Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6987/2008-1
Relator: MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA
Descritores: ADOPÇÃO
MENOR
PROTECÇÃO DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. O processo de promoção e protecção deve subordinar-se ao princípio da prevalência da família segundo o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família ou que promovam a sua adopção (a adopção sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, mesmo depois da tentativa de integração na família alargada) – veja-se o artigo 4º al. f), g) e i) da. da LPCJP, em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais e na Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989.
2. Tal princípio não é absoluto pois não são os laços de sangue que tornam as pessoas aptas a cuidar, tratar e criar crianças, principalmente crianças que desde o nascimento foram confiadas a uma instituição porque não havia família que as acolhesse, como é o caso.
3.Sendo a mãe da criança doente do foro psiquiátrico -com tal gravidade que existe uma disfuncionalidade grave de relacionamento entre avó e mãe da criança- esta estaria sempre em situação de risco, caso fosse confiada à avó materna.
R.B.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam nesta secção cível os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
O Tribunal colectivo do 1º juízo de Família e Menores do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais aplicou ao menor A, nascido a 15-08-2006, de harmonia com o estabelecido nos artsº 35º, nº 1 al. g), 38º e 38º-A b) da LPCJP, nas redacções que lhes foram dadas pela Lei 31/03 de 12 de Agosto, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
Dessa decisão vem a avó materna da criança, Maria de Fátima carvalho Seixas interpor o presente recurso de agravo.

São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas pela recorrente:
“Conclusões:
1. O Acórdão de que aqui se recorre, violou os superiores interesses do menor, o disposto nos arts. 4 e 35 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, preceitos estes que foram interpretado em violação do artigo 36 da Constituição da República Portuguesa.
2. Antes mesmo da instauração dos presentes autos de promoção e protecção (7931/06, que apenas deram entrada em 20.09.2006), a Avó Materna do menor requereu em 11.09.2006, a instituição da tutela (7550/06), facto que é sintomático do interesse que recorrente tem no processo e do carinho que nutre e sempre nutriu pelo seu neto Aléxis.
3. A lei ordinária e a Constituição, dão prevalência à família natural, deixando a adopção para último plano. Nos presentes autos, o Tribunal recorrido optou pela adopção de um menor já muito afeiçoado à sua Avó, em vez de a confiar à aqui recorrente.
4. O próprio Ministério Público (Curador de Menores nos presentes Autos), por diversas vezes mostrou confiar na avó do menor, aqui recorrente. (fls. 319, 391 e 395, entre outras).
5. O próprio Tribunal, sempre confiou na Avó Materna do Menor, aqui recorrente, dando-lhe esperanças em relação à custódia de seu neto, ao ponto de ter permitido que o pequeno A, passasse as épocas de Natal e Fim de Ano de 2006 e 2007, durante cerca de três semanas em cada ano com a aqui recorrente (cfr. fls. 206 e fls 398);
6. Como se alcança de fls. 495 e pontos 77 a 79 do Acórdão recorrido, a avó materna, “é cuidadosa, responsável e demonstra preocupação com o menor; tem sido assídua nas visitas ao neto, realiza duas visitas semanais ao neto, mostrando-se afectuosa e interessada durante a visita. Presta todos os cuidados e interage com o menor, falando com ele e estimulando-o a explorar a sala. Por seu lado, o menor reconhece a avó e fica contente com a sua presença, decorrendo as visitas num clima de tranquilidade.”
7. A Ajuda de Berço, mostrou confiar na avó do menor, ao permitir que, nas visitas de domingo, o pequeno saísse à rua com a recorrente. Tudo com rigoroso cumprimento das regras impostas pela instituição (cfr. fls. 360, que relatava a existência de 95 visitas até 01.10.2007, com cumprimento do plano de visitas acordado), sendo certo que sempre deu parecer favorável às estadias do pequeno em casa da avó (fls. 201)
8. Como se alcança de fls. 461, a recorrente, avó do menor, desenvolveu, com bom desempenho, diversas tarefas, algumas das quais ligadas ao apoio a crianças, na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (entre 25.07.2002 e 29.05.2004).
9. O Tribunal recorrido ao decidir pela adopção do menor, errou na apreciação da prova, já que deu ouvidos a técnicas que se limitaram a relatar (prova indirecta) aquilo que alegadamente lhes terá chegado aos ouvidos. Ainda que estejamos perante um processo de jurisdição voluntária, certo é que o Tribunal recorrido, violou os princípios de oralidade e da imediação, ao considerar provada matéria que as técnicas referiram como verdadeira, sem atestar sequer da sua veracidade.
10. Como se alcança do ponto 73 dos factos provados, avó e mãe do menor, estão separadas desde 31.07.2007 (fls. 315, 344 e pag 10 do Acórdão recorrido), pelo que não se vislumbra, como é que o Tribunal deu como provado que “a avó é ambivalente, com discurso contraditório, grande carga de culpa por ter dado aso a toda a situação que levou à institucionalização do neto, não consegue afastar da sua vida e da do seu neto, a ingerência negativa da filha (…)” Por outro lado, dos autos não há notícia de qualquer incidente, ocorrido depois de 31.07.2007.
11. Ao dar como provada a matéria descrita nos pontos 86 e 87 do Acórdão recorrido, sem prova cabal nem recurso a uma perícia psicológica ou até do foro psiquiátrico à própria avó, o Tribunal violou os mais elementares princípios de direito e processo civil.
12. Só pode qualificar-se alguém, com segurança científica, como ambivalente ou com discurso contraditório, quando submetido a exames do foro psicológico. Ora, no caso vertente, a avó materna do menor nunca foi submetido a qualquer exame, tendo o Tribunal recorrido baseado a sua convicção, no “diz que disse”, de algumas das testemunhas do Ministério Público.
13. Submeta-se a avó materna a exames psicológicos e depois, se se concluir pela sua incapacidade parental, pela sua ambivalência e discurso contraditório e se tal for decisivo para a inibir de criar o seu neto, então encaminhe-se o menor para a adopção. Até lá e sem a realização de tais exames é prematuro que se tirem tão enviusadas conclusões.
14. Em todo o processo, a recorrente sempre prestou toda a colaboração, tendo comparecido a todas as entrevistas para que foi convocada. Enquanto viveu com sua filha (até 31.07.2007) e sempre que as relações entre ambas não eram as melhores, a recorrente dizia-o a quem a entrevistava. Se as relações da avó com a progenitora eram pacíficas, tal era referido com toda a honestidade.
15. Chamar ambivalente a quem (sem avaliação psicológica) “nuns dias umas coisas e noutros dias diz outras” quando é notório que os alegados conflitos (do passado) entre avó e progenitora não eram diários, ocorrendo sempre que a mãe do menor se encontrava descompensada e deprimida é porque domina muito pouco o campo da psicologia.
16. Se a entrevista (das Técnicas com a Avó) decorria em períodos em que as relações eram pacíficas, a avó respondia que não havia incidentes. Caso contrário, respondia que os havia, tanto que pediu ajuda. A mesma ajuda que a traiu e encaminhou seu neto para a adopção. Se esta coerência é doença, tornando a recorrente incapaz de cuidar de seu neto, então estaremos certamente todos muito doentes e absolutamente incapazes de criar e cuidar de menores ou outros incapazes.
17. Como se demonstrou, a recorrente tem 52 anos, é viúva, trabalha como Auxiliar de Acção Médica há 22 anos, estando actualmente em funções no Hospital e está perfeitamente integrada, social, familiar e profissionalmente.
18. A recorrente sente uma grande afeição pelo neto, tendo plenas condições para criar e educar o menor com muito amor e carinho.
19. No aspecto afectivo, o menor encontra-se já muito ligada à recorrente.
20. A recorrente é pessoa perfeitamente estável emocionalmente, trabalha, tem residência certa (em casa arrendada), auferindo mensalmente os proveitos próprios da sua actividade (Euros 600,00) e de uma pensão de sobrevivência (Euros 740) cfr. fls. 368 e seguintes.
21. Está perfeitamente integrada, familiar, profissional e socialmente, não tem antecedentes criminais e tem lucidez, maturidade, estabilidade emocional e capacidade suficiente para se envolver e participar, como tem feito, na resolução dos problemas familiares do menor.
22. A casa da recorrente tem cómodos suficientes para todos, sendo composta por dois quartos, uma sala de jantar, uma cozinha e uma casa de banho, tendo perfeitas condições para que o menor possa crescer com saúde e alegria. A visita do menor que teve lugar no Natal de 2006, durante duas semanas, decorreu com normalidade, como se alcança dos autos. A avó materna do menor criou dois filhos, tendo muita experiência recente com crianças, por ter trabalhado na Misericórdia de Lisboa, entre 2001 e 2003.
23. A confiança do menor com vista à adopção, afigura, desumana, desajustada e desproporcionada, para além de violadora do P. da prevalência da família, plasmado no art. 4 alínea g da LPCJ.
24. É hoje doutrina e jurisprudência pacífica que, dentro das medidas previstas no art. 35 da LPCJP, apenas se deve equacionar a aplicação da seguinte se nenhuma das anterior não acautelar suficientemente o superior interesse do menor.
25. No caso dos autos, a medida prevista da alínea b), apoio junto da avó (art. 40), acautela suficientemente os superiores interesses do menor, pelo que, se deve afastar, a adopção.
26. O menor tem familiares vivos que querem acolhê-lo, como é o caso da recorrente, pelo deve afastar-se a aplicação das medidas previstas nas alíneas c) e seguintes do art. 35.
27. Os princípios orientadores previstos no art. 4 do mesmo diploma legal, aconselham a entrega do menor à avó materna do pequeno, devendo rejeitar-se a aplicação de todas as outras medidas.
28. Devem, por isso, interpretar-se correctamente os citados preceitos legais (arts 4 e 35 da LPCJP) em conformidade com o artigo 36 da Constituição de República Portuguesa, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que confie o menor à ora recorrente (art. 35 n.º 1 alínea b da LPCJP), ainda que inicialmente, por períodos experimentais de seis meses, renováveis, com monitorização das entidades competentes.
29. Quando se entenda que os autos ainda não contém elementos suficientes para aferir das competências parentais da recorrente e da inexistência de perigo para menor, deve ordenar-se a repetição do Julgamento com prévia realização das perícias necessárias à avó materna aqui recorrente.

Termos em que, com o Douto suprimento de Vossas Excelências ao ora alegado, fazendo-se uma correcta interpretação das normas legais invocadas e a melhor interpretação dos elementos dos autos, deve ser concedido provimento integral ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que confie o menor à ora recorrente (art. 35 n.º 1 alínea b da LPCJP), inicialmente, por períodos de seis meses, renováveis, com monitorização das entidades competentes.
Quando se entenda que os autos ainda não contém elementos suficientes para aferir das competências parentais da recorrente e da inexistência de perigo para menor, deve ordenar-se a repetição do Julgamento com prévia realização das perícias necessárias à avó materna aqui recorrente.”

O Ministério Público contra alegou pronunciando-se no sentido da manutenção da decisão recorrida tendo elaborado as seguintes conclusões:
“III. Conclusões:
a) Não foi dado cumprimento ao dever de concisão final formulado no art 690 n 1 do C.P. Civil, pelo que se deverá ponderar a possibilidade regulada no na 4 do citado artigo.
b) A factualidade dada como apurada no aresto impugnado harmoniza-se com a prova produzida em julgamento.
c) A conflituosidade existente entre a requerente e a sua filha, progenitora do menor, devidamente comprovada nos autos, é a razão primordial para que o menor não lhe seja confiado.
d) Não reunindo a mãe condições, inexistindo membro da família alargada disposto ou com condições para a guarda do menor, não estando a requerente capaz de assegurar o desenvolvimento fisico e psíquico a que o menor tem direito, não se verificam nenhum dos vicios apontados.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

Os factos dados como provados pelo tribunal a quo são os seguintes.
1) O menor A nasceu no dia 15-08-2006 no Hospital Condes de Castro Guimarães do Centro Hospitalar de Cascais, em Cascais. – certidão de nascimento de fls. 91 e 92
2) É filho de F com a paternidade omissa até 19-09-2006, data em que foi averbada a perfilhação efectuada por B, de 19 anos. – certidão de nascimento de fls. 91 e 92
3) A progenitora foi sujeita a dois internamentos compulsivos em valência de psiquiatria por razão de problemas desse foro que lhe foram assinalados, um em Novembro de 2004 o outro em Março de 2005, e foi ainda conduzida compulsivamente duas vezes em 2005 (uma em Março a outra em Dezembro) à urgência de psiquiatria do Hospital S. Francisco Xavier. – fls. 48 a 52, 54, 59 a 61.
4) Entre 29-11-2004 e 10-12-2004 a progenitora teve o primeiro internamento compulsivo de urgência no Hospital de Miguel Bombarda, determinado pelo Tribunal de Almada e confirmado pelo Tribunal Criminal de Lisboa, com diagnóstico de “síndroma depressivo reactivo à morte do pai, isolamento social, bizarrias de comportamento, traços obsessivos de comportamento”. Findo o internamento, teve alta medicada. – fls. 48 a 52 e fls. 148
5) Mais tarde, entre 30 de Março e 14 de Abril de 2005, a progenitora conheceu o segundo período de internamento, mas desta feita no Hospital de São Francisco Xavier, após ter-lhe sido determinada a condução urgente e compulsiva à respectiva urgência de psiquiatria. – fls. 150 e 173
6) De ambas as vezes verificou-se a não adesão da progenitora ao acompanhamento psiquiátrico ambulatório prescrito no post-internamento.
7) A progenitora tem pendente processo de saúde mental junto do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Parede do Hospital de São Francisco Xavier, onde é seguida na consulta externa da Equipa Comunitária da Parede por transtorno afectivo bipolar, desde Maio de 2005. – fls. 172
8) No decurso da gravidez foram-lhe agendadas 3 consultas de preparação na Associação “Ajuda de Mãe”, tendo a progenitora faltado à totalidade. – fls. 116
9) Entre finais de 2005 e inícios de 2006 foram-lhe marcadas 6 consultas de saúde mental, tendo a progenitora faltado a cinco. – fls. 35
10) No dia 30-12-2005 a Autoridade de Saúde determinou uma segunda condução urgente e compulsiva à urgência de psiquiatria do Hospital de São Francisco Xavier por a progenitora apresentar “um quadro delirante e agressivo que põe em risco a saúde pessoal e de terceiros, bem como pessoais e alheios”, não tendo a progenitora sido internada por o psiquiatra que avaliou a mesma ter considerado não estarem satisfeitos os critérios para o internamento compulsivo. – fls. 158 e 173
11) O percurso de vida da progenitora caracteriza-se por grande irregularidade nos estudos e no trabalho. – relatório de fls. 41 e ss
12) Inicialmente vista como rebelde, houve-se tal como sendo característico da idade. – relatório de fls. 41 e ss
13) Estudou até ao 9º ano de escolaridade e optou por não continuar nos estudos. – relatório de fls. 41 e ss
14) À progenitora foram assinalados distúrbios mentais tendo a mesma iniciado consumos de álcool, após o que passou a maltratar a sua mãe e, como consequência de tal, a relação familiar foi-se deteriorando. – relatório de fls. 41 e ss
15) Saiu de casa da sua mãe, e mudou-se para a do seu pai. Após breve período este mandou-a sair devido ao seu comportamento de violência e de incumprimento de regras. – relatório de fls. 41 e ss
16) A progenitora regressou, então, ao agregado materno mas por pouco tempo pois iniciou actividade laboral numa loja sita em Oeiras, tendo-se mudado para a casa da sua avó que do menor A é bisavó. – relatório de fls. 41 e ss
17) A avó da progenitora ausentou-se para outra localidade após algum tempo de vivência em comum e deixou a progenitora do menor a viver sozinha sob pretexto de não aguentar viver com esta por entender que era desmazelada na limpeza da casa e que tinha actuação violenta. – relatório de fls. 41 e ss
18) Pouco tempo depois a progenitora deixou o dito emprego e voltou para a casa da sua mãe. – relatório de fls. 41 e ss
19) Após a morte do seu pai, a progenitora foi viver para a casa que fora deste. – relatório de fls. 41 e ss
20) Vendida essa casa, com a parte que lhe coube em herança, a progenitora instalou-se numa habitação arrendada na zona de Cascais. Sem ocupação nem rendimentos, viveu a um nível material incompatível com as suas possibilidades e nisso esgotou a recebida herança. – relatório de fls. 41 e ss
21) Após algum tempo, eram a sua mãe e o companheiro desta quem pagava a renda à progenitora, mas com a morte desse companheiro a situação material deixou de o proporcionar, pelo que a casa foi deixada e a progenitora voltou para a casa da avó materna do menor, sua mãe. – relatório de fls. 41 e ss
22) A avó materna do menor foi fazer limpeza ao apartamento onde vivera a progenitora antes de o entregar ao senhorio e deparou com o que descreve como uma casa imunda, da qual retirou o que estima serem 600 sacos de lixo acumulados pela sua filha. – relatório de fls. 41 e ss
23) A progenitora do menor encontrou depois emprego no Hospital de Cascais, mas foi dispensada algum tempo mais tarde devido a conflitos com outras trabalhadoras. – relatório de fls. 41 e ss
24) O seu trabalho seguinte teve a duração de alguns meses e foi num cinema de Carcavelos explorado por T, onde iniciou um relacionamento amoroso com o filho da patroa, de 37 anos de idade e doente psiquiátrico. Devido à ingestão de álcool, deteriorou-se a relação laboral e a progenitora viu-se dispensada. – relatório de fls. 41 e ss
25) Então grávida, inicialmente verbalizava que o pai da criança era o filho da patroa. Contactou-o para lhe comunicar que dele estava grávida. – relatório de fls. 41 e ss
26) A progenitora apresenta-se a maior parte das vezes descompensada com oscilações frequentes de humor.
27) A progenitora viveu períodos maioritários em casa de sua mãe, avó do menor.
28) Entre ambas, progenitora e avó do menor, decorre uma situação de grave conflito pautada por actos de violência da primeira sobre a segunda, tratando-se de uma situação de comportamentos compulsivos de agressividade, perpetrados pela progenitora e direccionados apenas para a sua mãe a quem culpabiliza de tudo o que de negativo lhe acontece. – relatório de fls. 41 e ss
29) A progenitora do menor manipula a sua mãe, exige-lhe dinheiro, agride-a e não respeita a organização doméstica. – relatório de fls. 41 e ss
30) As exigências de dinheiro eram diárias e a avó materna do menor cedia para evitar a instalação de discussões intermináveis. – relatório de fls. 41 e ss
31) Com a aproximação do parto intensificaram-se as disfuncionalidades com constantes agressões da progenitora à avó materna, a qual passou a temer que a sua filha, por essa razão, cometesse grave acto contra alguma de ambas, ou contra o filho que estava para nascer. – relatório de fls. 41 e ss
32) É a avó materna do menor que, em 24 de Janeiro de 2006, assinala junto do Centro Hospitalar a situação da progenitora, então grávida, referindo que esta tinha uma doença do foro psiquiátrico. – relatório de fls. 15 e ss
33) No dia 16 de Agosto de 2006, um dia após o nascimento do menor, a avó do mesmo, após ter sido contactada pelo Centro Hospitalar, referiu ter receio de receber a filha em casa pois teme que esta não tenha capacidade para prestar os cuidados necessários ao recém-nascido e que canalize para este os maus tratos a que ela tem sido sujeita, afirmando que, enquanto a filha não estabilizar ao nível psiquiátrico, não a recebe em casa. – relatório de fls. 15 e ss
34) Mesmo antes do parto, a avó materna do menor já verbalizava temer pela segurança do bebé que vinha a caminho, achando que a progenitora não tinha competências parentais, aliado à instabilidade de humor e de agressividade, e que não receberia a filha em casa, em relação a quem se sente impotente. – relatório de fls. 24 e ss
35) Após o nascimento do menor, a autoridade hospitalar não deu alta social à criança, pelo que esta permaneceu internada no serviço de pediatria da unidade de saúde onde nasceu, se bem com alta clínica. – relatório de fls. 15 e ss
36) A equipa de enfermagem informou a progenitora que esta poderia permanecer no Centro Hospitalar enquanto o filho não tivesse alta, tendo sido esta a opção da referida progenitora. – relatório de fls. 15 e ss
37) A avó explicou à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, num atendimento realizado a 18-08-2006, não ter condições, económicas, nem psicológicas, para receber a progenitora acompanhada do neto em sua casa mas ressalvou a disponibilidade para apoio em fins-de-semana se se verificasse o acolhimento institucional da criança ou de ambos, mãe e filho. – fls. 189 e ss
38) Já num atendimento ocorrido no CPCJ de Cascais no dia 21-08-2006 a avó do menor revelou estar disposta a receber em sua casa a sua filha e o seu neto, referindo, para essa mudança de atitude, medo da reacção da filha, o facto de estar disposta a esquecer o passado e acreditar na mudança da filha e afecto que sente pelo neto. – fls. 189 e ss
39) Interveio a referida CPCJ de Cascais, deliberando aos 31-08-2006 a aplicação de uma medida de promoção e protecção de acolhimento do bebé em Centro de Acolhimento, por um período de seis meses, mas a progenitora não prestou consentimento para tal. – fls. 8 e ss
40) Por despacho de fls. 67 e ss, datado de 22-09-2006, o Tribunal de Família e Menores de Cascais decidiu aplicar a favor do menor uma medida provisória de acolhimento em instituição.
41) No dia 27-09-2006 o menor foi transferido do Centro Hospitalar para o Centro de Acolhimento Temporário “Associação Ajuda de Berço, em Lisboa. – fls. 82 e 89
42) A medida foi reapreciada, e mantida, por despacho de fls. 263, datado de 12-04-2007.
43) A avó materna labora como auxiliar de acção médica no Hospital, das 08h00 às 16h00, após o que trabalha em serviços domésticos em duas casas até às 19h30, não dispondo de tempo bastante para cuidar de um bebé. – relatório de fls. 213 e ss
44) O rendimento mensal da avó do menor, na ordem dos € 1.000,00 mensais e com o encargo fixo de € 408,00 de renda de casa, segundo a mesma acentuou perante os serviços sociais, não lhe permite prover ao sustento da filha e do neto. – relatório de fls. 213 e ss
45) Após anos a queixar-se perante os serviços sociais, nomeadamente o Centro Comunitário da Paróquia, de ser quotidianamente maltratada pela filha, e perante a autoridade de saúde de que a filha necessitava ajuda psiquiátrica, em declarações, que prestou a 18-10-2006, neste Tribunal perante o Curador de Menores e a Magistrada Judicial que a inquiriu veio a avó materna declarar que não existe relação de conflito entre si e a sua filha, que não há conflitos por causa de dinheiro, nunca contactara os serviços para sinalizar a situação da filha, nunca dissera que não queria nem filha, nem neto em sua casa e entendia que a filha era competente para cuidar do menor. – acta de fls. 116 e ss
46) A avó materna do menor tem muito medo da progenitora, sua filha, e apresenta um discurso diferente consoante está na presença desta ou não. Na presença da filha refere que está tudo bem e que o relacionamento de ambas é bom; na ausência dela revela medo e incapacidade para se relacionar com a filha de modo adequado, e confirma que esta não tem condições para assumir o menor, embora na presença da filha diga o contrário. – acta de fls. 259 e ss
47) Numa entrevista realizada a 04-10-2006 a ambas a progenitora e avó materna do menor em conjunto, perante a técnica da “Associação Ajuda de Berço” onde o menor está acolhido desde 27-09-2006, a avó afirmou que desconhecia o motivo pelo qual as senhoras técnicas haviam encaminhado o seu neto para a Ajuda de Berço.
48) Já numa 2ª entrevista somente com a avó materna, realizada a 30-11-2006 perante a mesma técnica, aquela assumiu ter dificuldades com a filha.
49) Numa entrevista realizada a 13-05-2007 perante a mesma técnica da “Associação Ajuda de Berço” com progenitora e avó, ambas afirmam que tudo está bem entre elas.
50) Já a 18-07-2007, numa entrevista realizada perante a mesma técnica e só com a presença da avó do menor esta apresentou-se queixosa em relação à filha.
51) E numa entrevista realizada na “Associação Ajuda de Berço” a 21-10-2007 perante a mesma técnica e só na presença da avó do menor, esta colocou a hipótese de entregar o menor à mãe, sua filha, se esta melhorar.
52) Numa entrevista realizada perante a mesma técnica a 31-10-2007 e só na presença da progenitora esta afirmou que não se importa que a filho vá para a avó se essa for a única maneira de o tirar da Ajuda de Berço.
53) A 22 de Novembro de 2007, no Tribunal de Família e Menores de Cascais, em sede de conferência para acordo, e perante a Magistrada Judicial e o Curador de Menores a progenitora declarou não aceitar a entrega do seu filho à sua mãe, avó do mesmo. – acta de fls. 362 e ss
54) Por carta dirigida ao processo e com entrada em juízo a 17-12-2007 a progenitora veio declarar que aceita, pretende e aprova que o filho seja entregue à guarda e cuidados de sua mãe, avó do menor. – fls. 396
55) A avó materna do menor foi vítima de violência doméstica perpetrada durante anos pelo pai dos seus dois filhos, a Ana Rita, mãe do menor A, e o irmão desta L. – relatório de fls. 213 e ss
56) Quando o pai da A e do L abandona o lar para ir viver com outra mulher, tinha aquela 12 anos de idade, a sua mãe, avó do menor, viu-se forçada a acumular dois trabalhos para sustentar o respectivo agregado o que a afastou bastante do acompanhamento educativo dos filhos, sendo uma mãe consequentemente ausente. – relatório de fls. 213 e ss
57) Como compensação pela sua ausência diária derivada dos horários laborais, a mãe da A e do L dava bens materiais a estes. – relatório de fls. 213 e ss
58) O irmão da progenitora do menor, L, que é 7 anos mais novo, desde os 11 anos de idade que demonstrou um comportamento problemático ao nível da toxicodependência, mantendo um relacionamento difícil com a mãe e irmã. – relatório de fls. 213 e ss
59) Aos 23 anos de idade o L é detido por prática de crime de homicídio encontrando-se há três anos a cumprir uma pena de 9 anos no Estabelecimento Prisional. – relatório de fls. 213 e ss
60) O mesmo esteve internado há poucos meses na Unidade de Psiquiatria do Hospital Prisional de Caxias por alegada tentativa de suicídio. – relatório de fls. 213 e ss
61) A progenitora padece de doença Bipolar Tipo II e carece de “insight” em relação a si e às suas relações interpessoais, que tendem a ser superficiais, assumindo por vezes formas de funcionamento manipulativo perante a satisfação de necessidades pessoais. – relatório do exame pericial complementar de psicologia de fls. 306 e ss
62) A personalidade da progenitora foi caracterizada como não conformista, com dificuldade em incorporar valores e normas sociais, com tendência à conflitualidade com as figuras de autoridade e alguma imaturidade, sendo que as situações de stress agudizam a ansiedade e os conflitos tornando-os manifestos. – relatório do exame pericial complementar de psicologia de fls. 306 e ss
63) A 05-08-2007 numa visita que ambas a progenitora e a avó do menor fizeram a este na “Associação Ajuda de Berço” a progenitora agarrou no filho retirando-o dos braços da avó exclamando “não pegas mais no meu filho”. A avó do menor manteve-se inerte e terminou a visita mais cedo com medo que ainda viesse a ser agredida pela filha.
64) Na sequência de tal, as visitas de mãe e avó do menor passaram a processar-se separadamente.
65) A paternidade do menor chegou a ser atribuída pela progenitora a diferentes companheiros, em diversas alturas, assumindo que manteve relacionamentos amorosos de curta duração, simultâneos ou coincidentes, com duas ou três pessoas, subvalorizando este tipo de situação. – relatório de fls. 213 e ss 66) Durante a gravidez e mesmo nos dias a seguir ao parto, a progenitora verbalizava que o pai do seu filho era o filho da patroa do cinema de Carcavelos onde trabalhou algum tempo, de nome Alexandre Semedo.
67) No entanto, no dia 19-09-2006 o menor foi perfilhado por um indivíduo de Carcavelos, de nome B, então com 19 anos, desempregado e com o 8º ano de escolaridade incompleto, não tendo o menor, por razões não apuradas, passado a ter os apelidos do perfilhante. – certidão de nascimento do menor e ainda relatório de fls. 253 e ss
68) O pai registal do menor declarou que não deseja ser pai, nem deseja assumir compromissos com a mãe da criança com quem teve um contacto ocasional que durou apenas um mês. – relatório de fls. 213 e ss
69) Desde o início da gravidez que a progenitora do menor assume o filho como um seu projecto individual e não pretende que o pai do filho desempenhe um papel activo nos aspectos educativos do bebé. – relatório de fls. 213 e ss
70) O pai registal visitou a instituição onde o menor está acolhido no dia 27-02-2007, por insistência dos serviços sociais dessa instituição. Depois disso não voltou a visitar a criança, nem os seus próprios pais (avós paternos) alguma vez visitaram o menor. – fls. 274 e 275, e acta de fls. 280 e ss
71) O pai registal manifesta desinteresse pela situação do menor. Faltou às declarações agendadas para 26-04-2007, fls. 269, sem justificação, e nunca compareceu na ECJ de Cascais, apesar de regularmente convocado. – fls. 274 e 275 e acta de fls. 269
72) O pai registal declarou perante este Tribunal que não pretende assumir a guarda do menor por entender que não tem condições para o efeito. – acta de fls. 280 e ss
73) A 31 de Julho de 2007 a progenitora saiu de casa da sua mãe, avó do menor, por esta a ter expulso na sequência de um aceso conflito entre ambas em que a progenitora terá agredido física e verbalmente a sua mãe, sendo necessária a intervenção da PSP da zona da residência. – fls. 315 e relatório de fls. 344 e ss
74) A avó do menor refere que aquando da saída da sua filha de casa esta tinha retomado o consumo de bebidas alcoólicas, que não acatava qualquer orientação desta e que era agressiva para consigo. – relatório de fls. 344 e ss
75) A progenitora passou a viver numa casa abandonada, em situação de elevada precariedade social e a passar fome. – relatório de fls. 344 e ss
76) Solicitou o apoio económico da mãe, que numa primeira fase lho recusou mas que depois passou a acompanhá-la a um supermercado para comprar-lhe algum alimento. – relatório de fls. 344 e ss
77) A avó do menor tem sido assídua nas visitas ao seu neto. Realiza duas visitas semanais à criança, mostrando-se afectuosa e interessada durante a visita. Presta todos os cuidados e interage muito com o menor, falando com ele e estimulando-o a explorar a sala. – informação de fls. 495 e ss
78) Por seu lado, o menor reconhece a avó e fica contente na sua presença, decorrendo as visitas num clima de tranquilidade. – informação de fls. 495 e ss
79) A avó materna é cuidadosa, responsável e demonstra preocupação pela situação do menor, aliada a uma culpabilização pelo facto de ter denunciado e assumido a sua incapacidade em lidar com o comportamento da filha perante os serviços da segurança social e outros a intervir na área das crianças em risco. – informação de fls. 495 e ss
80) Ao longo dos 19 meses de acolhimento do menor, a avó tem expressado grande preocupação pela dificuldade em não conseguir “controlar” o comportamento da filha – consumos de álcool, cenas de violência doméstica, não adesão aos serviços de saúde. – informação de fls. 495 e ss
81) Existe uma disfuncionalidade grave de relacionamento entre a avó e a mãe do menor, da qual este tem que ser salvaguardado. – informação de fls. 495 e ss
82) A progenitora também tem sido assídua nas visitas que efectua ao filho, mostrando-se afectuosa com a criança e prestando-lhe todos os cuidados. – relatório de fls. 253 e ss
83) Durante as visitas da progenitora, o menor mostra-se tranquilo e bem disposto. – relatório de fls. 253 e ss
84) No final das visitas quer da avó, quer da progenitora, o menor aceita a saída da família sem qualquer sinal de ansiedade ou tristeza. – relatório de fls. 253 e ss
85) Mesmo após a saída da progenitora da casa da sua mãe, em 31-07-2007, a relação entre ambas continua altamente conflituosa, não sendo a avó capaz de conter a filha, nem gerir uma relação que há anos é fonte de maus tratos e de desgaste.
86) A avó do menor é ambivalente, com um discurso contraditório e uma grande carga de culpa por ter dado aso a toda a situação que levou à institucionalização do neto.
87) A avó materna não consegue afastar da sua vida e da do seu neto a ingerência negativa da filha que não aceita tratar-se, nem consegue manter um emprego estável.

Objecto do recurso
Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex. vi do artº 713, nº2, do mesmo diploma legal.

Nas conclusões recursórias a avó da criança e ora recorrente refere que “o Tribunal recorrido ao decidir pela adopção do menor, errou na apreciação da prova, já que deu ouvidos a técnicas que se limitaram a relatar (prova indirecta) aquilo que alegadamente lhes terá chegado aos ouvidos. Ainda que estejamos perante um processo de jurisdição voluntária, certo é que o Tribunal recorrido violou os princípios de oralidade e da imediação, ao considerar provada matéria que as técnicas referiram como verdadeira, sem atestar sequer da sua veracidade.
Por outro lado considera que o tribunal a quo deu como provados factos que se contradizem, quando refere que:

“Como se alcança do ponto 73 dos factos provados, avó e mãe do menor, estão separadas desde 31.07.2007 (fls. 315, 344 e pag 10 do Acórdão recorrido), pelo que não se vislumbra, como é que o Tribunal deu como provado que “a avó é ambivalente, com discurso contraditório, grande carga de culpa por ter dado aso a toda a situação que levou à institucionalização do neto, não consegue afastar da sua vida e da do seu neto, a ingerência negativa da filha (…)”

Por outro lado, dos autos não há notícia de qualquer incidente, ocorrido depois de 31.07.2007.
Ao dar como provada a matéria descrita nos pontos 86 e 87 do Acórdão recorrido, sem prova cabal nem recurso a uma perícia psicológica ou até do foro psiquiátrico à própria avó, o Tribunal violou os mais elementares princípios de direito e processo civil.”

VEJAMOS:
Dentro dos preditos parâmetros, dado o teor das conclusões recursórias, o objecto do recurso está circunscrito por um lado à impugnação da decisão da matéria de facto na parte em que impugna os factos constantes dos pontos 86 e 87 da matéria de facto provada, que são os seguintes:
86) A avó do menor é ambivalente, com um discurso contraditório e uma grande carga de culpa por ter dado aso a toda a situação que levou à institucionalização do neto.
87) A avó materna não consegue afastar da sua vida e da do seu neto a ingerência negativa da filha que não aceita tratar-se, nem consegue manter um emprego estável.
E tal contradição na óptica da recorrente, resulta de o tribunal também ter dado provado que “Como se alcança do ponto 73 dos factos provados, avó e mãe do menor, estão separadas desde 31.07.2007 (fls. 315, 344 e pag 10 do Acórdão recorrido)”.
Por outro lado entende a recorrente que para ter dado provada aquela matéria teria de ter submetido a recorrente a perícia médica.

Ora, se bem atentarmos não há qualquer contradição nos mencionados factos, que, de resto, melhor se compreendem quando compaginados com os factos 45 a 54 provados que se transcrevem para melhor entendimento.

“ -45) Após anos a queixar-se perante os serviços sociais, nomeadamente o Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos, de ser quotidianamente maltratada pela filha, e perante a autoridade de saúde de que a filha necessitava ajuda psiquiátrica, em declarações, que prestou a 18-10-2006, neste Tribunal perante o Curador de Menores e a Magistrada Judicial que a inquiriu veio a avó materna declarar que não existe relação de conflito entre si e a sua filha, que não há conflitos por causa de dinheiro, nunca contactara os serviços para sinalizar a situação da filha, nunca dissera que não queria nem filha, nem neto em sua casa e entendia que a filha era competente para cuidar do menor. – acta de fls. 116 e ss
46) A avó materna do menor tem muito medo da progenitora, sua filha, e apresenta um discurso diferente consoante está na presença desta ou não. Na presença da filha refere que está tudo bem e que o relacionamento de ambas é bom; na ausência dela revela medo e incapacidade para se relacionar com a filha de modo adequado, e confirma que esta não tem condições para assumir o menor, embora na presença da filha diga o contrário. – acta de fls. 259 e ss
47) Numa entrevista realizada a 04-10-2006 a ambas a progenitora e avó materna do menor em conjunto, perante a técnica da “Associação Ajuda de Berço” onde o menor está acolhido desde 27-09-2006, a avó afirmou que desconhecia o motivo pelo qual as senhoras técnicas haviam encaminhado o seu neto para a Ajuda de Berço.
48) Já numa 2ª entrevista somente com a avó materna, realizada a 30-11-2006 perante a mesma técnica, aquela assumiu ter dificuldades com a filha.
49) Numa entrevista realizada a 13-05-2007 perante a mesma técnica da “Associação Ajuda de Berço” com progenitora e avó, ambas afirmam que tudo está bem entre elas.
50) Já a 18-07-2007, numa entrevista realizada perante a mesma técnica e só com a presença da avó do menor esta apresentou-se queixosa em relação à filha.
51) E numa entrevista realizada na “Associação Ajuda de Berço” a 21-10-2007 perante a mesma técnica e só na presença da avó do menor, esta colocou a hipótese de entregar o menor à mãe, sua filha, se esta melhorar.
52) Numa entrevista realizada perante a mesma técnica a 31-10-2007 e só na presença da progenitora esta afirmou que não se importa que a filho vá para a avó se essa for a única maneira de o tirar da Ajuda de Berço.
53) A 22 de Novembro de 2007, no Tribunal de Família e Menores de Cascais, em sede de conferência para acordo, e perante a Magistrada Judicial e o Curador de Menores a progenitora declarou não aceitar a entrega do seu filho à sua mãe, avó do mesmo. – acta de fls. 362 e ss
54) Por carta dirigida ao processo e com entrada em juízo a 17-12-2007 a progenitora veio declarar que aceita, pretende e aprova que o filho seja entregue à guarda e cuidados de sua mãe, avó do menor. – fls. 396”
Ora analisando toda a factualidade assente logo se vê inexistir a invocada contradição.

No mais não vem impugnada mais matéria fáctica pois que a recorrente não indicou que concretos meios probatórios constantes do processo ou da gravação nele realizada impunham decisão diversa da adoptada, limitando-se a referir que impunham decisão diversa remetendo apenas para documentos e depoimentos de testemunhas estando, por isso vedada a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Efectivamente, o que se pretende é uma reapreciação total da prova produzida em primeira instância – prova pericial, documental e testemunhal – o que, salvo o devido respeito, não é permitido à recorrente nos termos em que o faz.
Quando se impugna determinado facto dado como provado o artigo 690º-A impõe um ónus especial de alegação que envolve, como explicita o seu n.º 2, a indicação dos concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios em que se baseia a impugnação, e que se destina a assegurar que a parte fundamente minimamente a sua discordância em relação ao decidido, identificando os erros de julgamento que ocorreram na apreciação da matéria de facto.
O art. citado ao exigir tal concretização pretende evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, expediente que ademais poderia ser utilizado pelas partes apenas com intuitos dilatórios (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, Coimbra, pág. 465).
Ora, a recorrente (exceptuando aqueles dois artigos 86 e 87) não diz concretamente qual a matéria factica incorrectamente julgada limitando-se a discordar quanto ao modo como o tribunal apreciou e valorou a prova.

A recorrente não impugnou os factos que o tribunal considerou assentes por referência aos concretos meios de prova -testemunhal e pericial, limitando-se a formular opiniões sobre o modo como foram elaborados.

No entanto porque de um processo de jurisdição voluntária se trata apreciaremos se o tribunal a quo não deveria ter considerado tais factos em face daquela prova indicada globalmente pelo recorrente.
Analisando a decisão verificamos que a mesma está abundantemente fundamentada de facto como se alcança do seguinte excerto:

.

“Fundamentação:
A convicção do colectivo gizou-se na globalidade dos depoimentos ouvidos em sede de debate judicial aliados aos documentos e relatórios juntos aos autos.
Concretizando e relativamente aos factos que se basearam em relatórios ou outros documentos os mesmos estão assinalados à frente do facto a que respeitam.
Os restantes factos, e mesmo alguns dos factos assentes em documentos, foram dados por provados com base nos inúmeros testemunhos prestados.
(…)
Foi também de extrema importância o depoimento da testemunha Dr.ª D que é assistente social no Centro Comunitário e autora dos relatórios de fls. 12 e ss, 24 e ss, 41 e ss e 165 e SS. Esta técnica acompanhou durante anos a avó materna do menor que lhe pedia sistematicamente socorro. Chegou a assistir a uma cena de agressão entre mãe e filha, tendo de se meter no meio para evitar que a A atingisse a mãe. Esta testemunha relatou os anos de conflitualidade existentes entre estas duas pessoas e afirmou, convictamente, que a relação entre avó materna e progenitora do menor é patológica, uma relação de amor-ódio da qual a avó não se consegue libertar tanto mais que sofre dos complexos de culpa e de vitimização.
As restantes técnicas ouvidas (…) que acompanham o caso confirmaram o teor dos respectivos relatórios e declarações já prestadas em sede de instrução.
As testemunhas arroladas pela avó do menor não contribuíram para a formação da convicção do colectivo uma vez que não conheciam que a avó materna se dava muito mal com a filha, e que esta tinha sequer problemas, limitando-se a relatar que a avó materna é uma pessoa trabalhadora, dócil, uma boa amiga e muito delicada o que não se põe em causa sendo certo, no entanto, que estas características de personalidade da avó materna, revelam ser apenas parciais face ao comportamento assumido por esta ao longo dos anos – ora diz uma coisa, ora diz outra – e não são suficientes para, por si só, contrariar os restantes factos ou de inquinar a confiança deste colectivo no parecer de todas as senhoras técnicas.
Quanto à perícia psiquiátrica temos a referir o seguinte: em primeiro lugar a mesma desilude-nos uma vez que se baseia essencialmente nas declarações da própria examinanda demonstrando claro desconhecimento da factualidade subjacente a toda a dinâmica familiar existente ao longo de anos entre mãe e filha.
Por outro lado, a dita perícia está em flagrante oposição, de forma isolada e única, em relação a todos os outros pareceres constantes dos autos, inclusive em relação à perícia complementar psicológica.
Por fim, a perícia psiquiátrica faz assentar a sua conclusão de que a criança possa regressar ao meio familiar no pressuposto de haver tratamento e vigilância da progenitora o que esta rejeita e sempre rejeitou, pelo que, cai, pela base, as conclusões de tal perícia.

Relativamente à relação actual entre progenitora e avó relevaram todos os depoimentos prestados pelas técnicas ouvidas em sede de debate judicial, a saber as Sras. técnicas da ECJ, a assistente social do Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos, que conhece a dinâmica familiar desde antes do nascimento do menor, e as Sras. Drªs, da Ajuda de Berço, que acompanham a situação hoje e desde há 19 meses de internamento do menor.

Todas estas pessoas, de uma forma ou de outra, com conhecimento directo dos factos e de modo isento, afirmaram que a relação entre mãe e filha é conflituosa, tratando-se de uma relação “amor-ódio” em que a avó, embora sistematicamente mal tratada pela filha, não consegue não só libertar-se de tal relação, como nunca conseguiu controlar a filha, deixando que esta a agredisse e a mal tratasse.
Trata-se, conforme referiram algumas das senhoras técnicas, de uma relação patológica e fora de controle, mesmo estando as duas aparentemente a viver em casas separadas, o facto é que a A não tem emprego estável, depende da sua mãe economicamente e não se trata a nível psiquiátrico.
(…)
Concluímos assim que o tribunal valorou livremente a prova testemunhal (que, note-se, provém de pessoas que acompanharam a situação e se revelaram conhecedoras, há alguns anos, da relação conflituosa entre a recorrente e a sua filha, (mãe da criança) não tendo, portanto, um conhecimento indirecto, superficial e pontual).
Também a prova pericial foi analisada de modo crítico e fundamentado, sendo certo que o tribunal não está vinculado à perícia psiquiátrica que está elaborada de forma a não ter como interesse fundamental o interesse da criança que é o que está em causa nos autos.
Toda a abordagem da perícia está direccionada para o interesse da progenitora que, naturalmente, não se pode confundir com o interesse da criança. No entanto, também esta perícia está em oposição com a perícia complementar psicológica e com todos os pareceres que dos autos constam como bem se refere na sentença, a fls 528.

Por outro lado o relatório das técnicas foi apreciado livremente pelo tribunal em conjugação com a demais prova, como da fundamentação consta, não havendo qualquer suspeita de que tal relatório não seja imparcial.

Vejamos agora em face da factualidade provada o acerto da decisão de direito.

O artigo 1978º n.º 1 do C. Civil fixa os casos em que a confiança de menor a casal, pessoa singular ou a instituição, com vista a futura adopção, pode ser decidida pelo Tribunal. Entre outros, estipula-se na alínea d) que o Tribunal pode confiar o menor se os pais, por acção ou omissão, puserem em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor em termos que pela sua gravidade, comprometam seriamente os vínculos afectivos próprios da filiação.

A confiança judicial protege o interesse do menor de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, pois torna desnecessário o consentimento dos pais ou do parente ou tutor que, na sua falta, tenha o menor a seu cargo e com ele viva. O processo de integração da criança na nova família poderá assim decorrer com mais serenidade e sem incertezas que poderão prejudicar toda a necessária adaptação – Cons. Gomes Leandro – "O Novo Regime Jurídico da Adopção", pág. 273; "Curso de Direito da Família" – Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, 2ª Ed., I, pág. 57.

Esta protecção é uma garantia constitucional, porque o artigo 36º da Constituição expressamente reconhece no seu n.º 6 que os filhos poderão ser separados dos pais quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles, como é aqui o caso.

A adopção, por seu lado, tem consagração constitucional no n.º 7 do mesmo artigo.

Saliente-se que o direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos (n.º 5 do artigo 36º) é um direito-dever, estabelecido, tal como todos os poderes – deveres, ou poderes – funcionais, fundamentalmente, no interesse dos filhos, não constituindo um puro direito subjectivo dos pais. Princípio esse que subjaz igualmente na Convenção sobre os Direitos da Criança.

Diga-se finalmente que por maus tratos não se entende só a agressão física ou psicológica, mas também "o insucesso na garantia do bem-estar material e psicológico da criança, necessário ao seu desenvolvimento saudável e harmonioso" – Dr. Campos Mónaco – "A Declaração Universal dos Direitos da Criança e seus Sucedâneos Internacionais", Coimbra Editora, 2004, pág. 152.

Revestindo os presentes autos a natureza de processo de jurisdição voluntária (artigo 100.º da Lei nº 147/99), não estando, por isso, o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita e considerando o disposto no artigo 4.º, alínea a) da mesma lei, que consigna o princípio fundamental da obediência ao interesse superior da criança será este o critério primordial a ter em conta na apreciação do caso subjudice.

O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos absolutamente amplos de forma a abarcar tudo o que envolva os legítimos anseios, realização e necessidades daquele nos mais variados aspecto: físico, intelectual, moral, religioso e social.
E este interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face duma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes.
A personalidade da criança constrói-se nos primeiros tempos de vida, isto é na infância, desenvolvendo-se na adolescência. Infância e adolescência são estádios fulcrais no desenvolvimento do ser humano, revelando-se fundamental que a criança seja feliz e saudável para que venha a ser, na idade adulta, um ser equilibrado e feliz.
São os pais que têm em primeiro lugar uma influência decisiva na organização do Eu da criança. Quem exerce as funções parentais deve prestar os adequados cuidados e afectos.
E, se atento o primado da família biológica há que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vê que há possibilidade destas encontrarem o seu equilíbrio, há situações em que tal já não é possível, ou pelo menos já o não é em tempo útil para a criança.
Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção.
Esta visão plasmada na nossa lei da adopção (Lei 31/2003 de 21 de Agosto) está presente em importantes instrumentos jurídicos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em matéria de adopção e de crianças.
A criança é titular de direitos e o interesse da criança é hoje o vector fundamental que deve influenciar a aplicação do direito.
Importa, pois, ter em conta a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação, tendo presente que o interesse da criança não se pode confundir com o interesse dos pais ou de terceiros (família alargada).
É certo que o processo de promoção e protecção deve subordinar-se ao princípio da prevalência da família segundo o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família ou que promovam a sua adopção (a adopção sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, mesmo depois da tentativa de integração na família alargada) – veja-se o artigo 4º al. f), g) e i) da. da LPCJP, em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e liberdades Fundamentais e na Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989.
No entanto tal princípio não é absoluto.
Situações há em que e apesar dos laços afectivos inegáveis entre pais e filhos, aqueles põem em perigo grave a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento dos filhos.
Não porque não os amem mas porque não têm capacidade para os proteger e para lhes proporcionar as condições essenciais ao seu desenvolvimento saudável.
Não podemos olvidar que há um meio envolvente de cada criança que facilita ou impede a organização da sua vida psíquica.

Postas estas considerações de âmbito geral, passemos ao caso concreto:
E a questão a apreciar no recurso, como já foi referido, é a de saber se o tribunal a quo, com aquela matéria fáctica poderia ter aplicado, como aplicou, a medida de confiança judicial a instituição com vista a futura adopção do menor, neto da recorrente.
O processo de promoção e protecção é de jurisdição voluntária devendo, como qualquer decisão, conter a fundamentação que consiste na enumeração dos factos provados e não provados, bem como a sua valoração e a exposição das razões que justificam a aplicação de determinada medida de promoção e protecção.
A decisão recorrida encontra-se estruturada com relatório, fundamentação de facto e de direito, descrevendo os factos provados, com uma exposição da respectiva motivação e com fundamentação de direito, indicando-se as disposições legais aplicáveis.
Não padece de erro de construção visto conter fundamentação de facto e de direito e os seus fundamentos não estão em oposição com a decisão.
Senão vejamos:

De acordo com o disposto no art.º 35.º, n.º 1, al.ªs a) e g) da L.P.C.J.P., na redacção introduzida pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, constitui medida de promoção e protecção o apoio junto dos pais e a confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção.
Estabelece o art.º 1978.º do Código Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, que:
“Com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se o menor é filho de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) Se os pais tiveram abandonado o menor;
d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;
e) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade ou a continuidade daqueles vínculos durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.”
Do n.º 2 do citado normativo legal resulta que na verificação das situações previstas no n.º 1, o tribunal deve atender prioritariamente aos interesses do menor.
Por fim, do n.º 3 do mesmo normativo resulta que se considera existir uma situação de perigo quando se verificar alguma das situações qualificadas pela legislação relativa à promoção e protecção dos interesses dos menores.
O desinteresse distingue-se do abandono porquanto este representa um comportamento activo – afastamento – em que existe já a quebra do vínculo afectivo da filiação. Por outro lado, o desinteresse pressupõe uma situação omissiva mas em que ainda há contacto com o menor, gerando-se a dúvida acerca da manutenção ou não do vínculo afectivo da filiação.
O perigo que enquadra o disposto no al.ª d) do citado art.º 1978.º do Código Civil tem necessariamente de traduzir-se na acção ou omissão susceptível de criar um dano grave na segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento do menor. O perigo exigido nesta alínea é aquele que se apresenta descrito no art.º 3.º da L.P.C.J.P., sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável. Apesar de apenas se prever a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares.
Refira-se que a “não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação”, postulado no corpo do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil é um requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas.
Por isso é condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva – independentemente de culpa da actuação dos pais – de qualquer das situações descritas no n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil.
No caso concreto que nos ocupa, e tendo em conta que estamos perante um processo de promoção e protecção, a verificação da situação de perigo foi já ponderada aquando da prolação da decisão de aplicação da medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição.
Passemos, pois, a analisar se in casu, se verifica alguma das situações estabelecidas no art.º 1978.º do Código Civil, analisando
De entre as várias medidas de promoção e protecção previstas pela L.P.C.J.P., algumas há que quase de forma automática devem ser afastadas dada a sua inaplicabilidade ao caso concreto.
Assim, é inaplicável a medida de apoio para autonomia de vida, atenta a tenra idade do menor – cfr. art.ºs 35.º, n.º 1, al.ª d) e 45.º, ambos da L.P.C.J.P.
Também se nos afigura que o acolhimento familiar previsto nos art.ºs 46.º a 48.º da L.P.C.J.P. não se adequa à presente situação e às necessidades concretas do menor, dada a sua durabilidade estar limitada no tempo. O mesmo ocorre com o acolhimento em instituição.. Institucionalizado já o menor se encontra e até há demasiado tempo(desde Setembro de 2006 –facto 40 provado) sem que sequer tivesse estado alguma vez aos cuidados da família-(note-se que passou curtos períodos com a recorrente).
Igualmente a medida de confiança a pessoa idónea não tem possibilidades de aplicação in casu, pois, que não se apurou que o menor tenha estabelecido uma qualquer relação de confiança e de afectividade com outros que não os funcionários da instituição, inexistindo, portanto, uma terceira pessoa que esteja em posição de s acolher.
Ficamos, pois, com as medidas de promoção e protecção de apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar e de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção.
A medida de apoio junto dos pais consiste em proporcionar à criança apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica – art.º 39.º da L.P.C.J.P..
A medida de apoio junto de outro familiar consiste na colocação da criança sob a guarda de um familiar com quem resida ou a quem seja entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica – art.º 40.º da L.P.C.J.P.
Quanto à medida de apoio junto de outro familiar, desde já adiantamos que face à factualidade dada como demonstrada, entendemos que a mesma não preenche, nem satisfaz os interesses do menor.

Senão vejamos:
Não foi possível encontrar um projecto de vida para esta criança que passasse pela família biológica – a mãe revelou-se incapaz- tem uma patologia do foro psiquiátrico que a torna incapaz e o pai (registral)é um ausente, não se assume como pai.
Por outro lado da família alargada não há ninguém que reúna as condições necessárias para o acolher e cuidar do seu desenvolvimento harmonioso.
Tudo isso foi criteriosamente analisado na decisão não nos merecendo qualquer discordância.
Na verdade a relação da avó, ora recorrente, com a mãe da criança- que tem graves problemas do foro psiquiátrico e que recusa tratar-se- é de conflitualidade não sendo a avó capaz de conter a filha nem gerir uma relação que há anos é fonte de maus tratos e de desgaste.-vg o facto 28, 29, 85 provado.
Confiando-se a criança à avó correr-se-ia o risco de perpetuar e até agravar esse constante relacionamento conflituoso sendo a criança vítima desse relacionamento mal resolvido.
Não se pode esquecer que um bebé ou uma criança pequena só terá futuro como ser humano saudável (física e mentalmente )se desde bem cedo(ainda no útero materno)o meio envolvente – mãe, pai, família for facilitador da sua maturação. Tão simples como isto, a qualidade de vida do adulto depende daquilo que foi a sua vivência nos primeiros anos de vida. Os filhos não podem ser vistos como objectos funcionais que servem para um fim específico dos próprios pais.
Uma criança tem direito a uma mãe disponível, a um pai presente e a um espaço próprio na casa de família.
Não ignoramos que a avó da criança sinta grande tristeza ao verificar que um tribunal confia o seu neto a uma instituição com vista à futura adopção porque o menor é do seu sangue. Mas não são os laços de sangue que tornam as pessoas aptas a cuidar, tratar e criar crianças, principalmente crianças que desde o nascimento foram confiadas a uma instituição porque não havia família que as acolhesse. –factos 40 a 42.
Nem dos autos resulta- pois que nenhuma documentação superveniente o atesta - que existam actualmente condições mínimas que permitam concluir com alguma certeza que a criança ficando entregue à avó poderá desenvolver-se saudavelmente do ponto de vista psíquico. Pois sendo a mãe da criança doente do foro psiquiátrico -com tal gravidade que existe uma disfuncionalidade grave de relacionamento entre avó e mãe da criança- esta estaria sempre em situação de risco. É que, como é óbvio, a mãe da criança existe e poderá aparecer a qualquer momento não sendo a avó capaz de evitar essa aproximação e muito menos de controlar o comportamento da filha que como é bem patente na documentação médica é uma doente bipolar.-relatório fls. 306 e ss e que, sem tratamento (que recusa) se torna agressiva. Note-se, de resto, que a própria avó foi vítima de maus tratos do marido e sabe-se que há uma translação intergeracional da violência (o que explicará, também, a agressividade da mãe da criança em relação à avó/ recorrente) não obstante o quadro de doença psiquiátrica de que padece a mãe da criança e a sua recusa em tratar-se, interrompendo a medicação, o que associado a consumo de álcool potencia essa agressividade).

Ora esta criança precisa urgentemente de uma família de qualidade de uma mãe e de um pai capazes de lhe proporcionarem o direito ao afecto que permita que o seu psiquismo se organize, se estruture e se desenvolva de forma saudável.
A nova Lei de Promoção e Protecção veio de algum modo agilizar a adopção evitando a enormidade de tempo perdido em processos clássicos de adopção com os a consequentes danos gravíssimos para a criança que não deveria ter de esperar tanto para ter o direito a uma família que a ame.
No caso concreto terá sido equacionado, em determinada fase do processo, uma alternativa à medida que, afinal, veio a ser decretada. Com efeito, terá sido posta a possibilidade de confiar a criança à avó/ recorrente( está documentado nos autos o desacordo existente entre a recorrente e a sua filha quanto à confiança da criança àquela) mas tal opção veio a se afastada após realização de debate instrutório e em face da prova produzida.
E, podemos dizê-lo, de forma inteiramente acertada pois que no quadro factual assente seria um erro confiar a criança à avó recorrente.
Não porque não lhe tenha afecto ou porque seja incapaz de cuidar do neto mas porque o relacionamento entre a mãe da criança e a avó (a mãe da criança existe e pode aparecer a qualquer momento) iria comprometer seriamente a possibilidade desta criança se desenvolver saudavelmente, pois que uma patologia grave no meio familiar -como é comprovadamente o caso – terá, necessariamente, um peso no desenvolvimento e equilíbrio psicológico desta ou de qualquer criança.
Ainda aqui é de saúde mental que falamos pois é um acto elementar de inteligência pensar que mais do que alimento uma criança necessita de se sentir segura e protegida.

CONCLUINDO:
Perante os elementos factuais disponíveis constantes dos autos, e tal como se explanou na decisão recorrida, mostram-se seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação biológica verificando-se, assim, os requisitos legais para a medida decretada – art. 35, nº1, Al. g), 38ºA e 62º A da LPCJP e 1978, nº1, do C. Civil medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, revelando-se a mesma proporcionada e adequada, atendendo em primeira linha ao superior interesse da criança, conforme bem se fundamentou na decisão recorrida.

III – Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 21 de Outubro de 2008.
Maria do Rosário Barbosa
Rosário Gonçalves
José Augusto Ramos