à Conservatória do Registo Predial, tendo constatado que existia uma doação registada a favor do 2.º R. (art.º 17.º da petição inicial).
11)Tendo nessa altura o falecido A. P...A... apresentou o registo da sua aquisição (resposta restrita ao art.º 18.º da petição inicial).
12)Em 13.07.2005, a falecida R., Águeda G..., outorgou escritura de doação do imóvel referido em 2) a favor do 2.º R., P...H... (resposta art.º 21.º da petição inicial e art.º 5.º e 6.º da contestação).
13)Em 16.12.2005, o falecido A. P...A... foi notificado do despacho da senhora conservadora dizendo que o seu registo tinha sido efectuado por dúvidas uma vez que tinha sido violado o princípio do trato sucessivo (art.º 22.º e 23.º da petição inicial).
14)Aquando da realização da escritura mencionada em 2) foi feita menção na mesma da exibição de fotocópia de licença de utilização do imóvel n.º 148 de 1963 emitida pela Câmara Municipal de Cascais, o que não ocorreu na escritura de doação mencionada em 12) (art.º 46.º e 48.º da petição inicial).
15)Em 27.12.2005, o arrendatário do R/C direito recebeu nova missiva do mandatário do 2.º R (art.º 54.º da petição inicial).
16)Em 23.05.2001 foi celebrado um contrato de arrendamento entre a 1.ª R., Águeda G..., e José ...Gonç..., o qual foi registado nas Finanças (art.º 57.º e 58.º da petição inicial).
17)A compra e venda ao A. P...A... e reserva de usufruto para a R. Águeda G... era um assunto conhecido no seio da família (art.º 61.º e 62.º da petição inicial).
18)A 1.ª R., a falecida Águeda G..., sabia do negócio celebrado em 2) e intencionalmente outorgou a escritura referida em 12) (resposta restrita ao art.º 98.º e 99.º da petição inicial).
19)O falecido A. P...A... quando tomou conhecimento da doação ficou surpreendido e aborrecido (resposta explicativa ao art.º 109.º da petição inicial).
20)Não obstante a relação familiar, nunca as partes tiveram grandes contactos (art.º 3.º da contestação).
21)Em 28.06.2005, foi solicitada certidão da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais do imóvel ajuizado (art.º 18.º da contestação).
22)À data da emissão de tal certidão, consta da apresentação n.º 15752 que “Fica inscrito a favor de Águeda J...G..., solteira, maior, doméstica, residente em Lisboa, na Rua D. ..., n.º ..., ....º esquerdo (…)” (art.º 19.º da contestação).
23)Igual informação constava à data da caderneta predial do imóvel (art.º 21.º da contestação).
24)Após a celebração da escritura de compra e venda mencionada em 2) e 5), foi a R. Águeda J...G... quem cobrou as rendas dos inquilinos, passou recibos, declarando os respectivos rendimentos às Finanças, celebrou contratos de arrendamento, requereu a isenção do IMI, liquidou os impostos sobre o imóvel, realizou obras necessárias (resposta restrita aos art.º 55.º a 60.º e art.º 67.º da contestação).
25)O A. nunca participou a propriedade do imóvel às Finanças (art.º 62.º da contestação).
                                    ***
III-
Fundamentos de Direito:

Cumpre apreciar do objeto do recurso.
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o seu âmbito. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Compulsadas as conclusões da apelação cumpre apreciar:
-da impugnação da matéria de facto;
-da subsunção jurídica.

A)Da impugnação da matéria de facto:
O recorrente assenta o essencial do seu recurso na discordância quanto à decisão da matéria de facto. Assinalando os pontos 3, 4 e 6 dos factos considerados não provados, conclui que, ao contrário do decidido, foi feita prova de que o 2º R. desconhecia em absoluto a existência de um prévio negócio de compra e venda sobre o imóvel.

Invoca para o efeito a confissão constante dos artigos 29º e 30º da contestação da 1ª Ré e os depoimentos de Ana, Maria, Ana, Maria e Ana..., desvalorizando o depoimento da A. Sónia A....

Por seu turno as recorridas pugnam pela manutenção do decidido.
De acordo com o princípio consagrado no art. 607, nº 5, do C.P.C. de 2013, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Assim, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.

Os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto foram, por seu turno, largamente ampliados e reforçados pelo C.P.C. de 2013, como decorre do seu atual art. 662, no confronto com o anterior art. 712 do C.P.C. 1961, configurando-se agora a reapreciação da decisão de facto nesta instância como um verdadeiro novo julgamento.

No entanto e ao mesmo tempo, tal como antes, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas regras, regras essas que surgem agora mais precisas que no anterior C.P.C. de 1961.

Assim, de acordo com o art. 640, nº 1, do C.P.C. de 2013, ao recorrente que impugne a matéria de facto caberá indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (aos quais deve, como antes, aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões), especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e propor, ainda, a decisão alternativa sobre cada um deles. A não observância de tais regras implicará a rejeição imediata do recurso.

O apelante não faz uma rigorosa aplicação das regras estabelecidas, e alinha de forma confusa a sua argumentação recursiva, mas admite-se que deixa minimamente clara a sua pretensão neste domínio ao assinalar nas conclusões os pontos 3, 4 e 6 dos factos considerados não provados e ao referir que foi feita prova de que o 2º R. desconhecia em absoluto a existência de um prévio negócio de compra e venda sobre o imóvel tendo em conta a confissão da 1ª Ré e os depoimentos referidos nas alegações.

Sem nos adiantarmos aqui sobre a relevância do facto para a decisão de mérito, passemos então à análise da impugnação feita, depois de ouvidos os depoimentos prestados e vistos os autos.
Na sentença deu-se como não provado que: “O 2.º R. sabia da existência do negócio de compra e venda referido em 2) dos factos provados” (ponto 3), “O 2.º R. sabia que lesava direito alheio” (ponto 4) e “O R. P...H... ignorava a situação da venda prévia ao A. P...A...” (ponto 6), afirmando o recorrente que foi feita prova de que o 2º R. desconhecia em absoluto a existência de um prévio negócio de compra e venda sobre o imóvel.

Argumenta, em primeiro lugar, com a confissão constante dos artigos 29º e 30º da contestação da 1ª Ré Águeda e, depois, com os depoimentos de Ana...M..., Maria ...S..., Ana...P..., Maria A...C..., Ana ...R..., desvalorizando o depoimento da A. Sónia A....

No que respeita à confissão é manifesta a sem razão do apelante.
De acordo com a definição constante do art. 352 do C.C., “Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.

A alegação por parte da 1ª Ré de que o 2º R., P...H..., não sabia da existência da compra e venda do imóvel (realizada a favor do A. em 1975) é matéria que, obviamente, não corresponde à admissão de qualquer facto que seja desfavorável à tese da defesa de nenhum dos demandados (trata-se, aliás, da argumentação de suporte destes à subsistência e eficácia da doação entre si outorgada em 2005) e muito menos favorece a posição do A....

Donde, nenhuma relevância probatória decorre de uma tal alegação.

Por seu turno, da apreciação global dos depoimentos assinalados não resulta que o R. P...H... desconhecesse a existência de um prévio negócio de compra e venda sobre o imóvel.

A testemunha Ana...M..., Advogada que tratou da documentação necessária à realização da doação e marcou a escritura pública, limitou-se a afirmar que apenas conheceu o 2º R. no dia da referida escritura e que não se apercebeu de que, com tal ato negocial, se visasse o prejuízo de outrem, sendo que dos elementos por si recolhidos e consultados constatou que a proprietária do imóvel era a falecida Ré Águeda.

As testemunhas Maria , Ana  e Maria  são arrendatárias, ou familiares de arrendatários, de fogos no prédio em causa há vários anos. Apenas disseram que sempre consideraram a Ré Águeda como sendo a senhoria a quem era paga a renda e a pessoa que tomava as decisões relativas ao imóvel, não conhecendo o A. como proprietário deste mas como sobrinho da mencionada Águeda.

Mencionaram, ainda, que a mesma perguntou aos inquilinos, pouco antes da referida doação, se estariam interessados em adquirir os andares correspondentes no imóvel. Estes depoimentos mostraram-se credíveis e não colidem com o facto, julgado assente sob o ponto 17 supra (e não impugnado), de que a compra e venda ao A. P...A... com reserva de usufruto a favor da Ré Águeda era um assunto conhecido no seio da família, mas nada nos adiantam sobre o conhecimento que, em concreto, o 2º R. teria ou não da escritura outorgada em 1975.

Somente a testemunha Ana P..., mulher do R. P...H... que terá conhecido em 2004, afirmou que este não sabia da venda anterior do imóvel. Trata-se, em qualquer caso, de um depoimento prestado por quem tem manifesto interesse no desfecho da lide, pelo que, não existindo qualquer outro suporte na prova produzida, se revela como manifestamente insuficiente para permitir concluir, com um mínimo de segurança, que o 2º R. desconhecia a existência do pretérito negócio respeitante ao imóvel.

De resto, a dúvida sobre o facto sempre teria de persistir tendo em conta a demonstração acima referida de que esse anterior negócio era conhecido no seio da família conjugada com a circunstância da mãe do 2º R., a habilitada Gertrudes...H., ser irmã da falecida Águeda. Ou seja, apesar de se comprovar que, não obstante a relação familiar, as partes nunca tiveram grandes contactos (ponto 20 supra), é plausível admitir que pelo menos a dita Gertrudes H... teria conhecimento da compra e venda de 1975 (segundo foi referido, o 2º R. seria, a essa data, ainda menor de idade).

Finalmente, cumpre referir que não se deteta que, como foi invocado nas alegações, os pontos 3 e 4 não provados estejam em contradição com o ponto 6 não provado.

Com efeito, a resposta negativa a um facto não significa a prova do contrário, mas apenas que não se provou o facto controvertido, seja porque nenhuma prova se produziu sobre ele, seja porque a produzida se revelou insuficiente para convencer o tribunal da respetiva veracidade([1]).

Por conseguinte e em suma, perante os elementos disponíveis e à luz das regras da experiência, não pode ter-se como comprovado, com o mínimo de certeza exigível – com o alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida, na terminologia de Antunes Varela([2]) – que o 2º R. desconhecia em absoluto a existência de um prévio negócio de compra e venda sobre o imóvel, conforme se reclama no recurso.

Nenhuma censura nos merece, pois, a resposta correspondente ao ponto 6 dos factos considerados não provados, por ser a mais plausível e consentânea com os meios de prova referidos.

Deste modo e em conclusão, improcede o recurso nesta vertente, com o que se mantém inalterada a factualidade assente em 1ª instância.

B)Da subsunção jurídica:

Aqui chegados, resta saber se, mantendo-se a factualidade provada em 1ª instância, será a mesma a solução de Direito.

Recordemos, em síntese e no que aqui releva, que o falecido A. P...A... veio pedir a declaração de nulidade da doação outorgada por escritura pública de 13.7.2005 a favor do 2º R., P...H..., referente ao imóvel identificado no ponto 2 supra, bem como a sua restituição e o cancelamento da respetiva inscrição junto da Conservatória do Registo Predial. Alega que, mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 30.12.1975, a demandada Águeda G..., sua tia, lhe vendeu a nua propriedade de tal imóvel, reservando para si o usufruto respetivo, e que o A. não procedeu ao registo daquela aquisição. Mais refere que cerca de 30 anos depois, por escritura pública de 13.7.2005, a referida Ré veio a fazer doação do mesmo prédio ao 2º R., P...H..., seu primo, facto que foi levado ao registo. Afirma que ambos os RR. sabiam que a nua propriedade do imóvel pertencia ao A., pelo que a dita doação é nula.

Comprovada que foi a realização dos sucessivos negócios indicados – isto é, que a Ré Águeda.G... vendeu ao A. P...A..., mediante escritura pública de compra e venda celebrada em 30.12.1975, a nua propriedade do imóvel identificado, reservando para si o usufruto respetivo, e que a mesma Ré doou, por escritura pública de 13.7.2005, a propriedade do dito imóvel ao 2º R., P...H... –e a falta de inscrição no registo do primeiro deles, foi a ação julgada procedente na sentença, declarando-se a nulidade da doação e ordenando-se a restituição do imóvel ao A., bem como o cancelamento do registo.

Salvo o devido respeito, não podemos concordar com o entendimento seguido.

Analisando.

Antes de mais, na sentença julgou-se nula a doação do imóvel porque respeitante a coisa alheia, tendo em conta o art. 956 do C.C., visto que o falecido A. P...A... era o proprietário de raiz do prédio e a Ré Águeda, doadora, apenas usufrutuária, não podendo, por isso, dispor do bem.

“O usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma e substância” (art. 1439 do C.C.).

Trata-se de um direito real de gozo que onera um direito real de base, por regra a propriedade, que, nessas condições, se designa como nua propriedade ou propriedade de raiz. Coexistem, pois,os dois direitos, sendo o de propriedade comprimido pelo usufruto.

Como nos explica Menezes Cordeiro, o usufrutuário não tem apenas a faculdade de gozar plenamente a coisa, podendo transmitir o seu direito (ao contrário do que sucedia no direito romano, em que o usufruto era estritamente pessoal e inalienável) se outra coisa não resultar do título, tendo, assim, o usufrutuário “as faculdades de disposição, transformação, recolha ou indemnização por benfeitorias ou outras”([3]).

Dispõe, com efeito, o art. 1444, nº 1, do C.C., que: “O usufrutuário pode trespassar a outrem o seu direito, definitiva ou temporariamente, bem como onerá-lo, salvas as restrições impostas pelo título constitutivo ou pela lei.”

Explicam-nos também Pires de Lima e Antunes Varela que o legislador escolheu, em vez do termo “ceder”, “propositadamente um termo mais genérico e menos comprometido (trespassar… o seu direito, definitiva ou temporariamente), capaz de abranger todas as formas em que é possível desdobrar-se a atribuição do usufruto a terceiro (mediante compra e venda, doação, locação, comodato, dação em cumprimento, etc.). (…).”([4])

Deste modo, no caso, mantendo-se a Ré Águeda como usufrutuária do imóvel após a escritura de compra e venda do imóvel levada a cabo em 1975, era a mesma livre de dispor do seu direito sobre o referido bem por força do disposto no referido art. 1444, nº 1, do C.C.. Ou seja, dentro do período de duração do usufruto, em vida da usufrutuária (art. 1476, nº 1, al. a), do C.C.), podia esta fazer doação daquele seu referido direito, não podendo falar-se de nulidade da doação nessa parte.

Assim sendo, a nulidade da doação em apreço seria apenas parcial –somente quanto à doação da nua propriedade do imóvel, alienada ao A. P...A... – não inquinando todo o negócio, tanto mais que não resultou minimamente demonstrado que este não teria sido concluído sem a parte viciada (cfr. art. 292 do C.C.).

De acordo ainda com o disposto na parte final do art. 956, nº 1, do C.C., só o doador está impedido de opor a nulidade do negócio ao donatário de boa fé, pelo que o A. poderia invocar tal vício perante o aqui 2º R., P...H..., estivesse este ou não de boa fé.

Sucede, porém, que a questão fulcral em debate é a de saber se, não tendo o A., adquirente da nua propriedade sobre o imóvel dos autos, inscrito essa sua aquisição no registo predial, pode opor ao R. P...H..., que recebeu depois da mesma primitiva titular doação do direito de propriedade plena sobre o referido bem e registou o facto, a nulidade, ainda que parcial, da doação com fundamento em doação de coisa alheia.

Trata-se de articular a existência do vício do negócio com a problemática do registo e a sua oponibilidade a terceiros.

Na sentença entendeu-se, a nosso ver corretamente, que não tinha aplicação à situação sub judice o art. 291 do C.C. que protege os direitos adquiridos, a título oneroso, por terceiro de boa fé da declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico respeitante a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.

Assim, apoiando-se no Ac. do STJ de 21.6.2007([5]), concluiu-se que a noção de terceiro constante deste normativo é diversa da noção de terceiro constante do art. 5 do Código de Registo Predial.

Acompanhamos o entendimento.

Nos termos do art. 291, nºs 1 e 3, do C.C., a declaração de nulidade do negócio jurídico respeitante a bens imóveis não prejudica os direitos adquiridos sobre eles a título oneroso por terceiro de boa fé, desconhecedor do vício sem culpa no momento da aquisição, no caso do registo da aquisição ser anterior ao registo da respetiva ação de nulidade. Os direitos de terceiro não serão, todavia, reconhecidos se a ação for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291, nº 2).

Este normativo respeita às situações em que alguém, por exemplo, vende a outrem um imóvel, por contrato nulo ou anulável, e este último o vendeu, por sua vez, ainda a um terceiro. O que se pretende é proteger o terceiro adquirente do efeito da declaração da nulidade ou anulabilidade do primeiro contrato. Como se diz no aresto citado: “O terceiro a que este artigo se reporta é, pois, o sub-adquirente posterior à celebração do primeiro contrato afectado de nulidade por ilegitimidade substantiva, portanto no quadro de aquisição a non domino.”

O conflito é entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente.

Ainda que assim não fosse, o 2º R. jamais poderia prevalecer-se do mencionado art. 291 do C.C., posto que adquiriu o seu direito sobre o imóvel em apreço a título gratuito e a presente ação de nulidade foi proposta e registada em Janeiro de 2006 (ver fls. 261 e 263 dos autos) dentro dos três anos subsequentes à conclusão do negócio (13.7.2005).

É diverso, no entanto, o conceito de terceiro para efeito de registo predial.

De acordo com o art. 1 do C.R.P.: “O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”.

A transferência de direitos reais sobre coisas determinadas dá-se, em regra, por efeito do contrato (art. 408 do C.C.). Já o registo respeita à declaração e publicidade desses atos, tem por fim dar conhecimento da sua existência.

“(…)O registo dirige-se, pois, mais à publicidade do que à plenitude da garantia, o que se reporta ao seu caráter declarativo, buscando-se a publicidade da aquisição, competindo aos interessados tomar as respetivas precauções. O instrumento da precaução assenta em ser o registo condição de oponibilidade do direito, conforme o registo o demarcou, perante terceiros com pretensões colidentes ou contraditórias. Portanto, age acauteladamente quem regista, sob pena de consequências que sibi imputant. (…)”([6]).

A aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está, sem dúvida, sujeita a registo (art. 2, nº 1, al. a), do C.R.P.).

Estabelece, por seu turno, o art. 5 do C.R.P. (na versão vigente à data da doação e da propositura da ação, que lhe foi dada pelo DL nº 533/99, de 11.12), sob a epígrafe “Oponibilidade a terceiros”, que:

“1-Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
2-Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) A aquisição, fundada na usucapião, dos direitos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º;
b) As servidões aparentes;
c) Os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados.
3-A falta de registo não pode ser oposta aos interessados pelos seus representantes legais a quem incumba a obrigação de o promover, nem pelos herdeiros destes.
4-Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.”
De acordo com o art. 6, nº 1, do mesmo Código, “O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes”, estabelecendo ainda o art. 7 que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

Ou seja, prevalece o direito primeiramente inscrito, valendo o registo definitivo como presunção, ilidível embora mediante prova em contrário (art. 350 do C.C.), de que o direito existe conforme registado.

Depois de grande controvérsia jurisprudencial, o já referido DL nº 533/99, de 11.12, aditou ao art. 5 do C.R.P. um nº 4, aí consagrando que “Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”.

Diversamente do que dissemos com relação ao art. 291 do C.C., estamos aqui perante situações de conflito entre dois adquirentes de um mesmo transmitente.

Voltando ao Ac. do STJ acima citado, o nº 4 do art. 5 do C.R.P. respeita a “(…) situações em que ocorre uma relação triangular consubstanciada em dupla transmissão pelo mesmo alienante de um bem imóvel ou de um bem móvel sujeito a registo a um primeiro transmissário, que não inscreve no registo a aquisição, e depois a um segundo, que opera a respectiva inscrição registal.

São situações de conflito entre dois adquirentes, é válido o primeiro negócio de transmissão e não o segundo, mas o primeiro adquirente não pode opor ao segundo a sua aquisição, porque ela não constava no registo, e o último não podia, dada a fé pública derivada do registo, conhecer que o alienante já não era o titular do direito em causa.

Mas este conceito de terceiro para efeito do registo, tal como acima se referiu, não coincide com o conceito de terceiro a que se reporta o artigo 291º do Código Civil, porque na primeira situação o conflito é entre dois adquirentes e, na segunda, o conflito ocorre entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente.

Na primeira situação é pressuposta a validade do primeiro negócio de transmissão e na segunda a sua invalidade, ali é protegida a confiança do adquirente nos dados constantes no registo, e aqui é protegida a estabilidade dos negócios jurídicos em termos de excepção ao disposto no artigo 289º, nº 1, do Código Civil. (…)”.

Ora, fazendo aplicação ao caso de quanto deixamos dito, logo vemos que não pode sufragar-se a solução preconizada na sentença que é, de resto e estranhamente, contrária à posição ali assumida, de forma expressa, de que nos encontramos no domínio do art. 5 do C.R.P. e não do art. 291 do C.C..

Assim, e aceitando que para efeitos do art. 5 do C.R.P. nenhuma distinção é feita entre negócios onerosos ou gratuitos, temos que o A. P...A... passou a ser validamente proprietário da nua propriedade do prédio dos autos na sequência da venda que lhe foi feita pela falecida Ré Águeda.G..., por escritura pública de 30.12.1975. Desse modo, a subsequente doação feita da propriedade plena desse imóvel pela dita Ré ao ora recorrente P... H..., por escritura pública de 13.7.2005, corresponde a doação de coisa alheia em parte, nessa medida nula, posto que a doadora só podia dispor do usufruto de que era titular (e não também da nua propriedade que já alienara).

Sucede, contudo, que o A. P...A... não procedeu ao registo da aquisição do direito de nua propriedade sobre o prédio em causa (apesar de advertido para o fazer na escritura pública – pontos 3 e 4 supra) e o R. P...H..., ora apelante, procedeu ao registo da ulterior doação que lhe foi feita do mesmo imóvel (pontos 10 e 12 supra).
Este último é, por conseguinte, o terceiro a que se alude no art. 5 do C.R.P..

Assim sendo, subsiste a seu favor a presunção derivada do registo, uma vez que o A. P...A..., primeiro adquirente, não lhe pode opor a aquisição anterior da nua propriedade já que esta, por não registada, não produz quanto a ele quaisquer efeitos.

Prevalece, pois, a prioridade do registo a favor do apelante que, por força do art. 5 do C.R.P., não pode ser ilidida. Isto é, a nulidade da doação cede perante as regras do registo predial, na medida em que a transmissão do direito de propriedade sobre imóveis não registada é inoponível ao terceiro que levou ao registo a aquisição subsequente do mesmo transmitente.

A fazer-se a interpretação seguida na sentença – de que era ilidível, na situação sub judice, a presunção constante do registo a favor do donatário, uma vez comprovada a nulidade do negócio subjacente – deixava-se sem sentido útil a norma constante do art. 5 do C.R.P., tanto mais que a referida norma nenhuma alusão faz sequer à boa fé do terceiro protegido pelo registo. Isto é, a inoponibilidade de que falamos não depende da boa fé do terceiro protegido pelo registo.

Tem, por isso, forçosamente de improceder a pretensão formulada pelo A. e suas habilitadas no confronto do 2º R. ora recorrente, não podendo manter-se o sentenciado.

***

IV-Decisão:

Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que declarou nula a doação outorgada em 13.7.2005, condenou o R. P...H... a restituir o imóvel ao A. e determinou o cancelamento da inscrição no registo predial, absolvendo, na correspondente medida, os RR. do pedido.
Custas pelo apelante.
Notifique.

***
                                                                                                       Lisboa, 26.4.2016
                                                                                                    

Maria da Conceição Saavedra 
Cristina Coelho
Maria do Rosário Morgado

                                              
[1]Cfr. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., 1997, pág. 236.
[2]“Manual de Processo Civil”, 2ª ed., págs. 435/436.
[3]“Direitos Reais”, 1979, pág. 651.
[4]“Código Civil Anotado”, 2ª ed., Vol. III, pág. 471.
[5]Proc. 07B1847, relatado por Salvador da Costa, disponível em www.dgsi.pt.
[6]J. A. Santos, “Novo Código de Registo Predial – 2002”, Anotado e Comentado, 2ª ed., pág. 16.