Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29398/16.7T8LSB.L1-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
PRESSUPOSTOS
PERDA DE CHANCE
DANO INDEMNIZÁVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A “perda de oportunidade ou de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um acto ilícito, é indemnizável enquanto dano autónomo existente à data da lesão, e, portanto, qualificável como dano emergente, desde que, se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil e se possa concluir, com um elevado índice de probabilidade (aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto), que existiu uma vantagem ou beneficio que se perdeu em virtude de um determinado evento, por forma a concluir pela existência de um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano final.
II – O dano da “perda de chance” deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:       Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - RELATÓRIO
A [ Paula ….], divorciada, contribuinte fiscal nº [ 178 ... ], residente na Rua [ ... Estoril ], propôs a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra B  [ …..Seguros Gerais, SA] , contribuinte fiscal e de pessoa colectiva nº [ 502 ... ], com sede na Rua [ ... Lisboa ], e contra C [ …. Advogado ] , com escritório na Av. [ ... Cascais ], peticionando o pagamento da quantia de € 400.778,99.
Para o efeito, alegou em síntese útil, que: contactou o Réu advogado, na qualidade de cessionária de créditos da sociedade “Multibrand, Ldª”, para que aquele patrocinasse algumas acções judiciais para cobrança de créditos; entregou-lhe a documentação original para o efeito e, apesar das inúmeras insistências, o referido causídico, não só não intentou as acções em causa, como não lhe entregou a referida documentação; devido a esse facto deixou de receber, no total, a quantia peticionada.
A Ré B contestou, defendendo a improcedência da acção.
Para o efeito, em síntese útil, impugnou alguns factos; e alegou que o limite máxime da apólice relativa ao seguro contrato é de € 150.000,00 e existe uma franquia a cargo do segurado no valor de € 5.000,00 por sinistro.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas de prova.
Efectuada a audiência final, foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente a presente acção e em cuja parte decisória consta o seguinte:
Nestes termos, julgo não provados os fundamentos de facto e de direito invocados pela autora, e, em consequência decido:
1 - Condenar a ré B a pagar à autora a quantia de € 14 092, 85 a título de danos patrimoniais, a que acrescem juros legais devidos desde a citação até integral pagamento.
2 – Absolver o segundo réu do pedido.”.
Inconformada com tal sentença, veio a Autora dela interpor recurso de apelação, no qual formula as seguintes Conclusões:
I- O Tribunal “a quo” não fez a correcta fixação do “quantum” indemnizatório.
Nesta perspectiva,
II- A sentença recorrida não avaliou devidamente o grau de probabilidade de obtenção de ganho de causa, por parte da A., ora apelante, nos processos que não chegaram a ser instaurados pelo 2º R., nem considerou as dificuldades probatórias resultantes do facto de a mesma A. não ter na sua posse os documentos originais que lhe permitiriam conseguir vencer esses pleitos, nos anos de 2014 e 2015, numa altura em que os devedores se encontravam ainda com uma situação financeira estável.
III- A sentença recorrida não tomou em linha de conta que os valores que a A. recuperou, vários anos mais tarde (2017 e 2018) foram valores muito inferiores aos seus créditos, uma vez que se viu forçada, por força das circunstâncias (situação financeira dos devedores e fragilidade da prova), a celebrar acordos pouco favoráveis à sua pessoa, com o objectivo de recuperar uma parte desses créditos, para que o prejuízo não fosse total.
IV- A proporção, estabelecida na sentença recorrida, entre os valores reclamados pela A. e os valores efectivamente por ela cobrados, após a omissão ou inércia do seu anterior mandatário – o ora 2º R. - não tem qualquer lógica e resulta de um raciocínio meramente matemático, desligado da realidade e da experiência comum.
V- Se as acções judiciais, destinadas à cobrança dos créditos da A., tivessem sido instauradas em finais de 2014 (ano em que o 2º R. aceitou o patrocínio), tais acções teriam, muito provavelmente, um resultado positivo, numa altura em que os devedores se encontravam solventes (com excepção das sociedades “Luas de Saturno, Lda.” e “Delicadeza e Diversão, Lda.”).
VI- A sentença recorrida não considerou, também, que as quantias efectivamente recebidas pela A., em acções intentadas após a omissão do 2º R., foram quantias muito inferiores aos créditos reais existentes devido à circunstância de as mesmas terem sido instauradas tardiamente, numa altura em que a situação financeira dos devedores já era problemática, sendo certo que sem os documentos necessários (que o 2º R. nunca devolveu à A., tal como contratos, facturas e livranças subscritas pelos próprios, acompanhadas de autorizações de preenchimento), nunca seria possível obter um êxito pleno.
VII- Verificou-se, efectivamente, uma “perda de chance” para a A., que o Tribunal “a quo” não valorou devidamente.
VIII- O Tribunal “a quo” violou, desta forma, as normas legais que determinam o modo como deve ser calculado o valor das indemnizações a atribuir aos lesados, pelos danos patrimoniais por eles sofridos, sempre de forma justa, ponderada e equitativa.
IX- Pelas razões explanadas na parte final das presentes alegações, deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo a sentença recorrida modificada, na parte relativa ao montante indemnizatório a atribuir à A., ora apelante, o qual deve ser fixado em € 145.000, valor que a apelante considera justo e equitativo, como forma de repartição do risco, ou, em alternativa, num outro valor que o Tribunal “ad quem” considere adequado, tudo com as legais consequências.”.
Contra-alegou a apelada, pugnando pela improcedência da apelação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º, n.º 2 do mesmo diploma). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114-116.
Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil). Porém, o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cfr. nº 4 do mencionado art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso dos autos, dos arts. 2º a 4º das Alegações e dos pontos I e IX das Conclusões de recurso, resulta, de forma expressa, que a apelante restringiu o recurso à questão do quantum da indemnização que a apelada “Mapfre, SA” foi condenada a pagar-lhe.
Nestes termos, neste recurso, a questão a decidir é:
- se o valor da indemnização pelo dano da apelante deve ser superior ao fixado pelo tribunal a quo e, em caso afirmativo, qual o respectivo montante.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença considerou como provada a seguinte factualidade, que, não tendo sido objecto de impugnação no recurso interposto pela apelante, ter-se-á como sendo definitivamente provada:
a) Durante o ano de 2010, a sociedade comercial por quotas denominada “Multibrand, Ldª”, no exercício da sua actividade comercial, na qualidade de “franchisadora”, celebrou contratos de “franchising” com diversos clientes, seguindo o modelo da minuta do documento de fls. 42 a 89.
b) No âmbito do contrato supra referido a sociedade em questão forneceu mercadoria a clientes que não liquidaram as quantias devidas pela aquisição dos mesmos.
c) A dita sociedade cedeu à autora os créditos que detinha sobre os clientes que infra se indicarão, bem como a respectiva posição contratual nos moldes descritos nos documentos de fls. 22 a 24, o que foi alvo das respectivas comunicações aos clientes.
d) O 2º réu é advogado de profissão, com a Cédula Profissional nº 9828-L e domicílio profissional na Avª. 25 de Abril, ….. Cascais.
e) A 1ª Ré é a companhia de seguros com a qual a OA, na qualidade de tomadora, contratou um seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados obrigatório para o ano civil de 2015, titulado pela apólice nº 600 139 110 0058, cujo teor de fls. 128 vs. a 140 se dá por integralmente reproduzido.
f) Em 09.09.14, a A. contactou o R. com o objectivo de o constituir mandatário para a patrocinar em algumas acções judiciais que pretendia intentar contra várias sociedades comerciais e comerciantes em nome individual, para cobrança de créditos que lhe haviam sido cedidos pela sociedade Multibrand.
g) A pedido do 2º Réu, a A entregou no escritório deste, em 17.10.2014, diversos documentos originais, com o fim de aquele os avaliar, com vista à instauração das competentes acções judiciais de recuperação de créditos, conforme por aquele prometido.
h) Alguns dias mais tarde, depois de analisar toda a documentação entregue pela A., o 2º Réu declarou aceitar o patrocínio e comprometeu-se a dar seguimento aos assuntos, com a possível brevidade.
i) Em todos os contactos que teve com o 2º Réu, a A. sempre solicitou a máxima urgência no tratamento dos assuntos que pretendia confiar-lhe, dado que receava que alguns dos devedores pudessem, eventualmente, alienar o seu património, ficando sem bens penhoráveis que pudesse vir a responder pelas suas dívidas.
j) O 2º Réu sossegou a A. e assumiu o compromisso de instaurar as referidas acções judiciais em tempo útil, para que não fosse ultrapassado nenhum prazo prescricional ou de caducidade do direito de reclamação dos créditos vencidos.
k) Decorrido algum tempo, sem que tivesse recebido qualquer comunicação por parte do 2º Réu, a A. tentou contactá-lo, diversas vezes, por telefone, nos seus vários escritórios e, também, ligando para o seu telemóvel pessoal, não tendo conseguido estabelecer qualquer conversação, devidos à constante ausência do mesmo.
l) Em 13.01.15, a A. enviou ao 2º Réu as comunicações de fls. 35 a 41 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que este recebeu, não tendo obtido qualquer resposta por parte do 2º Réu.
m) O Conselho de Deontologia de Lisboa da OA, na sequência da participação disciplinar que a A. efectuou, deduziu acusação contra o 2º R., em 03.04.2019, no âmbito do processo nº 454/15-L/D, estando em curso a notificação do participado pelos factos descritos no teor de 173 a 175 vs..
n) A Autora entregou ao 2º Réu um requerimento de injunção com aposição de fórmula executória, para instauração de acção executiva contra Luís Iria (cujo crédito à sociedade Mutibrand havia sido cedido à A.) no valor de € 5 553.
o) A Autora entregou ao 2º Réu um contrato de franchising celebrado entre a sociedade Mutibrand (franchisadora) e o cliente Octávio Cardoso (franchisado), 2 livranças subscritas pelo mesmo, acompanhadas de documento de autorização de preenchimento das mesmas, um contrato de reserva de franquia, assinado pelas partes, diversas facturas referentes ao fornecimento de mercadorias, vencidas e não pagas, entre outros com o objectivo de ser intentar acção para cobrança de € 171 600.
p) A Autora entregou ao 2º Réu um contrato de franchising celebrado entre a sociedade Mutibrand (franchisadora) e o cliente Livre Essência, Ldª (franchisada), diversas facturas referentes ao fornecimento de mercadorias, vencidas e não pagas, entre outros com o objectivo de ser intentar acção para cobrança de € 44 001,09.
q) A Autora entregou ao 2º Réu um contrato de franchising celebrado entre a sociedade Mutibrand (franchisadora) e o cliente Elixir dos Sentidos, Ldª (franchisada), com o objectivo de ser intentar acção para cobrança de € 169 176,01.
r) A Autora entregou ao 2º Réu um contrato de franchising celebrado entre a sociedade Mutibrand (franchisadora) e o cliente Luas de Saturno, Ldª (franchisada), com o objectivo de ser intentar acção para cobrança de € 54 100,00.
s) A Autora entregou ao 2º Réu um contrato de franchising celebrado entre a sociedade Mutibrand (franchisadora) e o cliente Delicadeza e Diversão, Ldª (franchisada), com o objectivo de ser intentar acção para cobrança de € 41 200,00.
t) A Autora entregou ao 2º Réu um contrato de franchising celebrado entre a sociedade Mutibrand (franchisadora) e o cliente Nuno Oliveira Simões (franchisado), com o objectivo de ser intentar acção para cobrança de € 9 919,28.
u) A Autora entregou ao 2º Réu contratos de cessão de créditos e contratos de cessão de posição contratual relativamente aos clientes identificados nos números anteriores, com texto idêntico ao exposto no documento de fls. 30 a 32.
v) Em 16.12.15 o advogado actual da A. solicitou ao 2º Réu a entrega dos referidos documentos, o que não ocorreu até ao momento.
w) Devido à actuação do 2º Réu a A. viu-se impossibilitada de proceder à instauração das acções judiciais respectivas tendentes à cobrança dos créditos referidos nas als. p) e q), sendo expectável que tais acções fossem parcialmente procedentes em quantia proporcional à obtida com a instauração dos processos contra as pessoas referidas em n), o) e t) (€ 12 000).
x) Em 2014 as empresas identificadas em r) e s) (Luas de Saturno e Delicadeza e Diversão) já não se encontravam em actividade.
                                            *
Factos não provados:
Não se provou, que:
1) Devido à actuação do 2º Réu a A. viu-se impossibilitada de proceder à instauração das acções judiciais respectivas tendentes à cobrança dos créditos referidos nas als. n), o), r), s) e t).
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso, passemos, então, a analisar a questão a decidir.
Nesta acção, a apelante fundou a sua pretensão indemnizatória no facto de ter contactado o 2º Réu, advogado, com o objectivo de o constituir mandatário para a patrocinar em algumas acções judiciais que pretendia intentar contra terceiros, para cobrança de créditos, e de o mesmo nada ter feito e, ainda, não lhe ter devolvido os documentos por si entregues para estudo dos casos, pelo que sofreu danos em consequência daquelas omissões.
Estamos, pois, perante um contrato de mandato atípico, denominado mandato forense, com poderes de representação, que João Lopes Reis, in “Representação Forense e Arbitragem”, Coimbra Editora, 2001, p. 43, define como “o contrato pelo qual um advogado (ou um advogado estagiário, ou um solicitador) se obriga a fazer a gestão jurídica dos interesses cuja defesa lhe é confiada, através da prática, em nome e por conta do mandante, de actos jurídicos próprios da sua profissão”.
O referido contrato forense, previsto no art. 1157º do Cód. Civil e no art. 62º do Estatuto da Ordem dos Advogados, então vigente (Lei nº 15/2005, de 26/01, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12/2010, de 25/06), e, tendo por objecto a prática de actos jurídicos por parte do mandatário, encontra-se submetido ao regime especial do referido Estatuto (devendo, nomeadamente, o advogado pautar a sua conduta pelas normas desse Estatuto em termos de deveres, princípios e normas próprios da profissão - deontologia profissional), e, a título subsidiário, ao regime geral do mandato constante dos arts. 1157º a 1184º, todos do Cód. Civil.
O contrato de mandato forense não determina uma obrigação de resultado - ou seja, os advogados, no exercício da sua actividade profissional da advocacia e no âmbito de mandato forense, não se obrigam, em regra, a garantir a produção de um certo efeito, nomeadamente, de obter o ganho da causa -, consubstanciando-se, antes, a sua prestação numa obrigação de meios, comprometendo-se os advogados a realizar a sua actividade de forma diligente de acordo com a legis artis da profissão.
O incumprimento por parte do advogado constituído dos deveres a que está adstrito no âmbito daquele contrato pode implicar responsabilidade civil pelos danos daí decorrentes para o mandante.
De acordo com a doutrina e jurisprudência actualmente maioritária, a responsabilidade civil profissional do advogado é de natureza contratual desde que o ilícito se traduza no incumprimento do mandato forense, sendo, ao invés, extracontratual quando haja violação de outros deveres não decorrentes da obrigação emergente do mandato forense.
Os pressupostos da responsabilidade contratual ou obrigacional estão elencados no art. 798º do Cód. Civil: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
São, assim, pressupostos da responsabilidade civil contratual: o facto ilícito (a falta ou erro - por acção ou omissão, controlada ou controlável pela vontade - de cumprimento duma obrigação típica do contrato celebrado e a constatação da desconformidade objectiva entre a conduta devida e o comportamento observado pelo lesante), a culpa (imputação subjectiva do facto ao lesante, ou seja, um juízo de censurabilidade e reprovabilidade, baseado no reconhecimento de que o devedor deveria e poderia agir doutro modo), o dano (prejuízo ou desvantagem que é causado num bem jurídico alheio, por efeito do facto ilícito) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge).
Nos termos do art. 799º, nº 1 do Cód. Civil, na responsabilidade civil contratual, impende sobre o devedor a presunção de culpa no incumprimento, incumbindo-lhe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
Verificando-se os enunciados requisitos, existe uma situação de responsabilidade civil contratual, a qual investe o civilmente responsável numa obrigação de indemnizar, nos termos conjugados dos arts. 799º, nº 2 e 483º e ss do Cód. Civil.
A obrigação de indemnizar compreende, nos termos do art. 564º, nº 1 do Cód. Civil, quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes; e, nos termos dos arts. 495º e 496º, nº 1 do mesmo diploma, quer os danos patrimoniais, quer os danos não patrimoniais (desde que, e quanto a estes, pela “sua gravidade, mereçam a tutela do Direito”), respectivamente.
Danos patrimoniais são os danos susceptíveis de avaliação pecuniária, traduzidos numa abstracta diminuição do património e que podem ser reparados ou indemnizados senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão), pelos menos, indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária).
Distinguem-se os danos patrimoniais em danos emergentes ou positivos, caracterizados por uma perda, prejuízo ou desfalque causado nos bens ou direitos que o lesado já detinha no momento da lesão; e em lucros cessantes ou frustrados, caracterizados pelo corte ou frustração no acréscimo patrimonial: “os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão” (Antunes Varela, in “Das Obrigações em geral”, vol. I, Almedina, p. 569).
A obrigação de indemnizar deve, segundo o princípio geral da reconstituição natural consagrado no art. 562º do Cód. Civil, procurar reconstituir a situação hipotética do lesado, ou seja, aquela situação que existiria na esfera do lesado se não fora o facto determinante da responsabilidade (teoria da diferença). Isto é, a indemnização a atribuir ao lesado deverá ser calculada em função da diferença entre a situação real actual do lesado e a situação hipotética em que este se encontraria, se não fosse a lesão, sendo apenas indemnizáveis os danos que derivem daquela lesão.
Por outro lado, apenas há lugar a indemnização quando exista um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, ou seja, quando os danos existentes sejam consequência directa e necessária do facto lesante.
Com efeito, nem todos os danos resultantes do facto ilícito serão da responsabilidade do agente, mas apenas aqueles que derivam do facto e tenham sido causados por ele. O que significa que, deve existir um nexo de causalidade entre a lesão e os danos ocorridos, aferido de acordo com o critério da causalidade adequada, subjacente ao art. 563º do Cód. Civil, e segundo o qual se devem apenas considerar aqueles danos que decorram do facto ilícito culposo praticado pelo lesante, como consequência necessária do mesmo, ou seja, os danos que estiverem em conexão causal adequada com o facto ilícito praticado pelo lesante. Assim, este facto ilícito e culposo tem de ser, não só a condição da lesão, como ainda afigurar-se como idóneo para a produção daquele resultado, segundo a normalidade da vida social. “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” (Galvão Teles, cit. por Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora,  p. 578). São indemnizáveis, pois, os danos que, a não ter ocorrido o evento, não se verificariam, desde que tais danos sejam um resultado natural, necessário, normal e previsível (segundo os conhecimentos de um homem médio, fiel ao Direito), da verificação de um evento em causa: a dimensão do dano coincide com a dimensão do nexo causal.
Para o que aqui interessa, no que respeita ao mandato forense, assume, ainda, particular relevância a problemática da ressarcibilidade do chamado dano por “perda de chance ou de oportunidade” em realizar um ganho ou evitar um prejuízo, sem que se possa apurar a sua verificação efectiva.
A problemática da “perda de chance” tem vindo a ganhar uma maior preponderância na doutrina e na jurisprudência portuguesas, coexistindo o entendimento que a “perda de chance” não é ressarcível como dano autónomo (dado que o regime da responsabilidade civil exige certeza na identificação do dano e do respectivo nexo de causalidade com o evento lesivo, o que se mostra impossível de aferir no caso da “perda de chance”) e o entendimento que aceita aquela ressarcibilidade, desde que em determinados requisitos.
O Supremo Tribunal de Justiça tem tido como orientação dominante uma posição restritiva, entendendo que a “perda de chance” não constitui um dano autónomo e só pode ser atendida em situações pontuais, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada.
Porém, no conjunto da jurisprudência, vai sendo preponderante o entendimento de percepcionar a “perda de chance” como dano intermédio, autónomo do dano final, e, como tal, indemnizável, desde que se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o facto ilícito e culposo e o nexo causal entre aquele facto e o dano da perda de chance. Neste sentido, cfr., por todos, Ac. STJ de 06/03/2014, Pinto de Almeida; e de 05/02/2013, Hélder Roque; Ac. TRG, de 02/02/2017, Elisabete Valente, onde é entendido que: “faz sentido a aplicação da teoria em causa ao mandato forense, já que o patrocínio judiciário destina-se a garantir um interesse de ordem pública e, por isso, o mandatário forense tem uma obrigação de meios ou de diligência e não de resultado, ele obriga-se a desenvolver uma actividade com todo o zelo e utilizando os seus conhecimentos técnicos para encontrar a solução jurídico-legal adequada. Mas o direito a uma indemnização pela perda de chance, no caso dos profissionais forenses, tem de ser feita de acordo com o grau de probabilidade de sucesso no litígio em questão e de forma a que se conclua que essa oportunidade ficou, por via da acção ou omissão do advogado, irremediavelmente perdida”; e, Ac. STJ, de 09/07/2015, Tomé Gomes, onde se escreve: “será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista”. E, “Haverá, pois, que fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, não no sentido da solução jurídica que pudesse ser adotada pelo tribunal da presente ação sobre a matéria da causa em que ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado como altamente provável que o tribunal da ação em que a defesa ficou prejudicada viesse a decidir. Mas tal apreciação inscrever-se-á, enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito. O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).” – todos, acessíveis in www.dgsi.pt.
Perfilhando nós, como perfilhamos, esta orientação, consideramos que a “perda de oportunidade ou de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um acto ilícito, é indemnizável enquanto dano autónomo existente à data da lesão, e, portanto, qualificável como dano emergente, desde que, se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil e se possa concluir, com um elevado índice de probabilidade (aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto), que existiu uma vantagem ou beneficio que se perdeu em virtude de um determinado evento, por forma a concluir pela existência de um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano final.
O dano de “perda de chance” é distinto do dano final e efectivo e, por isso, a indemnização por aquele deve reflectir essa diferença. A reparação da “perda de chance” deve ser medida, pois, com relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, ou seja, a indemnização deve corresponder ao valor da chance perdida. Consequentemente, a indemnização não pode ser nem superior, nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final; pelo contrário, ela terá que ter um montante, necessariamente, inferior, sob pena de se confundir a mera possibilidade com a sua efectividade. Assim entendeu o STJ, nos Acórdãos (todos, acessíveis in www.dgsi.pt): de 26/10/2010, Azevedo Ramos, onde consta que “a vantagem em causa deve ser aferida em termos de probabilidade, reportando-se o dano de “perda de chance” ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado”; de 01/07/2014, Fonseca Ramos, onde se afirma: “No caso de perda de chance não se visa indemnizar a perda do resultado querido, mas antes a da oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva; não se trata de indemnizar lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final esperada.”; e de 05/02/2013, Hélder Roque (anteriormente citado), onde se escreve: “uma vez que o dano que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que é, ainda, um dano certo, embora distinto daquele, pois que a chance foi, irremediavelmente, afastada por causa do acto do lesante, inexiste violação das regras gerais da responsabilidade civil que vigoram no nosso ordenamento jurídico, devendo a indemnização reflectir essa diferença, cuja expressão é dada pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado. Assim sendo, a reparação da perda de uma chance deve ser medida, em relação à chance perdida, e não pode ser igual à vantagem que se procurava. Consequentemente, a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final, devendo, assim, corresponder ao valor da chance perdida.”.
Também a este propósito, Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil, II - Parte Geral -Negócio Jurídico”, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 288, defende que “(…) não é compaginável, a pretexto da perda de chance, chegar-se a uma situação que suprima o risco, de tal modo que o lesado fique numa posição mais favorável do que sucederia se a norma jurídica tem sido observada”.
Em suma, o dano da perda de chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.
Relativamente à forma de determinar o quantum indemnizatório da perda de chance a que vimos aludindo, a doutrina e a jurisprudência (cfr., por todos, Ac. do TRL de 18/09/2012, Graça Araújo; Rute Teixeira Pedro, in “A Responsabilidade Civil do Médico”, Coimbra Editora 2008, p. 229-230; Nuno Santos Rocha, in “A “Perda de Chance” Como Um Nova Espécie de Dano”, p. 66-67; Vera Lúcia Raposo, in “Em busca da chance perdida – O dano da perda de chance, em especial na responsabilidade médica”, in Revista do Ministério Público nº 138, Abril/Junho-2014, p.32; e Patrícia Helena Leal Cordeiro da Costa, in “Dano da perda de chance e a sua perspetiva no Direito Português”, p. 75, in www.verbojurídico.pt) distinguem aqui três operações distintas a efectuar: avaliar, primeiro, qual o valor económico do resultado em expectativa e, de seguida, a probabilidade que existira de o alcançar, não fora a ocorrência do facto antijurídico; este segundo valor, calculado numa percentagem - traduzindo a consistência e a seriedade das “chances” - terá que ser, por fim, aplicado ao primeiro, para que se possa finalmente obter o valor pecuniário do dano da “perda de chance”. O quantum de indemnização resultará, assim, como a utilidade económica realizável diminuída de um coeficiente de redução proporcional ao grau de possibilidade de consegui-la. Não sendo possível fixar a probabilidade da chance, o tribunal julgará com recurso à equidade, em conformidade com o disposto no art. 566º, nº 3 do Cód. Civil.
A este propósito, refere o Ac. do STJ de 05/02/2013, Hélder Roque (anteriormente citado), que: “importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realizar a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra, traduzido num valor percentual. Uma vez obtidos tais valores, aplica-se o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado de tal operação o valor da indemnização a atribuir pela perda da chance.”.
Descendo ao caso dos autos, e sendo agora processualmente incontroverso nesta acção, não só que o 2º Réu praticou um acto ilícito, mas também a verificação do nexo causal entre este acto e o dano (uma vez que não foi interposto recurso da sentença proferida nesta parte), cumpre, então, averiguar a problemática da determinação do quantum indemnizatório, a título de danos patrimoniais (única questão que está em discussão neste recurso), atendendo, para o efeito, a todo o enquadramento legal, doutrinário e jurisprudencial que acabámos de concretizar.
Fundamenta o tribunal a quo o quantum da indemnização fixada nos seguintes termos:
Por outro lado, apesar de a prova de que as acções a intentar pelo 2º réu em representação da autora, obteriam total procedência ser uma prova diabólica, no sentido de uma verdadeira impossibilidade prática, há nos autos, elementos que permitem, com um razoável grau de certeza, concluir que o desfecho de tais acções, seria pelo menos, idêntico ao das que foram posteriormente intentadas.
Tal raciocínio pecará certamente por defeito, mas é o único elemento que o julgador dispõe para calcular uma indemnização.
Não o fazer num caso como este, poderia eventualmente contender com o direito de acesso à Justiça, pois, mesmo em sede de liquidação de sentença, não há como provar, com toda a álea e vicissitudes dos processos judiciais, que algo que nunca chegou a existir, obteria este ou aquele resultado concreto..
No sentido de que tal grau de probabilidade favorável tem que ser razoável, já decidiu o TRE em Acórdão proferido em 21.04.2016, disponível em www.dgsi.pt., segundo o qual:
“Só a verificação de um grau de probabilidade razoável, favorável, deve poder sustentar a responsabilização da mandatária que, não tendo interposto recurso da decisão desfavorável ao seu cliente, o fez perder a chance de o resultado final poder ser-lhe favorável.
Para avaliação da probabilidade de sucesso no litígio em questão, deve o juiz realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente da advogada, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo.”
Efectivada a respectiva avaliação, há que, necessariamente concluir que a probabilidade de vitória da autora nas acções a instaurar contra as entidades identificadas em p) e q), seria na medida da proporção do pedido às entidades referidas em n), o) e t) e efectivamente recebido.
Ou seja, € 12 000 para um pedido total de €181 519, 28.
Assim, para um pedido total de € 213 177, 10, é de admitir que a autora recebesse € 14 092, 85.
Sendo esta a quantia que, com segurança se pode dar como correspondente ao valor dos danos patrimoniais sofridos pela autora.
Não foram alegados, nem peticionados danos morais, o que, já possibilitaria o recurso a juízo de equidade para respectiva fixação e justa composição do litígio.
Tendo a autora admitido que em 2014 as empresas identificadas em r) e s) (Luas de Saturno e Delicadeza e Diversão) já não se encontravam em actividade, a probabilidade de vir a ser ressarcida por parte das mesmas, quase nula, logo, não pode proceder o pedido nesta parte.”.
Do valor de € 14.092,85, assim encontrado, discorda a apelante, argumentando que este valor, correspondente apenas a cerca de 7% do possível dano real, não é justo, nem equitativo; argumentando que a sentença recorrida não tomou em linha de conta que os valores que a apelante recuperou, vários anos mais tarde (2017 e 2018), foram valores muito inferiores aos créditos reais existentes, uma vez que a apelante se viu forçada, por força das circunstâncias (situação financeira dos devedores e fragilidade da prova), a celebrar acordos pouco favoráveis à sua pessoa, com o objectivo de recuperar uma parte desses créditos, para que o prejuízo não fosse total, o que se deveu à circunstância de tais acções terem sido instauradas tardiamente, numa altura em que a situação financeira dos devedores já era problemática, sendo certo que, sem os documentos necessários (que o 2º R. nunca devolveu à A., tal como contratos, facturas e livranças subscritas pelos próprios, acompanhadas de autorizações de preenchimento), nunca seria possível obter um êxito pleno. Sustenta, então, a apelante, em sede deste recurso, que, em termos de equidade, deve o correspondente dano ser fixado em 50% do valor total, reduzindo o valor do pedido para € 305.478,99 (correspondente ao montante inicialmente peticionado abatido dos valores de dois créditos cujas devedoras já não se encontravam em actividade no ano de 2014), o que perfaz o quantitativo de € 152.739,49, mas, atendendo a que o limite máximo da responsabilidade da apelada é de € 150.000,00 e existindo uma franquia a cargo do 2º Réu de € 5.000,00 por sinistro, acaba por propugnar que o valor da indemnização a pagar pela apelada seja fixado em € 145.000,00.
Vejamos, então, se existe fundamento para uma avaliação da perda de chance superior à fixada pelo tribunal a quo, importando, para tanto, sublinhar, desde já, que: por um lado, em abstracto, o dano que emerge da falta de propositura de uma acção (como é o caso dos autos) corresponde à impossibilidade de apreciação jurisdicional da pretensão jurídica, que consubstancia uma desvantagem jurídica impossível de determinar, dado o desconhecimento da materialização dessa desvantagem jurídica; e, por outro lado, não existem nestes autos elementos que permitam apurar, com o juízo de probabilidade necessário, qual teria sido a sorte de cada uma das diversas acções que a apelante pretendia instaurar na hipótese de o 2º Réu as ter intentado.
Na verdade, no caso dos autos, dados os concretos factos que foram considerados provados, não é possível aferir qual o grau de probabilidade da procedência (parcial ou total) ou improcedência (parcial ou total) de cada uma das referidas acções, caso as mesmas tivessem sido instauradas, já que tal dependeria, até, por um lado, da factualidade que, após contraditório e prova das respectivas partes contrárias, viesse a ser fixada como assente em cada uma dessas acções; e, por outro lado, que tipo de acções em concreto é que poderiam vir a ser instauradas ab initio, uma vez que, dos factos provados, nem sequer é possível aferir como provável que estivessem reunidos os requisitos para, pelo menos algumas daquelas acções, consubstanciaram carácter executivo (mesmo relativamente às injunções com fórmula executória e às livranças ali referidas, da concreta factualidade provada, não é possível extrair se reuniam todas as condições para instruir, de forma processualmente devida, as respectivas execuções, ou se teriam de ser intentadas, primeiro, acções declarativas). O que significa que, no caso dos autos, por absoluta e total falta de factos provados nesse sentido, não é possível realizar o (acima referenciado) “julgamento dentro de cada julgamento” relativamente a cada uma das acções/execuções eventualmente a instaurar pelo 2º Réu. E, o ónus de prova daqueles concretos factos incumbia, em sede processual própria, à apelante, nos termos do art. 342º, nº 1 do Cód. civil, por consubstanciarem factos constitutivos do direito de indemnização que se arroga, nomeadamente do respectivo quantum.
Por outro lado, resulta da factualidade provada sob a al. w) – que não foi objecto de impugnação – que, devido à actuação do 2º Réu, a apelante viu-se impossibilitada de proceder à instauração das acções judiciais respectivas tendentes à cobrança dos créditos referidos nas als. p) e q) dos factos provados, sendo expectável que tais acções fossem parcialmente procedentes em quantia proporcional à obtida com a instauração dos processos contra as pessoas referidas em n), o) e t) dos factos provados, ou seja, € 12.000,00.
Desta concreta factualidade e atendendo aos montantes dos alegados créditos mencionados nas várias alíneas ali referenciadas, resulta um grau ou juízo de probabilidade de vencimento em cada uma das acções que poderiam ter sido instauradas para cobrança dos créditos referidos nas als. p) e q) dos factos provados de cerca de 7% - como se extraí dos cálculos efectuados na sentença recorrida e como, nesta parte, também adianta a apelante nas alegações de recurso.
E, perante os concretos factos considerados provados nestes autos, nenhum outro juízo de probabilidade de vencimento de cada uma das acções que poderiam ter sido intentadas pelo 2º Réu pode ser aventado como verosímil, face, máxime, ao que acima se aduziu relativamente à ausência de factos para ser realizado o “julgamento dentro do julgamento” de forma a obter – ou não – um juízo de probabilidade de vencimento/procedência diverso daquele.
Assim, considerando-se, na esteira da supra citada jurisprudência, que a reparação da perda de uma chance deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser superior nem igual à vantagem que se procurava obter, julgamos que, no caso em apreço, atenta a concreta factologia apurada; a natureza da questão em discussão em cada uma das mencionadas acções não instauradas pelo 2º Réu (alegados incumprimentos, por parte de terceiros, de contratos de “franchising”); a acepção de que a obrigação do advogado é de meios e não de resultado, como se viu antes (ou seja, sobre o 2º Réu recaía o dever de intentar as acções e de diligenciar pela sua procedência, mas já não o dever de vencimento total das pretensões da apelante com cada uma dessas acções); a circunstância de não ser possível realizar “o julgamento dentro do julgamento” relativamente a cada uma daquelas acções; e a expectativa – que ficou provada (cfr. al. w) dos Factos Provados) - de que algumas daquelas acções fossem parcialmente procedentes na proporção de 7%, inexistem razões para discordar da sentença recorrida, quer no que concerne ao critério/metodologia seguido, quer relativamente ao quantum indemnizatório arbitrado, pelo que nenhuma censura merece aquela decisão, que, por isso, será de manter.
 Resta fazer umas breves considerações quanto ao demais aduzido nas alegações e Conclusões do recurso, pese embora a improcedência de todos esses argumentos resulte já evidenciada de tudo o que anteriormente se deixou explanado.
A apelante insurge-se contra a sentença recorrida porquanto entende que: caso a apelante tivesse tido a possibilidade de iniciar as referidas acções em finais do ano de 2014, utilizando, nessa altura, os documentos originais como elementos de prova (contratos de franchising e facturas vencidas e não pagas) teria certamente tido mais facilidade em obter ganho de causa nesses processos, pois as acções que veio a intentar anos mais tarde, sem esses documentos probatórios (contratos originais e facturas), foram acções em que a falta, a fragilidade ou a insuficiência da prova não possibilitou a obtenção de rápidas sentenças condenatórias, tendo a apelante sido “forçada”, por força das circunstâncias, a celebrar acordos ou transacções judiciais menos favoráveis, como forma de  conseguir recuperar uma pequena parte dos seus créditos e, que, tendo perdido a possibilidade de instaurar execuções (por falta de títulos executivos), a apelante teve de instaurar acções declarativas de condenação, muito mais morosas e com dificuldades de prova acrescidas, vendo-se, em alguns casos, “forçada” a celebrar acordos ou transacções judiciais, dado que, entretanto, as entidades devedoras já tinham a  sua capacidade financeira muito diminuídas, por força da “crise económica” que o país atravessou, situação que não se verificava, em muitos dos casos, nos anos de 2014 e 2015, tendo, muito provavelmente, nessa altura, sido possível recuperar um valor muito mais elevado, pois a situação financeira das entidades devedoras era muito melhor. E, ainda, que: a sentença recorrida não considerou os seguintes factos: as sociedades “Livre Essência, Lda.” e “Elixir dos Sentidos, Lda.” encontravam-se em plena actividade nos anos de 2014 e 2015, apresentando-se, nesses anos, com uma boa situação financeira, o que poderia ter permitido obter uma melhor cobrança dos créditos da Apelante, caso as acções tivessem sido propostas naquela altura; as entidades identificadas nas alíneas n), o) e t) dos Factos Provados só foram accionadas em 2017, também devido à falta de documentos originais que titulassem as respectivas dívidas (contratos originais e facturas vencidas e em dívida, também originais), o que motivou processos judiciais tardios, com prova débil, essencialmente testemunhal, o que levou a apelante a optar por celebrar transacções e acordos pouco favoráveis à sua pessoa, apenas no sentido de “salvar” uma pequena parte dos seus créditos; estas entidades, em 2017 e 2018, já se encontravam numa situação financeira difícil, por força da crise e de outros factores, o que dificultou, de forma significativa, a boa recuperação dos créditos da apelante; no caso do devedor Octávio Cardoso, a A. tinha duas livranças subscritas pelo próprio, acompanhadas de um documento de autorização de preenchimento, documentos esses, que constituíam títulos executivos, permitindo executar rapidamente o devedor, possibilitando a penhora de alguns bens que, em 2014 e 2015, poderiam servir para garantir o pagamento dos créditos cedidos à A. e tendo a acção contra o dito Octávio Cardoso sido instaurada em data muito posterior (não podendo ser um acção executiva, mas sim declarativa), o resultado foi necessariamente diferente, numa fase em que esse devedor já se encontrava com dificuldades económicas no seu negócio, facto que não permitiu  a cobrança integral do crédito - cfr. arts. 12º, 13º e 17º, als. a) a e) das alegações e pontos II), III), V) e VI) das Conclusões.
Ora, todos estes factos não podiam ter sidos considerados pelo tribunal a quo, nem, agora, o podem ser por este tribunal, para a aferição do juízo ou grau de probabilidade de vencimento das acções que poderiam ter sido instauradas pelo 2º Réu, porquanto, nada foi dado como provado nestes autos sobre aquele conjunto de factos, correspondendo os mesmos, inclusive, a factos novos que só agora a apelante alega, em fase processualmente inadmissível para o efeito. Acresce que, o ónus de prova de tais factos – como se sublinhou antes - incumbia à apelante, nos termos do art. 342º, nº 1 do Cód. Civil, por consubstanciarem factos constitutivos do quantum da indemnização que peticiona.
Por todo exposto, resta decidir pela manutenção da sentença recorrida, julgando-se improcedente a apelação.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a presente apelação improcedente, e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela apelante – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.
                                                *
Lisboa, 5 de Novembro de 2019
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
Dina Maria Monteiro