Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
318/11.7TNLSB-A.L1-2
Relator: JORGE VILAÇA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
SUCURSAL
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A sucursal de uma sociedade comercial com sede no estrangeiro tem personalidade judiciária para intervir, apresentando contestação, em ação em que foi chamada a intervir a título acessório a sociedade principal e na qual se discutem obrigações assumidas por esta perante sociedade portuguesa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I– Relatório

Compañia , Agência Marítima, S.L., Sucursal em Portugal interpôs recurso do despacho saneador na parte em que não admitiu a contestação que apresentou, formulando as seguintes “CONCLUSÕES”:
– A Compañia  - Agencia Marítima, S.L. - Sucursal em Portugal, tem personalidade judiciária nos termos do artigo 7.º, n.º 2 do Código de Processo Civil;
- Neste sentido, uma vez que a empresa mãe é sedeada em Espanha e contraiu uma obrigação com uma empresa com sede em Portugal, pode a sua sucursal em Portugal ser demandada;
- Foi nesse sentido que apresentou tempestivamente a contestação, a fls. 163 ss dos autos;
4ª - Acresce que, a Compañia  - Agencia Marítima, S.L. - Sucursal em Portugal não atuou como agente de navegação nos presentes autos, uma vez que não foi a entidade responsável pelo despacho do navio que transportou a mercadoria, objeto da causa;
5ª - Assim, nunca poderia esta ter sido citada nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 202/98, de 10 de julho;
6ª - Não podia o douto Tribunal a quo recusar a contestação apresentada porque a Compañia  - Agencia Marítima, S.L. - Sucursal em Portugal tem personalidade judiciária para representar a casa-mãe na presente demanda.
7ª - Até porque, ao fazê-lo, está a violar o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa que estatui o direito constitucional de acesso ao tribunal.

II- Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir:

Nos termos do art.º 639º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões da alegação do recorrente.
Assim, há que saber se é admissível a contestar da sucursal em Portugal da sociedade que contraiu obrigações com outra sociedade portuguesa.
Destaca-se do despacho saneador a parte atacada pelo presente recurso:
“2. Contestação da interveniente acessória Compañia .
A ré  - Trânsitos da ..... requereu na contestação a intervenção a título acessório da Compañia  e da ..... - Companhia de Seguros, S.A., alegando para tanto que, na qualidade de transitário e incumbida pela autora, organizou o transporte marítimo de um contentor, tendo para esse efeito contratado à primeira chamada a deslocação do mesmo e transferido para a segunda os riscos decorrentes de tal transporte, assistindo-lhe, no caso de procedência da acção, direito de regresso sobre tais sujeitos.
A autora não se opôs ao chamamento peticionado pela ré, tendo o mesmo sido atendido no despacho de fls. 128 e segs. (de 14-03-2012), o qual julgou "(...) procedente o pedido de intervenção acessória provocada de Compañia  e ..... - Companhia de Seguros, S.A., deduzido pela ré  - Trânsitos da ....., S.A. para intervirem nos autos como suas associadas".
O mesmo despacho determinou que a citação da chamada Compañia  devia ser efectuada na sede do seu agente de navegação em Portugal, atento o disposto no art. 10.° do DL n." 202/98, de 10-07.
Tal citação da chamada foi regularmente efectuada a fls. 135 a 136 e 140, com cópia do sobredito despacho.
Nessa sequência, a Compañia  - Agencia Marítima, S.L. - Sucursal em Portugal apresentou a contestação de fls. 163 e segs. (10-05-2012) a pretexto de ter sido "( ... ) chamada a intervir acessoriamente na presente acção judicial pelo facto de a ré considerar: a) Que aquela se obrigou perante a autora a efectuar o transporte marítimo do contentor BMOU 9216292, contendo, alegadamente, 672 sacos de castanhas com o peso líquido de 16 800 kg; b) Nas condições que lhe foram transmitidas pela autora, ou seja, com a temperatura a O°C; c) E que, por esse motivo, foi a interveniente acessória a entidade que incumpriu o contrato de transporte marítimo, uma vez que não respeitou as condições constantes no conhecimento de embarque respeitantes à temperatura das castanhas ( ... )".
Ora, conforme ressalta da análise do intróito da contestação, esta não provém da chamada. Melhor: não foi apresentada nem subscrita pela chamada Compañia . Corresponde, diversamente, a um articulado da autoria do agente da chamada, o qual, note-se não é parte nem interveniente e apenas participou nos autos para efeitos do recebimento da citação da chamada Compañia .
Correspondendo a contestação a um acto pessoal do citado e não cabendo no âmbito dos poderes legalmente conferidos ao agente de navegação a representação processual e em nome próprio do seu principal, ora chamado, é forçoso concluir que o articulado de fls. 163 e segs. não pode ser atendido.
Nestes termos, e com tais fundamentos, considero não escrita a contestação apresentada a fls. 163 e segs. por Compañia  - Agencia Marítima, S.L. - Sucursal em Portugal.
Notifique.”.

Conhecendo do objecto do recurso.
Por despacho transitado em julgado foi admitida a intervenção acessória de COMPAÑIA , na sequência de requerimento da ré -TRÂNSITOS DA ....., S.A., que também requereu a citação da chamada através da aqui apelante.
Nos termos do art.º 11º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), em regra quem “tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.
Em regra, as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica (art.º 5º do Código das Sociedades Comerciais – CSC).
No que respeita às sucursais o art.º 13º do NCPC, que reproduz o teor do art.º 7º do anterior código, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de setembro, estabelece o seguinte:
1 — As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado.
2 — Se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a ação derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.

O acórdão desta Relação de 16 de novembro de 2010, em que foi relatora a desembargadora Anabela Calafate, faz uma ampla análise do preceito do anterior código, em termos doutrinais, e do qual se destaca o seguinte:
De harmonia com o art. 10º al c) do Código do Registo Comercial são factos sujeitos a registo «A criação, a alteração e o encerramento de representações permanentes de sociedades, cooperativas, agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de interesse económico com sede em Portugal ou no estrangeiro, bem como a designação, poderes e cessação de funções dos respectivos representantes».
Também o art. 13º do Código das Sociedade Comerciais prevê que «a sociedade pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro.».
Por sucursal deve entender-se o estabelecimento comercial secundário, desprovido de personalidade jurídica, no qual se praticam actos comerciais do género daqueles que constituem a actividade principal da sociedade, sob a direcção do órgão de gestão da própria sociedade (cfr Abílio Neto, Código das Sociedades Comerciais, 4ª ed, pág. 116).
Já em anotação ao art. 7º do CPC de 1939 explicava Alberto dos Reis:
«As sucursais, agências, filiais ou delegações são meros órgãos através dos quais se exerce a actividade da administração principal; são órgãos de administração local, inteiramente subordinados à superintendência da administração central. Não têm personalidade jurídica. Por se abrir uma sucursal ou agência não se modifica nem se restringe a personalidade jurídica da sociedade; unicamente se facilita a sua acção, criando-se condições favoráveis ao exercício da actividade social numa determinada localidade.
Para levar mais longe a facilidade de movimentos, a lei permite que as sucursais, agências, etc., posto que não tenham personalidade jurídica, demandem e sejam demandadas; quer dizer, atribuiu personalidade judiciária às sucursais e outras delegações da administração central, a fim de se realizar mais completamente o objectivo a que obedece a criação de tais órgãos.
Mas a sua personalidade judiciária é limitada: só podem demandar e ser demandadas quando a acção proceder de acto ou facto praticado por elas. Mesmo neste caso, a personalidade judiciária dos órgãos locais não faz desaparecer a sociedade. A acção, em vez de ser proposta pela sucursal ou contra a sucursal, pode ser proposta em nome da sociedade, pela administração principal ou contra esta.
Não sucede o mesmo quando a acção emerge de acto ou facto praticado pela administração principal; então só esta pode demandar ou ser demandada. Exceptua-se o caso de a administração principal ter a sede ou o domicílio em país estrangeiro» (cfr Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., pág. 26/27).
Também no ensinamento de Antunes Varela as sucursais, agências, filiais ou delegações (das sociedades ou pessoas colectivas) «como meros órgãos de administração local que são, dentro da estrutura da sociedade ou pessoa colectiva, não gozam de personalidade jurídica, porque não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações.
Trata-se, por hipótese, de uma acção de condenação destinada a obter a amortização e os juros dum empréstimo concedido a um cliente do Banco Português do Atlântico pela filial de Coimbra. Apesar de o mutuante ser o Banco, cuja representação cabe ao conselho de gerência da sede, a filial de Coimbra goza de personalidade judiciária para propor a acção (ou para ser demandada), seja qual for a comarca onde a acção deva ser instaurada, porque a demanda nasce de um facto praticado pela dita filial. A decisão que seja proferida nesse caso goza de eficácia não apenas contra a filial directamente demandada, mas também contra o próprio Banco.
E, no caso de a pessoa colectiva ou sociedade ter a sede ou domicílio em país estrangeiro, a lei amplia a esfera de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais ou delegações estabelecidas em Portugal, ainda no mesmo propósito de «dar vida, facilidades e interesse aos órgãos de administração local das sociedades» ou pessoas colectivas. Neste caso, mesmo que a acção proceda de facto praticado pela administração principal as sucursais, agências, filiais ou delegações terão personalidade judiciária, quer para demandar quer para serem demandadas, se a obrigação a que a acção se refere tiver sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.» (cfr Manual de Processo Civil, 2ª ed, pág. 112).” (disponível em http://www.dgsi.pt – Processo n.º 487/08.3TBVFX.L1-1).

Tomando como bons tais conhecimentos, nada mais se nos oferece acrescentar.
Considerando que as obrigações contratuais em discussão nos presentes autos foram assumidas pela sociedade principal com sede em Espanha, perante uma sociedade portuguesa, a apelante, sucursal da sociedade estrangeira, tem personalidade judiciária para intervir na presente acção e, como tal, pode oferecer a respetiva contestação.
 Consideramos, portanto, que a decisão recorrida merece censura ao ter recusado a apreciação da contestação apresentada pela apelante/sucursal da chamada a intervir acessoriamente.

Em conclusão, a presente apelação terá de proceder.

IV– Decisão

Em face de todo o exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte em que decidiu considerar não escrita a contestação apresentada por Compañia  – Agência Marítima, S.L. – Sucursal em Portugal e, em consequência determina-se a aceitação da contestação rejeitada.
Sem custas, dado não ter sido apresentada contra-alegação de recurso.
Lisboa, 28 de Junho de 2018

Jorge Vilaça

Vaz Gomes

Jorge Leitão Leal