Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3988/10.0TTLSB-B.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INDEFERIMENTO LIMINAR
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
APERFEIÇOAMENTO DO ARTICULADO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO FORMAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: Interpondo o autor acção especial para efectivação de direitos conexos com acidente de trabalho, mas decorrendo do alegado na petição inicial e do pedido, formulado que o mesmo foi vítima de acidente de trabalho, pretendendo a condenação da seguradora a pagar-lhe as despesas médicas ocorridas em consequência de recaída após o acidente de trabalho (indemnização por período de ITA, indemnização por ITP), é de revogar o despacho de indeferimento liminar proferido, o qual deve ser substituído por outro que, nos termos conjugados dos números 1 do artigo 54.º do CPT e 3 do artigo 193.º do NCPC, convide a parte a esclarecer e/ou a sanar as discrepâncias formais existentes, com referência à correta identificação da acção ou incidente a propor, dando-se-lhe depois a tramitação mais conveniente, com recurso, se necessário, ao princípio da adequação formal do artigo 547.º do NCPC e em função do regime especial regulador do processo emergente de acidentes de trabalho.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


I–RELATÓRIO:

Os autos de ação emergente de acidente de trabalho de onde emerge o presente recurso de Apelação, tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 02/08/2010 e que, participado ao Procurador da República do Tribunal do Trabalho de Lisboa em 22/10/2010, afetou o sinistrado AAA, nascido em 13/04/1968, quando o mesmo desempenhava funções de economista por conta e sob a direção e fiscalização da sua entidade empregadora BBB, tendo esta transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a CCC,  SEGUROS, SA.

Procedeu-se à realização do competente exame médico (fls. 48 a 51), no qual foi considerado o sinistrado afetado por uma IPP de 2%, desde 16/10/2010, sendo certo que os serviços clínicos da seguradora lhe haviam atribuído idêntica IPP de 2% (fls. 19).

Realizada, no dia 03/03/2011, a tentativa de conciliação sob a presidência do Ministério Público, a fls. 70 a 73, sinistrado e entidade seguradora assentaram nos seguintes pontos:
– Que no dia 02/08/2010, pelas 18,50 horas, em Lisboa, quando o sinistrado desempenhava funções de economista por conta e sob a direção e fiscalização da sua entidade empregadora BBB, sofreu um acidente de viação no trajeto entre o seu local de trabalho e a sua residência, tendo sofrido as lesões e sequelas constantes do auto de exame médico de fls. 48 a 51;
– Que o sinistrado auferia o vencimento anual de Euros 57.456,70 (3.020,00 € x 14 meses, a título de remuneração base + € 755,00 x 14 meses, a título de IHT + € 202,00 x 14 meses, a título de verbas de representação + 7,35 € x 242 dias, a título de subsídio de alimentação);
– Que a entidade empregadora tinha transferido para a Seguradora CCC a sua responsabilidade infortunística laboral pelo valor anual de Euros 57.456,70;
– Que o sinistrado ficou afetado com uma IPP de 2%, desde 16/10/2010;
– Que o sinistrado é credor da quantia de € 14,93, acrescido de juros de mora no valor de 0,24 €, a título de diferença de indemnização de incapacidades temporárias;
– Que o sinistrado é credor da quantia de € 9,00, a título de transportes.     
*

O Tribunal do Trabalho de Lisboa homologou tal acordo por despacho judicial prolatado a fls. 70 e datado de 03/03/2011.
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Tal pensão, na sequência do acordado na Tentativa de Conciliação e do correspondente despacho homologatório, foi remida, conforme ressalta do Termo de Entrega do Capital de Remição de fls. 99, datado de 27/04/2011 e referente ao montante final de € 11.758,89 (I Volume).  
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Veio o sinistrado AAA, devidamente patrocinado pelo Magistrado do Ministério Público colocado no Tribunal do Trabalho de Lisboa, em 23/01/2015 e a fls. 112 a 2202, requerer incidente de revisão da pensão a ela atribuída, nos termos dos artigos 145.º do C.P.T. e 70.º da lei n.º 98/2009 de 4/09, por se terem agravado as lesões de que foi vítima (II Volume)
*

O tribunal da 1.ª instância proferiu a fls. 205 despacho admitindo o pedido de revisão formulado pelo sinistrado.
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Procedeu-se à realização do pretendido exame de revisão, conforme fls. 209 a 211 (20/2/2015) e esclarecimentos complementares de fls. 233 a 235 verso (11/5/2015), tendo o mesmo atribuído ao trabalhador uma IPP de 10%, desde 12/9/2014, vindo ainda a fixar 121 dias de ITA e 106 dias de ITP de 20%.
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Notificadas as partes de tal parecer médico, veio AAA a fls. 220 e seguintes e em 4/3/2015, requerer a realização de exame por junta médica, com formulação dos correspondentes quesitos.
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O tribunal da 1.ª instância admitiu, por despacho de fls. 227 (1.ª Parte), datado de 10/3/2015, o requerido Exame de Revisão por Junta Médica, que se veio a realizar a fls. 260 e 261, no dia 7/7/2015, tendo os senhores peritos médicos, por unanimidade atribuído ao trabalhador uma IPP de 10%.  
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Veio então a ser proferida a sentença de fls. 273 a 275, com data de 24/09/2015, onde foi decidido alterar a incapacidade permanente de que o sinistrado se achava afetado para uma IPP de 10%, desde 23/1/2015 e condenar a Seguradora a pagara ao mesmo o capital de remição de uma pensão de € 4.021,97 (com respeito pelas atualizações operadas), calculado com referência a 23/1/2015, deduzido da quantia já apurada e liquidada a título de capital de remição pela sua incapacidade inicial, acrescendo juros de mora sobre tal diferença, à taxa legal, desde essa mesma data.
Esta sentença veio a ser retificada por despacho de fls. 280, no que toca à remição da pensão acima referida, que se considerou não ser legalmente possível, tendo tal despacho retificativo sido objeto de recurso por parte do sinistrado, conforme ressalta de fls. 285 e seguintes, tendo essa Apelação, depois de devidamente tramitada no tribunal da 1.ª instância e neste Tribunal da Relação de Lisboa, sido julgada procedente por Decisão Sumária prolatada pela Juíza-Desembargadora Filomena Manso, datada de 2/3/2016, constante de fls. 318 a 323 e transitada em julgado.
Tal pensão, na sequência do decidido judicialmente, foi remida, conforme ressalta do Termo de Entrega do Capital de Remição de fls. 412, datado de 06/12/2016 e referente ao montante final de € 30.993,97 (III Volume).
*

AAA (Volume IV – Apenso A) veio propor em 30/7/2018, uma ação declarativa para a efetivação de direito conexos com acidente de trabalho, com processo especial, contra a Seguradora CCC onde, em síntese, pediu o seguinte:
«Nestes termos e nos melhores de direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deve ser declarado o direito ao Sinistrado ser ressarcido pela Ré e em consequência ser a Ré condenada:
a)- No pagamento da quantia de € 1.603,21 (mil seiscentos e três euros e vinte e um cêntimos), referentes a despesas médicas comprovadamente ocorridas e consequência da recaída após a ocorrência de acidente de trabalho;
b)- A indemnizar o Sinistrado por I.T.A., pelo período 29 de Janeiro a 17 de Fevereiro de 2014, determinado pela Ré, num total de 19 (dezanove) dias, que se traduz num valor de indemnização que se estima em € € 1.898,73 (mil oitocentos e noventa e oito euros e setenta e três cêntimos);
c)- A indemnizar o Sinistrado por I.T.A., pelo período de 18 de Fevereiro e 28 de Junho de 2014, o diferencial do montante que foi assegurado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., no valor de € 9.266,57 (nove mil duzentos e vinte e seis euros e cinquenta e sete cêntimos);
d)- A indemnizar o Sinistrado por I.T.P. (20%), pelo período de 75 (setenta e cinco dias), no montante de € 1.864,50 (mil e oitocentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos);
e)- Pagamento de juros de mora civis à taxa legal de 4%, sobre as quantias supra peticionadas, a serem contabilizados desde a data 08 de Maio de 2015, até integral e efetivo pagamento.» 
*

O Tribunal do Trabalho de Lisboa prolatou o seguinte despacho de indeferimento liminar, datado de 24/9/2018 e constante de fls. 76 e 76 verso dos autos apensos (Volume IV):
«AAA instaurou a presente ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho.
A presente ação foi, assim, distribuída na 12.ª espécie.
Todavia, do teor da petição inicial e do pedido formulado decorre, inequivocamente, que o autor alega ter sido vitima de um acidente de trabalho e pretende que entidade seguradora seja condenada a pagar-lhe despesas medicas ocorridas em consequência de recaída após a ocorrência de acidente de trabalho, indemnização por período de ITA de 29 de Janeiro a 17 de Fevereiro e de 18 de Fevereiro a 28 de Junho de 2014, indemnização por ITP de 20% pelo período de 75 dias, ou seja, o que esta em causa é matéria subsumível a um processo emergente de acidente de trabalho e ou incidente de revisão.
Verifica-se, assim, a existência de erro na forma de processo, bem como ilegitimidade do Autor para usar a presente ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho, já que a mesma se destina a efetivar direitos de terceiros e não do sinistrado.
No que respeita as consequências do primeiro vicio recenseado, importa atentar no disposto no artigo 193.º do CPC, dispositivo que rege a questão.
Ora, do confronto entre o formalismo deste processo e do processo que lhe cabe importa concluir que, manifestamente, não é possível o aproveitamento de qualquer ato.
O erro na forma do processo determina a nulidade de todo o processado, nos termos dos arts. 193.º e 196.º, ambos do CPC.
Todavia, ainda que se entendesse ser aproveitável a petição inicial, o Autor carece de legitimidade para propor a presente ação especial, sendo tal ilegitimidade insanável.
A nulidade de todo o processo e a ilegitimidade constituem exceções dilatórias de que o Tribunal conhece oficiosamente e que, no caso vertente, determinam o indeferimento liminar da petição, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 577.º, alínea b) e e), 578.º e 590.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 1.º, n.º 2, al. a) do CPT e 54.º, n.º 1 e 154.º, n.º 1 do CPT.
Acresce referir que de acordo com a alegacão do próprio Autor, os danos cujo ressarcimento pretende ocorreram ao abrigo de um contrato de seguro que não o de acidente de trabalho.
Face ao exposto e ao abrigo dos dispositivos citados, indefiro liminarmente a petição inicial.
Registe e Notifique.»
*

O sinistrado veio recorrer de tal despacho, mas o correspondente recurso de Apelação não foi admitido por extemporâneo, por despacho judicial de 30/10/2018 e de fls. 94 desse mesmo apenso.   
*

AAA (Volume V – Apenso B) veio, então, propor, em 28/12/2019, uma ação declarativa de condenação sob a forma de processo especial emergente de acidente de trabalho [[1]], contra a Seguradora CCC, onde, em síntese, pediu o seguinte:
«Nestes termos e nos melhores de direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deve ser declarado o direito ao Sinistrado ser ressarcido pela Ré e em consequência ser a Ré condenada:
a)- No pagamento da quantia de € 1.603,21 (mil seiscentos e três euros e vinte e um cêntimos), referentes a despesas médicas comprovadamente ocorridas e consequência da recaída após a ocorrência de acidente de trabalho;
b)- A indemnizar o Sinistrado por I.T.A., pelo período 29 de Janeiro a 17 de Fevereiro de 2014, determinado pela Ré, num total de 19 (dezanove) dias, que se traduz num valor de indemnização que se estima em € 1.898,73 (mil oitocentos e noventa e oito euros e setenta e três cêntimos);
c)- A indemnizar o Sinistrado por I.T.A., pelo período de 18 de Fevereiro e 28 de Junho de 2014, o diferencial do montante que foi assegurado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., no valor de € 9.266,57 (nove mil duzentos e vinte e seis euros e cinquenta e sete cêntimos);
d)- A indemnizar o Sinistrado por I.T.P. (20%), pelo período de 75 (setenta e cinco dias), no montante de € 1.864,50 (mil e oitocentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos);
e)- Pagamento de juros de mora civis à taxa legal de 4%, sobre as quantias supra peticionadas, a serem contabilizados desde a data 08 de Maio de 2015, até integral e efetivo pagamento.»
*

O sinistrado, para o efeito, alegou os seguintes factos: 
(…)*
O Tribunal do Trabalho de Lisboa prolatou o seguinte despacho de indeferimento liminar, datado de 8/9/2018 e constante de fls. 78 e 83 [[2]]:
«AAA instaurou, por apenso ao processo de acidente de trabalho que correu termos sob o nº 3988/10.0 TTLSB, a presente ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho, pedindo que que entidade seguradora seja condenada a pagar-lhe despesas médicas ocorridas em consequência de recaída após a ocorrência de acidente de trabalho, indemnização por período de ITA de 29 de Janeiro a 17 de Fevereiro e de 18 de Fevereiro a 28 de Junho de 2014, indemnização por ITP de 20% pelo período de 75 dias.
Fundamentou a sua pretensão na factualidade descrita na petição inicial, que se dá por reproduzida.

2.– Pressupostos processuais.
O Tribunal é competente em razão da matéria e da hierarquia.
O Autor é dotado de personalidade e capacidade judiciárias, de legitimidade “ad causam” e está regularmente patrocinado.
A Ré é dotada de personalidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
Inexistem nulidades, questões prévias ou outras exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa, exceto a exceção dilatória do caso julgado que abaixo se conhecerá.

3.– Factos a considerar:
1.- O ora Autor intentou contra a ora Ré, por apenso ao processo n.º 3988/10.0TTLSB, que correu termos sob o apenso A, ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho, no âmbito da qual apresentou a petição inicial constante de fls. 2 a 11 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
2.- No âmbito do referido processo foi proferida a decisão de indeferimento liminar constante de 76 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, transitada em julgado.

4.– Exceção Dilatória do caso julgado
O caso julgado é legalmente qualificado como exceção dilatória – cfr. art.º 577.º/i) do C. P. Civil de 2013.
A exceção do caso julgado pressupõe a repetição de um litígio em dois processos, um dos quais se mostra decidido por sentença transitada em julgado - cfr. art.º 580.º/1 do C. P. Civil de 2013. («As exceções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado»).
As exceções da litispendência e o do caso julgado visam, no seu efeito jurídico, acautelar que um dos Tribunais ou o mesmo Tribunal se coloque numa situação em que venha a contradizer ou a reproduzir (em qualquer dos casos inutilmente – a exceção de litispendência começa precisamente por pretender evitar um duplo dispêndio desnecessário de tempo, de dinheiro e de esforços - e com risco de grave dano para o prestígio da justiça) a decisão do outro (ou a sua anterior decisão) cfr. art.º 480.º/2 do C. P. Civil de 2013 («Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior...»).

Para se determinar se há ou não repetição da ação deve atender-se à diretriz substancial traçada no n.º 2 do supra citado art.º 580.º do C. P. Civil, mas também ao critério formal assente na tríplice identidade de sujeito, de pedido e de causa de pedir - Cfr. art.º 58.º/1 do C. P. Civil de 2013 («Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir...»). Como se refere no Ac. da RP de 26/06/92 [[3]], a propósito da litispendência «A litispendência é uma exceção dilatória que conduz à absolvição da instância. A exceção da litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso. Repete-se a causa quando de propõe uma causa idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico».

Ocorre identidade subjetiva quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica - Cfr. art.º 581.º/2 do C. P. Civil de 2013.

O conceito de partes pode ser analisado na dupla perspetiva formal e material.

Em sentido formal, são partes as pessoas (físicas ou meramente jurídicas) que pedem em juízo ou contra quem é pedida a composição em litígio, mas em sentido material só são partes os sujeitos da relação material controvertida que é objeto do litígio.

A mencionada identidade subjetiva prende-se com a posição das partes na relação jurídica material controvertida que é objeto do processo e não com que nele ocupam. A identidade de partes em duas ações afere-se, pois, da identidade de litigantes titulares na relação jurídica material controvertida ajuizada.

Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico - Cfr. art.º 581.º/3 do C. P. Civil de 2013 (o pedido, segundo o ensinamento de Alberto do Reis [4]2, consiste «no efeito jurídico que o autor se propõe obter com a ação. O pedido equivale, assim, ao objeto da ação. E como o efeito jurídico há-de obter-se através de um ato do juiz - o ato jurisdicional característico que é a decisão - segue-se que o pedido se concretiza na espécie de providência que o autor quer receber do juiz»).

A causa de pedir é, para a lei vigente, inspirada na chamada doutrina da substanciação, o facto jurídico concreto que à ação ou reconvenção serve de fundamento - cfr. art.º 581.º/4, in fine, do C. P. Civil de 2013: a causa de pedir, como ensinava Alberto dos Reis [5]3, é «o ato ou o facto jurídico de que procede a pretensão do autor. Mais rigorosamente: o ato ou o facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido»; e a mesma linha de entendimento, afirmava Antunes Varela [6]4: «nos termos do art.º 498.º do C. P. Civil, a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge, por força do Direito, a pretensão deduzida pelo Autor. No plano funcional ou operacional, a causa de pedir é o elemento que, com o pedido, identifica a pretensão da parte e que, por isso, ajuda a decidir da procedência desta».

Haverá identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico – cfr. art.º 581.º/4, 1.ª parte, do C. P. Civil de 2013. E como se decidiu no Ac. da STJ de 26/10/89 [7]5, «Para a identidade de causa de pedir, a pretensão, há que procurá-la, não relativamente às demandas formuladas, mas na questão levantada nas duas ações».

In casu, como resulta do teor da petição inicial de ambos os processos (absolutamente igual) estamos perante uma repetição da causa.

Entre a presente ação e a que correu termos sob o apenso A, existe uma total identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir, encontrando-se aquela com decisão transitada em julgado.

Por conseguinte, impõe concluir-se que está preenchido o critério formal da tríplice identidade (de sujeito, de pedido e de causa de pedir) exigido pelo art.º 458.º/1 do C. P. Civil de 2013, e, por via disso, existe risco efetivo do Tribunal ser colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior (diretriz substancial traçada no n.º 2 do supra citado art.º 580.º do C. P. Civil de 2013).

Nestas circunstâncias, importa declarar a exceção dilatória do caso julgado, a qual se mostra insuprível e é do conhecimento oficioso do Tribunal e, por via disso, deverá ser proferido despacho de indeferimento nos termos do art.º 590.º, n.º 1 do CPC.

Decisão:
Face ao exposto, declara-se verificada a exceção dilatória do caso julgado e, consequentemente, indefere-se liminarmente a presente ação.
Custas pelo Autor. (…)»
*

O sinistrado, inconformado com tal despacho de indeferimento liminar, veio, a fls. 97 e seguintes, interpor recurso de Apelação do mesmo, com a apresentação das inerentes alegações e conclusões, que se traduziram no seguinte:
«1.ª- A decisão impugnada é recorrível, o presente recurso é o próprio e mostra-se interposto tempestivamente e por quem para tal tem plena legitimidade, devendo o mesmo subir imediatamente.
2.ª- A sentença primitiva, proferida no Proc. n.º 3988/10.0TTLSB-A, não se pronunciou sobre o mérito da causa e, assim, não forma caso julgado material.
3.ª- A sentença primitiva, proferida no Proc. n.º 3988/10.0TTLSB-A, não obsta a que o Autor intente nova ação judicial onde o mérito da causa seja agora apreciado.
4.ª- Não estão verificados os pressupostos legais para que, o A. seja condenado como litigante de Má-fé.
7.ª- Ao consagrar a solução que consagrou, a decisão recorrida erra, e erra claramente, violando quer a letra, quer a ratio da lei, e desde logo dos ali indicados art.ºs 580.º e 581.º do C.P.C.,
Termos em que, nos melhores em Direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada, determinando-se que o Tribunal a quo conheça do mérito da causa com a consequente revogação do Incidente de Litigância de Má-Fé levantado contra o Recorrente, só assim se fazendo a V.ª acostumada JUSTIÇA!»
*

A Ré Seguradora não veio apresentar contra-alegações, dentro do prazo legal, apesara de citada/notificada para o efeito.
*

O Tribunal do Trabalho de Lisboa admitiu o recurso do sinistrado por despacho de fls. 130, datado de 3/4/2019, como de Apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com o efeito meramente devolutivo derivado do número 1 do artigo 83.º do Código de Processo de Trabalho.
*

O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da procedência do recurso de Apelação (fls. 145), não tendo o sinistrado se pronunciado acerca do mesmo, dentro do prazo legal, apesar de notificado para o efeito, ao contrário do que veio a fazer a Ré Seguradora que, a fls. 148 e 149, veio estranhar o teor do referido parecer e sustentar o indeferimento da pretensão do recorrente.
*

Tendo os autos ido aos competentes vistos, cumpre decidir.

II–OS FACTOS

O tribunal da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

«1.- O ora Autor intentou contra a ora Ré, por apenso ao processo n.º 3988/10.0TTLSB, que correu termos sob o apenso A, ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho, no âmbito da qual apresentou a petição inicial constante de fls. 2 a 11 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
2.- No âmbito do referido processo foi proferida a decisão de indeferimento liminar constante de 76 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, transitada em julgado.»

III–OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
*
(…)
Impõe-se, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos, face à data em que se verificou o acidente de trabalho - 02/08/2010 - terem todos ocorrido já na vigência efetiva das normas constantes do Código do Trabalho de 2009 [[8]] relativas aos acidentes de trabalho (artigos 281.º e seguintes) e da legislação especial que veio a encontrar a luz do direito com a Lei n.º 98/2009, de 4/09 e que, segundo os seus artigos 185.º, 186.º e 187.º, revogou o regime anterior e está em vigor desde 1/01/2010 e para eventos infortunísticos de carácter laboral ocorridos após essa data.

B–DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
O Recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 640.º e 662.º do Novo Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, a recorrida requerido a ampliação subsidiária do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 636.º do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 662.º do NCPC, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância.

C–RECURSO DE APELAÇÃO DO SINISTRADO
O sinistrado, no quadro do seu recurso de Apelação, vem formular as seguintes conclusões:
«1.ª- A decisão impugnada é recorrível, o presente recurso é o próprio e mostra-se interposto tempestivamente e por quem para tal tem plena legitimidade, devendo o mesmo subir imediatamente.
2.ª- A sentença primitiva, proferida no Proc. n.º 3988/10.0TTLSB-A, não se pronunciou sobre o mérito da causa e, assim, não forma caso julgado material.
3.ª- A sentença primitiva, proferida no Proc. n.º 3988/10.0TTLSB-A, não obsta a que o Autor intente nova ação judicial onde o mérito da causa seja agora apreciado.
4.ª- Não estão verificados os pressupostos legais para que, o A. seja condenado como litigante de Má-fé.
7.ª- Ao consagrar a solução que consagrou, a decisão recorrida erra, e erra claramente, violando quer a letra, quer a ratio da lei, e desde logo dos ali indicados art.ºs 580.º e 581.º do C.P.C.,
Termos em que, nos melhores em Direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada, determinando-se que o Tribunal a quo conheça do mérito da causa com a consequente revogação do Incidente de Litigância de Má-Fé levantado contra o Recorrente, só assim se fazendo a V.ª acostumada JUSTIÇA!»

D–LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Esta parte do recurso do Apelante revela-se precipitada e infundada, dado o tribunal recorrido, muito embora na segunda parte do seu despacho de indeferimento liminar (fls. 82 e 83), tenha encarado a atitude do recorrente como configuradora de uma possível situação de litigância de má-fé, nos termos do artigo 542.º, alínea a) do NCPC, acabou por, depois da audição deste último, produzida a fls. 87 a 96, não o condenar em qualquer sanção a esse título, por entender que, embora negligente, a atuação do mesmo não integrava o conceito de negligência grosseira (despacho judicial de fls. 115 a 119, datado de 14/2/2019).
Logo, por falta de objeto, esta primeira vertente do recurso de Apelação do sinistrado não pode ser conhecida e julgada.

E–INDEFERIMENTO LIMINAR – CASO JULGADO   
Abordando agora a segunda e central questão do presente recurso de Apelação do trabalhador, diremos, desde já, que o mesmo merece a nossa concordância e procedência.
Importa referir, desde logo, que nos movemos fundamentalmente em torno de matérias formais, de cariz adjetivo, dado o tribunal recorrido, no seu primeiro despacho de indeferimento liminar, ter rejeitado a petição inicial referente por ilegitimidade ativa do requerente e erro na forma do processo, dado o demandante ter lançado mão da ação incidental regulada no artigo 154.º e 54.ºe seguintes do CPT, quando tal ação se destina efetivamente a concretizar direitos de terceiros relacionados com o acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado, sendo aqueles que possuem legitimidade para instaurar os autos respetivos e não o trabalhador vítima do sinistro.
Se analisarmos tal despacho de indeferimento liminar, constatamos ainda que o mesmo aflora uma segunda linha de argumentação substantiva - «Acresce referir que de acordo com a alegacão do próprio Autor, os danos cujo ressarcimento pretende ocorreram ao abrigo de um contrato de seguro que não o de acidente de trabalho» - mas, salvo melhor opinião, a mesma não se mostra suficientemente desenvolvida e sustentada para poder constituir um segundo fundamento justificativo do referido indeferimento liminar (designadamente, por manifesta improcedência) [[9]].
Logo, os únicos verdadeiros motivos de indeferimento liminar da petição inicial apresentada pelo trabalhador em 30/7/2018 são o da sua ilegitimidade e da nulidade de todo o processo por erro insanável na sua forma. 
Esse despacho de indeferimento liminar transitou em julgado e tornou-se definitivo, havendo que aceitá-lo nos seus precisos termos e que são os seguintes:
«AAA instaurou a presente ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho.
A presente ação foi, assim, distribuída na 12.ª espécie.
Todavia, do teor da petição inicial e do pedido formulado decorre, inequivocamente, que o autor alega ter sido vítima de um acidente de trabalho e pretende que entidade seguradora seja condenada a pagar-lhe despesas medicas ocorridas em consequência de recaída após a ocorrência de acidente de trabalho, indemnização por período de ITA de 29 de Janeiro a 17 de Fevereiro e de 18 de Fevereiro a 28 de Junho de 2014, indemnização por ITP de 20% pelo período de 75 dias, ou seja, o que esta em causa é matéria subsumível a um processo emergente de acidente de trabalho e ou incidente de revisão.
Verifica-se, assim, a existência de erro na forma de processo, bem como ilegitimidade do Autor para usar a presente ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho, já que a mesma se destina a efetivar direitos de terceiros e não do sinistrado.
No que respeita as consequências do primeiro vicio recenseado, importa atentar no disposto no artigo 193.º do CPC, dispositivo que rege a questão.
Ora, do confronto entre o formalismo deste processo e do processo que lhe cabe importa concluir que, manifestamente, não é possível o aproveitamento de qualquer ato.
O erro na forma do processo determina a nulidade de todo o processado, nos termos dos art.ºs 193.º e 196.º, ambos do CPC.
Todavia, ainda que se entendesse ser aproveitável a petição inicial, o Autor carece de legitimidade para propor a presente ação especial, sendo tal ilegitimidade insanável.
A nulidade de todo o processo e a ilegitimidade constituem exceções dilatórias de que o Tribunal conhece oficiosamente e que, no caso vertente, determinam o indeferimento liminar da petição, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 577.º, alínea b) e e), 578.º e 590.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 1.º, n.º 2, al. a) do CPT e 54.º, n.º 1 e 154.º, n.º 1 do CPT.
Acresce referir que de acordo com a alegação do próprio Autor, os danos cujo ressarcimento pretende ocorreram ao abrigo de um contrato de seguro que não o de acidente de trabalho.
Face ao exposto e ao abrigo dos dispositivos citados, indefiro liminarmente a petição inicial.
Registe e Notifique.»

Chegados aqui, defrontamo-nos com uma segunda Petição Inicial, em tudo igual à anterior, exceto no que toca ao seu cabeçalho, onde, ao contrário do que havia feito na primeira P.I. rejeitada, qualificou a ação incidental que pretendia de maneira distinta, procurando ir ao encontro do que havia sido afirmado no despacho de indeferimento liminar acima reproduzido.

Impõe-se, contudo, recordar o que se disse, a este respeito, numa Nota de Pé de Página do Relatório do presente Aresto: “Há que precisar o seguinte quanto a esta qualificação do segundo meio processual utilizado pelo sinistrado para fazer vingar as suas pretensões: o demandante, na parte existente no formulário do CITIUS destinada à identificação da ação proposta denomina-a, enquanto «forma do processo/classificação» como de «ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho» e enquanto «espécie», como «Ação Direitos Conexos c/o Acidente de Trabalho», mas na Petição Inicial propriamente dita, qualifica-a como «ação declarativa de condenação sob a forma de processo especial emergente de acidente de trabalho». (…)

Se confrontarmos tal cenário com o da anterior Petição Inicial, que foi rejeitada no âmbito do Apenso IV, constatamos que quer no dito formulário, como no articulado propriamente dito se chama a ação de «ação declarativa, sob a forma de processo especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho».”
Tendo em atenção o que estipulam os artigos 131.º, 132.º e 144.º do NCPC e artigo 7.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, na sua redação atual [[10]], não existem dúvidas de que a parte recorrente deveria ter sido mais cuidadosa no preenchimento do formulário do CITIUS e aí ter qualificado a ação incidental proposta da mesma forma que o fez no cabeçalho da sua Petição Inicial, evitando as discrepâncias existentes e a prevalência conferida ao registado no modelo respetivo, onde se mostrava mais uma vez denominada a ação proposta como de «ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho» e enquanto «espécie», como «Ação Direitos Conexos c/o Acidente de Trabalho», numa sensação de «dejá vu» incompreensível.

Este cenário que se apresentava ao julgador da 1.ª instância e que se revelava anómalo, bizarro, indiciador de uma teimosia adjetiva inexplicável e suicida era contudo temperado pela diferença notória entre uma e outra realidade (formulário e cabeçalho da P.I.) e pelo historial muito recente de rejeição da anterior ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho, por despacho judicial transitado em julgado, por não ter havido oposição por parte do requerente ao seu teor.

Tais aspetos e antecedentes dissonantes, que, para uma declaratário normal, eram suscetíveis de levantar dúvidas razoáveis e legítimas, aconselhavam o julgador, como, aliás, lhe é permitido pelo regime do artigo 7.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto e abaixo transcrito, em Nota de Pé de Página (com sublinhados a negrito da nossa responsabilidade) a suscitar oficiosamente junto do sinistrado as questões e as determinações pertinentes, com vista a sanar e regularizar os aspetos formais aqui em análise, ao invés de, em termos imediatos, considerar que se assistia à repetição da mesma ação incidental anteriormente proposta e, nessa medida, à violação do caso julgado formal emergente do primeiro despacho de indeferimento liminar e do seu trânsito em julgado.

É, aliás, esse primeiro despacho de indeferimento liminar que refere expressamente que «…o que está em causa é matéria subsumível a um processo emergente de acidente de trabalho e ou incidente de revisão.»

Não será despiciendo chamar a atenção nesta sede, não somente para o disposto no artigo 6.º do NCPC, como também para o estatuído no número 1 do artigo 54.º do CPT e no artigo 193.º, número 3, do primeiro diploma legal referido, quando refere que «o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados».
     
Afigura-se-nos que o sinistrado, ainda que de uma forma algo atabalhoada, como já vimos, pretendeu vir dar cumprimento ao afirmado nessa primeira decisão judicial, através da propositura da correspondente ação declarativa de condenação sob a forma de processo especial emergente de acidente de trabalho, que em nosso entender é de natureza incidental e dependente da ação principal onde foi reconhecido e declarado o sinistro que afetou o demandante (acidente viação e de trabalho in itinere) assim como as suas consequências ao nível médico-legal e o direito às prestações em espécie e em dinheiro que estão previstos na LAT/2009.

Há, salvo melhor opinião e salvaguardando o respeito devido por tal posição, uma conduta processual precipitada e que peca por excesso de formalismo, quando não só nos movemos no âmbito de um processo emergente de acidente de trabalho de cariz urgente e onde se discutem direitos indisponíveis e irrenunciáveis, como o nosso direito processual laboral e comum tem caminhado cada vez mais no sentido de abolir tais pruridos e excessos formais e de implementar a busca da verdade material, quer pelas partes, quer pelo juiz, que, para tal, tem cada vez maiores poderes de gestão e adequação processual, assim como de índole inquisitória e oficiosa. 
               
Importa talvez realçar que, nos termos do artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 4/09, o aqui Apelante (assim como a entidade responsável) tem um direito vitalício a requerer a revisão das prestações contempladas na lei, não obstando a tal a circunstância de a pensão devida ter sido já remida nos termos do artigo 75.º da LAT, como resulta da alínea b) do artigo 76.º.  
                      
A alínea a) desse mesmo artigo 76.º refere ainda que a remição não prejudica o direito às prestações em espécie, o que nos remete, por um lado, para o artigo 23.º, alínea a) e 25.º a 46.º de tal texto legal (havendo aí que buscar eventual suporte jurídico para muitos dos factos alegados pelo sinistrado na sua Petição Inicial), como ainda para o regime do artigo 24.º e que se traduz na emergência de um agravamento ou recidiva do estado de saúde de um dado sinistrado, quer quando o mesmo ainda não tem o seu estatuto médico-legal e as inerentes consequências jurídicas definidas em termos definitivos, por sentença judicial transitada em julgado, quer quando e ao invés, está já com tal estatuto consolidado juridicamente e com direito a receber pensão anual e vitalícia por uma IPP que o afeta e que decorre de um dado acidente de trabalho.

O artigo 24.º desse diploma legal estabelece o seguinte regime quanto às situações de recidiva ou agravamento e aos direitos que para o sinistrado emergem das mesmas:

Artigo 24.º
Recidiva ou agravamento
1– Nos casos de recidiva ou agravamento, o direito às prestações previstas na alínea a) do artigo anterior mantém-se após a alta, seja qual for a situação nesta definida, e abrange as doenças relacionadas com as consequências do acidente.
2– O direito à indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, previsto na alínea b) do artigo anterior, em caso de recidiva ou agravamento, mantém-se:
a)- Após a atribuição ao sinistrado de nova baixa;
b)- Entre a data da alta e a da nova baixa seguinte, se esta última vier a ser dada no prazo de oito dias.
3– Para efeitos do disposto no número anterior, é considerado o valor da retribuição à data do acidente actualizado pelo aumento percentual da retribuição mínima mensal garantida.               

Importa frisar, desde já, que tal recidiva ou agravamento não implica necessariamente uma alteração da correspondente incapacidade permanente do sinistrado e inerente pensão, o que exclui o recurso ao incidente nominado de revisão da incapacidade ou da pensão dos artigos 145.º e 146.º do CPT, dado este último só se justificar verdadeiramente em cenários de posterior alteração no estado de saúde do trabalhador que, causalmente, determine uma modificação efetiva e definitiva da sua capacidade de ganho para mais ou para menos e subsequente modificação ou até extinção do valor da pensão que estiver a ser paga ao mesmo.

A ser assim, como nos parece evidente e decorre também do texto do artigo 70.º da LAT/2009, esses casos em que está somente em causa um agravamento ou recidiva temporários que sejam tratáveis e curáveis e que não impliquem, por isso, alteração da IPP fixada (embora reconheçamos que, as mais das vezes, não será fácil proceder a tal destrinça, o que poderá levar as partes a lançar mão do incidente de revisão), devem ocasionar a reabertura dos autos principais, através de um eventual incidente inominado, onde será então dado cumprimento do disposto no artigo 24.º da LAT. [[11]].

F–CONCLUSÃO

Sendo assim, julga-se procedente o recurso de Apelação do Sinistrado, com a inerente revogação do despacho de indeferimento liminar e sua substituição por um despacho que, nos termos conjugados dos números 1 do artigo 54.º do CPT e 3 do artigo 193.º do NCPC, convide a parte a esclarecer e/ou a sanar as discrepâncias formais existentes, com referência à correta identificação da ação ou incidente que quer propor, dando-lhe depois a tramitação que entender por mais conveniente, com recurso, se necessário, ao princípio da adequação formal do artigo 547.º do NCPC e em função do regime especial regulador do processo emergente de acidentes de trabalho.                  
 
IV–DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar-se procedente o recurso de Apelação do Sinistrado AAA, com a inerente revogação do despacho de indeferimento liminar e sua substituição por um outro despacho que, nos termos conjugados dos números 1 do artigo 54.º do CPT e 3 do artigo 193.º do NCPC, convide a parte a esclarecer e/ou a sanar as discrepâncias formais existentes, com referência à correta identificação da ação ou incidente que quer propor, dando-lhe depois a tramitação que entender por mais conveniente, com recurso, se necessário, ao princípio da adequação formal do artigo 547.º do NCPC e em função do regime especial regulador do processo emergente de acidentes de trabalho. 
*
Custas da Apelação a cargo da parte vencida a final – artigo 527.º, número 1 do NCPC.

Registe e notifique. 


Lisboa, 11 de setembro de 2019     


(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)


[1]Há que precisar o seguinte quanto a esta qualificação do segundo meio processual utilizado pelo sinistrado para fazer vingar as suas pretensões: o demandante, na parte existente no formulário do CITIUS destinada à identificação da ação proposta denomina-a, enquanto «forma do processo/classificação» como de «ação especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho» e enquanto «espécie», como «Ação Direitos Conexos c/o Acidente de Trabalho», mas na Petição Inicial propriamente dita, qualifica-a como «ação declarativa de condenação sob a forma de processo especial emergente de acidente de trabalho». Mal ou bem, atendemos, para efeitos de elaboração do relatório do presente Aresto, à nomeação adjetiva feita no articulado em questão.  
Se confrontarmos tal cenário com o da anterior Petição Inicial, que foi rejeitada no âmbito do Apenso IV, constatamos que quer no dito formulário, como no articulado propriamente dito se chama a ação de «ação declarativa, sob a forma de processo especial para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho».      
[2]Suscitou-se ainda em tal decisão a questão da condenação do requerente como litigante de má-fé, mas tal sancionamento acabou por não ir avante como resulta de fls. 83 e seguintes. 
[3]«Relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Coutinho Azevedo, disponível na INTERNET in http://www.dgsi.pt/jtrp.» - NOTA DE RODAPÉ DO DESPACHO RECORRIDO COM O NÚMERO 1
[4] «In Comentário ao C. P. Civil, Vol. II, p. 362.» - NOTA DE RODAPÉ DO DESPACHO RECORRIDO COM O NÚMERO 2
[5]«In Comentário ao C. P. Civil, Vol. II, p. 369.» - NOTA DE RODAPÉ DO DESPACHO RECORRIDO COM O NÚMERO 3
[6]«In RLJ, 121.º, p. 147 e segs.» - NOTA DE RODAPÉ DO DESPACHO RECORRIDO COM O NÚMERO 4
[7]«Relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro José Domingues, disponível na INTERNET in http://www.dgsi.pt/jstj.» - NOTA DE RODAPÉ DO DESPACHO RECORRIDO COM O NÚMERO 5
[8]Que, como se sabe, entrou em vigor em 17/02/2009.
[9]Diremos, de qualquer forma, que da leitura da Petição Inicial dos autos – que é idêntica à apresentada no Apenso IV - não resulta que o sinistrado baseie os seus pedidos no seguro de saúde particular MULTICARE mas antes na responsabilidade infortunística laboral derivada do seguro de acidentes de trabalho celebrado oportunamente entre a sua entidade empregadora BBB e a Seguradora CCC, tendo apenas sido operado ao abrigo do referido seguro de saúde particular pelas razões que aí alega.   
[10]Artigo 7.º
Preenchimento dos formulários
1- Quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação deve ser indicada no campo respetivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos.
2- Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.
3- O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de a mesma ser corrigida, a requerimento da parte, sem prejuízo de a questão poder ser suscitada oficiosamente.
4- Nos casos em que o formulário não se encontre preenchido na parte relativa à identificação das testemunhas e demais informação referente a estas, constando tais elementos dos ficheiros anexos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, a secretaria procede à notificação da parte para preencher, no prazo de 10 dias, o respetivo formulário, sob pena de se considerar apenas o conteúdo do formulário inicial.
5- Existindo um formulário específico para a finalidade ou peça processual que se pretende apresentar, deve o mesmo ser usado obrigatoriamente pelo mandatário.
[11]Cfr., a este propósito, JOSÉ MANUEL IGREJA MATOS, “Acidentes de Trabalho – Incapacidades Temporárias causadas por recidivas de lesões anteriores», em PDT n.ºs 74/75, maio/agosto- setembro/dezembro de 2006, CEJ, Coimbra Editora, páginas 327
a 331.