Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
478/14.5JFLSB-I.L2-5
Relator: SIMÕES DE CARVALHO
Descritores: PESSOA COLECTIVA
LEI APLICÁVEL
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
LEGITIMIDADE
CORRUPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: -A lei pessoal aplicável às pessoas colectivas é a lei do estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração.
-Não tendo sido extinta a pessoa colectiva, nem tendo sido cancelado o seu registo, estando apenas suspensa a sua inscrição, à luz do direito brasileiro, a mesma conserva a sua personalidade e capacidade judiciária, sendo, nestes termos, susceptível de ser parte processual, incluindo assistente.
-Com os crimes de corrupção, apesar de o crime não permitir necessariamente a identificação de um titular individual dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação (i.e., a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário), a incriminação protege os interesses de todos os cidadãos (y.g., o interesse em ter uma administração pública que funcione de acordo com a lei e de forma isenta).
-Ao contrário do que sucede com as outras alíneas previstas no Art.º 68º, n.° 1, do C.P.Penal, na alínea e) a pedra de toque não é a posição ou não de determinada pessoa face aos factos concretamente praticados (legitimidade em sentido estrito, se quisermos), ou o que esta saberá ou não, mas antes a gravidade, para a comunidade em geral da prática desse crime.
-Para que se determine a legitimidade da pessoa colectiva enquanto assistente nos termos do disposto no Art.º 68°, n.° 1, alínea e), do predito Código não se revela necessário que a mesma tenha alguma coisa a ver com os factos narrados na acusação deduzida a propósito do crime de corrupção imputado ao arguido e, do mesmo modo, que aporte algo de novo à investigação.
-Outrossim, não existe nenhuma exigência legal que determine a necessidade de uma pessoa, no seu requerimento para constituição como assistente, justificar ou demonstrar de que forma pretende exercer as faculdades que lhe são concedidas ao abrigo do Art.º 69°, n.° 2, do C.P.Penal.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:

 
No Processo n.º 478/14.5JFLSB da Instância Central – 1ª Secção Criminal (Juiz 14) de Lisboa da Comarca de Lisboa, por despacho de 05-07-2016 (cfr. fls. 190 a 191 v.º), no que agora interessa, foi decidido

«… Do pedido de constituição como assistente formulado por LAAI, LDa (cfr. fls. 11909 a 11912).

Veio a sociedade LAAI, LDa, a douto punho, requerer a sua constituição como assistente, nos presentes autos.

Foi dado cumprimento ao disposto no n.° 4, do art.° 68º do CPP, conforme ordenado no despacho de fls. 11989.

O M.° P.° aduziu nada ter a opor à requerida constituição como assistente (cfr. fls. 11981).

Notificados, vieram os arguidos E.M.e L.M.e J.M., a douto punho, opor-se à requerida constituição como assistente, nos termos e com os fundamentos constantes dos respectivos requerimentos que ora fazem fls. 12232 a 12236 e 12243 a 12250, que aqui se dão por reproduzidos.

Cumpre decidir:

Está em causa nos presente autos, para além do mais, a prática de factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de corrupção.

Conforme dispõe o art.° 68.° - 1 e), podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito, qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.

Não obstante o alegado, a douto punho, pelos arguidos, atenta a criminalidade indiciada, verifica-se que o requerente tem legitimidade para se constituir assistente no âmbito dos presentes autos.

Destarte, sem necessidade de mais considerandos, por estar em tempo, ter legitimidade, ter pago a taxa de justiça devida e encontrar-se devidamente representado por advogado, admito a requerente LAAI, LDa, a intervir nos presentes autos, na qualidade de assistente. - ex vi do art.° 68.°, n.° 1, al. e), do CPP.
Notifique. …»  

Os arguidos E.M.e L.M.e J.M. não aceitaram esta decisão e dela recorreram (cfr. fls. 192 a 194 v.º e 195 a 203), extraindo da motivação as seguintes conclusões:

I–Dos arguidos E.M.e L.M
    
«a)A sociedade LAAI, Lda. encontra-se dissolvida e liquidada, facto que se encontra registado desde 25/11/2013 na Junta Comercial do Estado do Pará, Brasil;
b)A dissolução e liquidação, precedida de registo, determinou a extinção da sociedade LAAI, Lda., tudo nos termos do art° 160o do Código das Sociedades Comerciais;
c)A extinção da sociedade determina a extinção da personalidade e capacidade judiciárias nos termos do art° 11o, 12o, a contrario, e 15o do C.P.C., aplicável ex vi art° 4° do CPP;
d)A LAAI, Lda. não pode ser considerada pessoa para efeitos do art° 68° n.° 1, alínea e) do C.P.P., pelo que deveria o Tribunal "a quo" indeferir o seu pedido de constituição como Assistente;
e)A 12/5/2014, por efeito da extinção da sociedade, o senhor L.E.já não era administrador da LAAI, Lda, que determina a irregularidade do mandato conferido aos advogados;
f)Existindo irregularidade do mandato deveria o Tribunal "a quo" indeferir o pedido de constituição da LAAI, Lda. por violação do preceituado no art° 70o n.° 1 do C.P.P.;
g)A irregularidade do mandato pressupõe a irregularidade de representação processual da sociedade tudo nos termos do art° 25o do CPC, aplicável ex vi art° 4° do C.P.P.;
h)Fazendo uma correcta interpretação dos factos e do direito, deveria o Meritíssimo Juiz "a quo" ter declarado a falta de capacidade e personalidade judiciária da ora Assistente LAAI, Lda, bem como a irregularidade de representação da sociedade e do mandato conferido aos senhores advogados da sociedade, indeferindo a sua constituição como Assistente;
i)Termos em que se deverá anular o douto despacho recorrido e substitui-lo por outro que indefira o pedido de constituição de Assistente requerido pela LAAI, Lda.
Nestes termos e nos demais de direito requer-se a Vossas Excelências admitam o presente recurso, por provado, e determinem a anulação do despacho recorrido, que admitiu a LAAI, Lda. a intervir como Assistente nos presentes autos, e a sua substituição por outro que indefira a referida pretensão. …».

II–Do arguido J.M.
«1.-Vem o presente recurso interposto do douto Despacho de fls. 13679 e 13680, através do qual foi admitida a constituição como Assistente da LAAI, por referência à alínea e) do n.° 1 do art. 68.° do CPP.
2.-No entendimento do ora Recorrente, o Tribunal a quo desconsiderou as exigências legalmente previstas para que a constituição de Assistente possa ter lugar.
3.-Para além disso, a constituição como Assistente não foi precedida, nem se pautou, pela apreciação dos fundamentos constantes na oposição apresentada pelo ora Recorrente, em especial, no que concerne à extinção da LAAI.
4.-Assim sendo, a Decisão em apreço carece de fundamentação, por não apreciar todos os elementos de facto e de direito necessários para que a constituição como Assistente fosse admissível.
5.-Para além disso, apesar de a LAAI ter sido constituída como Assistente com remissão expressa e exclusiva para a alínea e) do n.° 1 do artigo 68.° do CPP, cumpre destacar que, para efeitos da aplicação dessa alínea, a LAAI não pode ser considerada "pessoa", pela simples razão de a mesma se encontrar extinta desde 23 de Novembro de 2015!
6.-Ora, por efeito da sua extinção, as pessoas coletivas deixam de ter existência legal, e consequentemente personalidade jurídica.
7.-Considerando que o conceito "pessoa", utilizado na alínea e) do n.° 1 do art. 68.° do CPP, tem o significado de pessoa jurídica, nunca poderia a LAAI estar sequer abrangida por essa alínea.
8.-Não tendo personalidade jurídica, também não é possível, de acordo com o critério da coincidência previsto no artigo 5.°, n.° 2 do CPC ex vi do artigo 4.° do CPP, reconhecer-lhe personalidade judiciária, consistindo esta na suscetibilidade de se ser, em processo penal, sujeito processual.
9.-Cumpre assim destacar que na ação popular penal, o primeiro ponto relevante para a decisão de constituição de Assistente não é a natureza do crime, mas sim o facto de aquele que pretende adquirir esse estatuto, ser, efetivamente, uma «pessoa» jurídica.
10.-Perante tais conclusões, e sendo o Assistente um sujeito processual, a LAAI, por não ter personalidade jurídica nem personalidade judiciária, não cumpria, desde logo, as mais elementares exigências legais, para que pudesse ser admitida a intervir nos presentes autos como Assistente.
11.-Em suma, a Decisão a quo, ao admitir a constituição como Assistente de uma sociedade comercial extinta e, por isso, inexistente, é marcadamente inválida, devendo ser, consequentemente revogada.
12.-Mesmo que assim não se entenda - o que não se concebe, mas, aqui, por mera cautela de patrocínio se equaciona -, a LAAI não deveria, ainda assim, ter sido constituída como Assistente.
13.-Na verdade, não se verifica, nem se reconhece, que a mesma tenha atendível interesse em agir ou que possa, de algum modo, ser útil para a presente instrução ou julgamento, para a descoberta da verdade e para a realização do Direito.
14.-Não obstante, in casu, estar em discussão a prática de um dos crimes elencados na alínea e) do n.° 1 do art. 68.° do CPP, a decisão pela constituição de Assistente não pode, em nenhum momento, menosprezar o estatuto que o legislador reservou a esse sujeito processual.
15.-Assim, a decisão pela constituição como Assistente deve pautar-se sempre pelo teor do artigo 69.° do CPP.
16.-Portanto, a admissibilidade de alguém como Assistente, deve justificar-se pela possível colaboração dessa pessoa na detecção e processamento do crime em apreciação.
17.-Pessoa esta que terá de assumir uma postura ativa na descoberta da verdade, de molde a auxiliar na investigação da existência do crime, no requerimento de diligências, na necessária recolha de provas e, eventualmente até para deduzir acusação.
18.-Tal como decorre da lei, sem essas possibilidades, não será legalmente admissível a intervenção de qualquer pessoa enquanto Assistente no processo.
19.-Com efeito, o artigo 69.° CPP deve servir de matriz inspiradora e conformadora da interpretação que se faça do artigo 68.°, n.° 1, al. e), possibilitando uma leitura corretiva.
20.-Ora, neste caso - e com relevância para o que infra se concluirá - inexiste qualquer alusão, referência ou intervenção da LAAI, por mais direta ou indireta que seja, remota ou próxima.
21.-A LAAI, em nenhum momento, vem referenciada ou associada aos factos narrados na Acusação deduzida a propósito do crime de corrupção imputado ao aqui Recorrente J.M..
22.-Nessa medida, não poderá a extinta LAAI colaborar com o Ministério Público no exercício das competências legalmente fixadas ao Assistente. Nesta temática - e com relevância para o que infra se concluirá - inexiste qualquer alusão, referência ou intervenção da extinta Recorrida LAAI. por mais direta ou indireta que seja, remota ou próxima.
23.-Em suma, a Recorrida LAAI é absolutamente alheia a essa temática; veio (ilegal e ilegitimamente) aos autos procurar fazer valer os seus (ilegítimos) interesses, sendo óbvia a sua incapacidade para exercer as especiais competências do Assistente no que a esta parte do objeto do processo diz respeito.
24.-Deste modo, por falecer à Recorrida a legitimidade legalmente fixada para intervir nos presentes autos na qualidade de Assistente, nos termos dos artigos 68.°, n.° 1, alínea e) e 69.°, n.°s 1 e 2, do CPP, não deveria ter sido admitida a sua intervenção nessa qualidade, devendo, consequentemente, ser revogada a douta Decisão recorrida.
(…)

Nestes termos e nos demais de Direito cujo douto suprimento de V. Exas. se invoca, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência:
I.-Deverão ser conhecidos e julgados procedentes os vícios apontados à Decisão Recorrida, com as consequências legais que daí derivem;
II.-Deverá ser reconhecida a manifesta ilegalidade do Despacho Recorrido, por força do não preenchimento dos requisitos legalmente exigidos, determinando-se, em consequência, a revogação e substituição da mesma por outra decisão que não admita a constituição como Assistente.».

Admitidos os recursos (cfr. fls. 204 e v.º) vieram, de seguida, apresentar respostas o Mº Pº (cfr. fls. 409 a 412 v.º e 413 a 417) e a assistente LAAIs, Ld.ª (cfr. fls 418 a 423 e 424 a 435), concluindo, respectivamente:

A–Mº Pº.

-Ao recurso interposto pelos arguidos E.M.e L.M.
«1.-O Mmº Juiz do Tribunal a quo, em 06.07.2016, admitiu a constituição como Assistente da sociedade "LAAI, Lda", ao abrigo do disposto na al. e) do n°. 1 do Art°. 68° do CPP;
2.-Do respectivo comprovante de inscrição e da situação cadastral da sobredita sociedade, em 19/08/2016, constava que a situação cadastral da mesma se encontrava "Suspensa", desde 15/11/2014, consulta in http://www.empresascnpi.com e in "Empresas do Brasil", doc 1 e 2;
3.-Da consulta à "D&B Global Reference Solution", à mesma data, constava que a "LAAI, Lda" estava activa, doc. 3;
4.-Em declarações que L.E., na qualidade de sócio e administrador único da "LAAI" prestou em 25 de Fevereiro de 2015, no âmbito dos autos de Arresto, apensos a estes autos, referiu que aquela sociedade estava apenas em processo de encerramento, doc 4;
5.-Uma vez que a "LAAI, Lda" não foi extinta nem foi requerido e efectuado o cancelamento do seu registo, estando apenas suspensa a sua inscrição, tem a sobredita sociedade capacidade e personalidade judiciária;
6.-Em consequência do acima referido, L.E. tinha à data, como ainda agora tem, legitimidade para representar a sociedade e outorgar, como fez, o respectivo mandato, enquanto administrador da sobredita sociedade, não se verificando qualquer irregularidade.
7.-Em conclusão, bem andou o Mmo Juiz "a quo" que considerou verificados todos os pressupostos e, consequentemente, admitiu a "LAAI" a intervir como assistente, não enfermando a respectiva decisão de qualquer vício (não violando qualquer preceito legal e/ou constitucional), mostrando-se perfeitamente justificada, pelo que deverá manter-se.
Mantendo, pois, nos seus precisos termos a decisão recorrida, Vª. Ex.ªs decidirão como de Direito e Justiça,»

-Ao recurso interposto pelo arguido J.M.

«1.-O Mmº Juiz do Tribunal a quo, em 06.07.2016, admitiu a constituição como Assistente da sociedade "LAAI, Lda", ao abrigo do disposto na al. e) do nº. 1 do Artº. 68° do CPP;
2.-Do respectivo comprovante de inscrição e da situação cadastral da sobredita sociedade, em 19/08/2016, constava que a situação cadastral da mesma se encontrava "Suspensa", desde 15/11/2014, consulta in http://www.empresascnpj.com e in "Empresas do Brasil", doc 1 e 2;
3.-Da consulta à "D&B Global Reference Solution", à mesma data, constava que a "LAAI, Lda" estava activa, doc. 3;
4.-Em declarações que L.E., na qualidade de sócio e administrador único da "LAAI" prestou em 25 de Fevereiro de 2015, no âmbito dos autos de Arresto, apensos a estes autos, referiu que aquela sociedade estava apenas em processo de encerramento, doc. 4;
5.-Uma vez que a "LAAI, Lda" não foi extinta nem foi requerido e efectuado o cancelamento do seu registo, estando apenas suspensa a sua inscrição, tem a sobredita sociedade capacidade e personalidade judiciária;

6.-Nos termos do disposto na al. e) do n°. 1 do Art°. 68° do CPP "Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito:
(...)
e)-Qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de (...) corrupção (...)".

7.-Nem o Art°. 68° nem o Art°. 69° do CPP fazem depender essa constituição de assistente, como pretende o Recorrente, do facto dessa pessoa ter que estar associada ao aludido crime de corrupção.
8.-Em conclusão, bem andou o Mmo Juiz "a quo" que considerou verificados todos os pressupostos e, consequentemente, admitiu a "LAAI" a intervir como assistente, não enfermando a respectiva decisão de qualquer vício (não violando qualquer preceito legal e/ou constitucional), mostrando-se perfeitamente justificada, pelo que deverá manter-se.
Mantendo, pois, nos seus precisos termos a decisão recorrida, Vª. Ex.ªs decidirão como de Direito e Justiça».

B-Assistente LAAIs, Ld.ª.

-Ao recurso interposto pelos arguidos E.M.e L.M.
«A.-A LAAI tem a sede principal e efectiva da sua administração situada no Brasil, motivo pelo quaL nos termos do artigo 3.°, n.° 1 do Código das Sociedades Comerciais, e 33.°, n.° 1 e 2 do Código Civil, a sua lei pessoal que regula matérias como a capacidade e extinção da pessoa colectiva, é a lei Brasileira.
B.-A LAAI não foi dissolvida e liquidada, e, consequentemente, extinta, encontrando-se, sim, em processo de liquidação em decorrência do documento correspondente ao "Distrato Social da Sociedade Limitada LAAIs, Lida." assinado em 21 de Outubro de 2013, por L.E..
C.-O processo de liquidação da LAAI está em curso e só se finalizará quando forem cumpridas as obrigações de pagamento assumidas, entre outros, pelos Arguidos J.M.e I.O. no Settlement que celebraram com a LAAI em 9 de Outubro de 2012.
D.-Esta mesma conclusão se extrai do "Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral da LAAI", emitido em 18 de Janeiro de 2016, do "Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral da LAAI", extraído em 19 de Agosto de 2016, pelo Ministério Público, e da informação retirada, na mesma data, do site "Empresas do Brasil", documentos que indicam que a situação cadastral da LAAI se encontra "Suspensa" desde 15 de Novembro de 2014, e ainda da consulta à "D&B Global Reference Solution", realizada também pelo Ministério Público, da qual resultou que na mesma data - 19 de Agosto de 2016 -, a LAAI se encontrava activa.
E.-O tema da alegada extinção da LAAI tinha já sido aduzido pela Co-Arguida I.O. perante o United States District Court for the Southern District of Florida, em acção intentada pela LAAI, tendo o referido tribunal entendido, em decisão proferida em 3 de Novembro de 2014, que a LAAI tinha (e tem), à luz do direito Brasileiro, capacidade judiciária para prosseguir naquela acção.
F.-De tudo o exposto resulta inequivocamente que a LAAI não foi extinta nem o seu registo foi cancelado, estando apenas suspensa a sua inscrição à luz do direito Brasileiro, mantendo-se intacta a sua personalidade e capacidade judiciária, tendo legitimidade para ser constituída assistente ao abrigo das alíneas a) e e), do n.° 1, do artigo 68.° do CPP, conforme requereu em 13 de Maio de 2016.
G.-Defendem ainda os Arguidos que "Encontrando-se a sociedade extinta e registada a referida extinção desde 25/11/2013 o senhor L.E.já não era Administrador da sociedade quando outorgou a procuração".
H.-Ora, resultando do que acima se expôs que a LAAI não se encontra extinta, e sendo indubitável que L.E.era à data em que a procuração foi outorgada, como ainda hoje é, o único sócio e administrador da LAAI, torna-se inevitável concluir pela falta de cabimento da alegada irregularidade do mandato conferido pela LAAI aos seus mandatários.
I.-Assim, tudo visto e ponderado, é forçoso concluir que, ao contrário do pugnado pelos Arguidos, a LAAI não foi extinta, e, consequentemente: (i) mantém a sua personalidade, capacidade e legitimidade judiciária, podendo ser constituída assistente neste processo ao abrigo das alíneas a) e e), do n.° 1, do artigo 68.° do CPP; e, (ii) encontra-se regularmente representada por advogado, conforme requerido pelo artigo 70.°, n.° 1 do CPP, por via do mandato conferido pelo seu sócio e administrador único L.E..
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELOS ARGUIDOS E.M. E L.M., ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.»

-Ao recurso interposto pelo arguido J.M.

«A.-Ao contrário do defendido pelo Arguido J.M. no seu recurso, a fundamentação da Decisão Recorrida está expressa, é clara e é inquestionavelmente suficiente, não padecendo aquela de quaisquer vícios, nomeadamente, o vício de falta de fundamentação.
B.-O Tribunal a quo indica que ponderou os argumentos aduzidos pelo Arguido J.M., com os quais não concordou, e apontou claramente os fundamentos de facto e de direito da sua decisão: a LAAI estava em tempo, tem legitimidade para o efeito, pagou a taxa de justiça devida, e encontra-se devidamente representada por advogado, motivo pelo qual admitiu a sua intervenção nos autos na qualidade de assistente, ao abrigo do artigo 68.°, n.° 1, alínea e), do CPP.
C.-Quanto à personalidade jurídica da LAAI e a sua susceptibilidade para ser parte em juízo cumpre, em primeiro lugar, lembrar que a LAAI tem a sede principal e efectiva da sua administração situada no Brasil, motivo pelo qual, nos termos do artigo 3.°, n.° 1 do Código das Sociedades Comerciais, e 33.°, n.° 1 e 2 do Código Civil, a sua lei pessoal, que regula matérias como a capacidade e extinção da pessoa colectiva, é a lei Brasileira.
D.-A LAAI não foi extinta encontrando-se, sim, em processo de liquidação, em decorrência do documento correspondente ao "Distrato Social da Sociedade Limitada LAAIs, Ltda." assinado em 21 de Outubro de 2013, por L.E..
E.-O processo de liquidação da LAAI está em curso e só se finalizará quando forem cumpridas as obrigações de pagamento assumidas, entre outros, pelos Arguidos J.M. e I.O. no Settlement que celebraram com a LAAI em 9 de Outubro de 2012.
F.-Esta mesma conclusão se extrai do "Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral da LAAI”, emitido em 18 de Janeiro de 2016, do "Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral da LAAI", extraído em 19 de Agosto de 2016, pelo Ministério Público, e da informação retirada, na mesma data, do site "Empresas do Brasil", documentos que indicam que a situação cadastral da LAAI se encontra "Suspensa" desde 15 de Novembro de 2014, e ainda da consulta à "D&B Global Reference Solution", realizada também pelo Ministério Público, da qual resultou que na mesma data - 19 de Agosto de 2016 -, a LAAI se encontrava activa.
G.-O tema da alegada extinção da LAAI tinha já sido aduzido pela Co-Arguida I.O. perante o United States District Court for the Southern District of Florida, em acção intentada pela LAAI, tendo o referido tribunal entendido, em decisão proferida em 3 de Novembro de 2014, que a LAAI tinha (e tem), à luz do direito Brasileiro, capacidade judiciária para prosseguir naquela acção.
H.-Assim, tudo visto e ponderado, uma vez que a LAAI não foi extinta nem o seu registo foi cancelado, estando apenas suspensa a sua inscrição, à luz do direito Brasileiro e conforme já foi decidido noutras instâncias, a mesma deverá conservar a sua personalidade e capacidade judiciária, sendo, consequentemente, susceptível de ser parte processual, incluindo assistente.
I.-No que concerne à correcta interpretação da alínea e), do n.° 1, do artigo 68.° do CPP, a letra da lei é clara ao determinar que qualquer pessoa - seja singular ou colectiva - pode constituir-se assistente em processos nos quais esteja em causa a prática de um dos crimes expressamente referidos no aludido preceito.
J.-Esta norma pretende consagrar uma excepção à necessidade de o Assistente ser ofendido, exactamente porque os crimes aí previstos tutelam bens jurídicos com relevância comunitária e supra individual, sendo o objectivo claro do legislador, entre o mais, que todos estejam atentos à prática dessas infracções e que todos possam participar activamente nos processos-crime que sejam instaurados pela prática dessas mesmas infracções.
K.-É o que sucede com os crimes de corrupção - apesar de o crime não permitir necessariamente a identificação de um titular individual dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação (i.e., a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário), a incriminação protege os interesses de todos os cidadãos (v.g., o interesse em ter uma administração pública que funcione de acordo com a lei e de forma isenta).
L.-Sendo este o objectivo claro do legislador, não é legítimo, por um lado, que se tenha que verificar um interesse em agir no caso concreto, e, por outro lado, que se pretenda restringir, através de uma interpretação conjugada com o disposto no artigo 69.° do CPP, como pretende o Arguido, a legitimidade para qualquer pessoa se constituir como assistente nestes casos.
M.-Isto porque, (i) o artigo 69.° do CPP em nada está relacionado com a determinação da legitimidade para a constituição como Assistente, não podendo daí extrair-se requisitos implícitos para o efeito; (ii) não cabe ao juiz de instrução fazer um juízo de prognose através do qual determina qual a relevância e papel activo que determinada pessoa poderá ter no âmbito do processo-crime; e, (iii) o papel do assistente no processo penal não se restringe à colaboração com o Ministério Público, sendo muito mais abrangente que isso.
N.-Em consequência, para que se determine a legitimidade da LAAI enquanto Assistente nos termos do disposto no artigo 68.°, n.° 1, alínea e), do CPP: (i) não é necessário que a LAAI tenha alguma coisa a ver com os factos narrados na Acusação deduzida a propósito do crime de corrupção imputado ao Arguido J.M. e (ii) não é necessário que a LAAI aporte algo de novo à investigação.
O.-Donde se conclui que sendo a LAAI uma pessoa colectiva, e estando em causa nos presentes autos, entre outros, crimes de corrupção, a LAAI tem legitimidade para se constituir como assistente, ao abrigo do disposto no artigo 68.°, n.° 1, alínea e) do CPP, pelo que andou bem o Tribunal a quo ao admitir a sua intervenção nos presentes autos nessa qualidade, sendo de manter, por isso, a Decisão Recorrida.
P.-No requerimento de constituição de assistente apresentado pela LAAI em 13 de Maio de 2016, esta requereu a sua constituição como assistente ao abrigo, não só da alínea e) do n.° 1 do artigo 68.° do CPP, mas também da alínea a) do mesmo artigo, cuja apreciação ficou prejudicada unicamente pela circunstância de se encontrarem preenchidas as condições estabelecidas na referida alínea e).
Q.-Não obstante, caso este Venerando Tribunal venha a admitir o entendimento proclamado pelo Arguido J.M., no sentido da ilegitimidade da constituição como assistente da LAAI ao abrigo da alínea e) do n.° 1 do artigo 68.° do CPP - o que não se admite -, sempre essa constituição terá de ser admitida ao abrigo da referida alínea a) do mesmo artigo.
R.-Parte dos arguidos neste processo, incluindo o Arguido J.M., foram acusados e pronunciados, entre o mais, pela prática de crimes de abuso de confiança e branqueamento, sendo que os factos que consubstanciam a prática destes crimes se encontram alegados nos artigos 1.° a 60.° da Decisão Instrutória, e estão todos estreita e directamente relacionados com a LAAI.
S.-Decorre inequivocamente dos referidos artigos da Decisão Instrutória que o crime de abuso de confiança cometido pelo Arguido J.M. se consubstancia na apropriação ilícita dos 11.869.273,00 USD pertencentes à LAAI, e o crime de branqueamento se materializa na dissimulação da origem ilícita da referida quantia, através, entre outros, da participação na criação de sociedades comerciais e na aquisição de veículos em nome de terceiros.
T.-Deste modo, é absolutamente evidente e incontestável que é a LAAI a titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação dos factos em causa, dos quais o Arguido J.M.foi acusado e, agora, também pronunciado, motivo pelo qual a LAAI preenche o conceito de "Ofendido" nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.° 1 do artigo 68.° do CPP.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVEM  SER JULGADOS IMPROCEDENTES OS VÍCIOS E ILEGALIDADES APONTADOS À DECISÃO RECORRIDA, JULGANDO-SE IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO J.M., ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.»

Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos (cfr. fls. 601.

Exarado o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.º 419º do C.P.Penal.
         
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
*

Vejamos:

Os objectos dos recursos, em face das conclusões das respectivas motivações, reportam-se

A–Dos arguidos E.M.e L.M.
1–Por força da respectiva extinção, carecia a LAAI, Ldª de personalidade e capacidade judiciárias, em consequência do que deveria ter sido indeferido o pedido de constituição como assistente, até porque, além do mais, não sendo já L.E. administrador da mesma, sempre seria irregular o mandato conferido aos seus advogados.

B–Do arguido J.M.
1–Pretensa ocorrência do vício de falta de fundamentação, designadamente por a decisão em crise não ter apreciado todos os elementos de facto e de direito necessários para que a constituição como assistente fosse admissível.
2–Pretensa invalidade da decisão recorrida, que deve ser revogada, uma vez que admitiu a constituição como assistente de uma sociedade comercial extinta, sendo certo até que, além do mais, a mesma não tem qualquer atendível interesse em agir ou que possa, de algum modo, ser útil para a presente instrução ou julgamento, para a descoberta da verdade e para a realização do Direito.

Por sua vez, impõe-se, de imediato, salientar que o conhecimento das supra indicadas questões há-de ser feito pela seguinte ordem:
-Em primeiro lugar, o respeitante ao n.º 1 do ponto B;
-Finalmente, o concernente àquilo que diz respeito ao n.º 1 do ponto A e ao n.º 2 do ponto B.       
         
Desta forma, em primeiro lugar, torna-se forçoso, de imediato, referir que o Art.º 97°, n.º 5 do C.P.Penal dispõe que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, aliás, em obediência ao que se encontra preceituado no Art.º 205° da C.R.P..

Ora, compulsada a decisão em crise, verifica-se, desde logo, que a respectiva fundamentação se apresenta como inequivocamente clara e suficiente.

E dizemos isto até porque, da mesma, decorre que o Tribunal a quo, depois de ter ponderado os argumentos aduzidos pelo arguido J.M., veio a concluir, em sentido contrário ao por este propugnado, que a LAAI, Ldª (doravante, LAAI) tinha legitimidade para se constituir assistente no processo de que estes autos derivam.

Em consequência de que por a mesma, também, estar em tempo, ter pago a taxa de justiça devida e encontrar-se devidamente representada por advogado, admitiu-a a intervir nos sobreditos autos, na qualidade de assistente, ao abrigo do estatuído no Art.° 68°, n.° 1, alínea e), do C.P.Penal, disposição de direito que considerou aplicável in casu.

Acresce que, tal como acertadamente defende a recorrida, para devidamente fundamentar a sua decisão, os tribunais não têm de rebater todos os argumentos avançados pelas partes, mas tão-somente sustentar a decisão tomada, o que, de forma inquestionável, ocorreu na situação concreta.

Em nossa opinião, inexistiu, pois, qualquer manifesta omissão ou sequer insuficiência de fundamentação.

De todo o modo, não se pode olvidar que o dever de fundamentação encontra respaldo, entre o mais, na necessidade de os visados com a decisão compreenderem os fundamentos que levaram o tribunal a adoptar determinado entendimento, por forma a poderem sindicá-lo ou a com este se conformarem.

Sendo, aliás, evidente - até por que assim o comprova o recurso apresentado pelo arguido J.M. - que o mesmo compreendeu os fundamentos que levaram o Tribunal a quo a rejeitar a sua pretensão e que já supra se deixaram enunciados.

Entendendo-se, outrossim, que a aplicação da antedita norma deverá ser imediata, bastando que, no caso sub judice, esteja em causa a prática de um dos crimes aí especificados.

Nesta conformidade, ao contrário do que sustenta o supra mencionado recorrente, não se nos afigura que a decisão impugnada padeça de quaisquer vícios, designadamente o de falta de fundamentação.

Derradeiramente, importa, desde logo, salientar ser inequívoco que a LAAI é uma sociedade de direito brasileiro, com sede em, Belém - PA, Brasil, registada na Junta Comercial do Estado do Pará sob o n.° 1520100246-1, e inscrita no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica sob o n.º … (cfr. documentos juntos a fls. 1643 a 1653 do Processo n.° 235/14.9TELSB-A).

Conforme resulta do n.° 1 do Art.º 3° do Código das Sociedades Comerciais: "As sociedades comerciais têm como lei pessoal a lei do estado onde se encontre situada a sede principal e efectiva da sua administração. (...)".

De igual modo, verifica-se estatuir o n.° 1 do Art.º 33° do C. Civil que: "A pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração".

Acrescentando, ainda, o n.° 2 de tal artigo, a título exemplificativo, um conjunto de matérias que integram o estatuto pessoal da pessoa colectiva, nomeadamente, no que toca à sua capacidade, dissolução e extinção.

Em face do que acaba de se expender, resulta que a lei pessoal aplicável às pessoas colectivas é a lei do estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração.

Nesta conformidade, defendeu-se já no acórdão da Relação de Lisboa de 20-07-2010, relatado pela Exm.ª Desembargadora Margarida Bacelar, in www.dgsi.pt, que "O artigo 33.°, n.º 1, do Código Civil determina que a pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva administração".

Sendo que à mesma conclusão chega Luís Lima Pinheiro ao referir que "O artigo 33.°n.º 1 determina que a pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva administração; Portanto, o Direito da sede da administração releva hoje, em princípio, para a definição do estatuto pessoal de todas as pessoas colectivas estaduais de Direito privado" (cfr. Direito Internacional Privado, Págs. 133 e 134, Vol. II, “Direito de Conflitos, Parte Especial”, 3.ª Edição – Outubro de 2009).

Ora, a LAAI tem a sede principal e efectiva da sua administração no Brasil, sendo-lhe por isso aplicável, em matérias que versam sobre a capacidade e extinção da pessoa colectiva, as disposições legais que integram aquele ordenamento jurídico.

Sustentam os arguidos E.M.e L.M.e J.M. a tese de que a LAAI se encontra extinta, e, consequentemente, está desprovida de capacidade e personalidade judiciária, bem como de legitimidade, para ser sujeito processual.

Todavia, afigura-se-nos que a argumentação dos sobreditos recorrentes não encontra suporte factual nem legal à luz do direito aplicável.

O que, de imediato, decorre da circunstância de, em 21-10-2013, L.E., único sócio e gerente da LAAI, ter assinado o documento correspondente ao "Distrato Social da Sociedade Limitada “LAAIs, Ltda." (çfr. documento de fls. 1623 do Processo n.° 235/14.9TELSB-A).

Destarte, a LAAI, na altura em que foi proferida a decisão impugnada, encontrar-se-ia em processo de liquidação.

Aliás, como explica o próprio L.E., em declaração datada de 30-06-2014, junta ao processo judicial intentado pela LAAI contra a co-Arguida I.O., nos Estados Unidos da América, e no âmbito do qual este tema foi suscitado: o processo de liquidação da LAAI está em curso e só se finalizará quando forem cumpridas as obrigações de pagamento assumidas, entre outros, pelos Arguidos J.M.e I.O.no Settlement que celebraram com a LAAI em 09-10-2012 (cfr. documento de fls. 1315 a 1317 do Processo n.° 235/14.9TELSB-A, com tradução a fls. 1451 a 1454 do mesmo processo).

Conclusão que, de igual modo, se extrai do "Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral da LAAI”, emitido em 18-01-2016, do qual consta que a situação cadastral actual da LAAI está "Suspensa" desde 15-11-2014, e não extinta, como seria o caso se a sociedade se tivesse, de facto, extinguido em 25-11-2013, tal como alegam os recorrentes (cfr. documento junto a fls. 1622 do Processo n.° 235/14.9TELSB-A).

O mesmo resulta também do "Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral da LAAI", extraído em 19-08-2016, pelo Ministério Público, e da informação retirada, na mesma data, do site "Empresas do Brasil", cujos registos indicam que a situação cadastral da LAAI se encontra "Suspensa" desde 15-11-2014 (cfr. documentos juntos a fls. 1644 a 1648 e 1652 a 1653 do Ptocesso n.° 235/14.9TELSB-A).

Finalmente, não pode deixar de se atentar, ainda, na consulta à "D&B Global Reference Solution", realizada também pelo Ministério Público, da qual resultou que na mesma data - 19-08-2016 -, a LAAI se encontrava activa (cfr. documento junto a fls. 1649 e 1650 do Processo n.° 235/14.9TELSB-A).

É que, se assim não fosse, o crédito da LAAI teria sido reclamado em juízo pelo seu sócio e administrador único que, nos termos da legislação brasileira, permanecerá, depois da extinção da LAAI, como titular dos seus créditos e débitos posteriormente constituídos ou verificados.

Outrossim, torna-se forçoso não olvidar que a presente argumentação tinha já sido aduzida pela co-Arguida I.O., em Março de 2013, perante o United States District Court for the Southern District of Florida, em acção intentada pela LAAI.

Contudo, sem sucesso, na medida em que aquele tribunal entendeu, em decisão proferida em 03-11-2014, que a LAAI tinha (e tem), à luz do direito brasileiro, capacidade judiciária para prosseguir naquela acção (cfr. documento de fls. 1319 a 1332 do Processo n.° 235/14.9TELSB-A, com tradução a fls. 1455 a 1469 do mesmo processo).

Tendo o Prof. Keith S. Rosenn, especialista em direito brasileiro da University of Miami School of Law, em parecer elaborado a pedido do United States District Court for the Southern District of Florida e essencial para a tomada de decisão desse Tribunal, sustentado que: "(…) mesmo se o processo de dissolução estivesse completo, a LAAI ainda teria condição para manter essa ação para cobrança da dívida a ela devida. Conforme explicam Ricardo Fiuza e Newton De Lucca em seu comentário sobre o Direito da Empresa, Livro II da Parte Especial do Código Civil de 2002: Mesmo com sua dissolução, uma empresa continua a existir e, como consequência, sua personalidade jurídica permanece saudável e só desaparece com a ocorrência posterior da extinção, A tese da subsistência da personalidade jurídica, mesmo após a dissolução da empresa, foi expressamente adotada pela Lei das Sociedades Anônimas, como pode ser verificados nos artigos 207 e 219.” (cfr. documento de fls. 1333 a 1344 do Processo n.° 235/14.9TELSB-A, com tradução a fls. 1470 a 1482 do mesmo processo).

E, ainda, na mesma sede, que: "Desde que o registro não tenha sido cancelado, uma pessoa jurídica brasileira como a LAAI continua a ter personalidade jurídica e pode processar e ser processada em seu próprio nome. Mas mesmo se, por alguma razão, o registo tenha sido cancelado, o que no Brasil significaria que a pessoa jurídica perdeu a sua capacidade processual, um tribunal brasileiro não rejeitaria simplesmente uma acção como a que a LAAI ajuizou neste Tribunal, por falta de posição. Em vez disso, um tribunal brasileiro daria à LAAI a oportunidade de restabelecer o seu registro, se possível, ou permitiria que dos seus cotistas representasse a LAAI".

Assim, inexistem dúvidas de que, uma vez que a LAAI não foi extinta nem o seu registo foi cancelado, estando apenas suspensa a sua inscrição, à luz do direito brasileiro e conforme já foi decidido noutras instâncias, a mesma conserva a sua personalidade e capacidade judiciária, sendo, nestes termos, susceptível de ser parte processual, incluindo assistente, conforme requereu em 13-05-2016.

E, como tal, verificando-se que L.E. era, à data em que a procuração foi outorgada, como ainda o era à data da prolação da decisão impugnada, o único sócio e administrador da LAAI, torna-se inevitável concluir pela falta de cabimento da alegada irregularidade do mandato conferido pela mesma aos seus mandatários.

Pelo que, também, o requisito da regular representação por advogado previsto no Art.º 70°, n.° 1 do C.P.Penal se encontra preenchido no caso sub judice.

Por sua vez, de acordo com o estabelecido no Art.º 68°, n.° 1, alínea e), do C.P.Penal, podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito, qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.


Verifica-se, pois, que a letra da lei é clara ao determinar que qualquer pessoa - seja singular ou colectiva - pode constituir-se assistente em processos nos quais esteja em causa a prática de um dos crimes expressamente referidos no aludido preceito (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª Edição Revista e Actualizada, Págs. 215 e seg.).

O legislador não restringiu, assim, a legitimidade para a constituição como assistente, nestes casos, à verificação de nenhum outro requisito que não o facto de estar a ser investigada ou julgada a prática de um dos crimes aí expressamente previstos.
Desta forma, para além do elemento literal, afigura-se-nos que deverá o intérprete ter em linha de conta que o legislador pretendeu, com a supra referida alínea do n.º 1 do Art.º 68° do C.P.Penal, distanciar-se da necessidade de o assistente ser ofendido, enquanto titular do bem jurídico que a norma violada pretende tutelar.

Significa isto que tal alínea mais nada visa consagrar senão uma excepção a essa necessidade, exactamente porque os crimes aí previstos tutelam bens jurídicos com relevância comunitária e supra individual.

Até por que se constata ser objectivo claro do legislador, entre o mais, que todos estejam atentos à prática das preditas infracções e que todos possam participar, activamente, nos processos-crime que sejam instaurados pela prática dessas mesmas infracções.

Sendo que, nesta conformidade, a sobredita alínea «alarga o âmbito dos que podem constituir-se assistentes, em razão da natureza e da relevância dos bens jurídicos protegidos por estas incriminações, em matéria de violações do direito internacional humanitário (Lei n° 31/2004, de 22 de Julho), de crimes contra a realização do Estado de direito (artigo 335º do CP), de crimes contra a realização da justiça (artigos 368°, 369°), de crimes cometidos no exercido de funções públicas (artigos 372° a 377° e 382° do CP), de crime de responsabilidade de titular de cargo político (artigos 16° a 18°, 20° a 23° e 26° da Lei n° 34/87, de 16 de julho) e de crimes contra a economia (artigos 36° e 37° do Decreto-Lei n. ° 28/84, de 20 de janeiro). Qualquer pessoa, desde que maior de 16 anos de idade, pode exercer o seu direito de cidadania de contribuir de forma construtiva para a declaração do direito do caso, o que dá cumprimento ao "desejo de uma colaboração de todos os particulares na deteção e processamento de tais infracções”. (...) A. circunstância de não ser identificável um titular individual dos interesses que a lei quis especialmente proteger com esta incriminação não deve obstar a que uma pessoa individual se constitua assistente se em relação a ela ainda se puder dizer que a incriminação também protege os seus interesses» (cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Edição de 2016, Págs. 48 e 49).

É o que sucede, com os crimes de corrupção - apesar de o crime não permitir necessariamente a identificação de um titular individual dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação (i.e., a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário), a incriminação protege os interesses de todos os cidadãos (y.g., o interesse em ter uma administração pública que funcione de acordo com a lei e de forma isenta).

Tanto assim o é, que tem sido entendido que este artigo prevê uma forma de acção popular penal, justificada exactamente pelo facto de os crimes aí previstos corresponderem a graves violações de bens jurídicos relativos à comunidade como um todo.

Nesta perspectiva, inexistem dúvidas de que "a alínea e) prevê uma espécie ou forma de «acção popular penal», através da atribuição do direito à constituição de assistente a «qualquer pessoa»; a constituição de assistente em processos pelos crimes referidos é considerada pelo legislador como uma expressão do exercício de um direito de cidadania, face à natureza e relevância comunitária dos valores universais da dignidade da pessoa humana, ou não individualizáveis em direitos próprios - protegidos pelos crimes referidos" (cfr. Código de Processo Penal Comentado, Edição de 2014, 8a anotação ao Art.º 68° da autoria do Exm.º Conselheiro Antunes Gaspar, Pág. 242).

Assim, ao contrário do que sucede com as outras alíneas previstas no Art.º 68º, n.° 1, do C.P.Penal, na alínea e) a pedra de toque não é a posição ou não de determinada pessoa face aos factos concretamente praticados (legitimidade em sentido estrito, se quisermos), ou o que esta saberá ou não, mas antes a gravidade, para a comunidade em geral da prática desse crime.

E, neste sentido, não se pode olvidar que "como se vem referindo, a al. a) restringe o estatuto de ofendido ao titular do interesse especialmente protegido pelo tipo legal de crime.

É certo que a al. e) admite, nos crimes aí referidos, a constituição como assistente de "qualquer pessoa", independentemente da averiguação do "interesse" que ela possa ter na perseguição da infracção. Trata-se, obviamente, de uma ampliação, mas não do conceito de ofendido, antes do âmbito da legitimidade, que é alargada a não ofendidos, o que tem a ver com opções político-legislativas de outra natureza, concretamente com a preocupação de incentivar a participação e a "vigilância" cívicas na perseguição daquelas infracções.

A definição de "ofendido" mantém-se a da al. a), estando assim circunscrito ao titular do bem juridicamente protegido. Esta a conclusão inexorável imposta pela lei" (cfr. acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. de 17-11-2010, relatado pelo Exm.º Conselheiro Maia Costa, in www.dgsi.pt).

Ora, sendo este o objectivo claro do legislador, não é legítimo, por um lado, que se tenha que verificar um interesse em agir no caso concreto, e, por outro, que se pretenda restringir, através de uma interpretação conjugada com o disposto no Art.º 69° do C.P.Penal, a legitimidade para qualquer pessoa se constituir como assistente nestes casos.

E dizemos isto porque, em primeiro lugar, a supra mencionada norma em nada está relacionada com a determinação da legitimidade para a constituição como assistente, não podendo daí extrair-se requisitos implícitos para o efeito.

Por sua vez, em segundo lugar, não compete ao juiz de instrução fazer um juízo de prognose através do qual determina a relevância e papel activo que uma certa pessoa poderá ter no âmbito do processo-crime, antes lhe cabendo, apenas, aferir se, em face do que prevê o Art.º 68° do mesmo Código, existe ou não legitimidade para a constituição dessa pessoa como assistente.

Aliás, à revelia do que sustenta o arguido J.M., o Art.º 69° do antedito diploma de direito adjectivo penal não gera uma obrigatoriedade, para o assistente, de praticar os actos aí previstos.

Esses actos constituem tão-somente meras faculdades de que goza o assistente, enquanto sujeito processual e que, como qualquer faculdade, podem ou não ser exercidas.

Sem que qualquer consequência negativa advenha para o assistente do seu não exercício.

Em terceiro lugar, o conceito de assistente enquanto colaborador do Ministério Público não estará, porventura, a ser apreciado com toda a amplitude devida por parte do arguido J.M., conforme acertadamente defende a LAAI.

É que o papel do assistente no processo penal, de forma alguma, se pode restringir à colaboração na investigação, como parece pretender o sobredito arguido, antes se constatando ser muito mais do que isso.

Pense-se, por exemplo, na hipótese de o assistente, nos processos relativos a crimes públicos - como é o caso do crime de corrupção -, poder requerer a abertura da instrução, sindicando a decisão do Ministério Público de não acusar[1].

Sem que tal implique sequer, necessariamente, a produção de prova por parte do assistente[2].

Estabelece-se aqui, pois, um dos exemplos flagrantes de que não só o assistente não actua como mero colaborador do Ministério Público, uma vez que pode sindicar a sua decisão, levando ao prosseguimento do processo, constituindo o seu requerimento de abertura de instrução, nestes casos, uma verdadeira acusação em termos materiais,                 
De todo o modo, não age apenas como investigador, já que a sua actuação ao longo do processo-crime não depende, exclusiva ou necessariamente, do aporte de factos ou provas à investigação.

Aliás, o próprio Art.º 69°, n.° 2, do C.P.Penal, revela isso mesmo, ao referir que: "2 - Compete em especial aos assistentes:
a)Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias e conhecer os despachos que sobre tais iniciativas recaírem;
b)Deduzir acusação independente da do Ministério Público e. no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza:
c)Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça".

Em suma, verifica-se, sem margem para qualquer dúvida, que:
(i)-a legitimidade para constituição como assistente tem requisitos próprios, previstos expressamente no Art.º 68° do C.P.Penal, sendo que, no caso previsto na alínea e) do seu n.° 1, apenas é exigido que esteja em causa a prática de um dos crimes aí previstos;
(ii)-a legitimidade para constituição como assistente não depende de um juízo de prognose relativamente à concreta actuação que determinada pessoa possa vir a ter no processo, em especial, ao exercício das faculdades concedidas no Art.º 69°, n.° 2, do C.P.Penal.

Destarte, somos da opinião, pois, que, para que se determine a legitimidade da LAAI enquanto assistente nos termos do disposto no Art.º 68°, n.° 1, alínea e), do predito Código não se revela necessário que a mesma tenha alguma coisa a ver com os factos narrados na acusação deduzida a propósito do crime de corrupção imputado ao arguido J.M. e, do mesmo modo, que aporte algo de novo à investigação.

Outrossim, não existe nenhuma exigência legal que determine a necessidade de uma pessoa, no seu requerimento para constituição como assistente, justificar ou demonstrar de que forma pretende exercer as faculdades que lhe são concedidas ao abrigo do Art.º 69°, n.° 2, do C.P.Penal.

Tal implicaria que, também por parte do assistente, se exigisse um juízo de prognose, desde logo, quanto aos factos ou elementos probatórios de que possa vir a ter conhecimento no decurso do processo, de seguida, quanto ao facto de vir a ser ou não deduzida acusação pelo Ministério Público, ainda, quanto ao facto de virem a existir ou não fundamentos para requerer a abertura da instrução e, finalmente, quanto ao facto de vir a ser proferida decisão desfavorável que determine a interposição de recurso, o que não faz qualquer sentido.

Sendo que, no limite, significaria que o assistente não poderia sequer definir uma estratégia processual que não fosse exposta aos olhos de todos os outros sujeitos processuais.

Em face de tudo quanto acaba de se expender, revela-se, assim, inequívoco que a LAAI tem legitimidade para se constituir como assistente, ao abrigo do disposto no Art.º 68.°, n.° 1, alínea e), do predito diploma de direito adjectivo penal, tal como acertadamente entendeu o Tribunal a quo ao admitir a sua intervenção nos presentes autos nessa qualidade.

De seguida, importa referir que, no requerimento de constituição de assistente apresentado pela LAAI, em 13-05- 2016, se constata ter esta impetrado a sua constituição como assistente ao abrigo quer da alínea a), quer da alínea e), do n.° 1 do Art.º 68° do sobredito Código (cfr. fls. 180 e v.º).

Sendo que, na decisão impugnada, se deferiu o pedido da LAAI, determinando a sua constituição como assistente, desde logo, ao abrigo da alínea e) do n.° 1 do Art.º 68° desse mesmo diploma de direito adjectivo penal.

Não tendo o Tribunal a quo chegado a apreciar o pedido da LAAI para ser constituída assistente ao abrigo da alínea a) do n.° 1 do supra mencionado normativo, uma vez que o mesmo ficou prejudicado, unicamente, pela circunstância de se encontrarem preenchidas as condições estabelecidas na alínea e) do mesmo preceito.

Assim sendo, mesmo que se estivesse perante a ilegitimidade da constituição como assistente da LAAI, nos termos da alínea e) do n.° 1 do Art.º 68° do C.P.Penal, sempre essa constituição teria de ser admitida, de acordo com a referida alínea a) desse mesmo artigo.

É que, na verdade, tal disposição legal prevê que podem constituir-se assistentes, no processo penal, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos.

Com efeito, parte dos arguidos no processo em causa nestes autos, incluindo o arguido J.M., foram acusados e pronunciados, entre o mais, pela prática de crimes de abuso de confiança e branqueamento.

Inexistindo dúvidas de que os factos que consubstanciam a prática destes crimes constam dos Art.ºs 1° a 60° da Decisão Instrutória e estão todos estreita e directamente relacionados com a LAAI (cfr. fls. 205 a 408 v.º).

Até por que, conforme resulta dessa mesma decisão instrutória, o predito arguido se terá apropriado ilicitamente da quantia de 11.869.273,00 USD, a esta pertencente, utilizando-a, entre outros, pelo menos, na aquisição de imóveis, carros e participações sociais.

Para proceder as estas (e outras) operações, o arguido J.M. terá dispersado a quantia da qual se apropriou "através de transferências várias que realizou para outras Instituições Financeiras e deu ordens de pagamento para diferentes beneficiários, sabendo que a multiplicidade de movimentos bancários, através de várias contas abertas, fazendo girar o dinheiro de conta para conta, constituía um factor que dificultava o seguimento do respectivo trajecto, o que quis”.

Com referência ao crime de branqueamento, resulta, ainda, da decisão instrutória que o mesmo arguido terá praticou actos (como a compra de carros em nome de terceiros, e a participação na criação de sociedades comerciais) tendentes à ocultação da origem das quantias ilicitamente obtidas, assim as fazendo entrar no giro comercial normal.

Por força do que acaba de se deixar exarado, revela-se, pois, manifesto que o crime de abuso de confiança eventualmente cometido pelo arguido J.M. se consubstanciou na apropriação ilícita dos 11.869.273,00 USD pertencentes à LAAI.

E que o crime de branqueamento se terá materializado na dissimulação da origem ilícita da referida quantia, através, entre outros, da participação na criação de sociedades comerciais e na aquisição de veículos em nome de terceiros.

Assim sendo, mais nada nos resta senão concluir que, na perspectiva do que acaba de assinalar, a LAAI se apresenta como a titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação dos factos em causa, dos quais o arguido J.M. foi acusado e, agora, também pronunciado.

Sendo que disto decorre, incontestavelmente, que a antedita sociedade preenche o conceito de "ofendido" nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.° 1 do Art.º 68° do C.P.Penal.

Destarte, perante tudo o que acaba de se expender, torna-se forçoso concluir que inexiste violação de quaisquer preceitos legais e, muito menos, dos indicados nas respectivas motivações.
*

Pelo exposto, acordam os juízes em negar provimento aos recursos interpostos, confirmando, na sua plenitude, a decisão recorrida.
Custas por cada um dos arguidos recorrentes, fixando-se, respectivamente, a taxa de justiça em 4 UC.


Lisboa, 14-02-2017


(Relator): José Simões de Carvalho
(Adjunto): Maria Margarida Bacelar


[1]Refere o artigo 287°, n.° 1, alínea b), do CPP: “1. A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento: (...) b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação".
[2]Aliás, nos termos do artigo 287°, n.° 2, do CPP, o requerimento deverá conter "em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.° 3 do artigo 283º. (...)".