Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4307/21.5T8SNT.L1-4
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO
JUSTA CAUSA
FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1 - A anuência de ré sociedade a condições contratuais alegadas pelo autor, mormente através de ré que era Presidente do seu Conselho de Administração, é um facto eminentemente pessoal de ambas, sobre cuja correspondência com a realidade aquelas estão em posição de se pronunciar, pelo que, não o negando, e antes exprimindo dúvida sobre ele, tem-se tal facto como confessado por força do disposto no art.º 574.º, n.º 3 do CPC.

2- Ocorre justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador se, na respectiva data, em 31/08/2020, estavam em mora diferenças na retribuição base à razão de 500,00 € por mês, desde Janeiro de 2015, no total de 39.500,00€, acrescido das relativas a subsídios de férias e de Natal, e ainda a quantia de 3.083,00€ a título de crédito por formação profissional não proporcionada.

(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
AAA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BBB e CCC, pedindo que:
a) Seja considerada lícita a resolução do contrato de trabalho pelo A. e em consequência ordenado o pagamento da indemnização prevista no art.º 396.º do CT, fixando o seu valor em 45 dias, atenta a gravidade dos comportamentos;
b) Sejam condenadas as RR. solidariamente no pagamento do valor da remuneração base do A. de acordo com as condições acordadas na sua admissão, no montante total de €39.500,00, e consequente regularização junto da Segurança Social;
c) Sejam condenadas as RR. solidariamente no pagamento dos prémios acordados aquando da admissão do A., no montante total de €32.500,00, e consequente regularização junto da Segurança Social;
d) Seja condenada a R. no pagamento ao A. das verbas que deixou de auferir por conta da sua falsa integração no regime de lay off simplificado, no montante total de €2.829,10;
e) Seja condenada a R. no pagamento das horas de formação não ministradas ao A., no montante total de €5.047,50.
Alega o A., em síntese, que a 1.ª R. não respeitou as condições remuneratórias consigo acordadas, quer quanto à retribuição mensal, quer quanto ao pagamento de prémios, pelo que deve ser condenada no pagamento dos valores respectivos. Mais alega que estes incumprimentos, juntamente com outros comportamentos da 1.ª R., que descreve, justificam a resolução do contrato de trabalho efectuada pelo A. em 31/08/2020. Demanda a 2.ª R. nos termos dos art.ºs 335.º do CT e 30.º do CPC, por ser accionista maioritária da 1.ª R. e sua Presidente do Conselho de Administração à data da celebração do contrato de trabalho.
As RR. apresentaram contestação, onde, além do mais, afirmam:
«5. No que concerne ao alegado pelo Autor nos artigos 1.º a 15.º, da petição inicial, esclarecem as Rés que a actual administração desconhece, por completo, os emails juntos pelo Autor como documento n.º 1, da sua petição inicial, ou o compromisso assumido com o Director Comercial à data,
6. Sendo que a Ré BBB apenas tomou conhecimento do teor de tais e-mails aquando da citação da presente acção.
7. Com efeito, o actual Presidente do Conselho de Administração, Senhor Dr. LB, apenas assumiu as suas funções em Maio de 2018 e o vogal, Senhor Dr. BS assumiu funções em Abril de 2019, reiterando a Ré BBB que nenhum dos dois foi confrontado anteriormente com tal situação, existindo, nos arquivos da entidade patronal a Ré BBB, tão só e apenas um contrato assinado pelo colaborador,
8. E de onde consta, na sua cláusula 4.ª, que este auferirá uma retribuição mensal ilíquida de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
9. Nesta conformidade, desconhece a actual Administração se a anterior administração anuiu naquelas condições, ou se recusou, o que a Ré sabe é apenas que existe um contrato assinado, com o Autor, com as condições nele plasmadas.
10. Assim sendo, e não podendo, naturalmente o anterior Director Comercial comprometer a Ré BBB em condições contratuais para as quais não tinha poder nem legitimidade para o efectuar, reitera a Ré, uma vez mais que desconhece qualquer posição da anterior administração,
11. Para além de que não existem registos de concordância ou discordância em relação a tais condições.
(…)
121. No que diz respeito à 2.ª Ré, esta reproduz, por uma questão de economia processual, integralmente tudo quanto foi supra exposto, nos artigos 1 a 110.º, da presente contestação (…)»
Mais alegam as RR. que, em virtude do exposto, não foram pagos os aumentos de retribuição e os prémios reclamados, sendo que, relativamente a estes, não foram sequer estabelecidos objectivos face à difícil situação económica da empresa. Impugnam os fundamentos que o A. invoca para justificar a resolução do contrato de trabalho e sustentam que são irrelevantes os que não foram invocados na carta respectiva. No que concerne a formação profissional, o A. tinha um crédito de €1.811,21, que não tem de ser pago em virtude de ter denunciado o contrato de trabalho sem observância do aviso prévio, estando prescritos os créditos anteriores. Excepcionam a ilegitimidade da 2.ª R., por não se verificarem os pressupostos legais invocados. Terminam, pedindo a improcedência da acção.
O A. veio requerer a condenação das RR., por litigância de má fé, no pagamento duma indemnização a favor do A. e do Estado no montante de €10.000,00, e veio responder à matéria das excepções.
No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade da 2.ª R..
Realizada a audiência de julgamento, pelo Mmº Juiz a quo foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgando licita a resolução do contrato de trabalho operada pelo A. AAA, decide-se condenar a Ré BBB no pagamento ao Autor, das seguintes quantias:
A) €39.500,00 € (trinta e nove mil e quinhentos euros) de retribuições em falta (com a consequente correção junto da Segurança Social e da Autoridade Tributária) e nos inerentes acréscimos nos subsídios de férias e de natal que se mostrarem em falta;
B) €32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos euros) de prémios não pagos entre os anos de 2014 a 2020 (excepto 2016);
C) €3083,00 (três mil e oitenta e três uros) a título de créditos de formação profissional não gozados;
D) €16 554,02 (dezasseis mil quinhentos e cinquenta e quarto euros e dois cêntimos) relativos a indemnização por antiguidade de 16.06.2014 a 31.08.2020, calculada em 20 dias por cada ano de trabalho, atendendo a que deve considerar-se de baixa gravidade a ilicitude com que a Ré atuou.
E) Estas quantias serão acrescidas de juros de mora, computados à taxa legal de 4% e sucessivas taxas legais em vigor, desde o respetivo vencimento até efetivo e integral pagamento.
F) Absolve-se a Ré CCC de todos os pedidos contra si formulados;
G) Absolve-se a Ré BBB dos demais pedidos contra si formulados.»
A 1.ª R. veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
(…)
O A. apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Observou-se o disposto no art.º 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o previsto no art.º 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:
- alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- retribuição base e prémios devidos ao A.;
- resolução pelo A. do contrato de trabalho com justa causa.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1. Em Maio de 2014 o trabalhador integrou um processo de recrutamento da sociedade R. para o lugar de Export Manager.
2. O processo de recrutamento do A. foi feito por FR, no exercício das suas funções de Business General Director na R., com o conhecimento e acordo da R. BBB.
3. Em 19 de Maio de 2014, FR enviou a FF, com conhecimento da 2.ª R., o e-mail junto a fls. 16 v.º e 17, onde consta:
“Estimado FF
No seguimento dos contactos mantido confirmo o total interesse na integração do FF para os quadros da BBB. A proposta é para a função de Export Manager, tendo responsabilidade directa sobre todos os mercados de Exportação excepto Angola, poderá também ser necessário algum apoio no mercado nacional, o reporte será directamente a mim, junto anexo a descrição de funções.
Esperamos sinceramente que o seu desempenho profissional na BBB evolua qualitativamente por forma a que os seus níveis de responsabilidade evoluam também. O foco da BBB são os mercados externos, é exatamente nessa área de negócio que aspiramos o forte envolvimento, participação do ... para o desenvolvimento das nossas vendas.
A nossa proposta é a seguinte:
Salário mensal de 3,500 x 14
Bónus anual de acordo com objectivos a concordar entre as partes 10,000€
Utilização de acordo com a política da CIA:
Veículo
Suporte das despesas de deslocação ou subsídio de refeição quando em Portugal
Telemóvel
Computador portátil”
4. Ao referido e-mail respondeu o A. a FR, também dando conhecimento à 2.ª R., que: “Quanto às condições oferecidas eu só solicitaria, por favor, a analise, pela vossa parte, da alteração da retribuição de base mês para 4.000,00€, estou disponível para reduzir o bónus anual.”
5. Tendo recebido a seguinte resposta de FR, junta a fls. 16, com o conhecimento da 2.ª R.:
“Efectivamente estamos disponíveis para fazer um esforço e garantir a sua integração na Equipa da BBB assim sendo propomos que:
2014
Salário mensal de 3,500 x 14
Bonús anual de acordo com objectivos a concordar entre as partes 10,000€
A partir de 1 de Janeiro 2015
Salário mensal de 4,000€ x 14
Bonús anual de acordo com objectivos a concordar entre as partes 5,000€”
6. Em 21 de Maio de 2014, o A. enviou e-mail a (...), com conhecimento da 2.ª R., onde afirmou aceitar as condições propostas e fixou a sua entrada no dia 16 de Junho de 2014.
6-A. A administração da 1.ª R. anuiu àquelas condições. (aditado nos termos do ponto 3.3.)
7. Da cláusula quarta do contrato de trabalho que veio a ser celebrado entre as partes consta:
“1. Como remuneração pelo trabalho prestado, a primeira outorgante pagará ao segundo a retribuição mensal ilíquida de € 3500,00 (três mil e quinhentos euros) sujeito a todos os descontos estabelecidos por Lei, nomeadamente segurança social e IRS e subsídio de alimentação € 6,41 (seis euros e quarenta e um cêntimos) por cada dia completo de trabalho.
2. (…)
3. O Segundo Outorgante auferirá um bónus anual sempre que, de acordo com os objectivos estabelecidos anualmente pela primeira outorgante, reúna as condições para auferir tal gratificação como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos, o qual ficará sujeito a todos os descontos legais.”
8. A R. não actualizou o vencimento base do A. para os €4.000,00 acordados durante o ano de 2015, nem durante os anos de 2016, ou 2017, ou 2018, ou 2019 ou 2020.
9. A R. não procedeu ao pagamento dos prémios de 2014 (10.000,00€), 2015 (5.000€), 2017 (5.000€), 2018 (5.000€), 2019 (5.000€), 2020 (2,500€).
10. Em Maio de 2018, a R. apresentou um PER neste mesmo Tribunal, que correu como proc. n.º 16935/18.
11. Posteriormente, em Maio de 2019, a R. apresentou-se à insolvência neste mesmo Tribunal, tendo o referido processo corrido como n.º 7352/19.7T8SNT.
12. Tal processo foi encerrado em 09/12/2019.
13. A R. chegou a acordo com todos os credores e aprovou assim um plano de pagamentos.
14. Já em contexto de pandemia, veio o A. a ser integrado pela sociedade R. no regime de lay off, desde 14 de Abril de 2020 até 31 de Agosto de 2020, data em que cessou o seu contrato de trabalho.
15. Em 31/08/2020, o A. resolveu o seu contrato de trabalho, enviando à R. missiva com os seguintes fundamentos:
“Assunto: Declaração de resolução de Contrato de Trabalho
Exmºs Senhores,
Serve a presente para, nos termos e para os efeitos do previsto nos art.ºs 394º, 395º e 396º, do Código do Trabalho, adiante CT, vos notificar da decisão por mim tomada de, com efeitos imediatos, fazer cessar, com justa causa, o contrato de trabalho que tenho mantido com essa organização empresarial.
Pesa na minha decisão, em primeiro lugar, o facto de me manterem prolongada no tempo, voluntária e dolosamente, a falta de pagamentos diversos de ordem retributiva, tais como o salário mensal convencionado aquando da minha admissão, para ser processado e pago a partir de 1 de Janeiro de 2015, pelo valor de €4.000.00; também as férias e os subsídios de férias e os subsídios de natal, respectivos, que – com a penalização das férias pelo valor legal de 3 vezes - faz corresponder tudo isto ao valor global de €51.000,00.
A outro passo, também não me foram pagos, ainda, pela actual Administração, quaisquer valores correspondentes aos bónus anuais convencionados de €5.000,00/ano, a partir de 1 de Janeiro de 2015, o que corresponde ao valor de €20.000,00, a que acresce, ainda, o diferencial não pago para os €10.000,00 estabelecidos para 2014 e €5.000,00, posteriormente, de que não se tendo disponíveis elementos fiáveis de liquidação, se estimam em mais €12.000,00; tudo perfazendo a título de bónus não pago o valor global de €32.000,00.
De igual modo é uma realidade objectiva não ter sido cumprida a legislação relativa a formação profissional (vd. Art.º 131º, do CT), em todo o período da duração do contrato (7 anos) o que significa, agora, o pagamento de 250 horas, ou seja, o valor global a este propósito de €5.047,50, que o signatário também detém como crédito.
Releva, ainda, na minha decisão:
- o facto de, não tendo sido pagos correctamente os valores retributivos, ao longo do tempo, subsistir, mais tarde, para o signatário, a penalização objectiva da sua reforma;
- o facto de a Administração ter colocado o signatário numa posição complexa perante os principais Clientes com os quais negociava (S, JM, JB, AG, etc) aquando da tramitação dos Proc.ºs n.ºs 7352/19.7T8SNT e 16935/18.1T8SNT, situação que lhe causou danos reputacionais e económicos;
- a ameaça sistemática, por parte do PCA, da substituição da Equipa por outra não identificada, nomeadamente afirmando que “a empresa não é a Santa Casa e, no final do ano, vão ser tiradas consequências…”;
- alteração das funções de PF (Assistente das Vendas) directamente dependente do signatário, para a Contabilidade, sem discussão prévia, ou seja, como facto consumado;
- a verificação efectiva do aumento sucessivo das suas funções, sem qualquer contrapartida;
- o facto de estar a constatar desde o início do lay off –em 14 de Abril de 2020- com incómodo e bastante prejuízo económico (a liquidar, dado o desconhecimento da contribuição) que, no meu caso concreto, o regime adoptado para a contribuição pública – que foi decidido pela Administração unilateralmente - não corresponder à realidade, uma vez que não existe, de facto, qualquer diminuição no meu trabalho diário normal dadas as minhas funções alargadas [Mercado Nacional (Organizado e Tradicional)/Exportação/Mercado de Angola] com gestão directa de 15 Pessoas e 18 Grandes Clientes e problemas para resolver a toda a hora, como a Administração bem sabe;
- e o facto de, apesar de o ter solicitado por escrito, ninguém me ter dado até ao momento, explicações acerca do meu recibo do mês de Maio de 2020.
Aliás, de resto, afirmo não querer vir a colocar quaisquer imprecisões em relatos que me venham a ser solicitados, a propósito!
Ora, tudo isto tem provocado, pois, o incumprimento culposo das minhas garantias contratuais, convencionais e legais, nomeadamente previstas na legislação laboral aplicável (vd. art.ºs 23º a 29º, 127º, 129º e 394º, do CT).
Como é natural, todas estas situações, para além da lesão culposa dos meus interesses patrimoniais [que são sérios para uma pessoa que vive, exclusivamente, do seu trabalho por conta de outrem e que tem encargos mensais fixos] pretendem, na avaliação que tenho vindo a fazer, obter o efeito de promover uma forma inaceitável de pressão, tendente a afectar a minha honra e dignidade e bem assim, também, de me criar um ambiente hostil e degradante, com base no facto, puro e simples, tanto quanto admito, de eu, signatário, ser portador do conhecimento de factos algo perturbadores, nomeadamente decorrentes dos erros dos processamentos salariais que são, sistematicamente, colocados em causa por membros da minha equipa.
Aguardarei, em contexto desta natureza, que me sejam liquidados, pois, todos os meus créditos vencidos, incluindo os relativos à indemnização/compensação por antiguidade, baseado na correcta integração das verbas retributivas fixas e legais, nos termos estabelecidos na conjugação dos art.ºs 396º, nº 3, 392º, nº 3 e 331º, ainda do CT e aos créditos relativos às contas finais a que tenho direito.
O prazo que estabeleço para o efeito é o de oito dias, para além da remessa, que requeiro, dos documentos relativos à atribuição do Fundo de Desemprego e do Certificado de Trabalho.
Findo esse prazo recorrerei, naturalmente, aos Tribunais competentes.”
16. A 2.ª R., à data da celebração do contrato de trabalho com o A., era a Presidente do Conselho de Administração da R..
17. Ficaram por ministrar ao A. 83,5 horas de formação.
3.2. Os factos considerados não provados são os seguintes:
a) As condições remuneratórias referidas nos e-mails referidos nos pontos 2) e 4) não foram as condições acordadas com a administração da R. à data.
b) O A. não alcançou os objectivos, definidos pela R., para o pagamento do prémio anual.
c) Por força do PER e do processo de insolvência da R., os clientes ficaram desconfiados e indignados com o A..
d) O PER e o processo de insolvência da R. abalaram a confiança dos clientes no A..
e) A integração do A. no regime do Lay Off simplificado determinou um prejuízo directo mensal ao A. de 565,82€, num total de 2.829,10€.
f) Porque o A. continuou sempre a trabalhar sem qualquer redução horária.
g) As equipas de vendas mantiveram a sua actividade normal.
h) A R. pediu ao A. para manipular a facturação de forma a poder a mesma manter o acesso aos apoios criados pelo Estado no âmbito da pandemia.
i) PF foi transferida para a contabilidade sem consulta do A..
j) O A. nunca reclamou junto da R. pelo não pagamento das retribuições e dos prémios em falta.
3.3. Cumpre apreciar, antes de mais, a impugnação que a Recorrente faz da decisão sobre a matéria de facto.
(…)
121. No que diz respeito à 2.ª Ré, esta reproduz, por uma questão de economia processual, integralmente tudo quanto foi supra exposto, nos artigos 1 a 110.º, da presente contestação (…)»
Em suma, a R. BBB – que é uma pessoa jurídica distinta das pessoas físicas que sucessivamente integram o Conselho de Administração que a obriga juridicamente perante terceiros – afirma, além do mais, que desconhece se a sua administração anuiu às condições constantes dos e-mails, ou se as recusou, e o mesmo afirma a R. CCC, que à data era Presidente do Conselho de Administração.
Ora, estabelece o art.º 574.º do CPC:
Ónus de impugnação
1 - Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.
3 - Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.
4 - Não é aplicável aos incapazes, ausentes e incertos, quando representados pelo Ministério Público ou por advogado oficioso, o ónus de impugnação, nem o preceituado no número anterior.
Referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1], em anotação a este preceito, e concretamente quanto ao seu n.º 3:
“Direta ou indireta, a impugnação repousa normalmente numa certeza: o réu afirma que o facto alegado pelo autor não se verificou ou que se verificou outro facto com ele incompatível. Afirmação e negação constituem declarações de ciência, que são informações sobre a realidade, baseadas no conhecimento do declarante: trata-se de manifestações da esfera cognoscitiva sobre fragmentos da realidade que é objeto de conhecimento. Mas pode acontecer que o réu esteja em dúvida sobre a realidade de determinado facto e, neste caso, a expressão dessa dúvida é suficiente para constituir impugnação se não se tratar de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, valendo como admissão no caso contrário (n.º 3). Constitui facto pessoal ou de que o réu deve ter conhecimento, não só o ato praticado por ele ou com sua intervenção, mas também o ato de terceiro perante ele praticado (incluindo a declaração escrita que lhe seja endereçada), ou o mero facto ocorrido na sua presença, e ainda o conhecimento de facto ocorrido na sua ausência (sem prejuízo de este, em si mesmo, não ser um facto pessoal: o réu apenas terá de tomar posição definida sobre o facto do conhecimento). Pretendendo-se com a expressão “de que o réu deva ter conhecimento” cobrir os casos em que, pela natureza do facto e pelas circunstâncias concretas em que ele se produziu, o juiz deve entender, segundo o seu prudente arbítrio, usado em conformidade com as regras da experiência, que a parte dele teve conhecimento, tal expressão mais não estabelece do que a presunção de que determinado facto, não consistente em ato praticado pela própria parte, lhe é pessoal, isto é, caiu no âmbito das suas perceções, pelo que, em lugar de exprimir o segundo membro duma dicotomia de conceitos, fundado num dever ético de conhecimento, vem apenas reforçar o conceito de facto pessoal.” Os autores citam outros autores com interpretações algo diversas da referida expressão, sendo “(…) claramente distinta a de Teixeira de Sousa, Estudos cit., ps. 290-291 (“que deva conhecer segundo as regras da experiência comum ou em cumprimento de um dever de informação, como sucede, por exemplo, quanto à atividade dum seu empregado ou à deliberação de um dos seus órgãos”).”    
Tendo presentes estes ensinamentos, deve considerar-se que as declarações das 1.ª e 2.ª RR. – de que não sabem se a administração da 1.ª R. anuiu às condições constantes dos e-mails em apreço – equivalem a confissão. Com efeito, essa anuência da 1.ª R., mormente através da 2.ª R., é um facto eminentemente pessoal de ambas, sobre cuja correspondência com a realidade aquelas estão em posição de se pronunciar, pelo que, não o negando, e antes exprimindo dúvida sobre ele, tem-se tal facto como confessado por força do disposto no citado art.º 574.º, n.º 3 do CPC.
Sobre a questão, vejam-se, entre outros: o Acórdão do STJ de 21/03/2012, processo n.º 2359/06.7TVLSB.L1.S1, em que se entendeu que não equivale a impugnação a declaração duma sociedade ré no sentido de que desconhece cláusulas de contrato que o autor alegou ter celebrado com a mesma, não obstante serem outros os seus legais representantes; e o Acórdão do STJ de 17/10/2019, processo n.º 617/14.6YIPRT.L1.S1, em que se decidiu que não equivale a impugnação a alegação de falta de lembrança sobre factos pessoais, e ainda que é inadmissível a reapreciação da prova pela Relação quanto a factos confessados nos termos da norma citada[2]
Em face do exposto, julga-se improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos termos pretendidos pela Recorrente, e, por outro lado, ao abrigo do disposto nos art.ºs 607.º, n.º 4, 662.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2 do CPC, adita-se o seguinte facto, que fica a constar no local próprio, entre os pontos 6. e 7.:
6-A. A administração da 1.ª R. anuiu àquelas condições.
3.4. No que concerne a diferenças de retribuição base e a prémios alegadamente em dívida ao A., a questão passava essencialmente por saber o que podia considerar-se acordado entre aquele e a 1.ª R..
Ora, desde logo, sublinha-se que nada tem de estranho que as condições retributivas do A. não tenham ficado a constar detalhadamente do contrato de trabalho que as partes assinaram.
De acordo com o disposto no art.º 110.º do CT (Código do Trabalho), o contrato de trabalho celebrado entre as partes não dependia da observância de forma especial. E, tendo as mesmas resolvido reduzi-lo a escrito, não estavam por tal razão impedidas de estipular validamente outras condições, antes, depois ou simultaneamente, ainda que verbalmente, atento o disposto no art.º 222.º do CC (Código Civil).
Ora, conforme resulta da factualidade provada, as partes estabeleceram no contrato de trabalho que a 1.ª R. pagaria ao A. a retribuição mensal ilíquida de 3.500,00€, um subsídio de alimentação de 6,41€ por cada dia completo de trabalho e um bónus anual sempre que, de acordo com os objectivos estabelecidos anualmente pela 1.ª R., o A. reunisse as condições para auferir tal gratificação como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos. Por outro lado, nos e-mails acima referidos, esclareceu-se que, a partir de 1 de Janeiro de 2015, o salário mensal seria aumentado para 4.000,00€ x 14, bem como, que o “bónus anual de acordo com objectivos a concordar entre as partes” seria de 10.000€ em 2014 e de 5.000,00€ a partir de 1 de Janeiro de 2015. Trata-se de estipulações que não contradizem e antes complementam as que se fizeram consignar no contrato de trabalho, tal como sucede com as demais constantes dos e-mails, nomeadamente, a utilização de veículo, telemóvel e computador portátil e o suporte de despesas de deslocação, que as RR. não questionam que fossem devidas apesar de não terem ficado estabelecidas no contrato de trabalho assinado pelas partes.
De qualquer modo, o certo é que se provou que a administração da 1.ª R. anuiu àquelas condições.
Assim, verificando-se que a 1.ª R. não actualizou a retribuição base do A. para os €4.000,00, a partir de 1 de Janeiro de 2015, nada há a censurar à sentença recorrida na parte em que julgou procedente o pedido de pagamento das diferenças daí decorrentes.
Já quanto aos prémios, apesar de se ter provado que a 1.ª R. não os pagou em 2014, 2015 e 2017 a 2020, a verdade é que o A. não alegou nem demonstrou, como lhe competia nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do CC, os pressupostos de facto de que dependia o seu direito a recebê-los em cada um desses anos, designadamente, quais os objectivos que foram estabelecidos anualmente e em que medida os mesmos foram atingidos pelo A., tal como previsto no contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Em face do exposto, o recurso procede nesta parte (conclusões 23.ª a 30.ª), impondo-se a absolvição da 1.ª R. quanto à quantia de € 32.500,00 a título de prémios.
3.5. Finalmente, cumpre apreciar e decidir se ocorre justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do A..
No art.º 394.º do CT, configuram-se duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, respeitando ambas a situações anormais e particularmente graves em que deixa de ser exigível que aquele permaneça ligado à empresa por mais tempo: a primeira reporta-se a fundamentos subjectivos, por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (art.ºs 394.º, n.º 2 e 396.º do CT); a segunda reporta-se a fundamentos objectivos, por não terem na sua base um comportamento culposo do empregador, não conferindo direito a indemnização (art.º 394.º, n.º 3 do CT).
Em qualquer das situações, está subjacente ao conceito de justa causa (que o art.º 394.º do CT não define, mas que a doutrina e a jurisprudência têm desenvolvido) a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pelo empregador[3].
Acresce que, nos termos do n.º 4 do art.º 394.º do CT, a justa causa será apreciada pelo tribunal em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 351.º do CT, com as necessárias adaptações, ou seja, deverá o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
O mencionado n.º 2 do art.º 394.º indica, de forma exemplificativa, os comportamentos do empregador que podem constituir justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador, com direito a indemnização, desde logo, na alínea a), a falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
Por outro lado, em conformidade com as regras gerais relativas ao ónus da prova, compete ao trabalhador provar a existência do comportamento do empregador subsumível a qualquer uma das alíneas referidas no n.º 2 do art.º 394.º, ou outro que, não estando ali expressamente previsto, viole os seus direitos e garantias, por força do art.º 342.º, n.º 1, do CC, e à entidade patronal demonstrar que esse comportamento não procede de culpa sua, nos termos do art.º 799.º do mesmo diploma legal.
Não obstante, o n.º 5 do art.º 394.º do CT especifica que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Isto é, no que toca à situação da al. a) do n.º 2 do art.º 394.º do CT, há que distinguir consoante o atraso no pagamento da retribuição não atinja os 60 dias, caso em que a culpa do empregador se presume nos termos gerais do art.º 799.º do CC, admitindo prova em contrário (como sucede com os demais comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa culposa), ou atinja 60 ou mais dias, caso em que a conduta se considera culposa, ou seja, não admitindo prova em contrário.
Como bem refere o Ministério Público no seu parecer, «(…) é entendimento jurisprudencial pacífico que a presunção plasmada no n.º 5 do art.º 394º, do Código do Trabalho é inilidível, sendo que alguma doutrina defende, até, que a qualificação adequada será a de ficção legal de culpa patronal, como é o caso de João Leal Amado (in “Direito do Trabalho, Relação Individual”, 2019, Almedina, p. 1117) e de António Monteiro Fernandes (“Resolução do contrato de trabalho por mora da retribuição – prazos e presunções de culpa, in Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, 2017-I, pp. 68).»
Assim, em suma, existe justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho, motivadamente e com direito a indemnização, desde que se verifiquem os seguintes elementos[4]:
- comportamento da entidade empregadora enquadrável em qualquer das alíneas do n.º 2 do citado art.º 394.º, ou outro de idêntica gravidade (elemento objectivo);
- que esse comportamento possa ser imputado à entidade empregadora a título de culpa (elemento subjectivo);
- que tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral (elemento causal).
Finalmente, o art.º 395.º do CT estabelece que a declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos (n.º 1), prazo este que, no caso a que se refere o n.º 5 do art.º 394.º, se conta a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador (n.º 2).
Retornando ao caso em apreço, decorre da factualidade provada que, aquando da resolução do contrato de trabalho pelo A., em 31/08/2020, estavam em mora diferenças na retribuição base à razão de 500,00€ por mês, desde Janeiro de 2015, no total de 39.500,00€, acrescido das relativas a subsídios de férias e de Natal, e ainda a quantia de 3.083,00€ a título de crédito por formação profissional não proporcionada.
Assim, atento o acima exposto, como o atraso no pagamento das diferenças retributivas atingiu os 60 dias, essa conduta da 1.ª R. considera-se culposa nos termos do n.º 5 do art.º 394.º do CT, não admitindo prova em contrário. Por outro lado, atendendo a que tal comportamento faltoso por parte da 1.ª R. vinha ocorrendo reiteradamente desde há mais de 5 anos, e a que a respectiva dívida, acrescida da relativa a créditos por formação profissional não prestada, ultrapassava já a quantia de 42.500,00€, afigura-se-nos que a sua gravidade e consequências justificam plenamente a ruptura da relação laboral pelo trabalhador.
Em suma: verificam-se os requisitos objectivo, subjectivo e causal da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo A., pois, na aludida situação de incumprimento contratual da 1.ª R., reiterado e duradouro, quanto a quantias substanciais, era-lhe inexigível que se mantivesse ao serviço da mesma.
Quanto ao valor da indemnização, fixado perto do mínimo – 20 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade –, afigura-se-nos adequado à gravidade e consequências da conduta ilícita e culposa da 1.ª R..
Ademais, o que a Recorrente aduz a propósito da suficiência dos factos para integrarem justa causa de resolução do contrato, bem como sobre o valor da indemnização, é no pressuposto de que o único crédito do A. era o relativo a formação profissional não proporcionada, e ainda assim em valor sobrestimado, devendo ser recalculado com base na retribuição base de 3.500,00€. Tendo-se concluído que assim não é, os seus argumentos perdem qualquer peso.  
Em face do exposto, soçobra necessariamente o recurso nesta parte.
4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, absolve-se a 1.ª R. do pagamento da quantia de 32.500,00 € a título de prémios, confirmando-se a sentença recorrida quanto ao mais.
Custas da acção e do recurso por A. e 1.ª R., na proporção do decaimento.
Lisboa, 23 de Novembro de 2022
Alda Martins
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
_______________________________________________________ [1] Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 3.ª edição, pp. 372-373.
[2] Disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Albino Mendes Baptista, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2.ª edição, pp. 25 e ss..
[4] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2014, pp. 1092-1093, e, a título exemplificativo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Fevereiro de 2008, in www.dgsi.pt.
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