Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3460/17.7T8LSB.L1-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DEVER DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - No que se refere à actividade de intermediação financeira, são pressupostos da responsabilidade civil: a falta de cumprimento duma obrigação típica da actividade de intermediação financeira; a ilicitude, que resulta da constatação da desconformidade objectiva entre a conduta devida e o comportamento observado pelo devedor; a culpa, que resulta de um juízo de censurabilidade e reprovabilidade, baseado no reconhecimento de que o devedor deveria e poderia agir doutro modo (que, no caso, se presume); o dano, correspondente ao prejuízo sofrido essencialmente no património do credor; e o nexo causal entre o comportamento ilícito e culposo e o dano considerado.
II - A informação disponibilizada pelo intermediário financeiro na comercialização de valores mobiliários tem de incluir as características e riscos desse produto financeiro, devendo ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, de modo a tornar possível ao interessado (investidor) uma decisão devidamente esclarecida e fundada, como decorre do art. 7º, nº 1 do CVM.
III – Existe no caso culpa grave do Banco no incumprimento dos deveres legais impostos ao intermediário financeiro, ficando a correspondente obrigação de indemnização sujeita ao prazo prescricional de 20 anos, nos termos dos arts. 309º do Cód. Civil e 324º, nº 2, 1ª parte, do CVM.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
A [ Maria ….]  e B [ Rosa ….]  intentaram acção declarativa, com processo comum, contra C  [ Banco …..] , pedindo: a condenação do Réu a pagar às Autoras a quantia de € 100.000,00, acrescida de juros de mora vencidos desde 30 de Abril de 2015, no valor de € 12.332,60, e vincendos desde a citação até integral pagamento, à taxa supletiva legal para as operações comerciais.
Alegaram, para o efeito, em síntese útil, que: o BPN, à data dos factos, era detido totalmente pela SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SA (SLN) e tinham ambos o mesmo presidente de conselho de administração; desde, pelo menos, 1993 que o BPN estava registado como intermediário financeiro; tinha o dever de categorizar as Autoras como investidores não qualificados; o BPN, em 2006, lançou uma operação de emissão de obrigações subordinadas SLN 2006, a 10 anos, cujos valores captados serviram para reforçar os rácios de capital do BPN; foram dadas instruções aos funcionários para não ser entregue aos clientes a nota informativa do produto e para ser vendido como um sucedâneo de um depósito a prazo; em Maio de 2006, o falecido marido da primeira A. acreditava tratar-se de investimento seguro, 100% garantido, e, em 02/05/2006, subscreveu duas obrigações SLN 2006, no valor total de € 100.000,00, pensando tratar-se de uma variante de depósito a prazo, mas melhor remunerado; não foi dada ao marido da primeira A. nota informativa da operação, mas os funcionários do banco informaram que se tratava de produto sem qualquer risco, que o banco garantia o retorno dos valores em causa e que os podia resgatar em qualquer altura, o que convenceu o marido da primeira A.; ao marido da primeira A. não foi dito, nem sabia que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de 08/05/2016; se o soubesse, não teria aceite subscrever o produto, o que era do conhecimento dos funcionários do banco; os valores mobiliários em causa não estavam à data depositados em qualquer conta de valores mobiliários escriturais do BPN ou da SLN; o BPN não forneceu informação sobre a relação que tinha com a SLN; o BPN violou os deveres de protecção e de informação, induzindo o marido da primeira A. a contratar em erro nos termos em que o fez, e as obrigações não foram pagas na data do seu vencimento nem posteriormente.
O Réu apresentou contestação, onde suscitou as excepções de: ineptidão da petição inicial; a excepção de prescrição, ao abrigo do art. 324º do CVM, afirmando que os Autores tiveram conhecimento da alegada subscrição abusiva desde início de 2009; e a excepção do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium; e, impugnou parte da factualidade alegada na petição inicial. Para este efeito, alegou o Réu, em síntese útil, que: o falecido marido da A. subscreveu duas Obrigações SLN 2006, tendo perfeito conhecimento do produto e causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez; sabia que não estava a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente; foi informado ao falecido marido da A. que a única forma de obter liquidez antes do prazo de 10 anos seria através de cedência das obrigações a um terceiro; o falecido marido da Autora recebeu sempre o extracto mensal no qual figuram as obrigações na sua carteira de títulos e recebeu os cupões de juros e nunca efectuou qualquer reclamação; e nega que o banco Réu tenha garantido o pagamento da emissão das obrigações.
As Autoras pronunciaram-se pela improcedência das excepções invocadas.
Por incidente de habilitação de herdeiros, foi a A. B declarada como única herdeira de A, falecida na pendência da causa.
Foi realizada audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e relegando para final o conhecimento da excepção de prescrição, tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas de prova.
Realizada a audiência final, com a produção de prova, foi proferida sentença, que julgou improcedente a acção, absolvendo o Réu do pedido.
Inconformada com tal sentença, veio a Autora B dela interpor recurso, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
“A. Não é aceitável e nem sequer é defensável que se considere que um Banco presta informação verdadeira, atual, clara e objetiva quando vende a investidores não qualificados, simples aforradores, uma obrigação subordinada, dizendo aos clientes que se trata de um produto semelhante a um depósito a prazo.
B. Reputa-se como um facto público e notório (que dispensa alegação e prova), o modus operandi do Banco réu, o qual consistiu em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.
C. E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não era verdade.
D. A douta sentença recorrida assim também o considerou.
E. No ponto 5 da matéria de facto provada, onde se lê “Caixarias”, deverá ler-se “Alcobaça”.
F. A alínea b) dos factos não provados deveria ter sido dada por provada, bastando analisar-se os depoimentos das testemunhas Ana …..e Pedro ….., bem como os documentos juntos aos autos como Doc. 4 e Doc. 5 da p.i. para se concluir que, efetivamente, se confundiam as Administrações do Banco e da sua única acionista, a SLN, SGPS, S.A.
G. Também a alínea c) dos factos não provados deveria ter sido dada por provada”, atentando-se no Doc. 9 da p.i. e nos depoimentos das testemunhas Ana …. e Pedro …….
H. As alíneas d) e h) dos factos não provados deveriam ter merecido a resposta de “provadas”, dados os depoimentos prestados pelas testemunhas Pedro ….. e Ana ….. .
I. Por último, refira-se, a este respeito, que, segundo as regras da repartição do  ónus da prova (artigos 344.º e 799.º do Código Civil) caberia ao Banco réu ter demonstrado que o falecido pai da autora recebeu a ficha técnica do produto que subscreveu, e não, como entendeu o tribunal a quo, às autoras.
J. Como bem refere o tribunal a quo, “a quem invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito em causa”. Sendo o Banco réu quem tinha interesse em demonstrar a entrega ao falecido pai da autora da ficha informativa do produto dos autos, era aquele que competia essa mesma prova.
K. Quanto à alínea f) dos factos não provados, basta atentar no Doc. 15 da p.i. e no depoimento da testemunha Ana ….. para facilmente se aquilatar que a mesma deveria ter sido dada por provada.
L. A alínea g) dos factos não provados ter sido dada por “provada” pela análise dos depoimentos das testemunhas Pedro …. e Ana …...
M. Também as alíneas i); j) e m) dos factos não provados deveriam ter sido dadas por “provadas”, tendo em conta os depoimentos das testemunhas Pedro …. e Ana …… e José ……..
N. Dado que a ficha técnica do produto não foi entregue ao falecido pai da autora, aquando da subscrição do produto dos autos, que não lhe foi explicada a característica da subordinação, que o produto lhe foi apresentado como um produto do Banco, garantido pelo Banco, e dado ainda que o falecido pai da autora apenas aceitaria subscrever um produto inteiramente seguro, tendo-lhe sido garantido pelos funcionários do Banco réu que o capital investido era garantido, facilmente se aquilata que nunca o mesmo teria aceitado a sugestão da funcionária do Banco réu de subscrever duas obrigações “SLN 2006” se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa respetiva.
O. As alíneas l) e q) dos factos não provados deveriam ter sido dadas como “provadas”, atentas as declarações de Ana …….
P. Relativamente à alínea p) dos factos não provados, basta atentar-se nas declarações das testemunhas Pedro …. e Ana ….. para ter de se dar a mesma por “provada”.
Q. Cotejadas as declarações supratranscritas com o teor dos Docs. 12 e 13 da p.i., o tribunal a quo não podia ter deixado de dar por provado que os gestores de conta ofereciam o produto aos clientes sem terem a noção de que produto se tratava.
R. Também a alínea n) dos factos não provados deveria ter sido dada por “provada”.
S. De facto, se se tiver em conta não só o depoimento da testemunha José ……, como que o falecido pai da autora não pretendia subscrever qualquer produto de risco, que para ele era extremamente importante subscrever aplicações com capital garantido, facilmente se aquilata que após a nacionalização do Banco réu e, sobretudo, após a declaração de insolvência da SLN, dada a postura do Banco réu em não restituir o capital investido, os autores vivem em contínuo terror e receio de terem perdido o capital do seu investimento.
T. Por último, também a alínea r) dos factos não provados deveria ter merecido a resposta de “provada”.
U. Bastava que o tribunal a quo se tivesse dado ao trabalho de averiguar que, efetivamente, o Banco réu esteve registado na CMVM para o exercício profissional das atividades de consultoria para investimento (entre 19.07.1993 e 28.09.2006) e de depositário de valores mobiliários (entre 19.07.1993 e 22.10.1998), mas nunca, em circunstância alguma, para o exercício da atividade em causa nestes autos.
V. Dado que a ficha técnica do produto não foi entregue ao falecido pai da autora, aquando da subscrição do produto dos autos, que não lhe foi explicada a característica da subordinação, que o produto lhe foi apresentado como um produto do Banco, garantido pelo Banco, e dado ainda que o falecido pai da autora apenas aceitaria subscrever um produto inteiramente seguro, tendo-lhe sido garantido pelos funcionários do Banco réu que o capital investido era garantido pelo Banco, facilmente se aquilata que nunca o falecido pai da autora teria aceitado a sugestão da funcionária do Banco réu de subscrever duas obrigações “SLN 2006” se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, na parte relativa ao “reembolso antecipado”, “liquidez”, “remuneração”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição.
W. A relação de confiança que se estabelece entre o intermediário financeiro e o cliente releva, para efeitos de responsabilidade contratual, se ocorrerem danos em virtude de falta de informação detalhada fornecida pelo intermediário, ao nível habitualmente atingido pela prestação, no âmbito da relação estabelecida.
X. No caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente em termos de informação.
Y. Quando o Banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes.
Z. A própria decisão recorrida considerou que o falecido pai da autora não foi devidamente informado pelo Banco réu sobre o produto SLN 2006, nos pontos 7.º; 8.º; 11.º; 17.º e 18.º dos factos provados.
AA. Dando-se como provada a factualidade supratranscrita, não pode afirmar-se que o falecido pai da autora não foi enganado ao subscrever o produto «SLN 2006», convencido que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.
BB. Os depoimentos das testemunhas e os factos dados por provados evidenciam um incentivo descarado do cliente a efetuar operações que tinham objetivos contrários aos seus interesses, por um lado, e um flagrante conflito de interesses entre o falecido pai da autora, por um lado, e o BPN e a SLN, por outro.
CC. Apenas tendo em conta a matéria de facto dada como provada, impunha-se que a ação tivesse sido julgada procedente.
DD. Dando-se como provada a factualidade, nos termos em que foi feita, não pode afirmar-se que o falecido pai da autora não foi enganado ao subscrever o produto «SLN 2006», convencido que se tratava de um mero sucedâneo de depósito a prazo, e que, pelo contrario, foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.
EE. A informação prestada pelo C ao falecido pai da autora acerca do produto financeiro obrigações “SLN 2006", responsabiliza o Banco, enquanto intermediário financeiro.
FF. A informação prestada pelo BPN, através dos seus funcionários da agência de Alcobaça, ao falecido pai da autora, acerca do produto financeiro obrigações “SLN 2006", foi enganosa, defeituosa, imperfeita e inexata, porque não foi explicitado ao mesmo que a aquisição do produto financeiro comportava risco, não sendo reconduzível à figura de um puro depósito a prazo.
GG. No caso sub judice está provado que os funcionários das agências do C tinham indicações superiores para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um produto semelhante a um depósito a prazo e que esses funcionários estavam convencidos, de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que as obrigações “SLN 2006” constituíam um produto financeiro seguro e que não ofereciam risco para os subscritores, razão pela qual asseguraram ao falecido pai da autora que tais obrigações eram um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado, o que se recolhe da factualidade consignada no mail junto como Doc. 13 da petição inicial.
HH. O tribunal a quo estava obrigado a atentar nos documentos n.º 12 e n.º 13 da petição inicial.
II. O mail junto como Doc. 12 da petição inicial é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco: seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse.
JJ. O tribunal a quo não procedeu ao exame critico das provas e deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar.
KK. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
LL. Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, ou seja, que não lhe possa ser censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.
MM. Os Bancos devem ter funcionários altamente preparados e especializados, com elevada formação e profundo conhecimento na área dos mercados de valores mobiliários, de modo a proporcionarem aos clientes a melhor e a mais completa informação possível acerca dos produtos financeiros nos quais pretendem investir.
NN. Na informação prestada ao falecido pai da autora acerca do produto financeiro obrigações SLN 2006, exigia-se ao C uma atuação caracterizada por um elevado grau de diligência, prudência, zelo e cautela.
OO. Faz parte do referido dever a obrigação de a entidade bancária colocar à disposição do cliente a respetiva estrutura organizativo-funcional, em ordem da execução de tarefas de tipo variado, ligadas, de um modo ou de outro, à atividade bancário financeira.
PP. Mesmo que não exista norma expressa a orientar o intermediário financeiro na resolução do conflito de interesses com o cliente, o princípio da proteção dos legítimos interesses deste não deixa de estabelecer um dever de conduta a adotar.
QQ. Atenta a diversidade entre investidor e intermediário financeiro, este como profissional do mercado, não há fundamento para que se estabeleça uma igualdade formal civilística entre as partes, por sobressair a tendencial debilidade do cliente individual e a experiência profissionalizada do intermediário financeiro.
RR. A matéria de facto dada por provada nos pontos 7.º; 8.º; 11.º; 17.º e 18.º dos factos assentes demonstra cabalmente o tipo de produto financeiro que o falecido pai da autora (não) queria e a forma como foi enganado.
SS. O C não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, pois não fez prova de que agiu com toda a diligência que lhe era exigível e de que atuou de acordo com o grau de zelo, de cautela, de responsabilidade e competência técnica que a situação exigia.
TT. Resulta cristalino dos documentos n.º 9, n.º 12 e n.º 13 da petição inicial, dos depoimentos das testemunhas Pedro …. e Ana ….., e da matéria de facto provada, que o C, ao invés de informar o falecido pai da autora do risco inerente à aquisição das obrigações “SLN 2006", enganou-o sobre as características do dito produto financeiro, depois de já ter feito o mesmo aos seus funcionários.
UU. Os autos demonstram que o falecido pai da autora só adquiriu as obrigações SLN 2006 dos autos por ter sido convencido, pelos funcionários do Banco réu que o retorno da quantia investida na sua aquisição, era garantida pelo próprio Banco, e que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo, com características semelhantes a este.
VV. Ficou provado que o falecido pai da autora nunca teve intenção de adquirir aquele produto financeiro, nem o teria adquirido se os funcionários do C o tivessem previamente informado acerca das suas características.
WW. Ocorreu uma gritante violação dos deveres de informação a que o BIC estava vinculado na atividade que desenvolveu junto do falecido pai da autora, enquanto intermediário financeiro.
XX. Sendo o C responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários, conclui-se que aquele violou, de forma ostensiva, os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito.
YY. O Banco réu atuou de forma ilícita e não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impedia.
ZZ. A falha de informação inicial do C acerca das características das obrigações SLN 2006 projetou-se negativamente na esfera patrimonial da autora, a qual, após o vencimento das aplicações, não foi reembolsadas pela emitente SLN.
AAA. O comportamento do BPN foi decisivo e causal na produção dos danos sofridos pela autora, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (um produto semelhante a um depósito a prazo), que o falecido pai da autora deu o seu acordo na aquisição de duas obrigações SLN 2006.
BBB. Os factos dados como provados confirmam que a vontade do pai da autora foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco réu.
CCC. É ostensivo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente os deveres de informação, a que o BIC estava adstrito e os danos que as autoras reclamam nesta ação.
DDD. O dano corresponde ao valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.
EEE. O mail junto como Doc. n.º 13 da petição inicial, é revelador de uma narrativa e de um padrão comportamental por parte do Banco réu, coerente e em sintonia com os depoimentos das testemunhas, supra reproduzidos, que se traduz num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.
FFF. O ónus da prova da prestação da informação correta sobre o produto financeiro cabia ao Banco réu.
GGG. Os autos revelam um ostensivo conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu, consubstanciado no simples facto de o BPN e a SLN terem por Presidente do Conselho de Administração o mesmo José ……...
HHH. Revelou-se também uma intermediação excessiva, pois a atividade descrita e demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, no verdadeiro sentido do termo: do que se tratava era de utilizar o Banco réu para captar de forma ilícita recursos para a sua dona, através de uma autêntica caça aos depósitos a prazo dos seus clientes.
III. Está demonstrado nos autos e é um facto notório (o que dispensa esforço de alegação e prova) que as contas da SLN eram falsificadas desde o ano 2000.
JJJ. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, afinal não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de já em 2006 a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em ruptura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN serem falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do  grupo SLN/BPN.
KKK. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações dos autos.
LLL. A decisão de que ora se recorre vai contra o entendimento maioritário e consolidado dos juízes do Juízo Cível Central de Lisboa, em causas da mesma natureza, patrocinadas pelo mesmo mandatário, por factos praticados em Leiria, pelos mesmos funcionários, conforme sentenças, proferidas no âmbito dos processos n.ºs 6543/16.7T8LSB, do Juiz 4; 3317/15.6T8LRA, do Juiz 13 e 3341/15.9T8LRA, do Juiz 18, todas transitadas em julgado.
MMM. O entendimento pelo qual pelejamos tem sido perfilhado por este Venerando Tribunal, nos acórdãos de 15/09/2015 (Maria Amélia Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt, e mais recentemente, em acórdãos prolatados em 20/09/2017 (Maria do Rosário Gonçalves), processo n.º 753/16.4T8LSB.L1 da 1ª secção. em 10/10/2017 (Carlos Oliveira), no processo n.º 4042/16.6T8LSB.L1 da 7.ª secção e em 28/11/2017, no processo nº 6295/16.0 T8LSB.L1 da 8.ª secção (Ilídio Sacarrão Martins).
NNN. Tal entendimento foi acompanhado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdãos de 12/09/2017 (Moreira do Carmo) (Luís Cravo), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
OOO. Também o Supremo Tribunal de Justiça perfilha o mesmo entendimento: nomeadamente nos acórdãos de 10/01/2013 (Tavares de Paiva), de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor) e de 10/04/2018 (Fonseca Ramos), todos disponíveis. Em www.dgsi.pt.
PPP. Atua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem o capital investido era garantido.
QQQ. O prazo de prescrição a aplicar no caso sub judice seria sempre o prazo geral de 20 anos e não o especial de 2 anos referido na douta sentença recorrida.
RRR. Demonstrados o facto, o tipo, a ilicitude, a culpa (que se presume), bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, deverá ser revogada a douta sentença recorrida.
SSS. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 73.º; 74.º; 75.º, n.º 1, 76.º e 77º do R.G.I.C.S.F.; nos artigos 227º, 309.º; 323.º, n.º 1; 342.º, n.º 1; 344.º, n.º 1; 376.º; 406.º; 483.º; 485.º; 487.º; 563.º; 573.º; 762.º, n.º 1; 798.º; 799.º e 800.º do Código Civil; nos artigos 412º, nº1, 574.º, n.º 1 e n.º 2; 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 2, alíneas b) e c) do C.P.C. e nos artigos 1.º, n.º 1, al. a); 7.º; 30.º; 289.º; 290.º; 292.º; 293.º, n.º 1, al. a); 304.º; 304.º-A; 305.º; 309.º-A; 309.º-B; 310.º; 312.º; 314.º; 324.º, n.º 2 e 325.º a 334.º do C.V.M.”.
Contra-alegou o apelado C, pugnando pela improcedência da apelação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114-116.
Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil). Porém, o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cfr. nº 4 do mencionado art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
- existência de nulidade da sentença por enfermar das nulidades previstas nas als. b) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que a justificam - c) fundamentos em oposição com a decisão, ou existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e d) omissão de pronúncia - do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil;
- a impugnação e pretendida alteração da decisão sobre matéria de facto;
- aferir se o apelado deve ser responsabilizado pelo reembolso do capital investido pelo pai da apelante e, em caso afirmativo, se é devedor de juros moratórios e, nesse caso, a partir de que data;
- a excepção de prescrição;
- o abuso de direito.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
1º- C réu, é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação BPN - Banco Português de Negócios, S.A.
2º- Até à nacionalização do BPN - Banco Português de Negócios, S.A. (operada pela Lei n.º 62-A/2008, de 11 de 2011), a totalidade do seu capital social era detida pela sociedade então denominada SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.
3º- SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. e BPN - Banco Português de Negócios, S.A., à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração, José de Oliveira Costa.
4º- BPN - Banco Português de Negócios, S.A., até à data da nacionalização do seu capital, era, simultaneamente, uma instituição de crédito e um intermediário financeiro.
5º- Os Pais da A. já falecidos eram há mais de 10 anos clientes do banco réu na agência de Caixarias.
6º- A SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, emitiu 1000 obrigações subordinadas, sob a forma escritural, ao portador, com o valor nominal de 50 000€, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 08/05/2016.
7º- Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.
8º- Os funcionários do balcão em que os autores tinham depositadas as suas quantias acreditavam que as Obrigações SLN 2006 que vendiam era produto seguro e não oferecia risco para os subscritores.
9º- Os autores detinham depositados no réu em Abril de 2006, 101 508,33€.
10º- O pai da A. já falecido, subscreveu, em 2/05/2006, uma ordem de subscrição de duas Obrigação SLN 2006, no valor de 50 000€, cada e global de €100.00,00.
11º- Foi dito ao Pai da A. já Falecido que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação SLN 2006 a terceiros.
12º- A Operação foi lançada em Abril de 2006.
13º- A SLN pagou os juros referentes às Obrigações SLN 2006 até Abril de 2015.
14º- O Pai da A. já falecido foi informado ao balcão do réu que a Obrigação seria remunerada a uma taxa de juro anual nominal bruta de 4,5% no primeiro semestre, e à taxa Euribor a 6 meses mais 1,15% nos nove cupões seguintes e à taxa Euribor mais 1,50% nos restantes cupões.
15º- Na altura o produto tinha muita procura por os juros serem superiores aos dos depósitos a prazo.
16º- O pai da A já falecido era comerciante reformado.
17º- Não foi explicada ao Pai da A., já falecido, a característica da subordinação da obrigação SLN 2006.
18º- O Pai da A. subscreveu a Obrigação SLN 2006, por se tratar de produto seguro e bem remunerado.
*
A sentença sob recurso considerou como não provados os seguintes factos:
a)- Que em 2006 o Banco de Portugal ordenou ao BPN que reforçasse capitais próprios;
b)- Que as administrações do BPN e da SLN se confundissem;
c)- Que foi elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao apossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas;
d)- Que tenham sido dadas instruções aos funcionários para não mostrarem ou não entregarem a nota informativa do produto;
e)- Que os capitais obtidos com a operação de emissão e colocação das Obrigações SLN 2006 serviu para reforçar os capitais próprios do banco;
f)- Que o documento de subscrição da obrigação, de fls 83, tenha sido colocado à frente da autora mulher, já preenchido, limitando-se ela a assiná-lo;
g)- Que os funcionários do banco tivessem assegurado à pai da A., já falecido, que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco;
h)-Que não foi facultada aos autores nota informativa do produto;
i)- Que os funcionários do banco sabiam que os autores nunca haviam investido em produtos diferentes de depósitos a prazo;
j)- Que os funcionários do banco sabiam que os autores nunca subscreveriam obrigações;
l)- Que os autores desconhecessem que o empréstimo (obrigacionista) só poderia ser reembolsado em 08/05/20016;
m)- Que os autores não teriam subscrito o produto se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa respectiva;
n)- Que os autores vivem com contínuo terror e receio de terem perdido o capital do seu investimento;
o)- Que somente após a nacionalização do BPN foi entregue aos autores informações sobre o produto investido;
p)- Que os gestores de conta ofereciam o produto aos clientes sem terem a noção de que produto se tratava;
q)- Que os autores não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN 2006;
r)- Que as Obrigações SLN 2006 não estavam depositadas em qualquer conta de valores mobiliários escriturais.
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões a decidir neste recurso pela sua ordem de análise e precedência lógica, começando pelas invocadas nulidades da sentença.
Tendo sido invocadas nulidades previstas no art. 615º do Cód. Proc. Civil, deveriam as mesmas ter sido apreciadas pela Mmª Juíza a quo no próprio despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso (cfr. nº 1 do art. 617º daquele diploma legal) – o que não fez, como resulta do despacho proferido em 16/05/2019, sob a Referência nº 387011686.
Omitida tal pronúncia, pode o relator do acórdão a proferir pelo Tribunal da Relação, “se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que” tal omissão seja suprida, de acordo com o disposto no nº 5 do citado art. 617º do Cód. Proc. Civil.
Porém, no caso em apreço, considera-se que tal pronúncia é de dispensar, pelo que se passa, de imediato, a apreciar as invocadas nulidades.
Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia – arts. 180º a 184º das motivações e al. JJ) das Conclusões do recurso:
De acordo com o disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afecta a validade da sentença.
Esta nulidade consubstancia a sanção para a violação do dever processual previsto no art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, que determina que o julgador na sentença (e nos próprios despachos: cfr. art. 613º, nº 3 do Cód. Proc. Civil) “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, não podendo “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
É entendimento pacífico que a omissão de pronúncia se circunscreve à omissão de questões em sentido técnico, questões de que o tribunal tenha por dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido. A invocação de um facto ou a produção de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal se não tenha pronunciado não pode constituir omissão de pronúncia para efeitos do disposto no preceito legal em referência. O que significa que, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes – cfr., por todos, na Jurisprudência: Acórdão do STJ de 22/06/99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 161; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/02/2004, Ana Grácio, CJ 2004 – I, p. 105; Acórdão da Relação de Lisboa de 04/10/2007, Fernanda Isabel Pereira; e, Acórdão da Relação de Lisboa de 06/03/2012, Ana Resende, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Nas palavras de Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V Vol., p. 143, “(…) são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.
O que significa que esta nulidade só se verifica quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas – cfr. Acórdão do STJ de 21/12/2005, Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt.
A questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Deste modo, não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da ação – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 23/04/2015, Ondina Alves, acessível em www.dgsi.pt.
Como bem precisa Tomé Gomes, in “Da Sentença Cível”, p. 41: “(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.”.
Não há, por isso, omissão de pronúncia quando a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes – cfr. Acórdão da Relação do Porto de 09/06/2011, Filipe Caroço, acessível em www.dgsi.pt. O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui, não ocorrendo nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra – cfr. Acórdãos do STJ de 08/03/2001, Ferreira Ramos, e de 03/10/2002, Araújo de Barros, acessíveis em www.dgsi.pt. O mesmo é dizer que o juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente – cfr. Acórdão do STJ de 30/04/2014, Belo Morgado, acessível em www.dgsi.pt.
Descendo ao caso dos autos, não se vislumbra que, na sentença recorrida, tenha sido preterido o conhecimento de qualquer questão submetida pelas partes ao conhecimento do tribunal ao longo deste processo ou de que o mesmo devesse apreciar oficiosamente.
Senão, vejamos.
A sentença recorrida, após elencar os factos que considerou provados e os factos que não considerou provados (incluindo neste conjunto de factos provados e não provados todos os factos essenciais que foram alegados na P.I.), procede à respectiva motivação (mediante a análise dos meios de prova produzidos), seguida de apreciação jurídica, na qual se pronúncia sobre todas as questões relevantes suscitadas nos autos, concluindo e decidindo pela improcedência do pedido formulado pela apelante.
Assim, ao contrário do entendimento da apelante, o tribunal a quo pronunciou-se sobre todos os pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções, em suma, pronunciou-se sobre as questões a apreciar no sentido acima deixado expresso.
Alega a apelante que, na motivação sobre a matéria de facto, o tribunal a quo não fez referência a dois documentos juntos com a P.I. (docs. nºs 12 e 13), pelo que “deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar” (art. 184º das motivações de recurso).
Porém, não tem razão a apelante, porquanto a ausência de menção a um concreto e específico elemento probatório (no caso, dois documentos) na decisão proferida sobre a motivação da matéria de facto não consubstancia, não se subsume, às “questões/pretensões a apreciar” com o sentido e interpretação que acima deixámos enunciado e que, repete-se, são as únicas que, na sua omissão, originam a nulidade da sentença.
Se a apreciação/ponderação/desvalorização feita relativamente aos referidos e concretos elementos probatórios (docs. nºs 12 e 13 junto com a P.I.) na sentença recorrida foi incorrectamente feita (como alega a apelante) ocorrerá motivo para alterar a matéria de facto (a apreciar infra na parte respeitante à impugnação da matéria de facto) e não uma omissão de pronúncia, não consubstanciando, pois, a nulidade da sentença prevista no citado art. 615º, nº 1, al. d), 1ª parte, do Cód. Proc. Civil - o que determina a improcedência, nesta parte, da apelação
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Das nulidades da decisão por não especificação dos fundamentos de facto e de direito e por os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – al. SSS) das Conclusões do recurso:
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, “é nula a sentença quando (…):
“b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”.
No caso vertente, a apelante não concretiza (cfr. motivações e Conclusões de recurso) de forma nenhuma por que razão entende que a decisão recorrida padece das nulidades ora em referência, limitando-se, na última alínea das Conclusões de recurso (al. SSS), a concluir que aquela decisão violou, entre diversas outras disposições legais, o art. “615.º, n.º 2, alíneas b) e c) do C.P.C.”.
Considerando que nada foi invocado que fundamente a verificação das nulidades a que alude o art. 615º, nº 1, als. b) e c) do Cód. Proc. Civil, nem este Tribunal descortina na decisão recorrida qualquer aspecto, facto, argumento, questão ou decisão que indicie sequer a ocorrência daquelas nulidades, resta, sem necessidade de maiores considerações, concluir pela sua inexistência, o que determina a improcedência, nesta parte, da apelação
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Da impugnação da matéria de facto
Nos termos do disposto no art. 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Dispõe, por sua vez, o art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Resulta deste último preceito legal, como é entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência, a consagração do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser fundamentados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida. O que significa que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
Por isto, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes; e incumbe ao recorrido indicar os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Tem também sido entendimento pacífico da Doutrina e Jurisprudência que, ao abrigo do disposto no art. 662º do Cód. Proc. Civil, a Relação goza dos mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Por isto, a Relação deve apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e/ou aquelas que se mostrem acessíveis, por constarem do processo, independentemente da sua proveniência (cfr. art. 413º do Cód. Proc. Civil). O que significa que a Relação procede a uma apreciação autónoma da prova impugnada, competindo-lhe formar e formular a sua própria/autónoma convicção (que poderá coincidir, ou não, com a formada em primeira instância), assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto. Acresce que, pese embora recaía sobre o recorrente o ónus de indicar os concretos pontos da matéria de facto que entende deverem ser alterados e o sentido de tal alteração, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art. 640º do Cód. Proc. Civil, a Relação não está vinculada a optar entre alterar a decisão no sentido defendido pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, dispondo de inteira liberdade para apreciar a prova, balizada pelos mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada (com excepção dos aspectos intrínsecos à imediação e à oralidade). Desta forma, poderá o Tribunal da Relação confirmar a decisão, decidir em sentido contrário ou, mesmo, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo - cfr., neste sentido, nomeadamente, António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª ed., 2018, Almedina, p. 283 e ss.
Especificamente no que respeita à força probatória dos depoimentos das testemunhas, dispõe o art. 396º do Cód. Civil, na esteira do art. 607º, nº 5 do Cód. Proc. Civil, que a mesma se encontra sujeita à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-la em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência. Esta livre convicção do julgador não significa arbítrio ou decisão irracional, antes pelo contrário, exige-se uma apreciação crítica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, bem como na percepção da personalidade dos depoentes, para que a mencionada convicção resulte perceptível e objectivável. Toda a valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr., a este propósito, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, p. 435/436.
Passemos, então, à luz destas considerações, à apreciação do caso dos autos.
Quanto aos factos dados não provados na sentença recorrida, como resulta das alegações e conclusões do recurso, a apelante deu cumprimento ao referido ónus de fundamentação da sua discordância nos termos do citado art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, pelo que, cumpre apreciar do respectivo mérito.
Antes de mais, cumpre salientar que a apelante apresentou transcrição integral dos depoimentos e declarações prestados em julgamento (cfr. fls. 233 a 263). Tendo ouvido o respectivo registo áudio, e constatado a fidedignidade daquela transcrição, e por razões de melhor gestão processual para todos os intervenientes processuais, as referências aos depoimentos das testemunhas que infra faremos, terão por referência a página deste processo de onde constem as respectivas transcrições, bem como a página daquela transcrição onde as mesmas estão exaradas.
Invoca a apelante que, no ponto 5 dos Factos Provados, onde consta a menção à agência do banco réu de “Caixarias”, deveria constar “Alcobaça”, por ser nesta agência que, conforme resulta do documento nº 14 junto com a Petição Inicial e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, o pai da apelante era cliente e, inclusive, subscreveu as obrigações em causa nos autos – cfr. arts. 29. a 33. das motivações e al. E) das Conclusões de recurso.
O apelado não se pronunciou sobre esta questão.
Resulta dos referidos elementos probatórios invocados para o efeito, que os pais da apelante eram clientes do banco Réu na agência de Alcobaça e não de Caixarias, conforme, inclusive, alegado, nomeadamente, nos arts. 66º e 69º da P.I., tendo, pois, razão a apelante (transparecendo mais estarmos perante um mero lapso de escrita na sentença recorrida e não tanto um erro de apreciação da prova).
Assim, procedendo nesta parte a apelação, decide-se alterar o ponto 5 dos Factos Provados, que passará a ter a seguinte redacção:
“Os Pais da A. já falecidos eram há mais de 10 anos clientes do banco réu na  agência de Alcobaça”.
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Pretende a apelante que, os Factos Não Provados sob a al. b) sejam considerados como provados, invocando, para o efeito, os documentos nºs 4 e 5 juntos com a P.I. e os depoimentos das testemunhas Ana …. e Pedro …..(funcionários do Banco apelado à data dos factos), transcrevendo os seguintes trechos de tais depoimentos em que se baseia - cfr. arts. 35º a 41º das motivações e al. F) das Conclusões.
Os trechos do depoimento da testemunha Ana Paula Fer….reira que a apelante considera relevantes para esta questão foram os seguintes: “(…) para nós, não havia uma distinção… muito clara entre o que era BPN e SLN, porque a SLN era… era… a mãe holding do grupo (…)”; “O argumentário era do Banco. (…) o Banco (…) tinha interesse na colocação do produto. E, portanto, não… não posso dizer que era um mero colocador”; “(…) a linha era ténue entre o Banco e a SLN. Portanto, para nós, enquanto colocadores, não eramos meros colocadores, era como se fosse nosso”.
Os trechos do depoimento da testemunha Pedro Honório que a apelante considera relevantes para esta questão foram os seguintes: “Do BPN. Os próprios impressos dizem BPN em cima. Nós, na altura, BPN e SLN confundiam-se. Eram um só. Eram um muro. Não havia esta… este conceito que existe hoje de… só mais tarde… nós não conseguíamos distinguir BPN de SLN. Vender SLN é vender BPN, não há risco, é tudo igual”; “(…) confundia-se um bocado a SLN com o próprio BPN. A SLN e o BPN, o conceito era o mesmo (…)”;
O apelado sustenta a manutenção dos aludidos factos como não provados.
O tribunal a quo motiva a sua decisão quanto a esta factualidade “por não ter sido feita prova sobre a” mesma (cfr. fls. 182).
Relembramos que, da citada al. b), resulta que não ficou provado “Que as administrações do BPN e da SLN se confundissem;”.
Apreciemos.
Examinando conjugada, objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum - os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas na audiência final com os documentos juntos aos autos, nomeadamente com os acima referidos, chegamos à mesma conclusão que o tribunal a quo, ou seja, não foi feita prova daquela factualidade. Na verdade, os referidos documentos nºs 4 (cfr. fls. 31 verso a 38 verso) e 5 (cfr. fls. 39 a 53) apenas consubstanciam as certidões da Conservatória do Registo Comercial referentes às sociedades “BPN (…)” e “Galilei”, não se podendo extrair dos mesmos (nem de qualquer outro documento junto aos autos) a aludida “confusão” de administrações (cujos conselhos de administração nem sequer são totalmente coincidentes). Acresce que, dos depoimentos das aludidas testemunhas (máxime, dos trechos citados pela apelante), de seguro, apenas resulta a percepção individual de cada testemunha sobre a relação existente entre as duas empresas (e não sobre as respectivas administrações) em causa, não se podendo extrair de tais depoimentos a ilação de que, de modo genérico e abstracto (como está redigida a al. b) dos Factos Não Provados), “as administrações do BPN e da SLN se confundissem”.
Assim, nesta parte, improcede a pretensão da apelante, mantendo-se a referida factualidade como não provada.
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Pretende a apelante que, os Factos Não Provados sob a al. c) sejam considerados como provados, invocando, para o efeito, o documento nº 9 junto com a P.I. e os depoimentos das testemunhas Pedro …. e Ana ….., transcrevendo os seguintes trechos de tais depoimentos em que se baseia - cfr. arts. 42º a 46º das motivações e al. G) das Conclusões.
Os trechos do depoimento da testemunha Pedro Honório que a apelante considera relevantes para esta questão foram os seguintes: “(…) havia uma grande pressão por parte do Banco, da parte da Administração do Banco, do lado das Direções Comerciais e inclusivamente do Marketing… para sair o produto. Era um produto comercial do Banco. Era um produto “estrela” do Banco. Era um produto de captação de recursos aos outros Bancos inclusivamente (…)”; “(…) Era considerado um produto “estrela” do Banco (…) que os nossos … que as nossas Direções lhe chamavam “estrela”… “estrela de captação” (…)”.
Os trechos do depoimento da testemunha Ana …… que a apelante considera relevantes para esta questão foram os seguintes: “(…) o Banco tinha (…) falhas internas, tinha objetivos e, portanto, obviamente tinha interesse na colocação do produto (…)” (pág. 59 da transcrição); “(…) Quando qualquer entidade coloca qualquer produto existe sempre por trás um interesse financeiro” (pág. 66 da transcrição); “(…) é como outra empresa qualquer (…) Tem objetivos para… para… para cumprir, sim”. E, quando questionada sobre se, com a venda das obrigações SLN 2006, estavam a tratar do financiamento do grupo, incluindo o Banco, a testemunha respondeu: “Sim”; “Era nosso. Nós não eramos capazes”.
O apelado sustenta a manutenção dos aludidos factos como não provados.
O tribunal a quo motiva a sua decisão quanto a esta factualidade “por não ter sido feita prova sobre a” mesma (cfr. fls. 182).
Relembramos que, da citada al. c), resulta que não ficou provado “Que foi elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao apossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas;”.
Apreciemos.
Examinando conjugada, objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum - os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas na audiência final com os documentos juntos aos autos, nomeadamente com o acima referido, chegamos à mesma conclusão que o tribunal a quo, ou seja, não foi feita prova daquela factualidade. Na verdade, aquele documento nº 9 (cfr. fls. 65 a 81) consubstancia a “Nota Informativa” referente à emissão das Obrigações em causa nos autos, não se podendo extrair do mesmo (nem de qualquer outro documento junto aos autos), mesmo em conjugação com os depoimentos das testemunhas aludidas pela apelante (máxime, dos trechos citados pela apelante), a conclusão “Que foi elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao apossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas;”, resultando apenas, de seguro, dos depoimentos destas testemunhas a respectiva percepção individual sobre o assunto e até algo contraditória entre si, uma vez que a testemunha Pedro Honório afirmou “(…) havia uma grande pressão por parte do Banco, da parte da Administração do Banco, do lado das Direções Comerciais e inclusivamente do Marketing… para sair o produto …” e a testemunha Ana Paula Ferreira, quando questionada “acerca da pressão, acerca desse interesse próprio o produto para vocês tinha algu…ou seja vocês sentiam necessidade de enganar alguém? Sabendo aquilo que sabe hoje, sabendo tudo aquilo que sabe hoje, acha que enganaram alguém, acha que receberam instruções erradas do banco, pressões excessivas para vender, ou seja, acha que houve alguma atitude que tivesse enganado as pessoas, os clientes?”, respondeu: “Na minha agência, eu falo pela minha agência, nós não recebemos qualquer pressão. A agência era uma grande agência. Estes produtos tinham sempre muita procura. Eu há pouco disse que selecionava os clientes, uma vez que o importante manter o nível elevado de satisfação para que o cliente se mantenha connosco. Não é?” (cfr. fls. 259/260; fls. 59/60 da transcrição junta pela apelante).
Acresce que a testemunha Ana ….., a este propósito, ainda refere: “Sabia que eram obrigações SLN. Agora ser para tirar do Banco para pôr na SLN, não me compete a mim … até porque isso não se pode … analisar dessa forma, porque para isso é que existem hierarquias. Portanto … as decisões de Administração são tomadas …” e “Eu sabia que na banca toda, porque até eu já tinha trabalhado noutros banco, eram … as obrigações eram assim negociadas. Portanto, tinha o período de subscrição e tem um determinado montante para ser subscrito…” (cfr. fls. 263; fls. 75 da transcrição junta pela apelante).
Assim, nesta parte, improcede a pretensão da apelante, mantendo-se a referida factualidade como não provada.
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Pretende a apelante que, os Factos Não Provados sob as als. d) e h) sejam considerados como provados, invocando, para o efeito, as regras da repartição do ónus da prova (artigos 344.º e 799.º do Código Civil) e os depoimentos das testemunhas Pedro Honorário e Ana Paula Ferreira, transcrevendo os seguintes trechos de tais depoimentos em que se baseia - cfr. arts. 47º a 52º das motivações e als. H) a J) das Conclusões.
Os trechos do depoimento da testemunha Pedro …. que a apelante considera relevantes para esta questão foram os seguintes: “Não. Não entregava, porque a ficha técnica não era uma… não era um documento que estivesse… fosse… banalizado dentro do balcão. É natural que houvesse. Eu nem me recordo da ficha técnica existir de forma… a dar-se (…)”; e “(…) Nem era dada instrução para nós darmos ficha técnica (…)”.
Os trechos do depoimento da testemunha Ana Paula Ferreira que a apelante considera relevantes para esta questão foram os seguintes: “(…) o prospeto informativo (…) estava normalmente em cima do balcão, face ao volume de folhas que era composta essa… essa… essa ficha de informação (…)”.
O apelado sustenta a manutenção dos aludidos factos como não provados.
O tribunal a quo motiva a sua decisão quanto à al. d) “por não ter sido feita prova sobre a” mesma; e quanto à al. h) por “não ter sido feita prova sobre a factualidade mencionada nos pontos h), i) e j), deu-se a mesma como não provada.” (cfr. fls. 182).
Relembramos que, das citadas alíneas, resulta que não ficou provado:
“d)- Que tenham sido dadas instruções aos funcionários para não mostrarem ou não entregarem a nota informativa do produto;”
“h)- Que não foi facultada aos autores nota informativa do produto;”.
Apreciemos.
Relativamente à al. d), examinando conjugada, objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum - os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas na audiência final com os documentos juntos aos autos, chegamos à mesma conclusão que o tribunal a quo, ou seja, não foi feita prova daquela factualidade. Na verdade, nenhum documento junto aos autos se refere a esta factualidade, e dos depoimentos das testemunhas aludidas pela apelante (máxime, dos trechos citados pela mesma), não se extrai aquela conclusão, uma vez que: por um lado, apenas a testemunha Pedro Honório aborda de forma directa esta questão, afirmando “Não, não era dada a ficha técnica, porque a substituição do produto era feita numa folh… num … numa carta do banco, um papel, um impresso… para o efeito ou na obrigação do dia e anexo a esse papel da subscrição não havia ficha técnica. A ficha técnica localmente existia, mas (impercetível) inserida no sistema. Nem era dada instrução para nós darmos ficha técnica. Não… não era usual, quase, dar a ficha técnica. Não creio, nem ninguém me disse para dar, que era obrigatoriedade” (cfr. fls. 242 verso; fls. 34 da transcrição junta pela apelante), o que é realidade diversa de receber “instruções” “para não mostrarem ou não entregarem a nota informativa do produto;” (al. d). E, por outro lado, a testemunha Ana ……., quando questionada sobre se “costumava entregar a ficha técnica do produto”, respondeu “Ficha… a ficha técnica, dependendo também obviamente também do momento … do momento da subscrição, porque isto era um produto …dependendo do mês em que decorria a subscrição e só mais tarde tomava conhecimento …, mas o … o prospecto informativo, à semelhança de … de …da prática que assistia à Instituição, estava normalmente em cima do balcão, face ao volume de folhas que era composta essa… essa… essa ficha de informação. Portanto, não era como a FTP’s, de acordo com … com a sinalização de 2009. Era um conjunto de folhas que estava … dentro da subscrição estavam em cima do balcão (…)” (cfr. fls. 253; fls. 55 da transcrição junta pela apelante), afirmações estas que, até conjugadas com as declarações acima citadas da testemunha Pedro ……., não permitem concluir no sentido entendido pela apelante sobre a factualidade ora em análise.
Assim, nesta parte, improcede a pretensão da apelante, mantendo-se a factualidade ora em análise (al. d) como não provada.
No que concerne à al. h), examinando objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum - o depoimento da testemunha Ana Paula Ferreira (gerente da agência de Alcobaça do Banco apelado e junto da qual o pai da apelante subscreveu as obrigações em causa), já não podemos acompanhar a decisão do tribunal a quo. Na verdade, aquela testemunha descreveu toda a abordagem (que, segundo as suas declarações, de modo geral, era idêntica à abordagem por si feita aos demais clientes) que teve relativamente à subscrição destas Obrigações SLN 2006 junto do pai da apelante (cliente de que a testemunha bem se recorda, afirmando, inclusive, que o mesmo “habitualmente … procurava sempre a minha opinião para as suas aplicações.”: cfr. fls. 251; fls. 51 da transcrição junta pela apelante), explicitando os elementos por si normalmente (não) facultados aos clientes em idênticas situações, de forma a resultar evidente para o tribunal que não foi mostrada, lida ou facultada qualquer nota informativa das “Obrigações SLN 2006” ao pai da apelante - não consubstanciado um “facultar” de tal nota (constituída, nas expressões da testemunha, por, “um volume”, “um conjunto” de folhas) a sua mera existência “em cima do balcão” (cfr. fls. 253; fls. 55 da transcrição junta pela apelante).
Assim, quanto à factualidade da al. h), procede a pretensão da apelante, aditando-se aos Factos Provados o seguinte, com a consequente eliminação da al. h) dos Factos Não Provados – o que se decide:
“Não foi facultada ao pai da autora nota informativa do produto”.
*
Pretende a apelante que, os Factos Não Provados sob a al. f) sejam considerados como provados, invocando, para o efeito, o documento nº 15 junto com a P.I. e o depoimento da testemunha Ana Paula Ferreira, transcrevendo o seguinte trecho de tal depoimento em que se baseia: quando questionada se costumava “preencher o boletim de subscrição e a dá-lo a assinar, já preenchido, aos clientes”, respondeu: “Sim. Sim. Por uma questão… nessa altura, se eu desse o documento ao cliente para preencher, seria comercialmente muito mal interpretado. Portanto, eu preenchia, de facto, os documentos aos clientes. Fazia parte da minha… da minha ação comercial, do… era impensável. E ainda por mais, para um senhor que já… já vinha… com alguma idade, não é?” - cfr. arts. 53º a 55º das motivações e al. K) das Conclusões.
O apelado sustenta a manutenção dos aludidos factos como não provados.
O tribunal a quo motiva a sua decisão quanto à al. f) “por não ter sido feita prova sobre a” mesma (cfr. fls. 182).
Relembramos que, da citada alínea, resulta que não ficou provado: “Que o documento de subscrição da obrigação, de fls. 83, tenha sido colocado à frente da autora mulher, já preenchido, limitando-se ela a assiná-lo;”.
Apreciemos.
Antes de mais, cumpre assinalar que, na alínea f) da decisão recorrida consta, certamente por mero lapso, a referência à“autora mulher”, quando o tribunal a quo apenas se poderia estar a referir ao “pai da autora”. Na verdade, em toda a Petição Inicial é alegado que o subscritor das Obrigações em causa foi – apenas - o pai da ora apelante (e não também a mãe da apelante, sua esposa, e/ou a ora apelante), referindo-se, em concreto, o art. 56º da P.I. a esta factualidade nos seguintes termos: “O referido documento, denominado “Boletim de Subscrição”, sem qualquer numeração, um mero impresso válido para qualquer operação junto do banco réu, foi colocado na frente do falecido marido da primeira autora, já preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo” – itálico e sublinhados nossos.
Assim, iremos apreciar esta questão, tendo por referência esta realidade processual.
Examinando conjugada, objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum – o referido documento nº 15 junto com a P.I. (a fls. 83) com o citado trecho do depoimento da testemunha Ana ….. (que tem conhecimento directo destes factos porque, como acima se salientou, à data, era gerente da agência de Alcobaça do BPN e foi a funcionária junto da qual o pai da apelante subscreveu as Obrigações em causa), não podemos deixar de entender no sentido defendido pela apelante, uma vez que resulta claro daquele depoimento que a própria testemunha assume ter preenchido o aludido documento (como, aliás, fazia para todos os clientes, referindo, porém, na sua explicação genérica sobre tal procedimento, o caso particular do pai da apelante atenta a idade do mesmo), que foi assinado pelo pai da apelante.
Assim, quanto à factualidade da al. f), procede a pretensão da apelante, aditando-se aos Factos Provados o seguinte (retirando-se, porém, daquela factualidade a expressão conclusiva “limitou-se”, por a mesma não ter lugar em sede de Factos Provados), com a consequente eliminação da al. f) dos Factos Não Provados – o que se decide:
“O documento de subscrição da obrigação de fls. 83 foi colocado à frente do pai da autora já preenchido, que o assinou;”.
*
Pretende a apelante que, os Factos Não Provados sob a al. g) sejam considerados como provados, invocando, para o efeito, os depoimentos das testemunhas Pedro …. e Ana ….., transcrevendo os seguintes trechos de tais depoimentos em que se baseia - cfr. arts. 56º a 59º das motivações e al. L) das Conclusões.
Os trechos do depoimento da testemunha Pedro …… que a apelante considera relevantes para esta questão foram os seguintes: “Nós, no balcão, dizíamos aos clientes que ele era… que era um… uma aplicação de capital garantido, sem risco. Aquilo era… uma obrigação sem risco… capital garantido, com taxa garantida”. E, questionada se anunciava o produto dos autos aos clientes como sendo um produto do BPN ou da SLN, respondeu: “Do BPN (…)”.
O trecho do depoimento da testemunha Ana …… que a apelante considera relevante para esta questão é: “O argumentário era do Banco (…) não posso dizer que era um mero colocador”.
O apelado sustenta a manutenção dos aludidos factos como não provados.
O tribunal a quo motiva a sua decisão quanto à al. g) “porque Ana ……. disse ter sido ela a “vender” o produto ao Pai da A. já falecida e que lhe explicou tratar-se de produto emitido pela SLN, a detentora do banco e que era garantido pela SLN, e que por isso era um produto seguro e sem risco, não disse, no entanto, que, no final do prazo, o banco garantia o retorno do capital investido.” (cfr. fls. 182).
Relembramos que, da citada alínea, resulta que não ficou provado: “Que os funcionários do banco tivessem assegurado à pai da A., já falecido, que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco;”.
Apreciemos.
Resulta da análise objectiva e crítica - segundo as regras da lógica e da experiência comum – do depoimento da testemunha Ana ….. (funcionária do banco apelado que, como supra se salientou, tem conhecimento directo destes factos porque, à data, era gerente da agência de Alcobaça do BPN e foi a funcionária junto da qual o pai da apelante subscreveu as Obrigações em causa), de forma segura que foi assegurado (pela própria testemunha) ao pai da apelante que o retorno da quantia subscrita era garantido: quando a testemunha foi questionada sobre “quais eram as características que informava os clientes que estas obrigações … que este produto financeiro tinha” respondeu: “que era um produto de capital garantido… (…) E, portanto … o facto de ser capital … garantido, era para o senhor Raúl …… muito importante.” - cfr. fls. 252; fls. 53 da transcrição junta pela apelante.
Ademais, a própria testemunha considerava, na altura, as referidas obrigações um “produto” totalmente de confiança, seguro, de capital garantido, aconselhando os seus clientes a adquiri-las (como resulta de várias declarações suas ao longo do depoimento: cfr. fls. 254 e verso, 255 verso, 257, 260 e verso, 261 e verso, e 262; fls. 57, 58, 60, 63, 69, 70, 71, 72 e 73 da transcrição junta pela apelante), pelo que, era essa a informação que não deixava de transmitir aos mesmos e, no caso, ao pai da apelante (a quem era, inclusive, usual aconselhar e em quem o mesmo confiava para o efeito: cfr. fls. 251, 253 verso e 260 verso; fls. 51, 56 e 70 da Transcrição junta pela apelante).  
Porém, do depoimento da referida testemunha já não é claro que a mesma tenha afirmado/assegurado ao pai da apelante que aquela garantia era prestada pelo BPN, pela SLN, e/ou por ambas, prestando um depoimento sobre essa específica questão que lhe foi colocada (“anunciava este produto como sendo um produto da SLN ou um produto do Banco?”), algo confuso e ambíguo ao responder: “Este…dizer que em várias alturas, para nós, não havia uma distinção … muito clara entre o que era BPN e SLN, porque a SLN era… era a mãe holding do grupo. E, portanto, se… eu, normalmente, é por isso que digo que eram obrigações SLN, era normal neste tipo de discurso, é a mãe e a holding, é a dona do Banco, portanto o BPN era o interlocutor…e, portanto… era dito… e era dito que… não… não… não havia aqui grandes explicações para além daquilo que estou a acabar… (…) de dizer” (cfr. fls. 252 e verso; fls. 53/54 da transcrição junta pela apelante) - não esclarecendo de forma assertiva esta questão noutros momentos do seu depoimento.
Por isto, nesta concreta parte, o depoimento da testemunha Ana ….. não alicerça a convicção do tribunal, sendo certo que o trecho citado pela apelante a este propósito e acima transcrito nada esclarece. Acresce que, a testemunha Pedro …., e as demais inquiridas, nunca conversaram com o pai da apelante sobre esta questão, da mesma nada sabendo (a testemunha Pedro ….. apenas atestou o que por si era afirmado, enquanto funcionário de outra agência do apelado, aos seus clientes).
Assim, quanto à factualidade da al. g), procede parcialmente a pretensão da apelante, aditando-se aos Factos Provados o seguinte, com a consequente eliminação da al. g) dos Factos Não Provados – o que se decide:
“A funcionária do banco assegurou ao pai da A., já falecido, que o retorno da quantia subscrita era garantido;”.
*
Pretende a apelante que, os Factos Não Provados sob as als. i), j) e m) sejam considerados como provados, invocando, para o efeito, os depoimentos das testemunhas Ana …., José .… e Pedro ….., transcrevendo vários trechos de tais depoimentos em que se baseia - cfr. arts. 60º a 70º das motivações e al. M) e N) das Conclusões.
O apelado sustenta a manutenção dos aludidos factos como não provados.
O tribunal a quo motiva a sua decisão quanto às referidas alíneas nos seguintes termos: por “não ter sido feita prova sobre a factualidade mencionada nos pontos h), i) e j), deu-se a mesma como não provada. Ana Paula Domingos Adriano disse que foi referido ao Pai da A., já falecido, tratar-se de uma obrigação emitida pela detentora do banco e jamais disse que se tratava de um depósito a prazo.”, e “por não ter sido feita prova dos factos respectivos, deram-se como não provados os pontos referidos em m)” (cfr. fls. 182).
Relembramos que, das citadas alíneas, resulta que não ficou provado:
“i)- Que os funcionários do banco sabiam que os autores nunca haviam investido em produtos diferentes de depósitos a prazo;
j)- Que os funcionários do banco sabiam que os autores nunca subscreveriam obrigações;
m)- Que os autores não teriam subscrito o produto se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa respectiva;”.
Apreciemos.
Ao contrário do entendimento do tribunal a quo, a factualidade vertida na al. i) resulta provada com base no depoimento da testemunha Ana ….., que, como já se salientou supra, era gerente da agência de Alcobaça do BPN à data dos factos; conhecia muito bem o pai da apelante, quer por ser cliente daquele banco, quer por razões de carácter social (afirmando, inclusive, que, aquele depositava confiança na testemunha, conhecia os pais da testemunha e, inclusive, conhecia-a “desde pequenina”: cfr. fls. 253 verso e fls. 57 da transcrição junta pela apelante); e foi a funcionária junto da qual o pai da apelante subscreveu as Obrigações em causa. Revelou, por isto, conhecimento directo dos factos ora em referência, revelando-se o seu depoimento verdadeiro, sincero, com total conhecimento de causa, imparcial e credível. A testemunha foi peremptória ao responder à pergunta sobre que tipo de investidor era o pai da apelante, que cliente bancário era, afirmando que “Era um… um… um cliente que movimentava uma conta a prazo e uma conta à ordem.”, e que “(…) o facto de ser capital… garantido, era para o senhor Raúl Gameiro muito importante” - cfr. fls. 252 verso e fls. 53 da transcrição junta pela apelante.
Assim, quanto à factualidade da al. i), procede a pretensão da apelante, aditando-se aos Factos Provados o seguinte, com a consequente eliminação da al. i) dos Factos Não Provados – o que se decide:
“A funcionária do banco sabia que o pai da autora nunca havia investido em produtos diferentes de depósitos a prazo;”.
*
Relativamente à factualidade descrita sob as als. j) e m), examinando conjugada, objectiva e criticamente (segundo as regras da lógica e da experiência comum) os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas na audiência final com os documentos juntos aos autos, temos, por seguro, que a funcionária do banco junto da qual o pai da apelante subscreveu as obrigações em causa sabia que o mesmo não teria subscrito tais obrigações se lhe tivesse sido comunicado todas as informações constantes da nota informativa respectiva - não se acompanhado, pois, nesta factualidade, a convicção do tribunal a quo.
Com efeito, o depoimento da testemunha Ana ….. é elucidativo nesta questão, porquanto à pergunta que lhe foi feita sobre se tivesse contactado o pai da apelante e lhe tivesse dito: “Olhe, tenho aqui um produto. É um produto da SLN. A SLN é a dona do Banco. O Banco limita-se a colocar este produto no mercado, não tem qualquer outra intervenção nesta, se não a colocação. Trata-se de obrigações. Obrigações são títulos de dívida de determinada entidade … Para mais são obrigações subordinadas, se houver um problema de solvabilidade, o senhor fica no final da lista de credores dessa mesma entidade”. E a pergunta é: tivesse a senhora prestado esta informação toda, acha que o senhor Raúl teria aceite, de igual modo, subscrever o produto ou não ?”, respondeu “(…) Se eu tivesse dito dessa forma ao cliente, de facto, eu não teria vendido nada, não me teria comprado…porque isso aí… pronto, eu só estava a dizer toda… toda a parte negativa ou a salientar todos os pontos negativos, qualquer decisão de compra… tem. Tem prós e tem contras. De toda a maneira, no caso concreto, a uma das questões… uma das questões que… que me questionou foi de… dizer que o Banco nada tinha a ver com a emissão das obrigações, não só não seria o senhor Raúl… o senhor Raúl ….. a comprar, como eu não se… não teria vendido. Porque para mim… era inquestionável que o Banco tinha, na altura, o papel importante, para além de colocador de um determinado produto. Portanto, eu também tinha uma imagem a ter, portanto, independentemente se comprasse… não são realmente 2 ou 3 meses, como a maioria dos bancários passam 1 ano e contratam e alugavam. Eu estava há 20 anos na praça e, portanto, mais do que tudo aquilo que eu vendia e, portanto, é uma questão de dignidade. E jamais, numa situação dessas, eu iria vender um pro… a um cliente que eu sabia que pretendia segurança nas suas obrigações, ia vender um produto que à partida eu sabia que tinha um risco elevadíssimo” (cfr. fls. 254 verso; fls. 58 da transcrição junta pela apelante).
Perante estas declarações da testemunha, conjugadas com as regras de experiência comum, e considerando, ainda e nomeadamente, a idade do pai da apelante na data da subscrição das aludidas obrigações, a forma como o “produto” foi apresentado ao mesmo pela funcionária do BPN (como de capital seguro e garantia de reembolso, sem explicação da característica da subordinação), o facto de o pai da apelante sempre ter investido apenas em depósitos a prazo nos mais de dez anos em que foi cliente daquele banco e a importância que, para o mesmo, assumia a segurança do seu dinheiro e investimentos (como é reconhecido pela própria testemunha ao longo do seu depoimento), adquirimos a convicção de que o pai da apelante não teria subscrito as obrigações em causa se lhe tivesse sido comunicado todas as informações constantes da nota informativa respectiva e que a funcionária do banco junto da qual o pai da apelante subscreveu aquelas obrigações tinha consciência disso.
Em consequência, quanto à factualidade das als. j) e m), considera-se parcialmente procedente (uma vez que a factualidade ora considerada provada não coincide exatamente com a vertida nas als. j) e m) dos factos não provados) a pretensão da apelante, aditando-se aos Factos Provados o seguinte, com a consequente eliminação das als. j) e m) dos Factos Não Provados – o que se decide:
“A funcionária do banco junto da qual o pai da apelante subscreveu as Obrigações em causa sabia que o mesmo não teria subscrito tais obrigações se lhe tivesse sido comunicado todas as informações constantes da nota informativa respectiva”.
*
Pretende a apelante que, os Factos Não Provados sob as als. l) e q) sejam considerados como provados, invocando, para o efeito, o depoimento da testemunha Ana ….., transcrevendo os trechos de tais depoimentos em que se baseia - cfr. arts. 71º a 79º das motivações e al. O) das Conclusões.
O apelado sustenta a manutenção dos aludidos factos como não provados.
O tribunal a quo motiva a sua decisão quanto à al. l) “porque Ana …. e Adriano …… disseram que era explicado o prazo de reembolso e o modo de mobilização antecipada.” E quanto à al. q), “Por não ter sido feita prova dos factos respectivos” (cfr. fls. 182).
Relembramos que, das citadas alíneas, resulta que não ficou provado:
“l)- Que os autores desconhecessem que o empréstimo (obrigacionista) só poderia ser reembolsado em 08/05/20016;
q)- Que os autores não tinham intenção de adquirir Obrigações SLN 2006;”
Apreciemos.
Relativamente à al. l), examinando conjugada, objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum - os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas na audiência final com os documentos juntos aos autos, chegamos à mesma conclusão que o tribunal a quo, ou seja, não foi feita prova daquela factualidade. Na verdade, do depoimento da testemunha Ana …… resulta que a mesma teve a especial preocupação de informar o pai da apelante que: o “produto” em causa “poderia ser transmitido, uma vez que foi explicado que não era um depósito a prazo e poderia ser transmitido a um…a um outro cliente. Precisava sensivelmente uma semana, 15 dias para recolocar o produto noutro…noutro cliente.”; que “as obrigações não disponibilizarem como um depósito a prazo. Portanto era necessário encontrar uma… um novo investidor para recolocar. Isto é, era uma preocupação porque quem está… quem tem depósitos a prazo, está habituado a liquidá-lo e a ficar de imediato disponíveis (…)”; e que “(…) o problema tinha a ver com a disponibilização do capital, não era imediata. E… e, portanto… eu queria que os clientes percebessem que eu… se necessitassem dos fundos, não estariam de imediato. E isso foi sempre um ponto importante para mim, sabendo eu que os clientes que tinham depósitos a prazo estavam habituados a…a…a disponibilização imediata do capital” - cfr., respectivamente, fls. 252, 253 verso, e 256 e verso; fls. 53, 56 e 61/62 da transcrição junta pela apelante.
Perante estas concretas informações que foram expressamente transmitidas ao pai da apelante pela testemunha, e de acordo com as regras de experiência comum, não é credível que o pai da apelante desconhecesse qual o prazo de reembolso da obrigação em causa.
Assim, nesta parte, improcede a pretensão da apelante, mantendo-se a factualidade ora em análise (al. l) como não provada.
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Relativamente à al. q), intrinsecamente relacionada com a factualidade vertidas nas als. j) e m) dos Factos Não Provados, da análise crítica, objectiva e conjugada da prova produzida, apenas ficámos com a convicção da ocorrência da concreta factualidade acima enunciada quando abordámos a factualidade vertidas naquelas als. j) e m) (ou seja, que: “A funcionária do banco junto da qual o pai da apelante subscreveu as Obrigações em causa sabia que o mesmo não teria subscrito tais obrigações se lhe tivesse sido comunicado todas as informações constantes da nota informativa respectiva”), e não também da ocorrência da específica factualidade ora em análise, dando aqui por reproduzidas – por a esta factualidade da al. q) também se aplicarem in totum – todas as considerações que, então, aduzimos.
Desta forma, é eliminada a al. q) dos Factos Não Provados, subsumindo-se, porém, a factualidade nela inserida e que consideramos provada à concreta factualidade vertida nas als. j) e m).
Assim, procede parcialmente a pretensão da apelante, uma vez que a al. q) será eliminada, sendo, porém, apenas considerada provada nos precisos termos que constam já das als. j) e m) – o que se decide.
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Pretende a apelante que, os Factos Não Provados sob a al. p) sejam considerados como provados, invocando, para o efeito, os depoimentos das testemunhas Pedro Honório e Ana Paula Ferreira, transcrevendo os trechos de tais depoimentos em que se baseia - cfr. arts. 80º a 92º das motivações e als. P) e Q) das Conclusões.
O apelado sustenta a manutenção dos aludidos factos como não provados.
O tribunal a quo motiva a sua decisão quanto à al. p) “Por não ter sido feita prova dos factos respectivos” (cfr. fls. 182).
Relembramos que, da citada alínea, resulta que não ficou provado: “Que os gestores de conta ofereciam o produto aos clientes sem terem a noção de que produto se tratava;”.
Apreciemos.
Examinando conjugada, objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum - os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas na audiência final com os documentos juntos aos autos, chegamos à mesma conclusão que o tribunal a quo, ou seja, não foi feita prova daquela factualidade. Na verdade, o depoimento da testemunha Ana Paula Ferreira, ao afirmar que a sua equipa (como já se assinalou: era, então, gerente da agência de Alcobaça) recebia formação do Banco para vender especificamente as obrigações em causa nos autos (esclarecendo, ainda, que, no seu caso pessoal, por ser licenciada na área de gestão bancária, sabia exactamente o que era uma obrigação) – cfr. fls. 253 e fls. 56 da transcrição junta pela apelante -, torna pouco credível que os gestores de conta oferecessem o produto aos clientes sem terem a noção de que produto se tratava, ao que acresce que, dos documentos nºs 12 e13 juntos com a petição inicial (cfr. fls. 81 verso e fls. 82), não se extraí a ocorrência daquela factualidade.
 Assim, nesta parte, improcede a pretensão da apelante, mantendo-se a factualidade ora em análise (al. p) como não provada.
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Pretende a apelante que, os Factos Não Provados sob a al. n) sejam considerados como provados, invocando, para o efeito, o depoimento da testemunha José Franco, transcrevendo os trechos de tal depoimento em que se baseia - cfr. arts. 93º a 96º das motivações e als. R) e S) das Conclusões.
O apelado sustenta a manutenção dos aludidos factos como não provados.
O tribunal a quo motiva a sua decisão quanto à al. n) “Por não ter sido feita prova dos factos respectivos” (cfr. fls. 182).
Relembramos que, da citada alínea, resulta que não ficou provado: “Que os autores vivem com contínuo terror e receio de terem perdido o capital do seu investimento;”.
Apreciemos.
Examinando conjugada, objectiva e criticamente - segundo as regras da lógica e da experiência comum - os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas na audiência final com os documentos juntos aos autos, chegamos à mesma conclusão que o tribunal a quo, ou seja, não foi feita prova daquela factualidade. Na verdade, não obstante as declarações da testemunha José Franco (marido da apelante e genro do falecido pai desta) invocadas pela apelante (de que o pai da apelante ficou “muito transtornado” quando soube que o seu dinheiro estava em risco e que isso o afectou “profundamente”: cfr. fls. 238; fls. 25 da transcrição junta pelo apelante), o certo é que tal depoimento é de todo em todo insuficiente para afirmar, com a segurança e a assertividade necessárias, os concretos factos descritos na alínea p), que assim devem permanecer como não provados.
Assim, nesta parte, improcede a pretensão da apelante, mantendo-se a factualidade ora em análise (al. n) como não provada.
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Pretende a apelante que, os Factos Não Provados sob a al. r) sejam considerados como provados, alegando, para tanto, “bastava que o tribunal a quo se tivesse dado ao trabalho de averiguar que, efetivamente, o Banco réu esteve registado na CMVM para o exercício profissional das atividades de consultoria para investimento (entre 19.07.1993 e 28.09.2006) e de depositário de valores mobiliários (entre 19.07.1993 e 22.10.1998), mas nunca, em circunstância alguma, para o exercício da atividade em causa nestes autos” - cfr. arts. 97º e 98º das motivações e als. R) e S) das Conclusões.
O apelado sustenta a manutenção dos aludidos factos como não provados.
O tribunal a quo motiva a sua decisão quanto à al. r) “Por não ter sido feita prova dos factos respectivos” (cfr. fls. 182).
Relembramos que, da citada alínea, resulta que não ficou provado: “Que as Obrigações SLN 2006 não estavam depositadas em qualquer conta de valores mobiliários escriturais”.
Apreciemos.
Dos elementos probatórios produzidos nos autos não consta a veracidade dos factos ora em referência (nem a apelante indica qualquer elemento de prova nesse sentido).
Por outro lado, aqueles factos não se subsumem a factos notórios - os que não carecem de prova, nem de alegação (cfr. art. 412º, nº 1 do Cód. Proc. Civil), por serem do conhecimento geral, ou seja, como os considera Alberto dos Reis, inCódigo de Processo Civil Anotado”, Vol. III, 4ª Ed. – Reimp., Coimbra Editora, 1985, p. 261, os factos que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação.
Por isto, acompanhamos a decisão do tribunal a quo ao não considerar a factualidade vertida na al. r) como provada, improcedendo, nesta parte, a pretensão da apelante, mantendo-se a factualidade ora em análise (al. r) como não provada.
*
Pelo exposto, a factualidade dada como provada nesta acção é a seguinte:
1º- C., réu, é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação BPN - Banco Português de Negócios, S.A.
2º- Até à nacionalização do BPN - Banco Português de Negócios, S.A. (operada pela Lei n.º 62-A/2008, de 11 de 2011), a totalidade do seu capital social era detida pela sociedade então denominada SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.
3º- SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. e BPN - Banco Português de Negócios, S.A., à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração, José de Oliveira Costa.
4º- BPN - Banco Português de Negócios, S.A., até à data da nacionalização do seu capital, era, simultaneamente, uma instituição de crédito e um intermediário financeiro.
5º- Os Pais da A. já falecidos eram há mais de 10 anos clientes do banco réu na agência de Alcobaça.
6º- A SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA, emitiu 1000 obrigações subordinadas, sob a forma escritural, ao portador, com o valor nominal de € 50.000,00, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 08/05/2016.
7º- Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.
8º- Os funcionários do balcão em que os autores tinham depositadas as suas quantias acreditavam que as Obrigações SLN 2006 que vendiam era produto seguro e não oferecia risco para os subscritores.
9º- Os autores detinham depositados no réu em Abril de 2006, € 101.508,33.
10º- O pai da A., já falecido, subscreveu, em 02/05/2006, uma ordem de subscrição de duas Obrigação SLN 2006, no valor de € 50.000,00, cada e global de € 100.000,00.
11º- Foi dito ao pai da A., já falecido, que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação SLN 2006 a terceiros.
12º- A Operação foi lançada em Abril de 2006.
13º- A SLN pagou os juros referentes às Obrigações SLN 2006 até Abril de 2015.
14º- O pai da A., já falecido, foi informado ao balcão do réu que a Obrigação seria remunerada a uma taxa de juro anual nominal bruta de 4,5% no primeiro semestre, e à taxa Euribor a 6 meses mais 1,15% nos nove cupões seguintes e à taxa Euribor mais 1,50% nos restantes cupões.
15º- Na altura, o produto tinha muita procura por os juros serem superiores aos dos depósitos a prazo.
16º- O pai da A., já falecido, era comerciante reformado.
17º- Não foi explicada ao pai da A., já falecido, a característica da subordinação da obrigação SLN 2006.
18º- O pai da A. subscreveu a Obrigação SLN 2006, por se tratar de produto seguro e bem remunerado.
19º- Não foi facultada ao pai da A. nota informativa do produto.
20º- O documento de subscrição da obrigação de fls. 83 foi colocado à frente do pai da A. já preenchido, que o assinou.
21º- A funcionária do banco assegurou ao pai da A., já falecido, que o retorno da quantia subscrita era garantido.
22º- A funcionária do banco sabia que o pai da Autora nunca havia investido em produtos diferentes de depósitos a prazo.
23º- A funcionária do banco junto da qual o pai da Autora subscreveu as obrigações em causa sabia que o mesmo não teria subscrito tais obrigações se lhe tivesse sido comunicado todas as informações constantes da nota informativa respectiva.
*
Do mérito da causa
Como resulta do enunciado antes, a questão a apreciar e decidir neste recurso, no que respeita ao mérito da causa, reside, desde logo, em saber se o Réu deve ser responsabilizado pelo reembolso do capital investido pelo pai da apelante nas obrigações SLN 2006.
Conforme resulta dos factos provados sob os nºs 5., 9. e 10., assente ficou que o pai da apelante era cliente do BPN há mais de dez anos e que, em 2 de Maio de 2006, subscreveu duas obrigações SLN 2006, no valor nominal de € 50.000,00 cada.
À data da propositura da acção, em 7 de Fevereiro de 2017 (cfr. fls. 94), já se encontrava vencido o prazo de reembolso daquelas obrigações (cfr. Factos Provados sob os nºs 6. e 10.), havendo, por isso, que determinar se à ora apelante (como herdeira do seu pai, subscritor daquelas obrigações) assiste o direito de exigir do Réu a quantia investida.
De acordo com o disposto no art. 348º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), as obrigações são “valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais”. Também o art. 1º, al. b) do Código dos Valores Mobiliários (CVM) estabelece que “são valores mobiliários, além de outros que a lei como tal qualifique (…) as obrigações”.
Como ensina Paulo Câmara, in “Manual de direito dos valores mobiliários”, 3ª Ed., Almedina, 2016, p. 139, “o titular da obrigação é fundamentalmente um credor perante a entidade emitente e como relação jurídica subjacente na base desse valor mobiliário existe tipicamente um contrato de mútuo. O titular da obrigação – muito reveladoramente designado credor obrigacionista – tem o dever de entregar fundos à entidade emitente; e a entidade emitente está vinculada à obrigação sinalagmática de restituir o montante que lhe é mutuado e, sendo convencionado, os respetivos juros”.
As obrigações subordinadas caracterizam-se por o seu titular apenas poder exercer os respectivos direitos (a ser reembolsado do capital e ao pagamento dos juros) após prévia satisfação integral dos demais credores do emitente – cfr. art. 360º, nº 1, al. e) do CSC. Assim, em caso de insolvência do emitente os titulares de obrigações subordinadas apenas serão satisfeitos do capital e dos juros depois de terem sido satisfeitos todos os demais credores comuns ou especiais.
Tal como decorre do art. 73º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC), constante do DL. 298/92, de 31 de Dezembro (na versão vigente à data dos factos: Maio de 2006): “As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”; mais referindo o art. 74º do mesmo diploma legal que: “Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.
Mais estatui o art. 75º do RGIC que:
“1 - As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles.
2 - O Banco de Portugal regulamentará, por aviso, os requisitos mínimos que as instituições de crédito devem satisfazer na divulgação ao público das condições em que prestam os seus serviços”.
Também os membros dos órgãos de administração, os administradores e os empregados das instituições de crédito, nas relações com os clientes devem “proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores” – cfr. art. 76º do RGICSF.
Considerando o concreto produto em causa nos autos, é de salientar, desde já, que a comercialização de “Obrigações” se insere na actividade de intermediação mobiliária, que pode exercida por instituições de crédito - cfr. arts. 289º, 290º, 292º e 293º nº 1, al. a) do CVM; assumindo-se tal comercialização como um contrato de intermediação financeira.
Contratos de intermediação financeira são, pois, os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira - cfr. José Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, 2011, p. 573, e in “Os Contratos de Intermediação Financeira”, in “Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra”, Vol. LXXXV, Coimbra, 2007, p. 281.
Os contratos de intermediação financeira encontram-se, desde logo, balizados pelo regime geral da atividade de intermediação financeira, incluindo os diversos deveres gerais que impendem sobre os intermediários financeiros, destacando-se, entre estes, para o que aqui interessa, os deveres boa-fé, diligência, lealdade, transparência, informação e publicidade.
Da factualidade provada resulta que o banco apelado actuou na qualidade de intermediário financeiro - como acima já se afirmou, nos termos do disposto no art. 293º, nº 1, al. a) do CVM, as instituições de crédito consideram-se intermediários financeiros.
O CVM estabelece um quadro definido de deveres e obrigações que os intermediários financeiros devem observar.
Assim, e desde logo, dispõe o art. 304º do CVM, na versão em vigor em Maio de 2006, sob a epígrafe “Princípios”, que:
 “1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
(...)
5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação”.
Sobre a actuação do intermediário financeiro exige o art. 305º do CVM, na versão em vigor em Maio de 2006:
1 - No exercício da sua atividade, o intermediário financeiro deve assegurar elevados níveis de aptidão profissional.
2 - O intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade e de eficiência e por forma a evitar procedimentos errados ou negligentes”.
Por outro lado, e no que diz respeito ao dever – e qualidade - da informação, emerge do art. 7º do CVM, na versão em vigor em Maio de 2006, que:
1- Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.”.
Quanto a estes deveres de informação, refere, ainda, o art. 312º, nº 1 do CVM, na versão vigente em Maio de 2006, que: “O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a: a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar; c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar; d) Custo do serviço a prestar.”. O nº 2 deste preceito legal clarifica que: “A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.”; acrescentando o nº 3 que: “A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral”.
A “completude da informação consiste na coincidência entre a mensagem e o referente. Atinge-se por via da inclusão na mensagem informativa de todos os elementos legalmente exigidos e contextualmente relevantes a respeito do referente […] só é completa a informação que inclui todos os elementos legalmente exigidos e contextualmente relevantes a respeito do referente». «A veracidade da informação consiste numa equivalência total entre o referente e a mensagem, no sentido de esta não conter informação que não tenha correspondência no dito referente». «A atualidade da informação afere-se pela correspondência temporal entre o referente e a mensagem e nessa medida acaba por ser um subtipo do requisito da veracidade. A mensagem atual é a que corresponde com exatidão ao momento do referente porque inclui necessariamente todos os elementos disponíveis sobre o referente aquando da emissão da mensagem». «A clareza é um requisito de qualidade que se centra no destinatário. Consiste na suscetibilidade da mensagem de elucidar o destinatário em relação ao referente. Pressupõe necessariamente a adequação aos padrões de compreensão do destinatário permitindo-lhe reconstituir uma mensagem com as outras qualidades». «A objetividade da informação consiste na aptidão para descrever o referente de forma rigorosa, direta e concisa». «A licitude consiste no respeito pelos preceitos e deveres legais aplicáveis. A informação lícita é a que, em si mesma, não viola quaisquer preceitos aplicáveis, direta ou indiretamente, à difusão de informação. Este requisito de qualidade de informação centra-se na mensagem, pois é o conteúdo desta que se pretende seja conforme aos valores legais.” – Pedro Boullosa Gonzalez, in “Qualidade da Informação, nos “Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários”, nº 49 (Dezembro de 2014), p. 5 e ss apud Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/06/2018, Maria José Mouro, acessível em www.dgsi.pt.
Por sua vez, o art. 314º do CVM - na versão em vigor em Maio de 2006, mas com igual versão no actual art. 304º-A -, regulou expressamente a matéria referente à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, nos seguintes termos:
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
A este propósito, prevê o art. 324º, nº 1 do CVM, na versão em vigor em Maio de 2006, que: “São nulas quaisquer cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar”.
Volvendo ao caso dos autos, é de relembrar que a apelante estrutura a presente acção com base na responsabilidade contratual do Réu na sua qualidade de intermediário financeiro.
Os pressupostos da responsabilidade contratual ou obrigacional estão elencados no art. 798º do Cód. Civil: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
São, assim, e como é consabido, pressupostos da responsabilidade civil contratual: o facto ilícito (a falta ou erro - por acção ou omissão, controlada ou controlável pela vontade - de cumprimento duma obrigação típica do contrato celebrado e a constatação da desconformidade objectiva entre a conduta devida e o comportamento observado pelo lesante), a culpa (imputação subjectiva do facto ao lesante, ou seja, um juízo de censurabilidade e reprovabilidade, baseado no reconhecimento de que o devedor deveria e poderia agir doutro modo), o dano (prejuízo ou desvantagem que é causado num bem jurídico alheio, por efeito do facto ilícito) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge).
Nos termos do art. 799º, nº 1 do Cód. Civil, na responsabilidade civil contratual, impende sobre o devedor a presunção de culpa no incumprimento, incumbindo-lhe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
Verificando-se os enunciados requisitos, existe uma situação de responsabilidade civil contratual, a qual investe o civilmente responsável numa obrigação de indemnizar, nos termos conjugados dos arts. 799º, nº 2 e 483º e ss do Cód. Civil.
Face ao enunciado legal acima enunciado, temos que, no que se refere à actividade de intermediação financeira, são pressupostos da responsabilidade civil em análise: a falta de cumprimento duma obrigação típica da actividade de intermediação financeira; a ilicitude, que resulta da constatação da desconformidade objectiva entre a conduta devida e o comportamento observado pelo devedor; a culpa, que resulta de um juízo de censurabilidade e reprovabilidade, baseado no reconhecimento de que o devedor deveria e poderia agir doutro modo (que, no caso, se presume); o dano, correspondente ao prejuízo sofrido essencialmente no património do credor; e o nexo causal entre o comportamento ilícito e culposo e o dano considerado.
Questão controvertida na jurisprudência é determinar o modo de aferição da culpa estabelecida nestes pressupostos.
Para tanto, importa não esquecer a presunção de culpa constante do art. 799º do Cód. Civil e que o supra citado art. 314º, nº 2 (actual 304º-A, nº 2) do CVM replica, e que, por essa via, se aplica automaticamente no caso de violação dos deveres de informação.
Tem sido entendido que compete ao cliente/investidor a prova do facto ilícito (cfr. Ac. STJ de 06/06/13, Abrantes Geraldes, acessível in www.dgsi.pt) e ainda que compete ao cliente/investidor a demonstração dessa relação entre o facto ilícito e o dano ocorrido (neste sentido, cfr. Acs. STJ de 04/10/2018, Maria do Rosário Morgado; de 13/09/2018 e de 09/01/2019, ambos, Sousa Lameira; e de 06/11/2018, Cabral Tavares – todos acessíveis in www.dgsi.pt.).
Considerando esta posição, que perfilhamos, nos termos gerais dos arts. 342º e seguintes do Cód. Civil, incumbia à apelante, enquanto credora e titular do direito à indemnização, o ónus de prova de todos os factos constitutivos do seu direito demonstrativos da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil supra elencados, com excepção da culpa, que se presume – tudo, repete-se, nos termos do art. 799º daquele diploma legal e no art. 314º, nº 2 (actual art. 304ºA) do CVM.
Consequentemente, em acção destinada a efectivar o direito a indemnização emergente de responsabilidade civil por violação do dever de informação em caso de intermediação bancária ou financeira (como é o caso dos autos), compete ao lesado indicar e provar qual o concreto dever não cumprido, especificando as informações omitidas ou erradamente transmitidas, bem como a relevância dessa omissão na formação da sua vontade em adquirir os valores mobiliários em causa.
Nestes autos, a sentença recorrida absolveu o apelado do pedido de indemnização contra si deduzido, por entender que, tendo sido celebrado entre o pai da apelante e o BPN um contrato de intermediação financeira, para haver responsabilidade deste perante a ora apelante, tornar-se-ia necessário, em primeiro lugar, a existência de um facto ilícito e que não podendo concluir-se que as informações fornecidas pelo BPN não tivessem correspondido à verdade ou fossem incorrectas, inexactas, incompletas ou desconformes, não ficou demonstrada a violação por parte do BPN do dever de informação, não se encontrando verificado o pressuposto da ilicitude, pelo que, não se verificam, in casu, todos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil. A apelante insurge-se contra tal absolvição por entender que foi violado aquele dever de informação, encontrando-se, ainda, preenchidos todos os demais pressupostos de que a responsabilidade civil depende.
Vejamos.
Da factualidade provada resulta que: o pai da apelante, já então cliente do apelado há mais de dez anos, subscreveu as obrigações em causa nos autos, que lhe foram apresentadas por uma funcionária do apelado como um produto seguro e de capital garantido, tendo adquirido duas obrigações, no valor de € 50.000,00 cada, aquisição essa, que foi concretizada no dia 2 de Maio de 2006.
Constata-se, assim, que a situação dos autos se subsume ao quadro típico de uma relação contratual, em que a responsabilidade civil pretendida fazer valer emerge da violação de obrigações específicas impostas ao apelado - intermediário financeiro -, por força da relação negocial direta estabelecida entre este e o pai da apelante, enquanto seu cliente.
Na verdade, e como acima desde logo se salientou, a colocação das obrigações da SLN junto dos seus clientes constitui uma atividade de intermediação financeira que o apelado está autorizado a exercer, por ser uma instituição de crédito. Ao exercer aquela actividade de intermediação financeira, o apelado está vinculado aos deveres e obrigações previstas nas disposições legais acima citadas.
E, está em causa, desde logo, o dever de informação do apelado para com o pai da apelante relativamente às aludidas obrigações SLN 2006.
A factualidade provada demonstra abundantemente que o produto financeiro que o apelado vendeu ao pai da apelante era um conjunto de obrigações subordinadas, e que a apresentação e a informação referentes a tal produto foram fornecidas ao pai da apelante pelo apelado, através de um seu funcionário, como sendo um produto seguro, com retorno garantido da quantia subscrita, cujo capital investido poderia ser por aquele resgatado em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação SLN 2006 a terceiros.
Resulta outrossim da factualidade provada que, nas mesmas circunstâncias de espaço e tempo da subscrição das aludidas obrigações: não foi explicada ao pai da apelante a característica da subordinação da obrigação SLN 2006; não foi facultada ao mesmo a nota informativa do produto; o documento de subscrição daquelas obrigações foi colocado à frente do pai da apelante já preenchido, que o assinou; o pai da apelante subscreveu aquelas  obrigações por se tratar de produto seguro e bem remunerado; sendo que a funcionária do banco que lhe vendeu as obrigações tinha conhecimento que o pai da apelante nunca havia investido em produtos diferentes de depósitos a prazo e que não teria subscrito aquelas concretas obrigações se lhe tivesse sido comunicado todas as informações constantes da nota informativa respectiva.
Perante esta factualidade, consideramos que foi, efectivamente (como alega a apelante como fundamento essencial da sua pretensão), defeituosa, imperfeita e inexacta, a informação prestada ao pai da apelante pela funcionária – que assumia, inclusive, a função de gerência da agência do BPN em causa, Alcobaça - acerca das características do produto financeiro "Obrigações SLN 2006". Por outras palavras, a obrigação do apelado de informar o pai da apelante acerca daquele produto foi cumprida de modo defeituoso, imperfeito e inexacto.
Na verdade, a informação prestada ao pai da apelante e que determinou que ele adquirisse as obrigações subordinadas SLN 2006, não foi completa, clara e verdadeira (cfr. supra citado art. 7º, nº 1 do CVM e as considerações acima aduzidas sobre estas necessárias características da informação).
Não foi completa porque, designadamente, não foi explicado ao pai da apelante que se tratava de obrigações subordinadas, com as consequências daí resultantes, ou seja, que o reembolso do capital e o pagamento dos juros só teria lugar após prévia satisfação integral dos demais credores do emitente, característica esta, de tal produto financeiro que não pode deixar de ser considerada relevante.
Não foi clara, nem verdadeira, porque foi dito ao pai da apelante que se tratava de uma aplicação com retorno de capital garantido – o que não corresponde à verdade -, não se explicando, inclusive, quem dava essa garantia.
É evidente que, face à natureza intrínseca do produto financeiro em causa (obrigação), a informação de que “o retorno da quantia subscrita era garantido” (expressão esta, que, na linguagem comum, apenas pode ter o entendimento, o significado, o sentido, a acepção, que o pagamento do capital estaria sempre assegurado – o que, como é consabido, atendendo à natureza de obrigação do produto financeiro em causa, não corresponde à verdade) revela-se incorrecta, incompleta e obscura, nada tendo sido revelado de concreto sobre o risco efectivo do produto. Por outras palavras, não foram prestadas ao pai da apelante, pelo intermediário financeiro, com as necessárias qualidades de verdade, completude e clareza, as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida, designadamente, o pai da apelante não foi informado cabalmente sobre os riscos que as aludidas obrigações comportavam, quando era do conhecimento da funcionária junto da qual subscreveu as mesmas (que era, inclusive, gerente da agência) que o pai da apelante nunca havia investido em produtos diferentes de depósitos a prazo ao longo dos mais de dez anos em que era cliente do banco (o que denuncia, desde logo, que, enquanto investidor era cliente de perfil fortemente conservador), sendo também do conhecimento daquela que o pai da apelante não teria subscrito tais obrigações se lhe tivesse sido comunicado todas as informações constantes da nota informativa respectiva.
E, é manifesto que o apelado, enquanto intermediário financeiro, está legalmente obrigado a informar o seu cliente dos riscos específicos do investimento que lhe aconselha realizar. Na verdade, e como resulta das disposições legais acima citadas, quanto à actividade de intermediação, é imposta aos intermediários financeiros a prestação, relativamente aos serviços que ofereçam, que lhes sejam solicitados ou que efectivamente prestem, de todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente respeitante a riscos especiais das operações, a conflitos de interesses, à cobertura, ou não, dos serviços a prestar por qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente e aos custos daqueles serviços – cfr., máxime, art. 312º, nº 1, als. a) a d), do CVM. Por outro lado, a extensão e a profundidade da informação devem ser adequadas ao cliente, sendo tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e de experiência – cfr., máxime, nº 2 do art. 312º do CVM.
Acresce que, no caso vertente, como se salientou antes, resultou provado que o pai da apelante tinha um perfil conservador no que concerne ao investimento das suas economias, o que era do conhecimento da funcionária do BPN que lhe vendeu o produto em causa, o que obrigava o apelado, na qualidade de intermediário financeiro, a especiais cuidados no cumprimento da obrigação e informação a que, nos termos previstos no citado art. 312º do CVM, estava obrigado.
Como sabiamente se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa de 19/06/2018, Maria Amélia Ribeiro: “não faz o mínimo sentido sustentar que o Banco, enquanto intermediário financeiro, não esteja obrigado a informar o seu cliente dos riscos específicos do investimento que lhe aconselha realizar. Tal posição não é minimamente razoável, nem está de acordo com o espírito da lei, mesmo na versão do Código dos Valores Mobiliários na sua versão original aprovada em 1999 (Dec.Lei n.º 486/99 de 13/11). Quanto mais não fosse, o dever de informação seria sempre uma decorrência do princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações, tal como estabelecido no art. 762.º n.º 2 do C.C.. O que no caso era reforçado por deveres de máxima diligência técnica, lealdade e respeito, que a lei impunha ao R., quer como instituição financeira (Art.s 73º, 74.º e 76.º do RGICFS), quer como intermediário financeiro (Art.s 304º e ss do CVM, mesmo na sua versão original). Como foi o R. quem tomou a iniciativa de aconselhar ao A. a realização de determinado investimento, inevitável é que o tivesse de fazer como gestor criterioso, preocupado com a salvaguarda do património alheio como se fosse o seu, devendo não conduzir os seus clientes para situações que lhes causassem prejuízo e informá-los de todos os riscos relevantes, por forma a que possam formar a sua vontade de forma conscienciosa, esclarecida e fundamentada. (…) A informação disponibilizada pelo intermediário financeiro, designadamente sobre produtos financeiros, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, de modo a tornar possível ao interessado (investidor) uma decisão devidamente esclarecida e fundamentada, como decorre literalmente do art. 7.º n.º 1, do CVM. Sendo certo que, nesse dever específico de informação releva o risco especial envolvido na operação financeira a realizar, bem como o grau de conhecimentos e experiência do cliente. A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente. O dever de informação, com semelhante densidade, pressupõe da parte do intermediário financeiro um comportamento ativo, não podendo limitar-se à simples satisfação de eventuais pedidos de esclarecimento solicitados pelo cliente, num significativo reconhecimento da complexidade do mercado de capitais e da necessidade de salvaguardar a confiança dos investidores, condição fundamental para a sustentação e desenvolvimento de tal mercado, assim como as suas poupanças. Como reconhece a doutrina, a informação deve ser técnico-jurídica, simples, direta e eficaz (Neste sentido: Menezes Cordeiro)[1“Manual de Direito Bancário”, 3.ª Ed., 2006, pág. 291].”.
De tudo o que se vem aduzindo, conclui-se, de forma manifesta, que, ao actuar da forma descrita, o funcionário do apelado violou os deveres de informação impostos pelo CVM (cfr., máxime, arts. 7º, nº 1 e 312º), sendo certo que, nos termos do disposto no art. 314º, nº 2 de tal Código, a culpa do mesmo se presume e, nos termos do disposto no art. 800º do Cód. Civil, tal comportamento é imputável ao apelado. O que significa que, aquele comportamento, que constitui um facto ilícito, presume-se culposo (arts. 314º, nº 2 do CVM e 799º do Cód. Civil), não tendo o apelado elidido essa presunção. Na verdade, quanto a esta presunção de culpa, e conforme resulta dos Factos Provados e Não Provados, o apelado não logrou provar que informou o pai da alegante nos termos que lhe eram legalmente impostos acerca das características da Obrigação SLN 2006.
A falha de informação do BPN acerca das características das "Obrigações SLN 2006" projetou-se negativamente na esfera patrimonial do pai da apelante e, por morte deste, na esfera patrimonial da sua herdeira, a aqui apelante, pois que, após o vencimento da aplicação, em 8 de Maio de 2016, não ocorreu o reembolso do capital por aquele investido.
Na verdade, dos factos provados, resulta a existência de um nexo de causalidade entre a violação dos referidos deveres de informação que recaem sobre o apelado a que este estava adstrito e os danos reclamados na acção.
Com efeito, o comportamento do BPN foi decisivo e causal na produção do dano correspondente ao capital investido, pois o pai da apelante, cliente do apelado há mais de dez anos, com um perfil conservador no que concerne ao investimento das suas economias - o que era do conhecimento do apelado e revela uma estreita relação de confiança contratual – não teria subscrito as aludidas obrigações se lhe tivesse sido comunicado todas as informações constantes da nota informativa respectiva, o que era, inclusive, do conhecimento do apelado (cfr. Factos Provados sob o nº 23.) – comunicação essa, que não foi feita, como decorre da factualidade provada e acima se salientou.
Estes factos evidenciam, pois, um incumprimento da obrigação de informação por parte do apelado com suficiente relevância para condicionar a formação da vontade do pai da apelante. Na verdade, decorre daquela matéria de facto que, se os aludidos deveres de informação tivessem sido cumpridos, o pai da apelante não teria sido enganado e ficado desapossado do seu dinheiro, uma vez que não teria investido naquelas obrigações, que, inclusive, pela sua natureza, não correspondem ao produto alvo de um cliente com um perfil conservador de investimento das suas economias, como era o caso do pai da apelante.
É, por isso, evidente o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação resultantes da lei, a que o BPN estava adstrito, e o dano (cfr. art. 563º do Cód. Civil e art. 304º-A, nº 1 do CVM), correspondente ao valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.
Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 10/01/2013, Tavares de Paiva, acessível in www.dgsi.pt, onde se escreve: “No que concerne ao nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está obrigado pelo relacionamento de cliente existente entre a autora e o banco réu e os danos que a autora reclama, parece não haver dúvidas quanto à conexão, porquanto uma coisa parece ser certa, se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente a autora não teria dado a sua anuência na aquisição dos identificados activos financeiros ( cfr. art. 563º do C. Civil).”.
Como se escreve no Ac. do TRE, de 11/01/2018, Tomé de Carvalho, in www.dgsi.pt, “estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade contratual se se demonstrar que, sem a violação do dever de informação, o investidor não celebraria qualquer negócio – ou celebraria um acordo diferente daquele que rubricou –, que aquele negócio produziu um dano e que tal violação foi causa adequada do prejuízo”.
É, assim, evidente, o direito da apelante a ser indemnizada pelo apelado, correspondendo os prejuízos ao montante do capital investido pelo seu pai, no valor global de € 100.000,00.
Sobre essa quantia, e porque peticionados, incidem juros de mora à taxa legal de 4%, sendo inaplicável ao caso a taxa legal supletiva de créditos de empresas comerciais, resultante do art. 102º do Cód. Comercial, uma vez que estamos perante um crédito de natureza meramente civil, em função da qualidade do credor; por outro lado, tendo em atenção a natureza da obrigação indemnizatória pretendida e por não resultar provada interpelação anterior, os juros serão devidos apenas a contar da citação - cfr. arts. 804º, 805º, 806º e 559º, todos do Cód. Civil, e Portaria nº 291/2003, de 08/04.
O apelado na contestação suscitou a excepção do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, alegando que o pai da apelante nunca apresentou qualquer pedido de esclarecimento, nem reclamou da subscrição, sabendo perfeitamente os títulos que tinha adquirido, vindo só agora a fazê-lo, actuando em contradição com o comportamento que adoptou ao longo de anos. Tal excepção não foi objecto de apreciação na sentença recorrida.
Cumprindo apreciar, desde já, se salienta que, dos autos, não resulta qualquer comportamento do pai da apelante que pudesse justificar a ilegitimidade do exercício do direito à indemnização, nos termos do art. 334.º do Cód. Civil, porquanto não basta constatar o mero decurso do tempo para se poder concluir que não mais poderá ser exercido o direito, para mais quando o pai da apelante se encontrava numa situação de deficiente informação sobre o produto que havia adquirido. Daí a improcedência desta excepção.
Invocou o apelado na contestação a excepção de prescrição do direito do pai da apelante, nos termos do art. 324º do CVM, invocando que o mesmo teve conhecimento da alegada subscrição abusiva desde o início por assim vir descrito nos extractos bancários, onde as aplicações financeiras vinham discriminadas e separadas dos depósitos a prazo.
Tal excepção foi julgada improcedente na sentença recorrida.
Cumpre apreciar.
Dispõe o nº 2 do art. 324º do CVM que “salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”. Já nos casos de actuação com dolo ou culpa grave, aplica-se o prazo geral da prescrição de 20 anos – cfr. art. 309º do Cód. Civil.
Como referido no Ac. do STJ de 17/03/2016, Maria Clara Sottomayor, acessível em www.dgsi.pt, “para definir o que se entende por dolo ou culpa grave no domínio da exceção ao prazo curto de prescrição previsto no art. 324.º, n.º 2 do CVM, temos que ter em conta a ponderação de interesses inerente à norma; as características da relação entre o banco e o cliente – a confiança especial depositada por este na instituição bancária; e os deveres de informação, lealdade, cuidado com valores alheios e boa fé do Banco em relação ao cliente./A graduação do grau de negligência (grave, leve e levíssima) terá de aferir-se pelo padrão de culpa consagrado no art. 304.º, n.º 2 do CVC, segundo o qual «nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência»./Esta norma consagra um padrão de culpa que transcende o critério fixado no n.º 2 do art. 487.º, n.º 2 do CC, que tem como referência uma pessoa média, mas consiste antes no sujeito diligentissimus, em virtude de serem exigíveis a estas instituições os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam (cf. Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro, Almedina, 2008, p. 201). Deve ter-se também em conta os deveres de informação previstos no art. 312.º, n.º 1 do CVM relativamente ao período anterior à formação do contrato, destinados a garantir uma “tomada de decisão esclarecida e fundamentada” quanto aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”, dispondo esta norma que a extensão da obrigação de informar será tanto maior quanto menor o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.».
No caso dos autos, como vimos, a informação prestada ao pai da apelante não foi clara, não foi completa e não foi verdadeira. Esta actuação do apelado, tendo em conta os “elevados padrões de diligência lealdade e transparência” determinados no nº 2 do art. 304º do CVM, os “elevados níveis de aptidão profissional” que devem ser assegurados (nos termos do nº 1 do art. 305º do CVM) e a relevância que a lei dá à informação correcta e completa a ser prestada ao cliente, não pode deixar de importar a culpa grave do mesmo, actuando o apelado abaixo do grau que lhe era exigível.
Razão pela qual, o caso dos autos cai no âmbito da excepção prevista na 1ª parte do nº 2 do citado art. 324º do CVM, quando aí se refere, “salvo dolo ou culpa grave”, não sendo, pois, aplicável o prazo de prescrição de dois anos previsto naquele preceito, mas, antes, o prazo prescricional de 20 anos, nos termos dos arts. 309º do Cód. Civil e 324º, nº 2, 1ª parte, do CVM. Prazo que, no caso concreto, ainda não decorreu.
Assim, não se verifica a invocada excepção de prescrição, julgando-se improcedente a mesma.
Por todo o exposto, procede parcialmente o recurso e, nos termos descritos, não poderemos deixar de alterar a decisão recorrida em conformidade com o aqui enunciado.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, condenando o apelado C a pagar à apelante B a quantia total de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento, absolvendo-o do mais pedido.
Custas pela apelante e pelo apelado, na proporção dos respectivos decaimentos – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.
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Lisboa, de 4 Fevereiro de 2020
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
Dina Maria Monteiro