Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
58767/18.6YIPRT.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: INJUNÇÃO
CAUSA DE PEDIR
DÍVIDA
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.– O procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, incluindo o procedimento de injunção, constitui um procedimento especial simplificado, de natureza declarativa, a que são aplicáveis, subsidiariamente, as disposições gerais e comuns e a disciplina do processo declarativo comum do processo civil, nos termos estabelecidos no art. 549.º, n.º 1, do C.P.C.

2.– A causa de pedir consiste na alegação de uma factualidade concreta que, na sua significação normativa, consubstancia o facto jurídico de que se faz proceder o efeito pretendido, ou seja, o pedido, exercendo, como factor delimitativo que é da pretensão:
- uma função endoprocessual na configuração do objecto da causa e no que lhe está associado; e
- uma função extraprocessual de definição objectiva do julgado, o que se torna fulcral mormente no âmbito das acções declarativas, permitindo ainda que a execução da sentença possa ser desprovida de meios de oposição alargada, como impõe o preceituado no artigo 729.º.

3.– Donde, os factos estruturantes da causa de pedir devem permitir, pelo menos, determinar a fonte concreta ou o título da obrigação de que emerge o efeito jurídico concreto judicialmente declarado ou decretado.

4.– Num requerimento injuntivo, a exigência de exposição sucinta não significa falta de alegação dos factos estruturantes da causa de pedir, sob pena de se aniquilar o princípio do contraditório num procedimento que afinal é declarativo, até porque, sucinto, significa apenas sintético, sendo que, mesmo aqui o grau de síntese terá de ser aquilatado em função de cada situação concreta, à luz do princípio da economia formal dos actos processuais consagrado no art. 131.º, n.º 1, do C.P.C.

5.– No caso de promessa de uma prestação ou de reconhecimento de uma dívida, por simples declaração unilateral, nos termos previstos no art. 458.º, n.º 1, do C.C., preceito que consagra, não o princípio do negócio abstrato, mas a exigência de um ato causal, embora com presunção ilidível de causa, o credor apenas está dispensado de provar a relação subjacente àquela declaração, mas não de a alegar.

6.– Donde, o credor que, tendo embora em seu poder um documento em que o devedor reconhece uma dívida ou promete cumpri-la, sem indicar o facto que a constituiu, contra este propuser uma acção, deverá alegar o facto constitutivo do direito de crédito, o que é confirmado pela exigência da forma do art. 458º, n.º 2 do C.C., que pressupõe o conhecimento da relação fundamental.

7.– Tal facto ficará provado pela apresentação do documento, ou seja, por ilação tirada, nos termos do art. 458º, n.º 1 do C.C., da declaração representada nesse documento conjugada com a alegação do credor.

8.– Não cumpre tal ónus de alegação o credor que, no procedimento injuntivo, se limita a afirmar que «por documento escrito e datado de 14/10/2015, Requerente e Requerida outorgaram de comum acordo um contrato pelo qual renegociaram uma divida, fixando-a em Euros 803.000,00 (oitocentos e três mil euros), a pagar em 228 (duzentas e vinte e oito prestações), iguais e sucessivas de Euros 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a primeira com vencimento a 28/10/2015 e as restantes em iguais dias dos meses subsequentes».

9.– O convite ao aperfeiçoamento (arts. 17.º, n.º 3, do diploma anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01.09, e 590.º, n.ºs 2, al. b) e 4, do C.P.C.) só tem sentido quando se trate de imprecisões ou insuficiências que não afecta a principalidade do que estiver em causa, por tal convite não pode significar a renovação do direito, a ofensa da preclusão e a estabilidade.

10.– Ou seja, o convite ao aperfeiçoamento só tem justificação, como concretização do direito de acesso à justiça e do princípio da proporcionalidade, quando as deficiências notadas não respeitarem ao conteúdo, concludência ou inteligibilidade da própria alegação ou motivação produzida, pois o mecanismo daquele não pode transmutar-se num modo de a parte obter novo prazo para, reformulando substancialmente a sua própria pretensão ou impugnação, obter novo e adicional prazo processual para substancialmente cumprir o ónus que sobre ela recaía.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


RPV, Lda., apresentou ao Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção contra TPC, Lda., do qual consta o seguinte:
«O(s) requerente(s) solicita(m) que seja(m) notificado(s) o(s) requeridos no sentido de lhes(s) ser paga a quantia € 772.835,25, conforme discriminação e pela causa a seguir indicada:
Capital: € 733.000,00; Juros de mora € 39.642,25 à taxa de 0,00% desde (...)[1] até à presente data; Outras quantias: € 40,00; Taxa de Justiça paga: € 153,00
Contrato de: Compra e venda a prestações
Data do contrato: 14-10-2015; Período a que se refere: (...)[2]a(...)[3].

Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:

1 A Requerente é uma sociedade comercial em liquidação, que tem como objeto social Ensino e formação sobre a prática de reiki, prática de reiki, consultas de naturopatia, comércio de livros e música, edição de livros e revistas, músicas de apoio à prática do reiki, constituída a 2011/11/14 sob denominação social de Fábrica da B... II, Unip... Lda, alterando a mesma:
- A 2012/05/14 para O, Unipessoal, Lda.
- A 2014/03/17 para EA, Lda.
- A 2014/09/24 para EPR, Lda.
- A 2014/10/14 para ERPV, Lda.
- A 2017/05/17 para RPV, Lda.
2 Por documento escrito e datado de 14/10/2015, Requerente e Requerida outorgaram de comum acordo um contrato pelo qual renegociaram uma dívida, fixando-a em Euros 803.000,00 (oitocentos e três mil euros), a pagar em 228 (duzentas e vinte e oito prestações), iguais e sucessivas de Euros 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a primeira com vencimento a 28/10/2015 e as restantes em iguais dias dos meses subsequentes.
3 Sendo certo que, nos termos do documento/acordo outorgado, a falta de pagamento pontual de qualquer uma das prestações implicaria o vencimento imediato e automático das restantes, acrescido de uma multa correspondente a 6% do montante das prestações em dívida por cada mês ou fração de mês de atraso.
4 Sucede que, a Requerida apenas pagou as 20 primeiras fixadas, tendo deixado de pagar as demais prestações em causa, a partir de junho de 2017, não obstante as diversas insistências por parte da Requerente.
5 Mantendo-se, assim, atualmente, a Requerente com um crédito sobre a Requerida no valor global, a título de capital, de Euros 733.000,00 (setecentos e trinta e três mil euros).
Acresce:
6Para além do capital devido, Euros 733,000,00, tem a Requerente o direito de ser indemnizada pelo não cumprimento pontual das obrigações de pagamento da Requerida, correspondente à multa supra referida, a calcular até efetivo e integral pagamento.
7 A qual ascende, na presente data, ao valor global de Euros 39.642,25, conforme tabela infra.
8 E, por força do incumprimento culposo do requerido, e com vista à tentativa de cobrança extrajudicial do seu crédito, foi a requerente forçada a despender Euros 40,00 em despesas administrativas e expediente diverso, nomeadamente, com telefones, telemóvel, correio eletrónico, internet, cartas, selos, fotocópias, deslocações, etc (DL 62/2013 de 10/05, artigo 7).

9 Elevando-se, assim, o total do crédito da Requerente sobre o Requerido a Euros 772 835,25, da seguinte forma decomposto:
Euros 733.000,00 (setecentos e trinta e três mil euros) a título de capital;
- Euros 39.642,25 a título de multa desde 28/06/2017 até 22/05/2018;
- Euros 40,00 despesas administrativas, etc.
- Euros 51,00 Taxa de justiça.
Acordo pagamento no valor de 733 000,00 + juros entre 28/06/2017 e 22/05/2018 (39 642,25 (329 dias a 6,00%))
Capital Inicial: 733 000,00
Total de Juro: 39 642,25
Capital Acumulado: 772 642,25 ».
***

A requerida deduziu oposição, na qual se defende unicamente por via de exceção, arguindo a exceção dilatória consistente na nulidade de todo o processo, por ineptidão do requerimento injuntivo, com fundamento na falta de causa de pedir.
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Foi proferido o despacho datado de 27 de setembro de 2018, com a Ref.ª 115180818, no qual, depois de se consignar que os autos seguiam a forma do processo declarativo comum, se ordenou a notificação da autora para, querendo, tomar posição sobre aquela exceção dilatória.
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Notificada desse despacho, a autora, em vez de se pronunciar sobre a referida exceção, sem que lhe tivesse sido endereçado qualquer convite de aperfeiçoamento do requerimento injuntivo, apresentou um novo articulado, nos termos constante de fls. 22-23, onde alega o seguinte:
«1– Muito estranha a A. que a R. desconheça a origem do contrato e/ou da dívida, quando assinou, não uma, mas duas confissões de dívida e relativamente à qual cumpriu parte do plano prestacional acordado.
2– Não contesta a R. a assinatura de tais contratos, apenas não se recorda de quais os factos que deram origem à dívida…
3– Lembrando então a R.:
4– A “Fábrica da “B... – T... de P... e P... A..., Lda”, aquando da aquisição da sociedade R., assumiu a responsabilidade pelo pagamento de dívidas a terceiros, tituladas através de letras.
5– Aquando da cessão da quota, a R. responsabilizou-se pelo pagamento do montante titulado pelas referidas letras (o qual totalizava a quantia global de € 5.000.000,00), através da outorga do documento denominado “contrato de confissão e parcelamento de dívida”.
6– Mediante o qual se comprometia a pagar o referido montante em 324 prestações mensais.
7– Contrato esse datado de 2 de janeiro de 2008, e que se junta como Doc. 1.
8– Tal contrato foi renegociado em 02 de janeiro de 2009, fixando-se o montante em dívida em € 3.000.000,00 e o pagamento em 400 prestações de € 7.500,00 cada (Doc. 2 – “Acordo de Renegociação de Dívida”).
9– Em 14/10/2015, tal dívida voltou a ser renegociada (aquando da cessão de quotas entre a A. e a R.), fixando-se o seu montante em € 803.000,00 (doc. 3, assinado pelo sócio-gerente P.M.O.M.), e a ser pago em 228 prestações mensais de € 3.500,00 cada.
10– Prestações essas que a R. foi cumprindo até junho de 2017.
11– Num total de 20 prestações, a que corresponde o montante global de € 70.000,00.
12– Muito se estranha, pois, que a R. após assinar o referido contrato; após pagar € 70.000,00 por conta da amortização do mesmo; e, após diversas interpelações para pagamento da quantia remanescente, declare não conhecer a origem da dívida e se declare encontrar impossibilitada de exercer o seu direito de defesa.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ A R. SER CONDENADA NO PAGAMENTO DA QUANTIA PETICIONADA NA INJUNÇÃO».

Com esse articulado juntou três documentos, a saber:
a)- O documento de fls. 23vº-24, datado de 2 de janeiro de 2008, intitulado «Contrato de Confissão e Parcelamento de Dívida», do qual consta, além do mais, o seguinte:
IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES CONTRATANTES
DEVEDOR: TPC, Lda. (...)
CREDOR: FBTPPA, Lda. (...)
As partes acima identificadas têm, entre si, justo e acertado o presente Contrato de Confissão e parcelamento de dívida, que se regerá pelas cláusulas seguintes e pelas condições descritas no presente.
DO OBJETO DO CONTRATO
Cláusula lª. O DEVEDOR através do presente reconhece expressamente que possui uma dívida a ser paga diretamente ao CREDOR consubstanciado no montante total de Euros 5.000.000,00 (Cinco milhões de euros).
Cláusula 2ª. O DEVEDOR confessa que é inadimplente da quantia supracitada e que ressarcirá a mesma nas condições Ni revistas neste contrato.
DO CRÉDITO
Cláusula 3ª. O crédito que o CREDOR possui contra o DEVEDOR é originário do Empréstimo por Letras , as quais serviram para o pagamento de dívidas a terceiros contraídas pela gerência anterior e que foram liquidadas durante o inicio do ano de 2008 até à data de 25/11//2008.
DO VALOR E DO PAGAMENTO
Cláusula 4ª. O valor inicial era de 5.000.000,00 (Cinco Milhões de euros), oriunda da transação descrita. Contudo, atualmente o valor se expressa da seguinte forma:
a)- Valor originário: 5.000.000,00 (Cinco Milhões de euros).
b)- Prazo : 27 anos, 324 meses, prestações mensais. Ultimo ano: 2035/09.
c)- Valor total da Dívida na sua cessão é de 5.000.000,00 (cinco milhões de euros).
d)- Valor mensal: 15.432,09 (quinze mil quatrocentos trinta dois euros e nove cêntimos.
Cláusula 5ª. O valor total expresso acima, será pago em 324 parcelas mensais, pago por transferência bancária nos dias 30 de cada mês.
Cláusula 6ª. O não pagamento de qualquer parcela mencionada, fará com que o DEVEDOR incorra em mora, sujeitando-se desta forma a cobranças judiciais ou judiciais que se fizerem necessárias. Incidirá também juros de 1% calculados sobre o mês de atraso, e multa de 2 %, além dos encargos e honorários advindos da cobrança até a data do efetivo pagamento.
Cláusula 7.ª. Se, por qualquer motivo, houver tolerância do CREDOR no pagamento destas quantias, não será a mesma considerada como novação ou prorrogação do contrato ou das promissórias. Assim, os títulos serão líquidos, certos e exigíveis nas condições previstas neste.
CONDIÇÕES GERAIS
Cláusula 8ª. O presente contrato passa a vigorar entre as partes a partir da assinatura do mesmo.
Cláusula 9ª. Fazem parte do presente instrumento os documentos citados acima, as letras.
(...)».
b)- O documento de fls. 24vº-25, datado de 2 de janeiro de 2009, intitulado «Acordo de Renegociação de Dívida», do qual consta, além do mais, o seguinte:
«

Primeira Outorgante: FB, Lda. (...).
Segunda Outorgante: TCPapel Lda. (...)
CONSIDERANDO:
O Contrato de Empréstimo anteriormente assinado entre ambas as Outorgantes em 02/01/2008, no valor 5.000.000,00 (cinco milhões de euros), doravante denominado como "Empréstimo".
Ser da vontade de ambas as Outorgantes renegociar os "cimos ajustados nesse contrato de Empréstimo.

As Outorgantes reciprocamente acordam no seguinte:
1- À data de 09.01.2009, o valor em dívida pela Devedora no âmbito do Empréstimo é de 3.000.000,00 (três milhões de euros).
2- Este montante de 3.000.000,00 (três milhões de euros) é líquido, certo e exigível, obrigando-se a Devedora a pagá-lo em 400 (quatrocentas) prestações mensais, iguais e sucessivas de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) cada, com início em Janeiro de 2009 e vencimento no dia 28 de cada mês.
3- Os pagamentos serão efectuados por depósito ou transferência para a conta bancária de que a Credora é titular junto do Banco Banif (...).
5- A falta de pagamento pontual de qualquer uma das prestações implica o imediato e automático vencimento das restantes, o que habilita a Credora a exigir judicialmente o pagamento de todo o montante em dívida, acrescido de uma multa correspondente a 6% do montante das prestações em dívida por cada mês ou fracção de mês de atraso.
6- Sem prejuízo do disposto na cláusula anterior, a Credora poderá optar pela cobrança apenas das prestações em atraso, acrescidas da multa prevista ali prevista.
(...)».

c)– O documento de fls. 25vº-26vº, datado de 14 de outubro de 2015, intitulado «Acordo de Renegociação de Dívida», o referido no requerimento injuntivo, do qual consta, além do mais, o seguinte:
«Contraentes:
Primeira - Sociedade comercial unipessoal por quotas com a firma ERPV, LDA" (...)
Segunda - "TPC LDA” (…)
Considerandos:
a)- Que em 02.01.2008 a TPC, LDA (…) era devedora do montante de 5.000.000€ à ERPV, LDA. (…).
b)- Que em 09.01.2009 a referida dívida foi renegociada e reduzida para o montante de 3.000.000€.
c)- Que em 26.12.2012 a referida dívida foi novamente renegociada e reduzida para o montante de 2.730.000 €, montante a ser pago em 364 prestações mensais, iguais e sucessivas de 7.500€, vencendo-se a primeira no início do mês de Janeiro e as restantes no dia 28 de cada mês.
d)- Que a TPC LDA tem tido dificuldades no cumprimento do acordo referido em c).

As partes contratantes acordam .em, mais uma vez, reduzir o montante da dívida para 803.000.000€ (oitocentos e quarenta mil euros).

A TPC LDA pagará o referido montante em dívida através de duzentas e vinte e oito prestações mensais, iguais e sucessivas do montante de três mil e quinhentos euros cada, vencendo-se a primeira prestação no dia vinte e oito de outubro de 2015 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.

Os pagamentos serão feitos por depósito ou transferência bancária para a conta bancária de que a credora é titular junto do Banco BIC (…).

1.– A falta de pagamento pontual de qualquer uma das prestações implica o vencimento imediato e automático das restantes, acrescido de uma multa correspondente a seis por cento do montante das prestações em dívida por cada mês ou fração de mês de atraso.
2.– Sem prejuízo do disposto no número anterior, a credora poderá optar pela cobrança apenas das prestações em atraso, acrescidas da multa ali prevista.
(…)».
***

Após a apresentação de tal articulado, acompanhado dos transcritos documentos, foi elaborado o saneador-sentença de fls. 28-29, datado de 12 de novembro de 2018, com a Refª 116015300, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Nestes termos e em função do exposto, o tribunal decide (...) declarar procedente a excepção de nulidade do processo e, em consequência, absolver a ré da instância, cfr. arts. 186, nºs 1 e 2, al. a)[4], 278, n.º 3, 576, n.º 2, 577, al. b), e 595, n.º 1, al. a) do CPC».  
***

A autora não se conformou com o assim decidido, pelo que interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações conclui assim:
I.– Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos em epígrafe, por meio da qual o Tribunal a quo declarou procedente a excepção de nulidade do processo por ineptidão da Petição Inicial, por falta de causa de pedir e, em consequência, absolveu a Ré da instância.
II.– Considera a Autora, com o devido respeito, que mal andou o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que decidiu, porquanto a Petição Inicial não é inepta por falta de indicação da causa de pedir, na medida em que foram alegados os factos essenciais à pretensão da Autora, ainda que se mostre necessária alguma concretização a realizar em sede de convite ao aperfeiçoamento, o que devia ter sido efectuado.
III.– O requerimento inicial contém a alegação – ainda que sucinta – de todos os factos verdadeiramente essenciais à pretensão da Autora.
IV.– A alegação da existência de uma dívida, no sentido de que alguém deve a outrem uma determinada quantia em dinheiro, integra não só um conceito de direito, conclusivo, mas um verdadeiro conceito de facto, passível de ser objecto de prova e integrador dos factos essenciais a alegar para cobrança da dívida em questão.
V.– A alegação de que alguém reconheceu ser devedor perante outrem de determinada quantia, ou de qual alguém reconheceu ter uma dívida perante outrem, devidamente consubstanciada com a data do reconhecimento, valor por que tal reconhecimento foi efectuado e a menção de que o reconhecimento consta de documento escrito, associada à alegação de que a dívida assim reconhecida não foi paga na respectiva data de vencimento, são os únicos factos essenciais a alegar pelo credor, quando este pretenda cobrar a dívida reconhecida.
VI.– Assim sendo, estando, como está, em causa nos autos uma dívida reconhecida pela Ré, em documento escrito devidamente assinado por esta, a relação subjacente à mesma não é facto essencial do crédito a alegar pela Autora na Petição Inicial, antes constituindo eventual matéria de excepção a alegar pela Ré.
VII.– A alegação sucinta constante do requerimento inicial deduzido pela Autora contém todos os factos essenciais cujo ónus de alegação pertence à Autora, a saber:
- existência de dívida reconhecida, constante de documento escrito;
- data do reconhecimento;
- montante da dívida reconhecida;
- promessa de pagamento;
- termos da promessa de pagamento;
- datas de vencimento das prestações e da totalidade da dívida;
- montantes pagos;
- data do incumprimento da promessa de pagamento;
- montante em dívida à data da proposição da acção.
VIII.– Não está em causa a ausência absoluta de alegação de factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, sendo que só essa falta absoluta determinaria que o processo carecesse de um objecto inteligível e, nessa medida, fosse inepta a Petição Inicial.
IX.– Deveria o Tribunal a quo ter convidado a Autora a aperfeiçoar/completar o articulado, em ordem a suprir qualquer insuficiência ou incompletude verificada na alegação das factos essenciais da causa de pedir.
X.– A inexistência de convite ao aperfeiçoamento da Petição Inicial, conforme previsto no art.º 590, n.º 4 do CPC, constitui omissão de acto prescrito pela lei, apta a influir no exame e decisão da causa e, nessa medida, configura nulidade processual nos termos do art.º 195 do CPC: nulidade quem expressamente e para os devidos efeitos, se invoca.
XI.– Em face da Contestação deduzida pela Ré por impugnação dos factos alegados pela Autora, impunha-se ao Tribunal a quo verificar se a Ré havia ou não interpretado convenientemente a Petição Inicial, nos termos e para os efeitos do art.º 186, n.º 2 do CPC.
XII.– Não o tendo feito, incorreu o Tribunal a quo em omissão de pronúncia, o que constitui nulidade da sentença prevista no art.º 615, n.º 1, al. d) do CPC. Nulidade que, expressamente e para os devidos efeitos legais, vai invocada.
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A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
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II–ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.

Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, a única questão que se coloca neste recurso consiste em saber se o despacho-saneador recorrido, que absolveu a ré da instância por considerar verificada a exceção dilatória consistente na nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento injuntivo, com fundamento na falta de causa de pedir, deve ser substituído por outro que determine a prolação, pelo tribunal a quo, de despacho de convite ao aperfeiçoamento da referida pela processual.
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III–FUNDAMENTOS:

3.1–Fundamentação de facto:
A factualidade relevante para a decisão do presente recurso é a que consta do relatório que antecede.
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3.2–Mérito do recurso:
Nos termos do art. 186.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do C.P.C.[5], a falta de indicação da causa de pedir importa a ineptidão da petição inicial e conduz à nulidade de todo o processo; trata-se de uma nulidade que, nos termos do art. 200.º, n.º 2, deve ser apreciada no despacho saneador.

No caso concreto está em causa um procedimento especial simplificado, de natureza declarativa - o procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, incluindo o procedimento de injunção -, a que são aplicáveis, subsidiariamente, as disposições gerais e comuns e a disciplina do processo declarativo comum do processo civil, nos termos estabelecidos no art. 549.º, n.º 1.

No articulado de oposição que apresentou, a ré arguiu a sua referida exceção dilatória.

Dispõe o art. 10.º, n.º 2, al. d), do diploma anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01.09, que no requerimento injuntivo «deve o requerente (...) expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão».

Esses factos reconduzem-se, naturalmente, à causa de pedir, tal como a define o art. 581.º, n.º 4.

A causa de pedir consiste na alegação de uma factualidade concreta que, na sua significação normativa, consubstancia o facto jurídico de que se faz proceder o efeito pretendido, ou seja, o pedido.

Não se trata de um conceito formal, legalista, quase despiciendo, mas, bem pelo contrário, de uma categoria processual com função de garantia postulada pelos princípios constitucionais do processo equitativo e da tutela efectiva do direito, proclamados nos nº 4 e 5 do artigo 20º da Constituição, tanto sob o ponto de vista de quem demanda, para que possa confinar ao seu interesse concreto o âmbito preciso da tutela judicial pretendida, como na perspectiva do demandado, para que possa organizar a sua defesa de forma esclarecida e sustentada, ou ainda sob o prisma do interesse público de modo a delimitar o alcance objectivo do ca-so julgado, evitando assim a repetição de causas.

A causa de pedir, como factor delimitativo que é da pretensão, tanto exerce uma função endoprocessual na configuração do objecto da causa e no que lhe está associado, como uma função extraprocessual de definição objectiva do julgado, o que se torna fulcral mormente no âmbito das acções declarativas, permitindo ainda que a execução da sentença possa ser desprovida de meios de oposição alargada, como impõe o preceituado no artigo 729.º.

Será pois à luz desse entendimento que terá de se aferir qual a densidade factual da causa de pedir reclamada pelas funções que desempenha dentro e fora do processo.

Significa isto que os factos estruturantes da causa de pedir devem permitir, pelo menos, determinar a fonte concreta ou o título da obrigação de que emerge o efeito jurídico concreto judicialmente declarado ou decretado[6].

No caso concreto, a pretensão da autora assenta apenas nisto: «Por documento escrito e datado de 14/10/2015, Requerente e Requerida outorgaram de comum acordo um contrato pelo qual renegociaram uma dívida, fixando-a em Euros 803.000,00 (oitocentos e três mil euros), a pagar em 228 (duzentas e vinte e oito prestações), iguais e sucessivas de Euros 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), a primeira com vencimento a 28/10/2015 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes».

A exigência de exposição sucinta não significa falta de alegação dos factos estruturantes da causa de pedir, sob pena de se aniquilar o princípio do contraditório num procedimento que afinal é declarativo. Sucinto, significa apenas sintético, sendo que, mesmo aqui o grau de síntese terá de ser aquilatado em função de cada situação concreta, à luz do princípio da economia formal dos actos processuais consagrado no art. 131.º, n.º 1.

Nunca as exigências de simplificação processual poderão ser entendidas com um alcance que sacrifique os princípios básicos e estruturantes do processo.

Se aquelas são um modo legítimo de facilitar o acesso à tutela judicial de quem demanda, jamais deverão chegar ao ponto de imolar, no altar do puro pragmatismo, as garantias de defesa, não menos legítimas, de quem é demandado, sob pena de se subverter o princípio do processo equitativo e os princípios, que dele defluem, do contraditório e da igualdade substancial das partes afirmados, além do mais, nos art. 3.º e 4.º.

O imperativo da tutela efectiva tanto vale para o autor como para o réu, o que significa que haverá adequar a exigência de simplificação da exposição dos factos no requerimento de injunção à envergadura de cada caso, de forma a que fiquem ao menos garantidos o exercício do contraditório e a exigência da delimitação objectiva do julgado, tanto mais que este passa a estar dotado de uma exequibilidade reforçada, mormente em virtude da oponibilidade restrita a que está sujeito em sede de execução, nos termos do art. 729.º[7].

Conforme anteriormente referido, notificada para se pronunciar sobre a referida exceção dilatória, a ré apresentou articulado com o qual juntou aos autos os documentos acima transcritos, merecendo particular destaque o datado de 14 de outubro de 2015, o referido no acabado de transcrever ponto 2. do requerimento injuntivo.

Está em causa um documento assinado pela apelante e pela apelada, que mais não consubstancia do que o reconhecimento de uma dívida desta para com aquela.

Na verdade, através desse documento:
- a apelada emite uma declaração de reconhecimento de uma dívida para com a apelante, no montante de € 803.000,00;
- a apelada compromete-se a pagar o referido montante em dívida em 228 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 3.500,00, cada uma.

Importa trazer à colação o disposto no art. 458.º, n.º 1, do C.C.:
«Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário».

A propósito deste preceito, afirmam:
- Ana Prata[8]:
«A promessa de cumprimento ou o reconhecimento de um débito não constituem as obrigações prometidas cumprir ou reconhecidas.
Neste preceito, estabelece-se que qualquer destas declarações negociais tem tão só o efeito de inverter o ónus da prova da existência do crédito. É um efeito jurídico-prático relevante, mas não constitutivo de uma obrigação»;
- Fernando de Oliveira e Sá:
«Em rigor, o reconhecimento de dívida ou a promessa de cumprimento não se apresentam como um negócio jurídico unilateral constitutivo de obrigações, mas apenas como um negócio na base do qual se presume a existência de uma obrigação»;
- Pires de Lima/Antunes Varela[9]:
«Não se consagra neste artigo o princípio do negócio abstracto. O que se estabelece é apenas a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental.
(...)
Negócios puramente abstractos existem apenas no domínio dos títulos de crédito, no campo do direito comercial»;
- Antunes Varela[10]:
«Nenhum destes actos[11] (...) constitui, com efeito, fonte autónoma de uma obrigação. Criam apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial (a relação fundamental a que aquele preceito se refere), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação. Por isso se inverte o ónus da prova, mediante uma verdadeira relevatio ab onere probandi. Se o declarante ou os seus sucessores alegarem e provarem que semelhante relação não existe (porque o negócio que a promessa de prestação ou o reconhecimento de dívida pressupõem não chegou a constituir-se, porque é nulo ou foi anulado, porque caducou ou os seus efeitos se extinguiram entretanto, porque não foi afinal o promitente o autor do dano que pretende reparar, porque contra a sua convicção inicial não há responsabilidade objectiva naquele tipo de casos, porque contra a sua expectativa a culpa foi da vítima ou de terceiro, etc.), a obrigação cai, não lhe servindo de suporte bastante nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento da dívida»;
- Pessoa Jorge[12]:
«Significa este preceito que o credor que disponha de um documento escrito do devedor em que este unilateralmente declara prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, não precisa de provar a causa da obrigação, cuja validade e existência se presume. Não se está, portanto, em face de um negócio abstracto, mas sim de um acto causal, embora com presunção de causa, presunção que, sendo ilidível, determina a inversão do ónus da prova: não será o credor quem terá de demonstrar a existência e a licitude da causa, mas será sim ao devedor que caberá provar que a prestação que prometeu ou reconheceu não tem causa ou esta é ilícita»;
- Pedro Pais de Vasconcelos[13]:
«No art. 458.º, o Código refere-se à promessa unilateral de cumprimento e ao reconhecimento de dívida para estatuir que, quando sejam invocados sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental que se presume até prova em contrário.
No que concerne à questão da tipicidade dos negócios jurídicos unilaterais, o regime deste artigo tem um sentido interessante.
Dele se retira, desde logo, que, sempre que alguém, por uma declaração unilateral nua, isto é, sem invocação da respectiva causa, reconheça uma dívida ou prometa pagá-la, a procedência da pretensão do respectivo credor não fica prejudicada pela falta de demonstração da sua causa, ficando o devedor onerado com o encargo de demonstrar o contrário, isto é, que a causa não existe, ou cessou, ou é ilícita.
A um nível mais profundo, pode concluir-se do artigo 458º que não são a promessa de cumprimento ou o reconhecimento da dívida, unilaterais e nus, que constituem a fonte ou o fundamento jurídico, isto é, a causa das obrigações a que se referem. As obrigações cujo cumprimento é unilateralmente prometido e as dívidas que são unilateralmente reconhecidas ad nutum foram geradas ou constituídas por uma outra causa, que constituiu o seu fundamento jurídico originário»;
- Lebre de Freitas[14]:
«Fala-se correntemente, na doutrina italiana, a propósito do regime consagrado para a promessa e para o reconhecimento de dívida, de abstracção processual, e dividem-se os autores quanto a saber se as figuras em questão constituem negócios jurídicos ou meros actos jurídicos e se exercem ou não uma função probatória.
(...)
A figura da abstracção processual, traduzindo-se numa inversão do ónus da prova, baseia-se no conceito de causa eficiente, isto é, de causa de efeitos jurídicos, a qual coincide com o próprio facto de que a dívida resulta. Libertar o credor do ónus de provar a relação fundamental significa assim libertá-lo da prova, que de outro modo lhe competia (C.C., art. 342º-1), do facto constitutivo do seu direito. A disposição do art. 458.º do C.C. nada tem, pois, a ver com a figura substantiva do negócio abstracto, nem o conceito de causa nele utilizado se confunde com o de causa do negócio jurídico[15].
Mais complicado é, porém, o problema de saber se nela se consagra uma dispensa de prova ou uma presunção, sendo que ambas as expressões são aí utilizadas indiferentemente, como se não correspondessem a dois conceitos distintos, embora de idêntico efeito prático (C.C., art. 344-1).
Sendo que a inversão do ónus da prova não dispensa o ónus da alegação e que o autor tem de alegar, na petição inicial, a causa de pedir (art. 467º-1-d)[16], o credor que, tendo embora em seu poder um documento em que o devedor reconhece uma dívida ou promete cumpri-la sem indicar o facto que a constituiu, contra ele propuser uma acção, deverá alegar o facto constitutivo do direito de crédito – o que é confirmado pela exigência da forma do art. 458º-2 do C.C., que pressupõe o conhecimento da relação fundamental. Este facto ficará provado por apresentação do documento, isto é, por ilação tirada, nos termos do art. 458º-1 do CC, da declaração representada nesse documento conjugada com a alegação do credor, a qual, ao mesmo tempo que satisfaz uma exigência processual com mera relevância substantiva (...). Não se verifica, pois, o perigo de a prova se fazer relativamente a qualquer possível causa constitutiva do direito, pois se faz apenas relativamente àquela que for invocada pelo credor[17], e, configurando-se assim uma prova por presunção».

Tal como decidido no Ac. da R.L. de 17.12.2009, Proc. n.º 6659/07.0TBLRA-A.L1-6 (Fátima Galante), in www.dgsi.pt, «o credor, por força do art. 458º do CCivil, apenas está dispensado de provar a relação subjacente, que se presume, mas não de a alegar. Por força dessa presunção deixa de ser necessário que do título executivo conste a causa da obrigação. Desde que, como dissemos, o exequente, no requerimento executivo alegue os factos integrantes da relação subjacente, Continua a caber ao credor a invocação da relação subjacente, cabendo ao devedor, por força da inversão do ónus da prova, provar que a relação nunca existiu ou deixou de existir. Mas para isso tem que saber qual a relação pressuposta pelo credor, sob pena de poder estar perante uma infinidade de causas possíveis».

Retornando ao caso concreto, está em causa a condenação da apelada no pagamento à apelante da quantia € 733.000,00, a título de capital, acrescida de juros de mora e ainda outras despesas, com base num documento com base no qual:
- a apelada reconhece dever à apelante a quantia de € 803.000,00;
- a apelada se compromete a pagar à apelante aquela quantia em 228 prestações, iguais e sucessivas de Euros 3.500,00, cada uma, a primeira com vencimento a 28/10/2015 e as restantes em igual dias dos meses subsequentes.

Nem nesse documento, nem em qualquer outro, é indicado o negócio jurídico que lhe deu origem, importando recordar que no requerimento injuntivo, a autora invoca, como causa para a sua pretensão contra a ré, um contrato de compra e venda a prestações celebrado em 14 de outubro de 2015.

Era sobre a ré, ora apelada, que incumbia o ónus de alegação e prova da inexistência da causa debendi.

No entanto, para que a mesma pudesse fazer tal prova, era dever da autora, ora apelante, a alegação dos factos constitutivos do seu direito de crédito.

E a verdade é a que a autora, ora apelante, não alega um único concreto facto jurídico, material, constitutivo desse seu crédito.

O convite ao aperfeiçoamento (arts. 17.º, n.º 3, do diploma anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 01.09, e 590.º, n.ºs 2, al. b) e 4, do C.P.C.) só tem sentido quando se trate de meras imprecisões ou insuficiências situadas num plano de literalidade que não afecta a principalidade do que estiver em causa, que não significa a renovação do direito, a ofensa da preclusão e a estabilidade; ou seja, o convite ao aperfeiçoamento só tem justificação, como concretização do direito de acesso à justiça e do princípio da proporcionalidade, quando as deficiências notadas forem estritamente formais, ou de natureza secundária, ligadas à apresentação ou formulação, mas não ao conteúdo, concludência ou inteligibilidade da própria alegação ou motivação produzida, não podendo o mecanismo do convite ao aperfeiçoamento de deficiências formais do acto da parte, transmutar-se num modo de esta obter novo prazo para, reformulando substancialmente a sua própria pretensão ou impugnação, obter novo e adicional prazo processual para substancialmente cumprir o ónus que sobre ela recaía, que era o que manifestamente ocorreria no caso em apreço, caso à autora, ora apelante, fosse endereçado convite ao aperfeiçoamento do requerimento injuntivo.

Por outras palavras, se se quiser, não há lugar a convite ao aperfeiçoamento quando o que é insuficiente não é a alegação, mas a realidade alegada, destinando-se o mecanismo dos supra referidos preceitos legais a suprir a insuficiência do alegado.

Tal como se pode ler no Ac. do S.T.J. de 20.05.2004, Proc. nº 04B122 (Neves Ribeiro), in www.dgsi.pt, se é salutar a cooperação entre as partes, não é menos importante a criação e desenvolvimento de uma cultura judiciária de responsabilidade, e de saber, que não tenha no juiz, o limite corrector dessa responsabilidade (ou irresponsabilidade: inconsciente ou provocada) ou desse saber, (ou ignorância: inconsciente ou provocada), quando se está perante uma clara ausência de um preceito legal, e de processo, que permita contar com a ajuda dos outros, suprindo faltas processuais graves, essenciais ao objecto do conhecimento, exactamente do que se pede ao tribunal, que conheça.

Fazendo de modo diverso, pode cair-se numa indisciplina de procedimento e arrastamento, tão impunes, quanto aleatórios, do exercício do direito de acção (ou de recurso) que nunca mais chega ao fim, com grave prejuízo para os interesses gerais da administração da Justiça e, em particular, para a contraparte - o cidadão, como pessoa singular, ou como pessoa jurídica - que outras o direito não conhece.

Em desfavor destas - das pessoas - vulgariza-se o princípio, igualmente respeitável, da preclusão processual civil, agravando o factor da incerteza do tempo da definição do direito; e introduz-se uma pedagogia processual negativa, a benefício do arbítrio ao convite, do uso e do abuso, sem critério, que em nada abona a confiança, a celeridade e a prontidão da justiça, acabando por conferir a esta, a imagem perigosa geradora do "deixar andar" ou do " erra que o Juiz corrige!".

Assim, pois, “o princípio da cooperação tem de ser temperado pelo princípio da responsabilidade das partes, não podendo estas esperar que o Juiz tudo venha suprir, nomeadamente as suas lacunas, nem podendo o convite ao aperfeiçoamento tornar-se numa autêntica subversão do processo”».

Termos em que se conclui não ser merecedora de censura a decisão que absolveu a ré da instância por considerar verificada a exceção dilatória consistente na nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento injuntivo, com fundamento na falta de causa de pedir.
***

IV–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela apelante.


Lisboa, 9 de abril de 20019

(Acórdão assinado digitalmente)

Relator
José Capacete

Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara



[1]Espaço em branco.
[2]Espaço em branco.
[3]Espaço em branco.
[4]Por evidente lapso de escrita escreveu-se «al. b)».
[5]Pertencem ao  Código de Processo Civil todas as disposições legais mencionadas sem indicação da respetiva fonte.
[6]Cfr. Ac. da R.L. de 03.12.2009, Proc. n.º 61495/09.0YIPRT.L1-7 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt.
[7]Cit. Ac. da R.L.
[8]Código Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2017, p. 590, em anotação ao art. 458.º do C.C.
[9]Código Civil Anotado, Vol. I
[10] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª Edição, Almedina, 2003, p. 442.
[11]Refere-se aos atos previstos no art. 458.º, n.º 1, do C.C.: Promessa de uma prestação ou reconhecimento de uma dívida.
[12]Direito das Obrigações, I, Lisboa, AAFDL, 1975/76, pp. 219-220.
[13]Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Almedina, 2005, p. 341.
[14]A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pp. 387-391.
[15]«Na previsão do art. 458 do C.C., não é apenas a causa do negócio que não é indicada no acto do reconhecimento, mas todo o negócio de que a obrigação resulte; e, se a obrigação resultar dum facto não negocial, nem sequer se poderá falar da causa desse facto, visto que de causa, no seu sentido rigoroso, só de pode falar para o negócio jurídico. Por outro lado, o acto de reconhecimento de dívida ou de promessa de cumprimento, para quem o considere um acto negocial, tem a sua própria causa no reforço da obrigação ou em efeito equivalente» - P. 390, nota 24.
[16]Atual art. 552.º, n.º 1, al. d), do C.P.C./13.
[17]Na nota 26 da p. 391, salienta o Autor a que nos vimos reportando: «O raciocínio de MONTESANO só estaria certo se a lei invertesse também o ónus da alegação. Mas, se assim fosse, quer se visse no caso uma presunção legal, quer uma dispensa de prova, das duas uma: ou se entendia a dispensa no sentido de o próprio reconhecimento ou promessa constituir a causa de pedir da acção, isto é, constituir a causa da própria obrigação (cf. C.P.C., art. 498-4) [atual art. 581.º, n.º 4, do C.P.C./13], o que levaria a configurá-lo como negócio abstracto de direito substantivo; ou se entendia que a causa de pedir, sendo facto constitutivo da relação fundamental, não teria que ser invocada, em derrogação do art. 467-1-d do C.P.C. [art. 552.º, n.º 1, al. d), do C.P.C./13], mas então, sendo elemento do caso julgado que se formasse, tal não impediria o credor de propor nova acção em que pretendesse fazer valer o reconhecimento ou a promessa como acto relativo a outra relação fundamental, sem que lhe pudesse ser oposta a excepção do caso julgado (C.P.C., art. 498-1) [art. 581.º, n.º 1, do C.P.C./13] - com a possibilidade, designadamente, de assim conseguir várias condenações sucessivas do devedor... Nunca ficando o acto de reconhecimento ou promessa abrangido pelo caso julgado - pois o caso julgado relativo (...) só abrange os pressupostos indispensáveis à fundamentação da decisão e apenas enquanto seu fundamento: no nosso caso, apenas o facto constitutivo da obrigação -, o único meio de obstar a essa consequência (sem recurso ao instituto do enriquecimento sem causa) consistirá em entender que, completada a fatispécie normativa com a alegação do credor, este não poderá vir futuramente a alegar outra causa».