Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
456/13.1TXLSB-E.L1-9
Relator: CRISTINA BRANCO
Descritores: PENA DE EXPULSÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
MENOR
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Nos casos em que a execução da pena acessória de expulsão coincide com os limites temporais indicados na lei, sendo obrigatória, não é necessário obter o consentimento do recluso, nem ouvir o conselho técnico ou o Ministério Público.
II - O procedimento constante do art. 188.º-B do CEPMPL só tem cabimento legal quando esteja em causa a prolação de uma decisão de eventual antecipação da execução da pena de expulsão, na sequência da possibilidade prevista nos n.ºs 2 e 3 do art. 188.º-A daquele diploma, uma vez que, nesse caso, a lei exige uma análise das necessidades de prevenção, geral e especial, que se apresenta semelhante à que se impõe para a concessão da liberdade condicional facultativa quando se encontra cumprida metade da pena (cf. art. 61.º, n.º 2, do CP), e ainda que obtenha o consentimento do condenado, sendo a diligência prevista no aludido art. 188.º-B imprescindível para a obtenção de tais elementos (com produção de prova, se necessário) e a garantia do contraditório.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Nos autos com o n.º 456/13.1TXLSB-E do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, Juiz 7, relativo ao recluso M..., actualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, por decisão de 05-11-2015 foi ordenada a execução da pena acessória de expulsão em que havia sido condenado.
2. Inconformado, interpôs o recluso o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
«A- A expulsão do Território Nacional do arguido M..., além de estar em contradição com o disposto nos artºs 134º e 135º, da Lei nº 23/07, de 4 de Julho, com a redacção da Lei nº 29/12, de 9 de Agosto, viola frontalmente o consagrado no artº 36º da Constituição da República Portuguesa, porquanto retira ao arguido o direito e o dever de educação e manutenção do filho, e a este o direito de não ser separado do pai;
B- Não se põe em causa a necessidade de punição do arguido, o que sobretudo se questiona é o direito do filho menor, de nacionalidade portuguesa, e nascido no solo pátrio, de ser educado de mantido pelo progenitor e de não ser deste separado pela expulsão do Teritório Nacional, bem como o correspondente direito e dever do progenitor;
C- Consequentemente o despacho recorrido viola o disposto nos artigos 134º e 135º da Lei nº 23/07, de 4 de Julho, com a redacção da Lei nº 29/12, de 9 de Agosto e artº. 36º da Constituição da República Portuguesa.
Devendo, por isso, ser revogado, como requerido, e é de JUSTIÇA!»
3. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 14 dos autos.
4. Na sua resposta, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido pugnou pela improcedência do recurso, concluindo (transcrição):
«1__
O recorrente não alega nas suas conclusões factos supervenientes que consubstanciem impedimento à efectivação execução da expulsão em que foi condenado em primeira instância.
2__
Devendo assim em decisão sumária ser apreciado e indeferido liminarmente.
3__
Pois o recurso encontra-se delimitado pelas suas conclusões onde não é mencionada qualquer ligação familiar de efectividade e vínculo entre o recorrente e o seu filho.
4__
É certo que o legislador ao admitir o recurso da decisão de expulsão decretada pelo TEP, nos termos do art.188º C nº 4 do CEPMPL, terá dado necessariamente uma âmbito de apreciação jurisdicional que implicará decisão diversa do recurso de extraordinário de revisão previsto no art.449º nº1 alínea d) do C.P.P., pois na verdade não existem factos anteriores a invocar.
5__
Assim o âmbito de apreciação do TEP e do presente recurso ter-se à de reconduzir, na esteira do aliás decidido no processo 2352/11.8TXLSB-B.L1 pelo TRL os poderes de recurso apenas à existência de factos supervenientes impedientes, não podendo como ali se decidiu o Tribunal da Relação substituir-se á primeira instância.
6__
Em tal acórdão fazendo-se menção ao art. 135º da Lei 23/2007 que fazendo menção ao Ac.. do Tribunal Constitucional 232/2004 de 31/03/2004 declarou a inconstitucionalidade das normas do anterior DL244/98 enquanto aplicáveis a cidadãos estrangeiros que tivessem a seu cargo filhos menores de nacionalidade português residentes em território nacional.
7__
Exigindo-se o efectivo poder paternal e que assegurem o seu sustento e educação, obstando-se assim que a maternidade ou paternidade sejam meros instrumentos de obtenção de estatuto de residente por ter de ser necessariamente responsável, o que poderá resultar até dos autos pois o recluso em cumprimento de pena foi pai.
8__
Assim face á actual lei que o legislador pretendeu nos termos do art.135 alínea b) da Lei 23/2007 foi que o individuo a expulsar tenha efectivamente a seu cargo o filho e será nessa perspectiva que o TEP deverá apreciar a concretização da decisão de expulsão e nessa altura verificar a existência de um impedimento à expulsão, facto superveniente à decisão de expulsão.
9__
Tal foi decidido no mencionado acórdão do TRL com Relatora Drª Adelina Barradas de Oliveira no sentido de que o que a lei exige é que o indivíduo a expulsar tenha a seu cargo e, mantenha uma relação de proximidade com eles ou contribua decisiva e efectivamente para o seu sustento o que não sucedia, como não sucede nos presentes autos.
10__
Deve assim o presente recurso ser indeferido sendo mantida a decisão ora recorrida porquanto não constam dos autos factos supervenientes que, nos termos da Lei, possa alterar a decisão de expulsão judicial relativa ao processo 98/11.6PJAMD.
Assim sendo mantida a decisão ora recorrida farão Vª Exºs a costumada Justiça.»
5. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, conforme consta de fls. 158-162, suscitando como questões prévias a da nulidade absoluta do processado anterior à prolação do despacho recorrido, por falta de audição do condenado, e a da inconstitucionalidade do art. 188.º-B do CEP, na interpretação de que é possível revogar-se a pena acessória de expulsão estabelecida pelo Tribunal da condenação em sede de execução da mesma pelo TEP; e, caso assim não se entenda, acompanhando o teor da resposta ao recurso produzida pelo Ministério Público na 1.ª instância e pronunciando-se, em consequência, pela confirmação da decisão recorrida.
6. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP não foi oferecida resposta.
7. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*
II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
De acordo com as conclusões do recurso, a questão suscitada é a de saber se a decisão recorrida, ao determinar a execução da pena acessória de expulsão em que o recorrente foi condenado, viola o preceituado nos arts. 134.º e 135.º da Lei n.º 23/2007 de 04-07, na redacção da Lei n.º 29/2012, de 09-08, e o art. 36.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Importará ainda ter em atenção as questões colocadas pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu Parecer, a saber, a da nulidade processado anterior à prolação do despacho recorrido e a da inconstitucionalidade de determinada interpretação do art. 188.º-B do Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL)[1].

*
2. Da decisão recorrida
É do seguinte teor a decisão recorrida (transcrição):
«RELATÓRIO
M..., (…) , recluso no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, encontra-se condenado numa pena de 5 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de detenção de arma proibida, tendo-lhe sido ainda aplicada a pena acessória de expulsão com interdição de entrada no território nacional pelo período de 4 anos, no âmbito do proc. 98/11.6PJAMD, do juiz 4, 2ª secção, do Juízo de Grande Instância Criminal de Sintra
O recluso foi detido e ficou em prisão preventiva desde 07-03-2012. Atingiu o ½ da pena em 05-12-2014, os 2/3 da pena ocorrem em 05-11-2015 e o seu termo encontra-se previsto para o dia 05-09-2017.
Tendo em consideração o disposto no art. 188º-A, nº 1, al. b) da Lei 21/2013 de 21 de Fevereiro, impõe proferir decisão de expulsão em conformidade.
SANEAMENTO
O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e território.
O processo é o próprio, apresenta-se devidamente instruído e isento de nulidades.
Não existem exceções, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estatui o art. 188º-A, nº1, alínea b) que “tendo sido aplicada a pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a cinco anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas”.
Deste modo, encontrando-se o arguido na situação descrita no nº 1 alínea b) do referido preceito legal e atingindo o dois terços da pena nesta data, face a ao imperativo legal decorrente deste último normativo, e sem necessidade de maiores considerações, ordena-se a execução da expulsão do arguido do território nacional com efeitos a partir dessa data e respetiva interdição de entrada pelo período decretado de 4 anos após concretização da sua expulsão, nos termos do decidido na sentença condenatória, ficando ao mesmo vedada a sua entrada no território nacional por qualquer meio ou sob qualquer outra identidade durante o referido período.
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Comunique-se de imediato ao SEF e ao EP.
Notifique-se o M.P. e o recluso.
Passe, após trânsito desta decisão, mandado de expulsão para cumprimento da expulsão pelo SEF logo que possível.
Comunique ao EP e à DGRSP.
Boletim à DGSIC.
Mais comunique a presente decisão ao processo à ordem do qual se encontrava preso.»
***
3. Da análise dos fundamentos do recurso
De acordo com as regras de precedência lógica importará, em primeiro lugar, apreciar as questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto e, por fim, das questões relativas à matéria de direito.
Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas.
*
No seu Parecer, o Senhor Procurador-Geral Adjunto alega, em síntese, que o art. 188.º-B do CEPMPL impõe a audição do condenado prévia à decisão de execução da pena acessória de expulsão do território nacional, na presença do defensor e do MP e que, não resultando dos autos que tal diligência tenha sido levada a cabo, ocorreu uma nulidade absoluta, nos termos do disposto no art. 119.º, als. b) e c) do CPP, ex vi art. 154.º do CEPMPL, devendo ser anulado o processado anterior à prolação do despacho recorrido, inclusive, e o Tribunal recorrido proceder ao determinado no aludido art. 188.º-B e só depois tomar decisão verbal em conformidade.

Vejamos.
Em matéria de execução da pena acessória de expulsão do território nacional, regia, na vigência da redacção orginária do CEPMPL, o seu art. 182.º (Substituição da liberdade condicional pela execução da pena de expulsão), integrado na Secção I do Capítulo V.
Era o seguinte o seu teor:
«1 - Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o tribunal de execução das penas ordena a sua execução logo que estejam cumpridos dois terços da pena de prisão.
2 - O tribunal de execução das penas pode decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, em substituição da concessão de liberdade condicional, logo que julgue preenchidos os pressupostos desta.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, são seguidos os trâmites previstos na presente subsecção, devendo o consentimento do recluso abranger a substituição da eventual concessão da liberdade condicional pela execução da pena acessória de expulsão.
4 - A decisão que determine a execução da pena de expulsão é notificada às entidades referidas no n.º 3 do artigo 177.º e ainda ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
5 - O recurso interposto da decisão que decrete a execução da pena acessória de expulsão tem efeito suspensivo e reveste natureza urgente, nos termos do artigo 151.º.»

A Lei n.º 21/2013, de 21-02, que veio introduzir alterações ao CEPMPL, revogou este preceito, passando a autonomizar a execução da pena acessória de expulsão numa nova secção, a IV (do Capítulo 5), composta por apenas três artigos.
Assim, o (aditado) art. 188.º-A desse diploma dispõe que:
«1 - Tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua execução logo que:
a) cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas;
b) cumpridos dois terços da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontrem cumpridos dois terços das penas.
2 – O juiz pode, sob proposta e parecer fundamentado do diretor do estabelecimento prisional, e obtida a concordância do condenado, decidir a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, logo que:
a) Cumprido um terço da pena, nos casos de condenação em pena igual ou inferior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprido um terço das penas;
b) Cumprida metade da pena, nos casos de condenação em pena superior a 5 anos de prisão, ou, em caso de execução sucessiva de penas, logo que se encontre cumprida metade das penas.
3 - Independentemente de iniciativa do diretor do estabelecimento prisional, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do condenado, solicita o parecer fundamentado ao diretor do estabelecimento.»

De harmonia com o n.º 1 deste preceito, perante uma pena de prisão igual ou inferior a cinco anos (ou em caso de execução sucessiva de penas), a execução da pena acessória de expulsão é obrigatória logo que se mostre cumprida metade da pena aplicada, e perante uma pena de prisão igual ou superior a cinco anos (ou em caso de execução sucessiva de penas) é obrigatória logo que estejam cumpridos 2/3 da pena.
Nos termos do seu n.º 2, o legislador passou a permitir que a execução da pena acessória de expulsão possa ser antecipada, relativamente ao limite temporal que normalmente corresponderia ao termo da pena de prisão ou à concessão da liberdade condicional (na previsão do revogado art. 182.º do diploma), podendo a iniciativa de tal antecipação partir do director do estabelecimento prisional, do Ministério Público, do condenado ou até, oficiosamente, do próprio juiz.
Neste caso, isto é, quando se trata de antecipar a execução da pena de expulsão, a lei exige não só que seja possível ao julgador efectuar um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado como ainda que essa antecipação se mostre compatível com os valores da defesa da ordem e da paz social.
Ou seja, uma análise das necessidades de prevenção, geral e especial, que se apresenta semelhante à que se impõe para a concessão da liberdade condicional facultativa quando se encontra cumprida metade da pena (cf. art. 61.º, n.º 2, do CP).
Daí que, independentemente de a iniciativa de requerer a antecipação partir do director do estabelecimento prisional, do Ministério Público, do condenado ou até, oficiosamente, do próprio juiz, antes de ser proferida decisão de antecipação se imponha a emissão de parecer fundamentado por parte do director do estabelecimento prisional, bem como a audição do condenado e a produção das provas que se entenderem convenientes – cf. arts. 188.º-A, n.ºs 2 e 3, e 188.º-B do CEPMPL.
Este último estabelece:
«1 - Recebida a proposta ou parecer do diretor do estabelecimento prisional, o juiz designa data para audição do condenado, em que devem estar presentes o defensor e o Ministério Público.
2 - O juiz questiona o condenado sobre todos os aspetos relevantes para a decisão em causa, incluindo o consentimento para a execução antecipada da pena acessória de expulsão, após o que dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor para, querendo, requererem ao juiz a formulação de perguntas ou oferecerem as provas que julgarem convenientes, decidindo o juiz, por despacho irrecorrível, sobre a relevância das perguntas e admissão das provas.
3 - Não havendo provas a produzir, ou finda a sua produção, o juiz dá a palavra ao Ministério Público e ao defensor para se pronunciarem sobre a antecipação da execução da pena acessória de expulsão, após o que profere decisão verbal, decidindo a expulsão quando esta se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social e for de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Da análise comparativa dos dois preceitos que se sucederam no tempo, com apoio no respectivo texto, afigura-se-nos que, tal como sucedia no anterior regime legal, nos casos em que a execução da pena acessória de expulsão coincide com os limites temporais indicados na lei, sendo obrigatória, não é sequer necessário obter o consentimento do recluso, nem ouvir o conselho técnico ou o Ministério Público.
Trata-se de uma decorrência legal[2], que não carece de parecer de qualquer entidade.
Já quando seja requerida a antecipação, a lei exige que o julgador esteja habilitado a fazer o aludido juízo de prognose favorável, e, para além do mais, que obtenha o consentimento do condenado para a execução antecipada da pena, sendo a diligência prevista no citado art. 188.-B imprescindível para a obtenção de tais elementos (com produção de prova, se necessário) e a garantia do contraditório.[3]
Afigura-se-nos, assim, que o procedimento constante do art. 188.º-B do CEPMPL só terá cabimento legal quando esteja em causa a prolação de uma decisão de eventual antecipação da execução da pena de expulsão, na sequência da possibilidade prevista nos n.ºs 2 e 3 do art. 188.º-A do CEPMPL.
Assim, salvo o devido respeito por opinião diversa, é nosso entendimento que, no presente caso, em que estava em causa a execução da pena acessória de expulsão aos 2/3 da pena, nos termos do art. 188.º-A, n.º1, al. b), do referido diploma, não havia que dar cumprimento ao preceituado no seu art. 188.º-B, não tendo sido cometida qualquer nulidade absoluta que importe declarar.

O Senhor Procurador-Geral Adjunto alega ainda que, tendo em consideração que só o Tribunal de julgamento (e, em caso de recurso, o Tribunal ad quem) pode estabelecer a pena – que, uma vez transitada, só pode ser alterada nos casos previstos no art. 371.º-A do CP ou por via de um recurso de revisão de sentença –, permitir ao TEP que não execute uma pena de expulsão estabelecida numa sentença ou acórdão transitados seria subtrair àquele Tribunal a competência de estabelecer a pena, em frontal violação do consagrado no art. 32.º, n.º 9, da CRP (princípio do juiz legal).
Na sua perspectiva, o art. 188.º-C do CEPMPL, ao permitir o recurso das decisões do TEP quanto à determinação da execução da pena de expulsão «só pode incidir sobre a recusa do juiz em expulsar o condenado antecipadamente (por exemplo, porque o juiz entendeu que a expulsão não se mostra compatível com a defesa da ordem e da paz social e/ou não ser de prever que o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável), ou porque o MºPº ou o condenado entendeu que a decisão não se coaduna com a prova produzida – art.º 188.º-B –, tudo relacionado, pois, e tão só com a execução concreta da pena acessória da expulsão, já não com a sua revogação.»
E, assim, invoca a inconstitucionalidade do art. 188.º-B do CPE na interpretação de que é possível revogar-se a pena acessória da expulsão estabelecida pelo Tribunal da condenação em sede de execução da mesma pelo TEP.
Esta questão, de quais sejam os poderes/competências do TEP em matéria de execução da pena acessória de expulsão, relaciona-se já com o objecto do recurso interposto pelo condenado.

Temos por inequívoco, em face do estabelecido no art. 138.º do CEPMPL, que estabelece a competência material do TEP[4], que não cabe nas competências deste a de revogar a pena acessória de expulsão, cuja aplicação cabe ao tribunal de julgamento e cuja revogação apenas pode ter lugar em sede de recurso do acórdão condenatório.
Se bem compreendemos, o que o recorrente pretende com o presente recurso não é a revogação da pena acessória de expulsão mas antes a sua não execução, invocando circunstância superveniente que, na sua perspectiva, obsta à execução da mesma, concretamente a verificação de situação enquadrável na previsão da al. b) do art. 135.º da Lei n.º 23/2007, de 04-07.

A solução a dar a casos em que as situações que configuram limites à expulsão se verificaram após a aplicação dessa pena mas antes da sua execução (que são frequentes, uma vez que, devido ao cumprimento da pena principal de prisão, decorrem geralmente vários anos entre aqueles dois momentos), não tem sido unânime na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, constatando-se a existência de dois entendimentos divergentes.
Assim, no sentido de que há fundamento para o recurso de revisão, ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, com base em factos novos supervenientes, decidiram os acórdãos de 21-01-2009, Proc. n.º 3922/08 - 3.ª, de 02-05-2012, Proc. n.º 779/05.3GBMTA-G.S1 - 3.ª, de 04-02-2015, Proc. n.º 64/11.1PJAMD-B.S1 - 3.ª, e de 30-09-2015, Proc. n.º 64/11.1PJAMD-C.S1 - 3.ª[5].
Pese embora a pertinência da argumentação doutamente aduzida nestes arestos, propendemos para acompanhar o entendimento segundo o qual tais situações não se enquadram nos apertados pressupostos do recurso de revisão e deverão ser ponderadas pelo TEP em sede de execução da pena de expulsão.
Como com clareza se explica no acórdão do STJ de 17-02-2011, Proc. n.º 66/06.0PJAMD-A.S1 - 5.ª Secção[6],
«III - Será ir longe demais atender, em nome da justiça, não apenas ao desconhecimento de factos que poderiam ter sido conhecidos à data da prolação da decisão, como também a uma situação sobrevinda depois da decisão, que obviamente o juiz não tinha que prever. Não fora assim, e estaria aberta a porta à invocação de um sem número de factos supervenientes, responsáveis pela criação de uma situação que se veio a revelar injusta. Tudo isso constituiria motivo de revisão, e abalaria de modo insuportável o efeito de caso julgado, ou seja, a segurança das decisões.
IV - A justiça da condenação não poderá confundir-se com a situação em que o condenado possa ter ficado depois da condenação, em virtude de factos sobrevindos ulteriormente; a essa situação posteriormente criada só poderá atender-se, a nosso ver, em sede de execução da pena, porque não é a decisão que se mostra injusta, é a execução da decisão que, face ao novo condicionalismo, se veio a revelar injusta.
(…)
X – De acordo com o art. 138.º, n.º 4, al. d), do CEPMPL, compete ao TEP determinar a execução da pena acessória de expulsão e, se na altura dessa decisão, se verificar a existência de um impedimento à sua execução, decorrente de facto superveniente à decisão condenatória, não determinará a expulsão, por impossibilidade legal.»[7]
Neste sentido se pronunciaram também os acórdãos do STJ de 27-10-2011, Proc. n.º 131/07.6PJAMD-C.S1 - 5.ª, de 24-10-2013, Proc. n.º 21/10.5PBPTM-A.S1 - 5.ª, e de 09-07-2015, Proc. n.º 434/02.6GAABF-C.S1- 3.ª[8]
Assim, uma vez que a competência para aplicar a pena e a competência para a executar são coisa diversas, não vemos que o facto de o TEP poder não determinar a execução da pena, caso se verifique obstáculo legal à mesma, afronte o preceituado no art. 32.º, n.º 9, da CRP.

O recorrente alega que a sua expulsão do território nacional, além de estar em contradição com o disposto nos arts. 134.º e 135.º da Lei n.º 23/2007, de 04-07, na redacção da Lei n.º 29/2012, de 09-08, ao retirar-lhe o direito e o dever de educação e manutenção do filho, e a este o direito de não ser separado do pai, viola o art. 36.º da CRP.
Na sua motivação (e apenas nesta), refere que tem um filho nascido em Portugal em 19-04-2015, de nacionalidade portuguesa. E nada mais.

Em primeiro lugar, importa esclarecer que não tem qualquer cabimento trazer à colação o referido art. 134.º, porquanto, estando em causa uma pena acessória de expulsão aplicada judicialmente, é no art. 151.º da Lei n.º 23/2007, de 04-07, que encontramos os respectivos pressupostos.
Quanto ao mais, vejamos.
O art. 135.º da Lei n.º 23/2007, de 04-07[9], dispõe:
«Com exceção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que:
a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente;
b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;
c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.»

Nem à data em que foi proferida a decisão condenatória em 1.ª instância (21-12-2012, cf. fls. 31-77), nem sequer à data do acórdão da Relação que confirmou, para além do mais, a pena de expulsão que lhe foi aplicada (10-04-2013, cf. fls. 78-149), o recorrente tinha o filho Mayson Paulo, que terá nascido em 19-04-2015, segundo o próprio refere e se verifica da cópia de assento de nascimento de fls. 11.
Por isso, de acordo com a orientação do STJ que sufragamos, a verificação da situação prevista na al. b) do citado preceito não poderia ser fundamento de recurso de revisão de sentença, por se situar fora do âmbito de previsão da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.

Dos elementos que instruem estes autos de recurso não resulta que o recorrente tenha dado conhecimento ao TEP do circunstancialismo que agora invoca, a fim de ser ponderado antes de ser proferida decisão sobre a execução da expulsão.
Daí que, em bom rigor, não possa este Tribunal pronunciar-se sobre a verificação de alguma situação de impedimento legal a essa execução, pois que estaria a conhecer ex novo de uma questão que não foi apreciada pelo tribunal recorrido, o que não é admissível, pois que os recursos são um meio de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não um meio de obter decisões novas.
De todo o modo, sempre se dirá que o obstáculo à expulsão constante da al. b) do art. 135.º do aludido diploma (única que aqui está em causa) não se basta com o facto de o visado ter um filho menor a residir em Portugal, exigindo a lei que o menor esteja a cargo do visado, e este sobre ele exerça efectivamente as responsabilidades parentais e assegure o seu sustento e a educação.
Ora, como já referimos, o recorrente limita-se a referir que o menor Mayson Paulo é de nacionalidade portuguesa e nasceu quando já se encontrava em reclusão no EP de Alcoentre, não alegando, e muito menos comprovando, que sobre ele exerça responsabilidades parentais ou contribua para o seu sustento e educação, o que sempre se afiguraria de difícil demonstração, dado que, de acordo com os elementos constantes dos autos, se mantém em situação de reclusão desde data anterior ao nascimento do filho e não lhe são conhecidos rendimentos.
Não se verificando, mesmo à face do que é alegado pelo recorrente, os requisitos enunciados na al. b) do art. 135.º da Lei n.º 23/2007, de 04-07, na sua actual redacção, não encontramos fundamento para a não execução da pena de expulsão, nem esta contraria o princípio da protecção da família ínsito no art. 36.º, n.º 6, da CRP.
Na verdade, a decisão do TC vertida no seu Ac. n.º 232/2004[10], que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material do art. 101.º, n.ºs 1, als. a), b) e c), e 2, do DL 244/98, na sua versão original, «na dimensão em que permite a expulsão de cidadãos estrangeiros que tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa residentes em território nacional, por violação conjugada do disposto nos arts. 33.º, n.º 1 e 36.º, n.º 6 da Lei Fundamental», exige que o indivíduo a expulsar tenha os filhos a seu cargo, que mantenha uma relação de proximidade com eles, ou contribua decisiva e efectivamente para o seu sustento e para o desenvolvimento das suas personalidades. Ou seja, será preciso que a separação entre pai e filho redunde num prejuízo material ou psicológico significativo, o que não é manifestamente o caso, porquanto os interesses do menor Mayson Paulo não exigem a permanência em território português do pai que, tanto quanto resulta dos autos, não exerce nem nunca exerceu as responsabilidades parentais nem contribui directamente para o seu sustento e educação.
Por todo o exposto, improcede o recurso, sendo de manter a decisão recorrida.
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III. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo recluso, M..., confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, ambos do CPP, 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa).
Notifique.
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(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária)
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Lisboa, 14-04-2016
Cristina Branco
Filipa Costa Lourenço

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[1] Aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12-10, e alterado pelas Leis n.ºs 33/2010, de 02-09, 40/2010, de 03-09 e 21/2013, de 21-02.
[2] Um «substituição ope legis da liberdade condicional pela execução da pena de expulsão», nas palavras do acórdão do STJ de 12-08-2011, Proc. n.º 911/11.8TXLSB-C.S1 - 3.ª, in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[3] Veja-se que também o agora revogado art. 182.º (nos seus n.ºs 2 e 3), apenas para o caso de o TEP antecipar a execução da pena de expulsão em substituição da concessão da liberdade condicional (e não para a sua execução obrigatória aos 2/3 da pena) previa que fossem seguidos os trâmites previstos para a concessão desta última, devendo o consentimento do recluso abranger essa eventual substituição.
[4] A Lei n.º 62/2013, de 26-08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) reproduz nos seus arts. 114.º e 115.º, relativos à competência do TEP o preceituado no art. 138.º do CEPMPL, com ligeiras alterações de redacção.
[5] Todos in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[6] In www.dgsi.pt.
[7] É que, como se refere no Parecer n.º 2/2011, de 17-02-2011, do Conselho Consultivo da PGR (in www.dgsi.pt), o art. 135.º da Lei n.º 23/2007, de 04.07, não restringe os limites à expulsão de estrangeiros à fase da aplicação da pena, abarcando a sua previsão «as situações em que a factualidade respectiva vier a ocorrer em momento posterior, embora antes do cumprimento da pena», até porque outra interpretação contenderia com normas constitucionais.
[8] Todos in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).
[9] Na redacção introduzida pela Lei n.º 29/2012, de 09-08.
[10] In www.tribunalconstitucional.pt.