Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5495/19.6T8LSB.L1-1
Relator: FERNANDO BARROSO CABANELAS
Descritores: TRANSFORMAÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
INEFICÁCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O instituto de transformação de sociedades previsto nos artigos 130º a 140º-A do CSC tem um regime legal distinto da simples alteração de sociedade.
2. Tal regime específico não consome necessariamente a regra geral do artº 86º, nº2, do CSC.
3. O regime específico da transformação incide nas caraterísticas do novo tipo societário assumido.
4. As cláusulas do novo tipo que não sejam caracterizadoras do tipo estão sujeitas ao princípio obrigacionista segundo o qual “Não é juridicamente admissível que a vontade maioritária possa impor a algum sócio e contra a sua vontade, o aumento de obrigações por este livremente assumidas”.
5. As prestações suplementares não são caracterizadoras de qualquer tipo societário. Assim, a transformação da sociedade, na parte em que envolve o aumento das prestações impostas aos sócios cai na alçada do artº 86º, nº2, ficando sujeita ao regime de ineficácia por falta de consentimento para os sócios que nelas não tenham consentido.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

 
I – Relatório:


A…, B…, C…, e D…, intentaram ação declarativa, sob a forma comum, contra E…, peticionando que:
a) se declare que as deliberações das Assembleias Gerais da Ré realizadas em 16 de agosto de 2017 e 9 de novembro de 2018 ineficazes relativamente aos Autores, nos termos do artigo 55.º do Código das Sociedades Comerciais, por violação dos artigos 85.º e 86.º do Código das Sociedades Comerciais;
b) e, em consequência, se declarem ineficazes todos os atos e deliberações da sociedade subsequentes às deliberações ineficazes atrás mencionadas, entre as quais as deliberações tomadas na assembleia geral de 12 de fevereiro de 2019, em que se delibera a exclusão dos Autores;
c) ou, caso assim não entenda, se declarem inválidas, por nulidade nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e d), todas as deliberações atrás mencionadas;
d) ou se declarem anuladas as deliberações tomadas na assembleia de 12 de fevereiro de 2019, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. c) e n.º 4, alíneas a) e b) o Código das Sociedades Comerciais.
Para tanto e em síntese alegam que são sócios da Ré e que em 16.08.2017 terá reunido a assembleia geral da Ré, tendo sido aprovada a transformação desta de sociedade anónima para sociedade por quotas. Foram ainda aprovados os novos estatutos, que prevêem no artigo 4.º, n.º 3 a possibilidade de, por deliberação maioritária dos sócios, a sociedade exigir prestações suplementares de capital até ao montante global de dez vezes o valor do capital social. A lei exige o consentimento dos sócios para esta alteração, sendo que os Autores não deram o seu acordo. A falta de consentimento determina a ineficácia da deliberação nos termos do artigo 55.º do Código das Sociedades Comerciais. A ineficácia afeta as deliberações subsequentes da sociedade. Alegam ainda que as deliberações aprovadas em 12.02.2019 são nulas por o Autor … não ter sido convocado e ter sido impedido de participar na assembleia geral. As deliberações das assembleias gerais de 16.08.2017, 19.07.2018, 5.10.2018, 9.11.2018 e 2.02.2019 são ainda nulas por serem ofensivas dos bons costumes e de preceitos imperativos. As deliberações de ratificação e de atribuição de efeito retroativo são nulas e ineficazes por violação dos artigos 85.º e 86.º do Código das Sociedades Comerciais, na medida em que apenas por unanimidade pode ser atribuída a eficácia retroativa.
Por último, alegam que as deliberações de 12.02.2019 são anuláveis nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea c) e 4, alíneas a) e b) do Código das Sociedades Comerciais.
A ré contestou, arguindo a exceção de caducidade uma vez que os Autores não impugnaram as deliberações aprovadas nas várias assembleias no prazo de 30 dias previsto no artigo 59.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais. Alega ainda que, face aos erros na convocatória da assembleia geral de 16.08.2017, foi convocada a assembleia geral de 5.10.2018, na qual foi renovada a deliberação aprovada na primeira assembleia. Posteriormente, face à invocação de vícios pelos Autores, foi convocada a assembleia geral de 9.11.2018 que ratificou as deliberações de 19.07.2018 e de 5.10.2018.
Mais alega que o Autor … não comunicou formalmente à sociedade que, na sequência do seu divórcio com a Autora …, as ações na titularidade desta tinham ficado para si, não tendo a sociedade recebido a carta invocada na petição inicial. Esta carta também não seria suficiente para o averbamento das ações em seu nome.
Notificados, os Autores vieram responder à exceção, propugnando pela sua improcedência.
Foi demonstrado nos autos o registo da presente na conservatória do registo comercial competente.
Foi prolatado saneador-sentença com o seguinte dispositivo:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro ineficaz relativamente aos Autores a deliberação da assembleia geral da Ré de aprovação dos estatutos da Ré quanto ao seu artigo 4.º, n.º 3, aprovada na assembleia geral de 16.08.2017, renovada pela deliberação de 5.10.2017, posteriormente ratificada pela deliberação de 9.11.2018, que introduziu a obrigação de realização de prestações suplementares pelos sócios;
b) Declaro ineficaz quanto aos Autores a deliberação da assembleia geral da Ré de 19.07.2018 (ratificada pela deliberação aprovada na assembleia geral de 9.11.2018) de realização de prestações suplementares de capital, no montante de vinte mil euros, por todos os sócios, no prazo de trinta dias, a contar da data da assembleia geral, ao abrigo do n.º 3 do artigo 4.º do contrato de sociedade;
c) Declaro nulas as deliberações da assembleia geral da Ré de 12.02.2019, de exclusão de sócios dos Autores ...
Fixo o valor da ação em 329.601,45 € - artigos 296.º, n.º 1, 301.º, 305.º, n.º 4 e 306.º, n.º 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil.
Custas pela Ré – artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
Inconformada com a decisão, a ré apelou, formulando as seguintes conclusões:
1) O instituto da transformação das sociedades previsto no Capítulo XI do Título I, do Código das Sociedades Comerciais prevê um regime próprio, que prevalece sobre os demais preceitos do Código das Sociedades Comerciais, e que é, quer formalmente, quer substancialmente distinto da alteração do pacto social previsto co Capítulo VIII do mesmo Código;

2) O regime da transformação das sociedades, manda, no artº. 134º do CSC, proceder a três deliberações separadas – aprovação do balanço; aprovação da transformação e aprovação do contrato “pelo qual a sociedade passará a reger-se”.

3) Em momento algum a Lei fala em alteração do contrato quando se refere à transformação das sociedades;

4) As sociedades anónimas, por imposição legal, não preveem, nos seus estatutos, a realização de prestações suplementares de capital; Tal inexistência não é um direito especial de um ou de todos os sócios, mas tão somente uma impossibilidade legal; Assim, nenhum sócio pode, por tal, opor-se, nos termos da alínea c) do artº. 131º do CSC, à transformação da sociedade de sociedade anónima em sociedade por quotas;

5) A deliberação de transformação de uma sociedade anónima em sociedade por quotas, ou existe validamente na ordem jurídica e é oponível a todos os sócios ou não existe;

6) A Lei não admite nem prevê a possibilidade de uma deliberação de transformação da sociedade ser ineficaz para um ou um conjunto de sócios, criando-se assim o absurdo de uma sociedade existir constituída, em simultâneo sob a forma de sociedade anónima ou sociedade por quotas;

7) A possibilidade de, na sociedade Ré, poderem ser exigidas prestações suplementares a todos os sócios até um determinado montante, resulta não de uma alteração do pacto social da sociedade, mas sim do novo pacto criado em virtude da transformação da sociedade Ré de sociedade anónima em sociedade por quotas.

8) Não tendo sido declaradas nulas, nem anuladas as deliberações pelas quais a Ré deliberou a sua transformação de sociedade anónima em sociedade por quotas, procedendo às três deliberações que impõe o artº. 134º do CSC, são tais deliberações válidas, obrigatórias e oponíveis a todos os sócios;

9) Sendo válida a deliberação de transformação de sociedade anónima em sociedade por quotas não é legitimo a um qualquer sócio defender que a deliberação de transformação (como decide a douta sentença) não lhe é oponível, pelo que é ineficaz em relação a ele, bem como não lhe é oponível determinado preceito do pacto social da sociedade o que determina que este seja ineficaz em relação a ele, pelo que deve ser revogado o decidido nas alíneas a) e b) da douta sentença por violação de lei;

10) Não havendo qualquer alegação de qualquer motivo para declarar nula a deliberação tomada na assembleia geral da Ré de 12-02-2019 – deliberação de exclusão dos referidos sócios por não terem cumprido com a obrigação de realização de prestações suplementares de capital – a não ser o facto de se entender que são ineficazes em relação a estes sócios as deliberações que levaram à transformação da sociedade Ré, de sociedade anónima em sociedade por quotas, esta declaração de nulidade formulada na alínea c) da douta sentença terá que ser revogada por violação de Lei.

11) A douta sentença viola assim o disposto nos artºs. 130º, 134º, 86º, nº2 e 56º, nº 1, todos do Código das Sociedades Comerciais,
Termos em que a douta sentença em apreço deve ser substituída por outra que absolva a ré do pedido.
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Foi junto pela recorrente um parecer jurídico.
Os autos foram aos vistos das excelentíssimas adjuntas.

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II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são, assim, o enquadramento da obrigação de prestação de prestações suplementares como alteração contratual ou a sua sujeição exclusiva ao instituto da transformação de sociedades; se tal regime específico consome, no caso vertente, a regra geral do artº 86º, nº2, do CSC, ou seja, se a tutela dos sócios descontentes com a transformação tem de ser exclusivamente achada na prerrogativa conferida pelo artº 137º, nº2, do CSC;
consequências da posição assumida na validade da deliberação de exclusão dos sócios que não realizaram as prestações suplementares.

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III – Factos provados:

São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:
1. A Ré …. é uma sociedade comercial, com o capital social de 329.601,45 Euros, que tem como objeto social executar e dar parecer em trabalhos de arquitetura e engenharia, nomeadamente planeamento, gestão, coordenação e acompanhamento de obras, construção civil, investimentos imobiliários e turísticos; compra e venda de imóveis; arrendamento e revenda de imóveis; arrendamento e revenda de imóveis adquiridos para esse fim.

2. Do registo comercial da Ré constam como sócios:
a) …., titular de uma quota no valor nominal de 195.034,15 €;
b) …., titular de uma quota no valor nominal de 71.616,00 €;
c) …., titular de uma quota no valor nominal de 33.588,74 €;
d) …., titular de uma quota no valor nominal de 15.039,36 € e
e) …., titular de uma quota no valor nominal de 14.323,20 €.

3. Do livro de atas da Ré consta a ata n.º 43, com o seguinte teor:  “Aos 16 do mês de agosto do ano de dois mil e dezassete, pelas quinze trinta horas e trinta minutos, reuniu na sede social (…) em segunda convocatória, em sessão extraordinária, a Assembleia Geral da sociedade ….(…) A realização da presente reunião da Assembleia Geral Extraordinária tem como objetivo discutir os assuntos relacionados com a ordem de trabalhos da convocatória enviada pelo Presidente do Conselho de Administração em representação do Presidente da Assembleia Geral. O Presidente do Conselho de Administração …. verificou a integral regularidade do processo convocatório, pelo que a Assembleia ficou regularmente constituída e em condições de deliberar validamente. Estão presentes o acionista …. representado pelo senhor …., representando 59,17 % (…) do peso acionista da empresa. O Presidente do Conselho de Administração propôs aos Senhores acionistas a seguinte ordem de trabalhos, que mereceu a aprovação dos senhores acionistas presentes:
1. Ponto Um – Decisão sobre o projeto de Transformação da …. de Sociedade Anónima para Sociedade por Quotas. (…) Deu-se início à reunião extraordinária com a leitura pelo Presidente do Conselho de Administração do ponto único da ordem de trabalhos. O Presidente do Conselho de Administração apresentou a proposta e relatório do Conselho de Administração justificação da transformação da empresa de Sociedade Anónima para sociedade por quotas, tendo referido ter como objetivo principal agilizar todo o processo de gestão corrente da sociedade por quotas, quando comparado com a sociedade anónima. Esta proposta foi aprovada por 59,17 % do peso acionista da empresa e por unanimidades dos presentes. (…) Após a análise do conjunto de documentos apresentados foi aprovado por unanimidade dos senhores acionistas presentes transformar a atual sociedade anónima …. para …., com o capital social de 329.601,45 euros, bem como foram aprovados os novos estatutos que seguidamente se reproduzem integralmente: CONTRATO DE SOCIEDADE (…) ARTIGO QUATRO UM: O Capital social, integralmente realizado em dinheiro, é de trezentos e vinte e nove mil e seiscentos e um Euros e quarenta e cinco cêntimos, e corresponde a soma de cinco quotas. (…)
DOIS: poderão os sócios mediante deliberação da Assembleia Geral, fazer suprimentos à sociedade, quando necessário, para o bom andamento dos negócios.
TRÊS: Por deliberação maioritária dos sócios poderão ser exigidas prestações suplementares ao capital até ao montante global igual a dez vezes o valor do capital social.  (…)”.
4. Em 19 de julho de 2018 foi lavrada ata notarial no Cartório Notarial de …., com o seguinte teor: “No dia dezanove de julho de dois mil e dezoito, pelas dezassete horas e trinta minutos, na Avenida da Liberdade, n.º …., em Lisboa, reuniu em primeira convocatória, a assembleia geral da sociedade comercial por quotas com a firma …. 
(…) Estavam presentes os sócios:
1) …., representada pelo gerente, …. (…)
2) Sociedade …., representada pelo gerente …. (…)
Não estavam presentes nem se fizeram representar: Os sócios:
a) ….;
b) ….;
c) ….. A presente assembleia geral foi regularmente convocada, nos termos da convocatória de vinte e nove de junho de dois mil e dezoito (anexo IV), de onde constava a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto Um: Ratificação da aprovação das contas e Relatórios referentes aos anos de dois mil e treze, dois mil e catorze, dois mil e quinze, dois mil e dezasseis e dois mil e dezassete, bem como aos contratos verbais de suprimentos e de prestações suplementares, que têm vindo a ser realizados pelos sócios ….e …., até ao final do ano de dois mil e dezassete, e deliberação, no caso de ratificação, da atribuição de efeito retroativo às datas das iniciais deliberações.
Ponto dois: Deliberação sobre o Aumento de Capital da sociedade dos atuais trezentos e vinte e nove mil e seiscentos e um euros e quarenta e cinco cêntimos para o valor de trezentos e cinquenta mil euros, por entradas, em dinheiro, a subscrever de imediato e a realizar, no prazo máximo de trinta dias, por todos os sócios, na proporção da quota de cada um.
Ponto três: No caso de o Aumento de Capital Social previsto no ponto anterior, não ser aprovado, deliberar sobre a realização de prestações suplementares de Capital no valor de vinte mil euros, por todos os sócios, a realizar ao abrigo do disposto no número três do artigo quarto dos estatutos da sociedade. (…) Entrou-se, de seguida, no ponto dois da ordem de trabalho (…) Os sócios presentes acordaram que não deveriam submeter a votação a proposta de aumento de capital e, por isso, o presidente da mesa passou ao ponto três da ordem de trabalhos. No âmbito do terceiro ponto da ordem de trabalhos, o representante da sócia maioritária e gerente da empresa propôs que fossem realizadas prestações suplementares de capital, no montante de vinte mil euros, a realizar, por todos os sócios, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 4.º do contrato de sociedade. Apresentou, por isso, a votação uma proposta no sentido de ser aprovada a realização de prestações suplementares de capital, por todos os sócios, no prazo de trinta dias, a contar da presente data, ao abrigo do n.º 3 do artigo 4.º do contrato de sociedade. Esta proposta foi aprovada com o voto favorável de todos os sócios presentes. (…)”.
5. Do livro de atas da Ré consta a ata n.º 46, com o seguinte teor: “Aos cinco dias do mês de outubro do ano de dois mil e dezoito, pelas dezassete horas, reuniu (…) a assembleia geral da sociedade …. estando presentes os sócios, que assinaram a lista de presenças que fica arquivada (…) Estava assim presente a sócia …., titular de  x ações, representando um capital de 195 284,15 (…), a sócia …., titular de x ações, representando um capital de 33 346,20 (…) Estão assim presentes na assembleia geral, acionistas que representam 61 295 ações, o que totaliza um capital de 228 630,35 (…) capital este que representa 69,366 por cento do capital social da sociedade. Assim, existe nesta assembleia quórum constitutivo (…) Dado que não estava presente o Presidente da Mesa da Assembleia Geral nem o Revisor Oficial de Contas que o substituiria, foi por unanimidade das sócias presentes, indicado como Presidente da Mesa da Assembleia Geral, …. e Secretário da Mesa da Assembleia Geral, …., para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos: Ponto Único: Renovar a deliberação tomada na assembleia geral do passado dia dezoito de agosto de dois mil e dezassete, pelas quinze horas e trinta minutos, que tinha como ponto único da ordem de trabalhos, decisão sobre o projeto de transformação da …. de sociedade anónima para sociedade por quotas e, em caso de renovação sobre a atribuição, ou não, de efeitos retroativos à data daquela deliberação que é o dia dezoito de agosto de dois mil e dezassete.  Aberta a sessão foi discutido o ponto único da ordem de trabalhos tendo sido deliberado, por unanimidade de todos os sócios presentes e/ou representados, o seguinte:
a) Que o capital está integralmente liberado e estão totalmente realizadas as entradas contratualmente convencionadas.
b) Que o balanço da sociedade mostra que o seu património não é inferior à soma do capital e reserva legal;
c)  Não há sócios com direitos especiais;
d) A sociedade não emitiu obrigações convertíveis em ações ainda não totalmente reembolsadas ou convertidas; Os sócios tomaram conhecimento do relatório justificativo da transformação que é acompanhado dos documentos referidos no número um do artigo cento e trinta e dois do Código das Sociedades Comerciais, sendo que a administração através de declaração do seu Presidente do Conselho de Administração assegurou que a situação patrimonial da sociedade não sofreu modificações significativas desde a data a que se reporta o balanço considerado. Perante o referido os sócios deliberaram por unanimidade, nas três votações, separadamente realizadas, a aprovação do balanço nos termos do número um e dois do artigo cento e trinta e dois do Código das Sociedades Comerciais, a aprovação da transformação, a aprovação do contrato pelo qual a sociedade se passa a reger. (…) Mais foi deliberado, também por unanimidade do capital presente e/ou representado, atribuir às deliberações tomadas caráter retroativo, que a retroação seja para o dia dezoito de agosto de dois mil e dezassete.  (…)”.

6. Do livro de atas da Ré consta a ata n.º 47, com o seguinte teor: “Aos nove dias do mês de novembro do ano de dois mil e dezoito, pelas dezassete horas, reuniu (…) a assembleia geral da sociedade …. (…)  Estavam presentes os sócios:…, representada pelo gerente ….;  a sociedade …., representada pelo gerente, ….(…) Não estavam presentes nem se fizeram representar, os sócios: a) Sociedade ….; b) ….c) Sociedade …..
A presente assembleia geral foi regularmente convocada, nos termos da convocatória de vinte e dois de julho de 2018, de onde consta a seguinte ordem de trabalhos: Ponto Único: Ratificação do deliberado nas Assembleias Gerais da sociedade do passado dia dezanove de julho de 2018 e do passado dia cinco de outubro de 2018, bem como deliberar sobre a atribuição de efeitos retroativos à data das deliberações iniciais, no caso de as ratificações virem a ser deliberadas. Assumiu a presidência da assembleia geral, o gerente da Sociedade …., …. e representante da sócia maioritária. O presidente começou por verificar que estavam devidamente representados os sócios titulares de duas quotas correspondentes a sessenta e nove vírgula trinta e seis por cento do capital social, dando de seguida início aos trabalhos. De seguida o presidente leu o ponto da ordem de trabalhos, tendo de seguida entrado na análise e discussão do ponto único da ordem de trabalhos (…) Foi de seguida lida a ata da Assembleia geral de dezanove de julho de 2018 (anexo 5), que se considera para todos os efeitos transcrita na presente na presente ata, pretendendo-se por à consideração dos sócios a ratificação das deliberações tomadas na assembleia geral de dezanove de julho de 2018: (…)  Entrando-se na terceira parte do ponto único da Ordem de trabalhos: Ratificar a realização de prestações suplementares de capital, no montante de vinte mil euros, a realizar, por todos os sócios, no prazo de 30 dias, a contar da presente data, nos termos do n.º 3, do artigo 4.º, do contrato da sociedade, de acordo com o documento elaborado com previsão dos custos considerados indispensáveis para cumprir as obrigações de gestão corrente da sociedade, para os anos de dois mil e dezoito e dois mil e dezanove (anexo 8)
A proposta de ratificação de realização de prestações suplementares nos termos em que foi formulada, com efeito retroativo à data das deliberações iniciais, teve o voto favorável de ambos os sócios presentes (portanto, por unanimidade dos sócios presentes). O presidente da presente assembleia geral, passou de seguida a leitura integral da ata da Assembleia geral de cinco de outubro de 2018 (anexo 9), que se considera para todos os efeitos transcrita na presente na presente ata, pretendendo-se por à consideração dos sócios a ratificação das deliberações tomadas nesta assembleia geral com efeito retroativo à data das deliberações iniciais:
Ponto Único: Renovar a deliberação tomada na assembleia geral do passado dia dezoito de agosto de dois mil e dezassete, pelas quinze horas e trinta minutos, que tinha como ponto único da ordem de trabalhos, decisão sobre o projeto de transformação da …. de sociedade anónima para sociedade por quotas e, em caso de renovação sobre a atribuição, ou não, de efeitos retroativos à data daquela deliberação que é o dia dezoito de agosto de dois mil e dezassete.  Foi deliberado, por unanimidade de todos os sócios presentes e/ou representados, o seguinte:
a) Que o capital está integralmente liberado e estão totalmente realizadas as entradas contratualmente convencionadas.
b) Que o balanço da sociedade mostra que o seu património não é inferior à soma do capital e reserva legal;
c)  Não há sócios com direitos especiais;
d) A sociedade não emitiu obrigações convertíveis em ações ainda não totalmente reembolsadas ou convertidas; Os sócios tomaram conhecimento do relatório justificativo da transformação que é acompanhado dos documentos referidos no número um do artigo cento e trinta e dois do Código das Sociedades Comerciais, sendo que a administração através de declaração do seu Presidente do Conselho de Administração assegurou que a situação patrimonial da sociedade não sofreu modificações significativas desde a data a que se reporta o balanço considerado. Perante o referido os sócios deliberaram, por unanimidade, nas três votações separadamente realizadas, a aprovação do balanço nos termos do número um e dois do artigo cento e trinta e dois do Código das Sociedades Comerciais, a aprovação da transformação, a aprovação do contrato pelo qual a sociedade se passa a reger. (…) Mais foi deliberado, também por unanimidade do capital presente e/ou representado, atribuir às deliberações tomadas caráter retroativo, que a retroação seja para o dia dezoito de agosto de dois mil e dezassete. Tendo sido ratificado pelos sócios presentes as decisões tomadas nas duas assembleias gerais realizadas em dezanove de julho de 2018 e cinco de outubro de 2018 e deliberado, por unanimidade, terem estas decisões efeito retroativo à data das deliberações iniciais, foi dada por terminada a reunião. (…)”.

7. Em 5 de dezembro de 2018, a Ré enviou aos Autores …., …. e ….. cartas registadas com aviso de receção, com além do mais, o seguinte teor: “(…) Em vinte e três de outubro de 2018 o signatário, gerente da sociedade …. convocou, nos termos da lei, por carta registada (que anexamos como anexo 1) uma nova assembleia geral da sociedade, para nove de Novembro de 2018, para deliberar sobre a ratificação do deliberado nas assembleias gerais do passado dia dezasseis de agosto de 2017, dia dezanove de julho de 2018 e dia cinco de outubro de 2018 que foram, alegadamente, irregularmente convocadas.
Nessa assembleia geral estiveram presentes os sócios …. e …., que ratificaram o deliberado. Nessa assembleia foi ratificado a obrigação de os sócios prestarem à sociedade prestações suplementares de capital do montante de vinte mil euros, correspondendo assim ao sócio ….. a realização de prestação no valor de onze mil oitocentos e trinta e quatro euros e cinquenta cêntimos, ao sócio ….a realização de uma prestação no valor de dois mil trinta e oito euros e dez cêntimos, ao sócio …., a realização de uma prestação no valor de quatro mil trezentos e quarenta e cinco euros e setenta cêntimos, ao sócio ….., a realização de uma prestação no valor de oitocentos e sessenta e nove euros e dez cêntimos, ao sócio …., a realização de uma prestação no valor de novecentos e doze euros e sessenta cêntimos. Até ao momento os sócios …., …. e …. não procederam à realização das prestações. Nos termos do nº 1 do artº … 212º do Código das Sociedades Comerciais é aplicável a obrigação de efetuar prestações suplementares de capital o disposto no artº. 204º e 205º do mesmo Código. Deste modo, dado que já passou o prazo de 30 dias para a realização da prestação e as mesmas não foram prestadas pelos sócios …., ….. e …., prestações no valor de 4345,70 € (quatro mil trezentos e quarenta e cinco euros e setenta cêntimos) 869,10 € (oitocentos e sessenta e nove euros e dez cêntimos) e 912,60 € (novecentos e doze euros e sessenta cêntimos) respetivamente, vem a sociedade avisar, por carta registada, nos termos do nº 1 do artº. 204º do mencionado Código que, a partir do 30º dia seguinte à receção desta carta ficam todos e cada um dos três mencionados sócios sujeitos à exclusão e perda total ou parcial da quota, no caso de não procederem ao pagamento das mencionadas quantias até ao prazo referido. (…)”.

8. Os Autores não realizaram as prestações suplementares.

9. Em 12 de fevereiro de 2019 foi lavrada ata notarial no Cartório Notarial de …. com o seguinte teor: “No dia doze de fevereiro de dois mil e dezanove, na Avenida da Liberdade, número … em Lisboa, pelas dezoito horas, reuniu, em sessão extraordinária e, a solicitação do gerente …., perante mim, ….., notário do cartório Notarial de Lisboa (…) a assembleia geral da …. (…) Encontravam-se presentes o referido gerente, ….(…), em representação, na qualidade de  gerente, da sócia …., titular de uma quota com o valor nominal de cento e noventa e cinco mil e trinta e quatro euros e quinze cêntimos, e …. (…) · em representação, na qualidade de gerente, da sócia …., titular de uma quota com o valor nominal de trinta e ‘três · mil quinhentos e oitenta e oito euros e setenta e quatro cêntimos. Encontrava-se ainda presente ….(…) Ainda antes do início dos trabalhos, o referido ….manifestou a sua estranheza quanto ao facto de, de há algum tempo a esta parte, não ser convocado para as assembleias gerais, tendo sonetado aos sócios presentes que ficassem arquivadas a instruir o presente instrumento público de ata cópias dos documentos através dos quais comunicara à sociedade – por mensagem de correio eletr6nico enviada ao gerente …. em vinte e cinco de novembro de dois mil e dezasseis e por este recebida na mesma data, e, posteriormente, por correio, em nove de janeiro de dois mil e dezassete – a transmissão a seu favor das (à data) ações que eram tituladas por sua ex-mulher, …., na sequência da dissolução, por divórcio do seu casamento e da subsequente partilha do património conjuga. O gerente …. referiu não ser admissível o arquivo dos documentos em causa na medida em que a referida carta nunca fora recebida pela sociedade até à data e que a troca de mensagens de correio eletrónico tinha apenas por objetivo solicitar os elementos e documentos necessários à posterior formalização da I transmissão das ações. Tendo em conta o atrás referido, o mencionado …. enfatizou que o atual titular da participação saciai na …. era ele e não a sua ex-mulher, …., e que, como tal, todas as comunicações relacionadas com a titularidade dessa participação social deveriam ser endereçadas a ele e não à sua ex-mulher, tendo, em seguida, saído do local da reunião, em virtude do seu não reconhecimento como sócio da sociedade. Assumiu a presidência da reunião o identificado gerente …., na qualidade de representante da soda maioritária ….., o qual referiu que a reunião havia sido por ele devidamente convocada, nos termos legais e estatutários, por cartas registadas com aviso de receção enviadas aos sócios em dezassete de janeiro de dois mil e dezanove, de cujos duplicados e comprovativos de registo me apresentou cópias para ficarem arquivadas a instruir a presente ata. Por se encontrarem devidamente representadas sócias titulares de quotas representativas de sessenta e nove virgula trinta e seis por cento do capital da social da sode dade, o identificado …. entendeu que a assembleia tinha condições para se considerar regularmente constituída e para deliberar validam ente sobre a seguinte ordem de trabalhos, o que foi por todos acordado:
“PONTO UM – Deliberar nos termos do disposto nos artigos duzentos e quatro e duzentos e cinco do Código das Sociedades Comerciais, dado não ter sido paga, no prazo, a prestação suplementar deliberada, a exclusão de sócio da sociedade da sócia ….., com a consequente perda total da quota a favor da sociedade;
PONTO DOIS – Deliberar nos termos do disposto nos artigos duzentos e quatro e duzentos e cinco do Código das Sociedades Comerciais, dado não ter sido paga, no prazo, a prestação suplementar deliberada, a exclusão de sócio da sociedade da sócia …., com a consequente perda total da quota a favor da sociedade;
PONTO TRÊS – Deliberar nos termos do disposto nos artigos duzentos e quatro e duzentos e cinco do Código das Sociedades Comerciais, dado não ter sido paga, no prazo, a prestação suplementar deliberada, a exclusão de sócio da sociedade da sócia …., com a consequente perda total da quota a favor da sociedade: Entrando na discussão do ponto um da ordem de trabalhos, o representante da ….. apresentou a seguinte proposta «atento o facto de o sócio …. não ter procedido ao depósito do valor de quatro mil trezentos e quarenta e cinco euros e setenta cêntimos, correspondente às prestações suplementares de capital, deliberado em assembleia geral e já terem decorrido os prazos previstos nos artigos 204.°, 211º e 212º do Código das Sociedades Comerciais, propõe-se a exclusão da …de sócio da sociedade, com perda total da quota a favor da sociedade ….  Colocada à votação foi a proposta aprovada com os votos favoráveis da …. e a abstenção da sócia …..  Passando ao ponto dois da ordem de trabalhos, o representante da …. apresentou a seguinte proposta “atento o facto de o sócio ….não ter procedido ao depósito do valor de oitocentos e sessenta e nove euros e dez cêntimos, correspondente às prestações suplementares de capital, deliberado em assembleia geral e já terem decorrido os prazos previstos nos artigos 204.°, 211.0 e 212.0 do Código das Sociedades Comerciais, propõe-se a exclusão da ….. de sócio da sociedade, com perda total da quota a favor da sociedade …..”
Colocada à votação foi a proposta aprovada com os votos favoráveis da ….. e a abstenção da sócia …. Lda..
Finalmente no tocante ao ponto três da ordem de trabalhos, o representante da …. apresentou a seguinte proposta “atento o facto de o sócio …. não ter procedido ao depósito do valor de novecentos e doze euros e sessenta cêntimos, correspondente às prestações suplementares de capital, deliberado em assembleia geral e já terem decorrido os prazos previstos nos artigos 204.°, 211.0 e 212.0 do Código das Sociedades Comerciais, propõe-se a exclusão de …. de sócio da sociedade, com perda total da quota a favor da sociedade …..”  Colocada à votação foi a proposta aprovada com os votos favoráveis da ….. e a abstenção da sócia …. (…)”.

10. Os estatutos da Ré enquanto sociedade anónima não previam a realização de prestações suplementares pelos acionistas.
11. Os Autores não deram o seu acordo à inclusão no contrato de sociedade da obrigação de realização de prestações suplementares. 

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IV – Do Mérito do Recurso:

A alterabilidade do contrato de sociedade, à semelhança da generalidade dos contratos, constitui o regime regra, independentemente do tipo societário em causa.
Tal modificabilidade resulta inequivocamente do Capítulo VIII, Secção I, do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), concretamente do seu artº 85º. Com efeito, este especial tipo de contrato pressupõe uma maleabilidade e adaptabilidade evolutivas que lhe permitam moldar-se à conjuntura com o qual a sociedade se depara a cada momento no exercício do seu objeto social.
Atenta a respetiva sistemática, a circunstância de se tratar de uma norma da parte geral determina a sua aplicabilidade a todos os tipos de sociedade[1].
Resulta do artº 85º do CSC que as alterações contratuais ali referidas são as que têm por objeto a modificação, supressão ou introdução de uma cláusula contratual, ou seja, que digam respeito ao conteúdo do contrato e já não as que respeitem a alterações dos sujeitos contratuais.
Estão, assim, apenas abrangidas pelo regime legal as alterações objetivas e já não as modificações subjetivas. Estas não respeitam ao contrato propriamente dito, ao conteúdo do contrato, mas aos respetivos sujeitos, às partes do contrato. Há certas operações que implicam também uma alteração do contrato, mas que são objeto, atentas as suas especificidades, de um regime autónomo e, entre nós, particularmente exaustivo: é o caso da fusão, cisão e transformação societárias[2].
Pinto Furtado[3] entende que estas operações não deixam de consubstanciar uma alteração do contrato, ficando por isso sujeitas aos princípios básicos das modificações contratuais. Diferentemente, Raúl Ventura[4] entende que aquelas operações – que têm hoje um regime completo e exaustivo no CSC – não devem ser consideradas e tratadas como alterações do contrato de sociedade. Paulo de Tarso Domingues[5] refere que a questão tem pouca ou nenhuma importância prática, uma vez que as regras gerais aplicáveis à alteração do contrato – e.g., a necessária intervenção dos sócios e a exigência de uma maioria qualificada para a sua aprovação – são também aplicáveis àquelas outras operações (cfr. artº. 194º, para as Sociedades em nome coletivo, 265º para as Sociedades por Quotas, e 383º e 386º, para as Sociedades Anónimas).
A transformação de sociedades está regulada no capítulo XI do Código das Sociedades Comerciais, concretamente nos artigos 130º a 140-A.
A generalidade da doutrina[6] reconhece ao instituto da transformação de sociedades comerciais caráter autónomo, rejeitando que constitua uma modificação particular do contrato de sociedade.
Como refere Elda Marques[7], “não só está regulada especificamente num capítulo autónomo daquele que disciplina a alteração do contrato social, como em várias normas espalhadas pelo CSC (v.g. artºs 194º, 1, 265º, 3, 383º, 2) se distingue a transformação da alteração do pacto social. Ademais, as alterações que a mudança de forma de organização jurídica implicam não podem ser reconduzidas a uma mera alteração do contrato.
Ao contrário da fusão e cisão de sociedades, por meio das quais se opera uma alteração do substrato pessoal e/ou patrimonial (seja por concentração com outra(s) sociedade(s), seja por divisão, ainda que eventualmente conjugada simultaneamente com a concentração das partes divididas de duas ou mais sociedades, respetivamente) das sociedades envolvidas, na transformação participa apenas uma sociedade, que muda a sua forma de organização jurídica, subsistindo incólume, com os mesmos sócios e com o mesmo património. Esta simples alteração de forma ou roupagem jurídica evidencia o cunho ou caráter identitário da transformação, sendo a respetiva regulamentação marcada pelo princípio da identidade. Essa identidade jurídica é notada substancialmente na continuidade económica da entidade, permanecendo antes e após a transformação a mesma empresa, sem que haja transmissão de património pela via da sucessão universal, extinção da anterior entidade e constituição de nova entidade jurídica, e mantendo-se o conjunto de (sócios) titulares com participação da entidade. A continuidade ou identidade da sociedade transformada encontra o seu limite na regulação aplicável à nova forma jurídica, uma vez que a transformação tem por consequência a descontinuidade de regime jurídico. As relações jurídicas da sociedade com os seus sócios e com terceiros submetem-se a novas regras, que poderão ser diferentes das que originariamente as regulavam.
Por causa da referida descontinuidade jurídica, são necessárias disposições que acautelem a proteção de sócios, credores e terceiros, como o são, à face do CSC, e para tutela dos sócios: a regulação do modo de exercício do direito de exoneração de sócios discordantes (cfr. artº 137º), a previsão do direito de oposição dos sócios titulares de direitos especiais não mantidos após a transformação (cfr. artº 131º, 1, c)), a salvaguarda da manutenção das participações sociais (cfr. artº 136º), a exigência de consentimento dos sócios à assunção de responsabilidade ilimitada e, nesse caso, a delimitação dela às dívidas contraídas pela sociedade após a transformação (cfr. artº 139º, nº2).”
De acordo com o artº 134º do CSC, a aprovação da transformação não resulta de uma deliberação unitária, mas antes de três deliberações separadas: a) a aprovação do balanço ou da situação patrimonial, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 132º;
b) A aprovação da transformação; e
c) A aprovação do contrato pelo qual a sociedade passará a reger-se.
A sequência lógica imposta por este artigo deve ser respeitada, ainda que as deliberações não sejam tomadas simultaneamente.
Subjaz à imposição desta separação o objetivo de permitir aos sócios uma decisão devidamente ponderada e esclarecida.  
A autonomia das três deliberações terá relevância para efeitos da separação das correspondentes propostas a apresentar aos sócios e de invocação de vícios próprios que afetem cada uma delas.
Por outro lado, resultando a aprovação da transformação da tomada das três deliberações, a declaração de nulidade ou anulação de uma das deliberações torna a transformação inválida. No pedido de declaração de nulidade ou de anulação de qualquer das deliberações pode também ser requerida a declaração de invalidade da transformação. Não existindo uma norma específica, como a do artº 117º em sede de fusão, o regime da invalidade da transformação resultará da aplicação das normas gerais[8].
De tudo o supra exposto resulta que este tribunal de recurso adere à posição de que a transformação de uma sociedade não consubstancia uma simples alteração. A transformação[9] tem regime próprio, nos termos supra expostos. A recorrente tem assim razão neste ponto.
A questão que então se coloca é a de saber se tal regime específico consome, no caso vertente, a regra geral do artº 86º, nº2, do CSC, ou seja, se a tutela dos sócios descontentes com a transformação tem de ser exclusivamente achada na prerrogativa conferida pelo artº 137º, nº2, do CSC. E a resposta é negativa, como de passará a demonstrar.
Em primeiro lugar, e no caso vertente, o direito de exoneração nem sequer estava previsto no contrato de sociedade original, como flui do documento junto aos autos com a contestação. Também não resulta da lei.
Depois, importa relembrar que, como flui da sentença, o tribunal recorrido apenas declarou ineficaz quanto aos autores parte de uma cláusula do contrato de sociedade, concretamente o artº 4º, nº3, que introduziu a obrigação de realização de prestações suplementares pelos sócios. No demais, a transformação da ré em sociedade por quotas e o novo contrato de sociedade é eficaz quanto aos autores.
Como referem Elda Marques e Hugo Duarte Fonseca[10] “A discordância do sócio, subjacente à atribuição do direito de exoneração, não poderá deixar de ser também a contrariedade relativamente à deliberação de aprovação da transformação em si, nos termos em que ela está delineada no relatório justificativo da administração. Estando o sócio a favor da transformação em si, discordando apenas do projeto de contrato, o motivo do seu desacordo não contenderá com as cláusulas que, no projeto do contrato de sociedade estabeleçam, dentro dos limites legais, as novas regras inerentes à estrutura organizatória da nova forma jurídica adotada. As razões da não concordância prender-se-ão com alterações não inerentes à transformação, como sejam, v.g., a transferência de sede da sociedade para o estrangeiro, a mudança do objeto social, ou a prorrogação da sociedade. Ora, a discordância que subjaz à atribuição do direito de exoneração ao sócio com fundamento na transformação não tem como intuito abranger tais alterações ao contrato primitivo da sociedade, no caso em que se tenha aproveitado a operação de transformação para proceder às modificações que se mostrem convenientes ou oportunas. Tais alterações estatutárias são autónomas em relação à mudança de tipo social operada pela transformação e estarão sujeitas ao seu regime próprio, podendo inclusivamente a algumas delas estar associado, dentro de certo condicionalismo, por via legal, ou contratual, o direito de exoneração”.
Dispõe o artº 130º, nº1, do CSC, que “As sociedades constituídas segundo um dos tipos enumerados no artº 1º, nº2, podem adotar posteriormente um outro desses tipos, salvo proibição da lei ou do contrato”.
Os tipos societários são caraterizados pela responsabilidade dos sócios perante a sociedade e perante os credores sociais; pela estrutura organizatória; pelo regime de transmissão de participações sociais; pelo número mínimo de sócios; e pelo capital social[11].
As prestações suplementares, causa do dissenso referente à cláusula ora em crise, traduzem-se no reforço do capital investido na sociedade pelos sócios. São efetuadas em dinheiro e não vencem juros (artº 210º do CSC). Não afetam a posição relativa de cada sócio, dado não terem a natureza de um aumento de capital social.
A sociedade recorrente, antes da transformação, tinha o tipo de sociedade anónima. Neste tipo de sociedades é discutível a admissibilidade de prestações suplementares, sendo dominante a doutrina que defende a sua inadmissibilidade – cfr., por todos, Alexandre Mota Pinto[12].
Nos termos do artº 136º, nº1, do CSC, “Salvo acordo de todos os sócios interessados, o montante nominal da participação de cada sócio no capital social e a proporção de cada participação relativamente ao capital não podem ser alterados na transformação”.
A recorrente tem atualmente o tipo de sociedade por quotas, tendo-se transformado de sociedade anónima.
Como supra se referiu, o regime específico da transformação incide nas caraterísticas do novo tipo societário ora assumido.
As cláusulas do novo tipo que não sejam caracterizadoras do tipo estão sujeitas ao princípio obrigacionista segundo o qual “Não é juridicamente admissível que a vontade maioritária possa impor a algum sócio e contra a sua vontade, o aumento de obrigações por este livremente assumidas”.
As prestações suplementares não são caracterizadoras de qualquer tipo societário. Assim, a transformação da sociedade, na parte em que envolve o aumento das prestações impostas aos sócios cai na alçada do artº 86º, nº2, ficando sujeita ao regime de ineficácia por falta de consentimento.
De outro modo, e porque a falta de realização das prestações suplementares deliberadas tem consequências na posição dos sócios quotistas, estaria encontrada a forma de, por via indireta, mas em termos de consequências práticas, contornar a proibição do artº 136º, nº1, do CSC.
Concorda-se, assim, com a solução a que chegou o tribunal recorrido, ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes, razão pela qual, por força da ineficácia da deliberação e sucessivas renovações, nos termos decididos na sentença, se conclui também pela consequente nulidade da deliberação de exclusão dos sócios, nos termos do artº 56º, nº1, d), do CSC.
Há, assim, que considerar improcedente o recurso interposto e confirmar integralmente o dispositivo da sentença recorrida.

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V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se o dispositivo da sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.


Lisboa, 27 de abril de 2021.


Relator: Fernando Barroso Cabanelas.
1ª Adjunta: Paula Cardoso.
2ª Adjunta: Rosário Gonçalves.



[1] Esta aplicação generalizada não é doutrinalmente aceite de forma unânime. Diogo Costa Gonçalves e Francisco Mendes Correia, in Código das Sociedades Comerciais anotado, Almedina, Coimbra, 2ª edição, 2011, pág. 304 e ss, em anotação ao citado artº 85º, defendem que este princípio da alterabilidade apenas tem aplicação nas sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita. Para as sociedades em nome coletivo tal aplicação já não teria lugar face ao disposto no artº 185º, nº1, a), do Código das Sociedades Comerciais, que consagra o direito de exoneração ad nutum por parte do sócio – apud Paulo de Tarso Domingues, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, IDET, 2º volume, pág. 15.
[2] Paulo de Tarso Rodrigues, op. cit., págs. 17-18.
[3] Curso de direito das sociedades, 5ª edição, com a colaboração de Nelson Rocha, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 496.
[4] Alterações do contrato de sociedade, Almedina, Coimbra, 1988, pág. 21 e ss.
[5] Op.. cit., pág. 18.
[6] Francisco Mendes Correia, Transformação de sociedades comerciais – Delimitação do âmbito de aplicação no direito privado português, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 334; Ana Maria Taveira da Fonseca, “A proteção legal e estatutária dos sócios minoritários na transformação das sociedades por quotas em sociedades anónimas”, in Nos 20 anos do Código das Sociedades Comerciais, Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, vol. II, Coimbra Editora, 2007, pág. 285-287; Raúl Ventura, Fusão, Cisão e Transformação de Sociedades – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 3ª reimpressão da 1ª edição de 1990, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 450.
[7] Código das Sociedades Comerciais Anotado, IDET, 2ª edição, pág. 547.
[8] Elda Marques, op. cit., pág. 584-585.
[9] Paulo Olavo Cunha, in Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 7ª edição, pág. 1078, define-a como “…a operação que implica a substituição integral do conteúdo do contrato, embora se possam manter as referências ao objeto e, naturalmente, à sede social”.
[10] Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina, vol. II, 2ª edição, págs. 601-602.
[11] Jorge Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Almedina, Volume II, 6ª edição, págs. 64-76.
[12] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina, 3º volume, 2ª edição, págs. 281-282.
No sentido de que se trata de um meio de financiamento privativo das sociedades por quotas vide Jorge Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Almedina, Vol. II, 6ª edição, pág. 316. No mesmo sentido Sofia Gouveia Pereira in “As prestações suplementares no direito societário português”, pág. 30. Contra vide Pais de Vasconcelos in “A participação social nas Sociedades Comerciais, Almedina, 2014, reimpressão da 2ª edição de 2006, pág. 277, e Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 7ª edição, 2019, pág. 320-322, admitindo a aplicação por analogia do regime das prestações suplementares, exceto a sanção de exclusão.