Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7055/19.2T8LSB.L1-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
VÍCIOS DO LOCADO
PRIVAÇÃO PARCIAL DO GOZO DO ARRENDADO
EXCEPÇÃO DO NÃO PAGAMENTO DAS RENDAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I.– A normatividade do contrato de arrendamento e a especificidade do sinalagma contratual, apontam para a restrição no funcionamento da exceptio non adimplenti contractus.

II.– A admitir-se por princípio, que na situação do senhorio não assegurar (total ou parcialmente) as funcionalidades inerentes à utilização do locado, o inquilino deixe de pagar as rendas a coberto da excepção do incumprimento, a bondade do funcionamento do instituto há-de ser presidida pelas regras gerais da boa-fé e da proporcionalidade (artigos 227º e 762º, do C. Civil).

III.– A excepção do não pagamento das rendas não se coaduna com a invocação- fundamento- de defeitos/ vícios do locado contemporâneos à celebração do contrato de arredamento e, patentes na observação exterior - os quais não configuram vícios redibitórios, afastando a presunção legal da culpa do senhorio na formação do contrato, conforme prevenido no artigo 1033º, al) b ex vi artigo 1032º, nº1 al) b, do Código Civil.

IV.– Mantendo a Ré a exploração do locado, após alertada a senhoria, sem êxito, das ditas anomalias dos equipamentos, apenas lhe permitiria invocar a “exceptio” pela privação parcial do gozo do prédio, na forma de pagamento-suspensão parcial da renda, conforme o disposto no artigo 1040º, nº1, do Código Civil.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 7ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa



I.–RELATÓRIO:


1.–Da Acção[1]

P…, Ldª instaurou acção declarativa com processo comum contra, I e V, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de €11.538,00, acrescida de juros de mora, correspondente a rendas não pagas no valor de €6.750,00; reposição de equipamentos no valor de €2.588,00; e obras de reposição no valor de €2.200,00.

Alegou, em síntese que, é arrendatária, com autorização para subarrendar, da fracção autónoma designada pela letra A, sita na Rua…, Lisboa, e a qual em 17.8.2018,  deu de (sub)arrendamento à 1.ª ré a fração, conforme contrato subarrendamento de fls. 13-17. A renda mensal para os meses de Setembro, Outubro, Novembro de 2018 era de €1.500,00 e para os meses de Dezembro de 2018, Janeiro e Fevereiro de 2019, era de €1.750,00. Com a assinatura do contrato, a 1.ª ré pagou à autora a quantia de €5.000,00, ou seja, €3.000,00 para pagamento das rendas de Setembro e Outubro, e €2.000,00 como caução. A 1.ª ré nada mais pagou à autora, ficando a dever a quantia de €6.750,00 das rendas de Novembro 2018 a Fevereiro de 2019.Notificada, judicialmente, para pagar, a 1.' ré devolveu à autora o locado, remetendo as chaves por correio, por carta enviada em 27.2.2019 e recebida em 4.3.2019. Quando os representantes da autora se deslocaram ao locado, em 8.3.2019, deram conta de diversas anomalias. O locado não foi entregue no estado em que se encontrava. A 1.' ré, sem conhecimento nem autorização da autora, substituiu o biombo de vidro fosco, em frente às casas de banho, por parede de pladur.A 1.' ré não repôs o que fora autorizada a alterar (enquanto mantivesse o subarrendamento): transformar a casa de banho dos empregados em prolongamento da cozinha; alterar a localização dos armários de frio, bancadas, prateleiras, cubas, lava-loiças da cozinha e copa. A autora tem orçamentos de €1.600,00 para refazer casa de banho dos empregados; €350,00 para recolocar o biombo e retirar o pladur; €250,00 para repor na localização inicial os restantes bens. A 1.' ré desencaminhou: lonas dos toldos (€1.508,00); armário refrigerador de coca-cola; 2 extintores (€300,00); armário vestiário com 2 portas em poliéster (€150,00); poliban completo (€300,00); electrocutor eléctrico de insectos (€150,00); balança electrónica (€180,00).

Citados os RR, contestaram,  alegando que, a Autora anunciou para arrendamento um estabelecimento pronto a funcionar, que foi determinante para a formação da vontade da ré, sublocatária, porém, as qualidades declaradas não existiam. Os réus apenas tomaram conhecimento em momento posterior ao da assinatura do contrato. Nunca foi dado a conhecer que,os equipamentos se encontravam num estado de sujidade extrema e de precariedade e alguns estragados. O estabelecimento não estava pronto a funcionar, pretendendo a ré iniciar a exploração em 20.8.2018, imediata, como foi anunciado pela autora,tal não foi possível, porque para ficar em condições de abertura, demorou o restante mês de Agosto, o mês de Setembro e dez dias do mês de Outubro: em Agosto, o locado não tinha potência suficiente para funcionar, estavam a ser ultimadas pinturas e obras e limpezas. Só em 10.10.2018, a ré conseguiu receber um grupo de pessoas amigas.

Concluem que a autora não cumpriu a sua parte no contrato de arrendamento , não tendo a autora assegurado o gozo efectivo do locado para os fins a que se destinava.  Os réus deduziram, ainda, reconvenção, peticionando a condenação da autora a pagar a quantia paga de caução, no valor de €2.000,00, face ao incumprimento contratual da autora, que impediu os réus de usar o locado. Subsidiariamente,  excepcionaram a compensação.

A autora apresentou réplica, contestando o pedido reconvencional e respondeu à matéria de excepção deduzida, alegando que a  ré inspeccionou previamente o locado e o equipamento e tudo aceitou nas condições em que se encontravam.

***

Seguidos os demais trâmites da instância, realizada a audiência de discussão e julgamento, proferiu-se sentença que encerra com o seguinte dispositivo «Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente esta ação e improcedente a reconvenção, e condenam-se os réus a pagar à autora: - A quantia de €4.750,00 de rendas, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. - A quantia correspondente à lona dos toldos, armário refrigerador e biombo, a liquidar posteriormente.»

2.– Do Recurso
Inconformados, os Réus interpuseram recurso da sentença. As suas alegações culminam nas conclusões que se transcrevem:
«A.–O Tribunal a quo, deu como não provado que: 16. Os réus apenas tomaram conhecimento das características do locado em momento posterior à assinatura do contrato.17.Alguns equipamentos encontravam-se estragados.Deu como provado que: 3.–Na cláusula 2.ª: “A subarrendatária aceita o locado subarrendado nas condições em que se encontra, incluindo todos os móveis e utensílios que constam de uma relação (inventário) junta e que faz parte integrante deste contrato, os quais, no seu termo deverão ser restituídos em bom estado de conservação e funcionamento, ficando a subarrendatária obrigada a reparar ou restituir os que se avariarem, deteriorarem inutilizarem ou perderem, desde que comprovadamente resultarem de mau uso e não do desgaste normal proveniente do uso a que se destinam. 6.A autora entregou à 1.ª ré o locado com lonas nos toldos, armário refrigerador e dois extintores. 8.A 1.ª ré fez obras no locado, tendo retirado o biombo de vidro. 12. A fracção foi entregue à autora, sem extintores, armário refrigerador e biombo.
B.–Face à seguinte prova gravada: a testemunha …..declarou que compraram litros de ácido para limpar o extractor, que, inicialmente não funcionava sequer. Quando se ligou, num jantar, o fumo era de tal ordem que as pessoas tiveram que sair para a rua, isto no dia da inauguração. Que as fritadeiras não funcionavam, que o fogão teve que ter as bocas substituídas, o quadro desligava a cada quatro cafés, e outra maquinaria que não funcionava, impõem-se que os factos 16 e 17, dados como não provados, passem a dar-se como provados, dando-se, portanto como provado que: os réus apenas tomaram conhecimento das características do locado em momento posterior ao da assinatura do contrato”, “Alguns equipamentos encontravam-se estragados.”, uma vez que o estado dos equipamentos também diz respeito às características do locado – estabelecimento de restaurante.
C.–Quando a ré declarou no contrato que aceitava os utensílios no estado em que se encontravam, não tinha, de facto, como saber que estes não estavam de acordo com o que a Autora lhe havia declarado, sendo que, o que a 1.ª ré aceitou, foi o estado dos bens declarado pela autora, e não o seu verdadeiro, real e efectivo estado de não funcionamento, pois esse era desconhecido da ré, e foi-lhe ocultado pela Autora, uma vez que a 23 de Agosto ainda nem sequer existia electricidade capaz de aguentar os utensílios em funcionamento, pelo que trata-se de vícios ocultos, que não podiam ser aceitados na celebração do contrato. C.Em Outubro de 2018, aquando da primeira abertura do ao público, o exaustor da cozinha não funcionou e encheu a sala de fumo, o que deve ser considerado provado, conforme declarações das testemunhas….., continuando a autora a não assegurar o gozo efectivo da coisa para o fim a que se destinava.
D.–Consequentemente, deve ser considerada procedente a excepção de incumprimento contratual por parte da autora, deduzida pelos réus, por violação dos art.°s 1021.° al. b), 1032.°, al. a) e 1033.° e 428.°, todos do código civil e estes absolvidos do pedido de pagamento das rendas e juros de mora desde a data da citação, uma vez que os descontos nas rendas foram para obras de adaptação do locado, conforme considerações ínsitas na D. Sentença a respeito do indeferimento do pedido de pagamento de obras de reposição do locado.
E.Ainda por via do não cumprimento do contrato dos autos por parte da autora, considerando que a ré não tinha qualquer dever de pagamento de rendas, deve o pedido reconvencional de devolução dos dois mil euros de caução ser considerado procedente e a sentença alterada, condenado a Reconvinda a pagar à ré a quantia de € 2.000,00.
F.Assim, os Réus devem ser absolvidos do pedido de pagamento das rendas.
G.–Quanto à condenação ilíquida, deve ser dado como provado que a autora retirou do locado o biombo de vidro temperado, conforme declarações da testemunha que arrolou, ….onde declarou saber que, “havia umas divisórias em vidro e eu sei que essas divisórias eram para mandar fora, e o senhor Victor pediu-me, como tinham sido caras, para eu as guardar e eu mandei os meus funcionários irem buscá-las.” No mesmo e exacto segmento do registo da prova, pode ouvir-se que, a instâncias do Ex.mo Mandatário da autora, a testemunha reforça a afirmação deste, de que era o biombo em vidro temperado
H.–Assim, deve ser acrescentado aos FACTOS PROVADOS, um n.º 12-A onde se dê como provado que: “O biombo de vidro temperado foi retirado do locado, a pedido do legal representante da autora, por … que o guardou a pedido daquele.” E consequentemente, os réus absolvidos nesta parte do pedido.
I.–Relativamente às lonas dos toldos, como supra referido, foi deita prova que os toldos se encontravam em mau estado de conservação, seja pelas declarações da testemunha … seja pelas declarações prestadas pela testemunha ….A testemunha …, declarou que a lonas que lá se encontravam estavam completamente opacas do sol, e que foram substituídas por outras com o logotipo pretendido pela 1.ª ré Mas, certo é que, as lonas foram substituídas pela ré.A testemunha … declarou mesmo, que as lonas que ali se encontravam, estavam rotas.
J.–Sob pena de violação do art.º 566.º do código civil, atendendo a que as lonas que a ré deixou no estabelecimento locado eram novas, e as que lá se encontravam eram bastante velhas e se encontravam sem valor, todas rotas, devem os réus ser absolvidos.
K.–Relativamente ao armário refrigerador da coca-cola, conforme declarações da testemunha …., o referido armário refrigerador era de outra empresa, que exigiu a sua entrega, e o foi buscar. Ora, de acordo ainda com o depoimento da testemunha, para que o armário refrigerador ali pudesse permanecer, existia obrigação de contratar com entidades terceiras, ao que os réus, em momento algum, se obrigaram, sendo ainda certo que, também tal facto lhes foi omitido pela autora, ou pelo menos não há prova feita de que tenha sido transmitido e aceitado pela ré..
L.Nestas circunstâncias, impõem-se adicionar aos FACTOS PROVADOS que: “O armário refrigerador foi retirado do locado pelo seu proprietário.”
M.Nestas circunstâncias, não era à ré que lhe cumpria assegurar a permanência daquele armário no locado e, assim, inexiste qualquer dever de indemnização da ré à autora e consequentemente, deve, também, o 2.º réu ser absolvido de todos os pedidos. Termos em que, e nos mais de Direito e com o sempre Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser conhecido e declarado procedente e, consequentemente, ser a Douta Sentença recorrida revogada e, substituída por outra que absolva os réus de todos os pedidos formulados pela autora e a condene a devolver à 1.ª ré a quantia de dois mil euros pela procedência do pedido reconvencional, assim se fazendo costumada Justiça.»

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A Autora não apresentou contra-alegações.

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O recurso foi regularmente admitido com efeito devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

3.– O Objecto do recurso
Consabido que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, caberá decidir, se o locado não detinha os requisitos de funcionalidade contratados, em ordem a legitimar, a recusa de pagamento das rendas e obras de reposição, com a consequente devolução do valor da caução prestada.   
         
Tema decisório que suscita o debate dos seguintes tópicos recursivos:
  • Erro de julgamento da decisão de facto;
  • O contrato de arrendamento e a excepção do não cumprimento; a mora do inquilino e as condições do locado; o dever do senhorio de proporcionar o gozo da coisa e o dever do inquilino de pagar a renda;
  • A reposição do locado;
  • A compensação. 
   
II.–FUNDAMENTAÇÃO

A.–Os Factos

O Tribunal a quo deu por provada a factualidade seguinte:
1.-A fls. 13 verso e seguintes, encontra-se “cópia de contrato de subarrendamento de restauração”, entre a autora como arrendatária, a 1.ª ré como subarrendatária, o 2.º réu como fiador.
2.-Na cláusula 1.': o contrato tem início em 1.9.2018, sendo válido por cinco anos.
3.-Na cláusula 2.ª: “A subarrendatária aceita o locado subarrendado nas condições em que se encontra, incluindo todos os móveis e utensílios que constam de uma relação (inventário) junta e que faz parte integrante deste contrato, os quais, no seu termo deverão ser restituídos em bom estado de conservação e funcionamento, ficando a subarrendatária obrigada a substituir ou reparar os que se avariarem, deteriorarem, inutilizarem ou perderem, desde que comprovadamente resultem de mau uso e não do desgaste normal proveniente do uso a que se destinam.”
4.-Na cláusula 3.': “Como contrapartida do subarrendamento, a subarrendatária pagará à arrendatária a renda mensal de €2.000,00 (...), no entanto fica acordado entre as partes que: - nos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2018 a renda será no valor de €1.500,00 (...), nos meses de Dezembro de 2018, Janeiro e Fevereiro de 2019 a renda mensal será no valor de €1.750 (...) e a partir do mês de Março de 2019 a renda mensal será no valor de €2.000,00. Assim sendo com a assinatura do presente contrato, os subarrendatários entregam à arrendatária o valor de €5.000,00 (...), sendo €3.000,00 (...) como pagamento das rendas dos meses de Setembro e Outubro de 2018, dos quais este contrato dá quitação, e €2.000,00 (...) como caução prestada pelo sublocado, pelo respectivo recheio e equipamento e ainda pelo bom cumprimento do contrato.”
5.-Na cláusula 4.ª: “Fica acordado que os €2.250,00 (...) remanescentes do acordo feito servem para custear algumas reparações ou melhorias a serem feitas, no equipamento existente ou no locado.”
6.-A autora entregou à 1.ª ré o locado com lonas nos toldos, armário refrigerador e 2 extintores.
7.-Os extintores estavam obsoletos.
8.-A 1.ª ré fez obras no locado, tendo retirado o biombo de vidro.
9.-A 1.ª ré procedeu a limpezas do locado e nos equipamentos.
10.-A 1.ª ré substituiu as lonas dos toldos.
11.-A 1.ª ré devolveu à autora o locado, remetendo as chaves por correio, por carta enviada em 27.2.2019 e recebida em 4.3.2019, cf. fls. 21-24.
12.-A fracção foi entregue à autora, sem extintores, armário refrigerador e biombo.
13.-Antes da assinatura do contrato, a 1.ª ré visitou o locado 2 ou 3 vezes com a agente imobiliária.
14.-Em 10.10.2018, a 1.ª ré recebeu no locado um grupo de pessoas amigas.

E, Não Provado que:

15.-O locado foi entregue aos réus com os equipamentos elencados a fls. 15-17.
16.-Os réus apenas tomaram conhecimento das características do locado em momento posterior ao da assinatura do contrato.
17.-Alguns equipamentos encontravam-se estragados.
18.-A ré tinha contratado parceiros que lhe iriam angariar clientes para o restaurante.
19.-A autora tem orçamentos de €1.600,00 para refazer casa de banho dos empregados; €350,00 para recolocar o biombo e retirar o pladur; €250,00 para repor na localização inicial os restantes bens.
20.-O locado foi entregue sem armário vestiário com 2 portas em poliéster (€150,00), poliban completo (€300,00), eletrocutor elétrico de insetos (€150,00), balança electrónica (€180,00).
21.-As lonas dos toldos tinham o valor de €1.508,00, os 2 extintores €300,00.

B.– Do Mérito do Recurso
Em vista a facilitar a aproximação ao mérito do recurso, destaca-se em sinopse, que as partes celebraram em agosto de 2018 e pelo prazo de cinco anos, um contrato de (sub)arrendamento de duas fracções, destinadas ao exercício da actividade de restauração, escritório e alojamento de funcionários, contra o pagamento de renda mensal, ficando ainda a locatária e 1ªRé autorizada a realizar as obras ou benfeitorias necessárias.  Tendo a Ré pago na data da celebração as quantias convencionadas a título de adiantamento de rendas e de caução, não pagou as rendas relativas aos meses de novembro de 2018 a fevereiro de 2019, apesar de interpelada, entregando então as chaves do locado.
Autora reclama dos Réus, inquilina e fiador, o pagamento das rendas em falta, e ainda, as quantias relativas ao valor das obras necessárias à reposição do locado no estado inicial e ao valor do equipamento descaminhado.         
Os RR. defenderam-se por excepção, alegando que o estabelecimento, ao contrário do anunciado, não estava em condições de funcionar de imediato, apresentando deficiências, cuja reparação levou a que só abrisse ao público em outubro, com frustração dos ganhos previstos, pelo que não estava obrigada ao pagamento de rendas até aquela data, invocando o disposto nos artigos 1031º, al) b, 1032al) a e 428º do Código Civil e pugnando por nada deverem à Autora. Invocam ainda abuso de direito na parte no que concerne à reposição do estado do locado, alegando que parte do equipamento indicado não se encontrava no locado ou estava danificado e obsoleto. Em reconvenção, pedem a devolução do valor da caução, ou subsidiariamente que seja tido em compensação nos créditos reclamados pela Autora.   
Discutida a causa, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção.   
         
1.– Erro de Julgamento; impugnação da matéria de facto
Os apelantes cumpriram em suficiência os pressupostos legais para a reapreciação da decisão de facto, conforme o disposto nos artigos 639º, nº1 e 640º, nº1 e nº2, do Código de Processo Civil.   
O erro de julgamento da decisão de facto estende-se, no dizer dos apelantes, à matéria não provada dos pontos 16.  e 17, que deverá considerar-se provada; devendo ainda, aditar-se como provado que, “o biombo de vidro temperado foi retirado do locado a pedido do representante legal da Autora que o guardou” e, que “o armário refrigerador da coca-cola foi retirado do locado pelos seus proprietários.” 

1.2– Reapreciação
Percorridas as razões, que segundo os Apelantes, ditam a alteração da decisão de facto, procedeu-se à audição dos depoimentos das testemunhas (…). Por outro lado, apreendemos a motivação em que se alicerçou a argumentação probatória da sentença.

Estando em condições de encetar a reapreciação da decisão em apreço, vejamos.
a.- Não provado 16. Os réus apenas tomaram conhecimento das características do locado em momento posterior ao da assinatura do contrato. 17.Alguns equipamentos encontravam-se estragados.
Está em causa neste ponto o estado do locado aquando da celebração do contrato, no que se prende com algum do equipamento/utensílios de cozinha instalado, que os Réus alegam então desconhecer e que a Autora ocultou.  
Nenhuma das testemunhas indicadas assistiu a qualquer acto de negociação prévia ou da visita ao locado anterior à celebração do contrato entre as partes. 
Ouvidos os seus depoimentos, designadamente a testemunha …, cozinheiro no restaurante, apura-se que o extrator do fogão foi lavado com ácido sulfúrico, não deixando de emitir muito fumo no dia da inauguração, e as bocas do fogão foram substituídas, havendo inicial quebra da potência do quadro elétrico.
Ora bem, do contrato de subarrendamento comercial celebrado entre as partes, resulta da 2ª clausula, que a Ré aceitou o equipamento e utensílios (descritos na lista anexa), no estado em que se encontravam, designadamente o fogão e o extrator de fumos.
De acordo com os demais elementos de prova adquiridos e não impugnados, a Ré visitou o locado em momento anterior à celebração, pelo menos, duas ou três vezes, podendo então constatar o estado geral do equipamento da cozinha (mormente a invocada falta de limpeza do extrator e o estado de conservação das bocas do fogão, e qual o tipo/potência do quadro elétrico existente).
A Ré destinava a fracção ao exercício da actividade de restauração, e o espaço estava aprestado com o equipamento mínimo para o efeito, conforme lista anexa.  A sujidade do extrator e a deterioração de alguma boca do fogão, correspondem a elementos visíveis a olho nu, e em particular, pelo interessado que ali pretende desenvolver a actividade de restauração. A emissão de fumo pelo extrator aquando da sua reutilização e limpeza (com ácido sulfúrico, apropriado ou não para o efeito) traduz uma ocorrência comum, associada às gorduras acumuladas. No tocante ao quadro e insuficiência de potência, também a Ré podia aceder à informação visível no quadro quanto à respectiva potência e aquilatar da suficiência para o desempenho do serviço.
Em suma, nem os depoimentos das testemunhas, nem as regras da experiência permitem concluir que, o estado de funcionamento e limpeza dos elementos do equipamento acima identificados não se mostravam patentes, e delas não se inteirou a Ré aquando da negociação e celebração do contrato de arrendamento.          
A reapreciação por este Tribunal de recurso, pelas razões acima concretizadas, viabilizou com grau de probabilidade elevada o sentido probatório firmado pelo Tribunal a quo, não justificando a alteração preconizada pelos apelantes. 
b.–Pugnam os apelantes que de acordo com a prova oferecida se considere provado queo biombo de vidro temperado foi retirado do locado a pedido do representante legal da Autora que o guardou” e, que “o armário refrigerador da coca-cola foi retirado do locado pelos seus proprietários.” 
No que diz respeito à arca refrigeradora da Coca-Cola.
Não constando da fundamentação da sentença qualquer alusão à matéria, cremos que, o documento junto com a contestação a fls.47-guia de transporte- de par com o  ponto adrede do email enviado ao representante legal da Autora, e o depoimento da testemunha (…), deverão ser valorizados, em ordem ao aditamento do facto em referência, ou seja, que a  dita arca da Coca- Cola foi retirada do  locado pela empresa proprietária, não tendo o arrendatário (Autor) demonstrado autorização para permanecer no locado ao serviço da Ré.  
Diga-se, ainda que, na réplica a Autora não impugnou nesta parte a excepção invocada pelas RR. no artigo 35º da contestação e os documentos conexos que juntou.
No que se refere ao biombo em vidro temperado, a testemunha ouvida sobre o tópico (…), que fez no local alguns trabalhos de serrilharia, permite fazer corresponder as divisórias em vidro existentes junto às casas de banho, as quais a testemunha (os seus funcionários) levaram consigo, a pedido do representante legal da Autora, na circunstância em que o contrato já estava celebrado, e a Ré procedia às obras e limpeza do locado.  Note-se que, a testemunha constatou que nas obras já realizadas pela Ré, essas divisórias foram tornadas dispensáveis, em virtude de ter sido feita uma parede no local.
A impugnação da decisão de facto procede parcialmente, aditando-se aos factos provados que: o biombo de vidro temperado foi retirado do locado a pedido do representante legal da Autora que o guardou” e, que “o armário refrigerador da coca-cola foi retirado do locado pelos seus proprietários.”
Procede nessa parte a impugnação da matéria de facto. 

2.– O contrato de arrendamento; vícios da coisa locada       
Sustentam os apelantes que, em virtude do locado apresentar vícios que desconheciam e comprometeram a imediata abertura ao público do estabelecimento de restauração, não lhes é exigível o pagamento das rendas reclamadas pela Autora. 
 
Apreciando.

Decorre do disposto nos artigos 1031º, al. b), 1032º a 1034º e 1037º do Código Civil, que o locador está obrigado a assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina; nessa conformidade, tem de entregar o locado em condições de poder ser utilizado para o fim a que se destina, efectuar as reparações e pagar as despesas necessárias à sua conservação e uso e evitar a prática de actos que impeçam ou diminuam o respectivo gozo.
Apelando à lição de Aragão Seia, proporcionar o gozo implica uma prestação de conteúdo positivo e outra de sinal negativo; na primeira, cabe a entrega do arrendado em bom estado de conservação, a sua manutenção ao longo do tempo e o pagamento dos respectivos encargos; na segunda, a omissão de actos que conduzam a que o arrendatário não retire do locado as utilidades tidas em vista com a celebração do contrato .[2]
O vício da coisa locada, que pode conduzir a que se considere não cumprido o contrato de arrendamento pelo senhorio, pode ser vício físico, que torna inapta a realização do fim contratual, ou jurídico, que diz respeito ao direito do locador; para ser relevante, tem que ser ocultado ao locatário no momento da celebração do contrato- artigo 1032º do Código Civil.
Por seu turno, a excepção do não cumprimento do contrato traduz-se na recusa de execução da prestação por um dos contraentes, em contrato bilateral, quando o outro a reclama, sem, por sua vez, ter ele próprio realizado a respectiva contra- prestação.

A recusa pressupõe uma tripla relação - a relação de sucessão, a relação de causalidade, e a relação de proporcionalidade. [3]
Ao opor a exceptio o excipiente suspende a execução da prestação a que está adstrito até à realização da contraprestação pela outra parte, colocando-se numa posição de recusa provisória de cumprimento, que o direito acolhe como uma causa justificativa de incumprimento em homenagem ao princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas, que nos contratos sinalagmáticos são também reciprocamente causais. Oposta a excepção, o excipiens vê suspensa a exigibilidade da sua prestação, suspensão que se manterá enquanto se mantiver a posição de recusa do outro contraente que deu causa à invocação da exceptio.

Trata-se, assim, de uma recusa temporária do devedor, perante um credor que também ainda não cumpriu, que, por essa via, retarda legitimamente o cumprimento enquanto a outra parte no sinalagma contratual também não realizar a prestação a que está adstrita.

Analisado o conteúdo do contrato e a matéria de facto provada, a situação judicanda não se conjuga, manifestamente, com a pretendida excepção do não cumprimento das rendas vencidas, por duas ordens de razões cruciais.

Primo os invocados defeitos-vícios ( “vários equipamentos que não se encontravam em condições de trabalhar”)  [4] -  eram pré-existentes no locado  e  não impediram a Ré de desenvolver a actividade de restauração por cerca de quatro meses, sendo que conforme adianta, a cessação da exploração do negócio ficou a dever-se à falta de receitas que sustentasse a sua continuação, álea que apenas ao locador diz respeito.

Secundo, não menos relevante, os ditos vícios que não resultando provados, ainda assim, não configuram os denominados vícios redibitórios, correspondendo a anomalias e deficiências dos equipamentos expostos,  e como tal patentes à observação exterior, nas ocasiões em que a Ré visitou  o locado em negociações preliminares.[5]

Ou seja, os vícios eram contemporâneos e visíveis ao tempo da celebração e da entrega do locado, e o locatário conhecia-os, afastando, por conseguinte, a presunção legal da culpa da Autora na formação do contrato, conforme prevenido no artigo 1033º, al) b ex vi artigo 1032º, nº1 al) b do Código Civil.     
    
Daí que, não se evidencia responsabilidade do locador, posto que o locatário se conformou com a condição e estado exibidos pelo espaço, entendendo não serem impeditivos da vontade de celebrar o contrato e da concretização da exploração da actividade de restauração a que destinava o locado. 
 
Sublinhe-se ainda que, à luz do critério do homem médio e as regras da experiência, a Ré logo deveria ter previsto a necessidade de limpeza profunda do equipamento de cozinha, e a substituição ou actualização pontual de um outro dos elementos componentes para dar início à sua actividade.    

3. A exceptio non adimplenti contractus e os vícios do locado

Há que dizer que a situação invocada pelos RR e ora apelantes não se reconduz à excepção de incumprimento proprio sensu, prevista no regime geral e com assento no artigo 428º do Código Civil, mas outrossim, filia-se na situação da culpa do locador na formação do contrato de arrendamento a que se reportam os artigos 1032º e 1033º, do Código Civil.

Em diferente plano, a situação identificada, após alertada a Autora sem êxito, permitiria à Ré resolver o contrato, ou, socorrer-se da faculdade de redução de rendas contemplada no artigo 1040º, nº1, do Código Civil.

Note-se que, não se provou que a Ré estivesse impedida de desenvolver a actividade, ou sofresse significativa diminuição, em razão das ditas anomalias dos equipamentos, mantendo a Ré a exploração do locado.

Donde resulta que, o arrendatário apenas poderia invocar a “exceptio” pela privação parcial do gozo do prédio, imputável ao senhorio, na forma de suspensão parcial do pagamento da renda, ou pagamento parcial da renda, conforme o disposto no artigo 1040º, nº1 do Código Civil, o que não sucedeu.

O que não se compreende e, não se coaduna com a eficácia da excepção do não cumprimento, permanecendo a Ré no locado até fevereiro de 2019, pretenda, com esse fundamento, eximir-se à obrigação de pagamento das rendas vencidas.   
 
Por último.
A normatividade do contrato de arrendamento e a especificidade do sinalagma contratual, apontam para a restrição no funcionamento da excepção do não cumprimento.
Como se expôs,  a exceptio non adimplenti contractus traduz um meio de conservação do equilíbrio sinalagmático que deverá existir na génese e no próprio desenvolvimento dos contratos bilaterais, em especial no seu cumprimento, justificando-se quando sobrevenha  ausência de correspondência ou de reciprocidade entre as obrigações no âmbito dos contratos bilaterais.[6]

A admitir-se embora, por princípio, que na situação do incumprimento total e parcial do senhorio, ao não assegurar (total ou parcialmente) as funcionalidades inerentes à utilização do locado pelo inquilino, este deixe de pagar as rendas a coberto da excepção do incumprimento, temos por assente que a bondade de funcionamento do instituto há-de ser presidida pelas regras gerais da boa-fé e da proporcionalidade (artigos  227º e 762º  do C. Civil),  em razão do equilíbrio do sinalagma contratual.[7]

Isto é, para que o inquilino possa invocar a excepção de não cumprimento do contrato quanto à sua obrigação de pagamento de rendas, é necessário que do cumprimento defeituoso por banda do senhorio, tenham resultado danos relevantes que impliquem directamente com o gozo da coisa pelo inquilino, privando-o total ou parcialmente desse gozo.

Acerca da matéria da excepção do não cumprimento, refere Almeida Costa «(…) seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo. Na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito.»[8]

Na jurisprudência, entre outros, sintetizou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2015, «II.A invocação da exceção de não cumprimento do contrato, nas hipóteses de cumprimento defeituoso ou parcial, deve ser restringida aos casos em que não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos arts. 227.º e 762.º, n.º 2 do Código Civil e desde que sejam observados critérios de proporcionalidade a aferir segundo as circunstâncias do caso, tendo em conta não só o valor da prestação que ficou por pagar, mas também as relações negociais entre as partes, a gravidade do incumprimento na economia do contrato, a atitude do demandado e do demandante, as causas da execução parcial ou defeituosa, a tolerância ou intolerância revelada por cada uma das partes no contrato, os seus interesses, etc.»[9]

Á luz destes parâmetros se enquadra a posição dominante no Supremo Tribunal de Justiça, a propósito da excepção do não cumprimento em sede de contrato de arrendamento.  [10]

Em síntese  expressiva, refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-12-2008:[11]   «I - Em matéria de locação a excepção do não cumprimento do contrato tem um limitado campo de aplicação. A ideia de proporcionalidade ou equilíbrio das prestações aflora a propósito da redução da renda ou aluguer se o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa - art. 1040.º do CC.  II -  Admitindo-se o funcionamento da exceptio mesmo no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso, deve fazer-se intervir, sempre que as circunstâncias concretas o imponham, o princípio da boa fé e a “válvula de segurança” do abuso do direito (arts. 762.º, n.º 2, e 334.º do CC).»
Reflectindo  semelhante enquadramento da figura da exceptio no contrato de arrendamento,  a jurisprudência maioritária e a doutrina preponderante, sustentam o  entendimento, segundo o qual,  a mora do senhorio em fazer obras, sem que tal implique a perda da coisa locada, não justifica que o arrendatário deixe de pagar as rendas, considerando que à falta de cumprimento da obrigação de fazer as obras corresponde o dever geral de indemnização, nos termos do artigo 562° do Código Civil e a faculdade prevista no artigo 1036° do mesmo diploma legal.

De resto, como de ordinário sucede na celebração de contratos de arrendamento ou subarrendamento de índole comercial, também no caso dos autos as partes previram e preveniram a necessidade prática de a Ré proceder a necessárias limpezas e ou substituição de algum equipamento do locado, estipulando na cláusula 4ª, do acordo firmado a quantia de Euros 2.250,00 para tal finalidade.  

Em síntese, porque não resultou provada a matéria factual invocada que aproveitaria os apelantes, não é legítima a invocação “exceptio” quanto à falta de pagamento das rendas vencidas e respeitantes aos meses de Novembro de 2018 e até à entrega do locado.

3.–Os objectos- equipamento não devolvidos

Sustentam os apelantes que devem ser absolvidos quanto à condenação em valor a liquidar, no que se refere à lona dos toldos, à arca refrigeradora da Coca cola e, ao biombo de vidro.
De acordo com a alteração da decisão de facto empreendida nesta instância, resultando provado que, a arca refrigeradora Coca-Cola e o biombo não ficaram na posse da Ré, não se mostra fundada a obrigação de indemnizar a Autora pelo respectivo valor.
No que diz respeito à lona dos toldos, ficou provado que o material estava danificado e a Ré procedeu à respectiva substituição – ponto 10-, deixando os mesmos no locado; nessa circunstância e a inutilidade de devolução de um pano sem préstimo, de nulo valor económico, ou outro apurado, não se configura obrigação de indemnização à Autora, por exigência da justiça com reporte ao mínimo de razoabilidade e proporcionalidade.

4.–A devolução da caução 
  
Os apelantes encerram as suas conclusões, reiterando o pedido de devolução do valor de Euros 2000.00 da caução prestada.
Nos termos do contrato celebrado entre as partes a Ré pagou à Autora, além do mais, conforme consta a final na Cláusula 3ª(..) 2000,00 Euros como caução prestada pelo sublocado, pelo respectivo recheio e equipamento e ainda pelo bom cumprimento do contrato.”  

O regime da caução no contrato de arrendamento encontra-se regulado no nº 2 do artigo 1076º do Código Civil, a fim de prevenir eventuais danos que o inquilino venha a causar no imóvel durante o período de tempo em que o ocupar.

No caso dos autos, como se concluiu, a cessação do contrato não implicou qualquer obrigação de a Ré indemnizar a Autora por deterioração ou perda do locado ou equipamento, e por outro lado, a quantia paga de 2000,00, não foi estabelecida como adiantamento de pagamento de rendas, mas como garantia da restituição do locado em boas condições.  
    
Sucede que, o Tribunal a quo na sentença abateu ao valor total das rendas em dívida, (Euros 6.750,00) a quantia prestada a título de caução, condenando os RR ao pagamento da quantia de Euros 4.750,00..

A compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor, desde que o seu crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele qualquer excepção, peremptória ou dilatória, de direito material, e que ambas as obrigações tenham por objecto coisas fungíveis do mesmo género e qualidade.[12]

Donde, subsistindo, como se decidiu, a obrigação dos RR. pagarem todas as rendas vencidas até à entrega do locado à Autora, operou-se a compensação, requerida a título subsidiário na reconvenção.

III.–DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder parcial provimento à apelação, e em consequência:
a)-Revogam a sentença na parte que condenou os RR. ao pagamento da quantia correspondente à lona dos toldos, armário refrigerador e biombo, a liquidar posteriormente, absolvendo-os desse pedido;
b)-Mantendo o julgado quanto à condenação dos RR.  a pagar à Autora a quantia de Euros 4.750,00 do valor das rendas, acrescida de juros de mora desde a citação.

As custas do recurso são a cargo dos recorrentes na parte correspondente ao respectivo decaimento.


Lisboa, 9 de Novembro de 2021



ISABEL SALGADO
CONCEIÇÃO SAAVEDRA
CRISTINA COELHO


[1]Com aproveitamento do relatório da sentença.
[2]In Arrendamento Urbano, pág. 65 e seguintes.
[3]Cfr. sobre a excepção do não cumprimento, Menezes Cordeiro, in Obrigações I, pag.400.
[4]Observe-se que esses defeitos/vícios nem sequer foram concretizados pelos RR. na contestação, para além da indicada alocução genérica – v. artigos 8º, 11º, 12º e 14º d)” da contestação. 
[5]Cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da relação Jurídica, II, nº 128, define os referidos vícios como “os vícios ocultos da coisa vendida, que a tornam imprópria para o uso a que se destina ou lhe reduzem de tal modo a aptidão para esse uso que, se o comprador o soubesse, não a teria adquirido ou não daria o mesmo preço”.
[6]Cfr. Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 329/330; e, Antunes. Varela, in Das Obrigações em Geral”, I, 6ª edição, pág. 362 a 365.
[7]Na situação em que exista um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desequilíbrio, injustificado e contrário à boa-fé, entre as prestações a cargo das partes contraentes, configurando-se a exceptio como um meio de repor o dito equilíbrio.
[8]In na RLJ 119º, pág. 144.
[9]Estando e causa um contrato de empreitada e a prestação defeituosa de uma das partes, proferido no processo 2545/10.5TVLSB.L1. S1, disponível in www.dgsi.pt.
[10]Cfr. Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar- Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge (2ª edição, pág. 160 e segs), em anotação ao artigo 1040º do Código Civil, com indicação da jurisprudência sobre o assunto.
[11]No proc 08A3302, disponível in www.dgsi.pt.
[12]A compensação de créditos, prevista no art.º 847.º do CCivil constitui uma causa extintiva das obrigações como decorre do n.º 1 deste artigo e do art.º 395.º do CCivil que alude aos factos extintivos da obrigação.