Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1309/03.7TBSCR.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECISÃO EXPLICATIVA
RESPONSABILIDADE CIVIL
AUTOESTRADA
DEVER DE VIGILÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.–No caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, havendo lugar à reapreciação da prova gravada, tendo o recorrente omitido a indicação precisa do início e do termo das concretas passagens da gravação visadas, mas tendo procedido, no corpo das alegações, à transcrição dos excertos dos depoimentos que pretende ver reapreciados, entende-se que cumpriu suficientemente aquele ónus, que lhe é imposto pelo art. 640º, nºs 1, al. b) e 2, al. a) do CPC.

2.–Na pronúncia do tribunal sobre um determinado enunciado de facto podem ocorrer diversas situações, quais sejam a de o julgador o considerar totalmente provado ou não provado ou, então, proferir sobre ele uma decisão de natureza restritiva ou explicativa.

3.–Por via de uma decisão explicativa, concretiza-se um facto com utilidade para a decisão da causa, mantendo-se a mesma dentro do enunciado formulado, mas explicitando-se, no entanto, o seu conteúdo, sem que, porém, uma tal decisão possa ampliar ou extravasar a factualidade articulada pelas partes, sob pena de não poder ser considerada por incorrer em excesso de pronúncia.

4.–É da responsabilidade da concessionária de uma autoestrada ou de uma via rápida, a manutenção das vias concessionadas em bom estado de conservação e boas condições de utilização, operacionalidade e segurança, bem como a realização de todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam.

5.–Sobretudo em alturas de condições atmosféricas adversas, não satisfaz o dever de vigilância a que alude o art. 493º do CC, o mero patrulhamento em veículos automóveis, sem se proceder a uma observação minuciosa, por técnicos competentes, da área a fiscalizar, como seja a estrada e os taludes contíguos a esta, de modo a que seja possível constatar as possibilidades de perigo que entretanto possam ocorrer para quem circule na autoestrada.

(Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade - art. 663º, nº 7, do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


1–RELATÓRIO:


Fernando Jorge ... ... instaurou a presente ação declarativa de condenação contra VIA... – Concessões Rodoviárias da  Madeira, S.A., alegando, em síntese, que no dia 18 de Novembro de 2001, cerca da 20h45, circulava na Via Rápida, no sentido Santa Cruz/Funchal, conduzindo a sua viatura automóvel, com a matrícula XX-XX-XX[1], quando embateu numa pedra de grandes dimensões que se encontrava no meio da hemi-faixa por onde seguia, atento o seu sentido de marcha.

Tratava-se de uma pedra que de desprendeu de um talude e que já se encontrava no solo estradal havia muito tempo, com referência à data atrás indicada.

Na sequência desse embate, o JB sofreu estragos que o impossibilitaram de circular, pelo que, desde então, o autor está privado da sua utilização.

A ré é a responsável pela operacionalidade e segurança da via estradal onde o JB embateu na pedra, não tendo realizado as diligências necessárias à prevenção do descrito acidente.

É, por isso, a ré, a responsável pelo embate do JB naquela pedra, já que não cuidou de vigiar as condições de segurança de circulação naquela via, pelo que deve reparar os danos sofridos pelo autor em consequência do sinistro.

O autor conclui pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe «uma quantia não inferior a € 29.383,12, sendo € 21.883,12 a título de danos materiais e € 7.500,00 a título de danos morais, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal contados a partir da data do acidente».
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A ré contestou, alegando, também em suma e com interesse, que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade na produção do acidente a que se reportam os presentes autos.

Uma patrulha da ré havia inspecionado o local do sinistro pouco antes do mesmo ocorrer, não tendo detetado a existência de qualquer pedra no solo.

Por outro lado, o autor seguia a uma velocidade «imoderada» que não lhe permitiu fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

Por contrato de seguro celebrado com a Companhia de Seguros ...-..., S.A., à data do acidente a ré tinha transferido para aquela seguradora a responsabilidade civil decorrente da atividade que exerce, devendo, por isso, ser considerada parte ilegítima para os termos da presente causa.

Deduziu o incidente de intervenção principal provocada daquela seguradora.

Conclui pugnando para que:
- seja julgada parte ilegítima para os termos da ação, com a  sua consequente absolvição da instância; caso assim se não entenda,
- a ação seja julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
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O autor apresentou articulado de réplica, na qual:
1- pugna pela improcedência da matéria de exceção;
2- requer a alteração simultânea da causa de pedir e do pedido, acabando por pedir que a ré seja condenada a pagar-lhe:
a)- a quantia de € 21.883,12, correspondente ao valor da reparação do JB, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento;
b)- a quantia de € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento;
c)- a quantia diária de € 10,00, pela privação do uso do veículo, a contar da data do acidente e até à sua efetiva reparação, em total a liquidar em sede execução de sentença;
d)- a quantia anual de € 1.500,00, pela desvalorização automática do veículo, de acordo com as regras do mercado automóvel, a contar da data do acidente e até à sua reparação, em total a liquidar em sede de execução de sentença, mas até ao limite máximo do valor do veículo à data do acidente (€ 25.000,00).
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Foi admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros ...-..., S.A., a qual aderiu ao articulado de contestação apresentado pela ré.
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Na sequência da fusão da interveniente Companhia de Seguros ...-..., S.A. na ... – Companhia de Seguros, S.A., foi esta última admitida intervir no processo em substituição daquela, nos termos do art. 276º, nº 2, do CPC/95-96.
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Foi dispensada a realização da audiência preliminar prevista no art. 508º-A, do CPC/95-96, tendo sido proferido despacho que:
- saneou processo, julgando improcedente a exceção dilatória consistente na ilegitimidade da ré para os termos da ação;
- admitiu a ampliação da causa de pedir e do pedido;
- fixou a matéria de facto assente e elaborou a base instrutória.
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Na sequência da subsequente tramitação dos autos, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, por não provada, com a consequente absolvição da ré e da interveniente, da totalidade dos pedidos formulados pelo autor.
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Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, concluindo as respetivas alegações do seguinte modo:
1.– O contrato de compra e venda de veículo automóvel não está sujeito a qualquer formalidade específica, operando a transferência da respectiva propriedade por mero efeito do contrato, o qual é válido mesmo quando celebrado verbalmente, sendo a obrigatoriedade do registo declarativa ou funcional e não constitutiva de direitos (cfr. acs. da RP de 21/09/2006 e do S.T.J. de 16/12/2010, supra citados).
2.– Por outro lado, quem está na posse de uma coisa presume-se que é titular do direito correspondente aos actos que pratica sobre ela, pelo que que se alguém exerce a posse sobre um veículo automóvel e o vem usando e fruindo como seu dono, ininterruptamente, durante um certo lapso de tempo, à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém goza da presunção de que é titular do direito de propriedade sobre tal veículo (cfr. idem).
3.– Mostra-se provado nos autos que Conforme resulta do Relatório de Turno, a Ré foi informada pelo menos às 20h12 horas do dia do acidente, por um utente, da queda da pedra na qual o veículo do Autor veio a embater; que No dia 18 de Novembro de 2001 (…), o A. circulava (…), na sua viatura (…), e que O A. circulava (…) quando (…), a sua viatura automóvel, embateu numa pedra que se encontrava no meio da hemifaixa da sua circulação (…) - (cfr. pontos 2.1.4, 2.1.5 e 2.1.7 da sentença, sublinhados nossos).
4.– Tais factos mostram-se corroborados pelo depoimento da testemunha, Fernando ... ... da ..., e confirmados pelas declarações de parte do Recorrente, Fernando Jorge ... ..., ambos prestadas no dia 10/10/2016, supra transcritos e para os quais se remete.
5.– Não obstante o depoimento da referida testemunha e as declarações de parte do Recorrente serem claros quanto à propriedade e à posse do veículo automóvel em causa, o Tribunal a quo veio a entender que a versão desta testemunha, bem como do A. em sede de declarações de parte, não foram credíveis, por vagas, imprecisas e contraditórias, ficando sem se perceber se o A. era funcionário da testemunha, ou se eram colegas de trabalho, não se percebendo como é que o A. fez o pagamento do preço da viatura, tendo em conta que apenas teria um ordenado de 150.000$00, e a decidir que os elementos dos autos não permitem concluir que o Recorrente era o possuidor do veículo (cfr. págs. 12 e 13 da sentença).
6.– Assim, não só se verifica contradição insanável entre os factos dados como provados na sentença recorrida e o decidido, como se verifica que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova, fazendo uma apreciação arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento no que à titularidade do veículo automóvel em causa diz respeito, ao arrepio das regras da experiência, existindo clara desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão proferida, o que consubstancia erro de julgamento, o qual o Recorrente invoca expressamente e para todos os efeitos.
7.– Aliás, além de o aludido Fernando ... de ... ..., ouvido pelo Tribunal, ter inequivocamente afirmado não ser o dono da viatura em causa, mas sim o Autor, tendo apenas intervindo, no âmbito de uma relação de confiança, em nome e a pedido deste, ou seja, nos termos de um verdadeiro negócio fiduciário, tal descrição não só coincide com o depoimento do Autor, como também com as circunstâncias do próprio acidente, em que este conduzia o veículo, e ainda com as próprias despesas de manutenção do mesmo, reportadas a data anterior ao acidente.
8.– Sendo que nenhuma prova foi produzida contrariando a versão unívoca dos factos do Autor e do aludido Fernando, mais se verifica que, além de juridicamente enquadrada no referido negócio fiduciário, a compra, designadamente por motivos bancários, formalmente em nome de terceiro, que não é o real dono, e, designadamente, não é quem efectivamente paga, quem efectivamente suporta os respectivos encargos, e quem efectivamente possuiu, corresponde a uma prática relativamente comum, e da qual, à luz das próprias regras da experiência comum, se impõe concluir que é dono quem efectivamente se comporta como tal – ou seja, no caso, o Autor.
9.– Face ao exposto, deve ser dado como provado, não o que consta provado sob o ponto 2.1.6., desde logo no que toca às expressões “por Fernando ... de ... ...” e “ao referido Fernando ...”, mas sim e pelo contrário, o que especificamente constava do quesito 2 da Base Instrutória, reportado à propriedade do Autor sobre o veículo em causa, isto é, deve considerar-se provado o facto de que o Autor é o proprietário e o possuidor do veículo com a matrícula XX-XX-XX.
10.– Do mesmo modo, e em conformidade, ao invés do ponto 2.2.3. da sentença ora recorrida, e em relação ao artigo 13º da Base Instrutória, deve ser dado como provado que “Desde a data do acidente que o A. ficou privado da sua viatura” (cfr. prova oral gravada supra transcrita e relatório pericial).
11.– Em relação à matéria dos artigos 14º e 15º da Base Instrutória, deve ser dado como provado pelo menos que “com a colisão, o A. ficou atordoado” e “apanhou um susto enorme”, pois, no mínimo, é isso que resultou, confirmando o depoimento do próprio Autor, do depoimento das testemunhas que imediatamente após o acidente com ele contactaram – as testemunhas Ricardo ... ... ..., Fernando ... ... ... e Hélder ... ... de ..., cfr. respectivos depoimentos nas partes acima transcritas.
12.– Por outro lado, compete à Ré a responsabilidade de garantir a segurança da circulação rodoviária na via rápida em causa, e designadamente garantir que sobre a mesma não caiam pedras, competindo-lhe proteger a via de modo a permitir que o tráfego se realize e flua com segurança, impendendo sobre ela a obrigação de tudo fazer para que tal aconteça (cfr. Lei 24/2007, art. 12º).
13.– Salienta-se que a Ré, nos termos da lei, responde por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da concessão em causa, pela culpa ou pelo risco (cfr. DLR 21-A/99/M, e acs. da R.P. de 13/10/2015, da RC de 24/03/2015 e do STJ de 14/03/2013, supra citados).
14.– Como resulta dos autos, e concretamente dos factos supra transcritos dados como provados, para os quais se remete, a Ré, não alegou e nada provou no sentido da demonstração, em concreto, de ter cumprido com as respectivas obrigações, designadamente no que toca à segurança da via em causa.
15.– Na verdade, não tendo sido dado como provado o artigo 35º da Base Instrutória (cfr. 2.2.8. da sentença recorrida), fica por saber, tal como o Tribunal a quo expressamente afirma, de que modo é que a pedra na qual embate o veículo do Autor surge na via rodoviária em causa e cuja guarda e vigilância incumbe à Ré, o que impede a sindicância da adequação ou não de quaisquer diligências que esta tenha empreendido ou pudesse empreender no cumprimento daquele seu dever.
16.– Aliás, não deixa de ser impressivo que, tendo a Ré pugnado no sentido da inexistência até à data de qualquer risco de queda de pedras do talude em causa, nenhuma explicação sequer aventou para o sucedido, e, concretamente, para a proveniência da pedra em causa e quanto ao modo pelo qual veio a aparecer na via à sua responsabilidade.
17.– Verifica-se, assim, que a Ré não ilidiu a presunção legal de culpa que sobre a mesma recai, pelo que responde em termos de responsabilidade civil extracontratual por omissão de deveres de prevenção, vigilância e cuidado.
18.– De onde ao decidir pela absolvição da Ré dos pedidos, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, o qual o recorrente invoca expressamente e para todos os efeitos.
19.– No tocando aos danos, em função do valor da reparação apurado, cfr. ponto 2.1.13. da Sentença, a Ré responde perante o Autor pelo valor de capital de € 21.883,12 (ao qual acrescem os respectivos juros), sendo este o dano efectivo pelo mesmo sofrido à data do acidente, face ao princípio da reconstituição natural – sendo que, seguindo a explicação dada pelo Sr. Perito Feliciano ... ... ... (ouvido na audiência de 20/09/2016), supra transcrita, a respeito da matéria que veio a ser dada como provada pelo Tribunal a quo sob o ponto 2.1.44., a dificuldade da reparação da viatura em causa é actual e alheia ao próprio Autor.
20.– Verifica-se, por outro lado, ser adequado o montante peticionado a título de danos não patrimoniais (€ 7.500,00, ao qual acrescem os respectivos juros), face à matéria de facto provada, considerando ainda o que acima se disse a respeito da matéria dos artigos 14º e 15º da Base Instrutória.
21.– Finalmente, mostra-se ainda peticionada a condenação da Ré a pagar ao Recorrente a quantia diária de € 10,00, pela privação de uso do veículo em causa, a contar da data do acidente e até à sua efectiva reparação, a liquidar em sede de sentença, sendo que, por outro lado, se mostra provado que o veículo não foi reparado, com a inerente privação de uso do mesmo por aquele, a qual se constitui, em si mesma, como um dano indemnizável (cfr. acs. do STJ de 08/05/2013 e da RL de 19/04/2016, supra citados).
22.– Assim, provado que se mostra que o veículo em causa não foi reparado, com a inerente privação de uso do mesmo desde a data do acidente, e consubstanciando tal privação de uso, em si mesma, um dano indemnizável, impõe-se concluir que o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, dando como não provado que o Recorrente, desde a data do acidente, não ficou privado da sua viatura, incorreu em erro de julgamento, o qual o Recorrente invoca expressamente e para todos os efeitos.
23.– Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a sentença recorrida de modo a se fazer Justiça.
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A interveniente apresentou contra-alegações, nas quais requer a ampliação do âmbito do recurso, impugnando a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo apelante, nos termos e para os efeitos do art. 636º, nº 2, 2ª parte, do CPC.

Conclui assim as respetivas contra-alegações:
1.– Ainda que o Autor tivesse recorrido da decisão de facto, com base na prova gravada, o Autor não cumpriu o disposto no art. 640º, nº1, al. s a), b), c), 2, al. a) do C.P.C., devendo ser rejeitada a alteração da matéria de facto nos termos propugnados pelo Autor.
2.– Caso assim não se entenda, dir-se-á que face a participação de acidente de viação de fls. 29 a 30 verso, deverão manter-se não provados os arts. 14º e 15º da base instrutória. (factos não provados nºs 2.2.4 e 2.2.5.)
3.– Nas alegações de recurso, o Autor invoca a contradição entre a decisão da matéria de facto e a fundamentação, dado que na fundamentação o tribunal considerou que não ficou provado que o veículo em questão fosse propriedade do Autor quando ficou consignado nos factos provados que o veículo era seu.
4.– Por outro lado, o Autor considerou que ficou provado que era o proprietário e possuidor do veículo, bem como que ficou provada a privação de uso da sua viatura, pelo que requereu a alteração da resposta dada aos quesitos 2º e 13º da base instrutória.
5.– Considera a Chamada que tendo o Venerando Tribunal a quo fundamentado porque motivo não ficou convencido que o veículo fosse propriedade do Autor à data do sinistro, a contradição deverá ser resolvida com a alteração da redacção da decisão da matéria de facto nos pontos referentes à propriedade, expurgando da mesma que o veículo era do Autor.
6.– Sendo certo que, para além de o Autor não ter alegado que era possuidor, ser “possuidor” é um conceito de direito, não tendo o Autor alegado na p.i. os factos materiais concretizadores do dito conceito jurídico.
7.– No que se refere à alteração defendida pelo Autor, no sentido de que deverá ficar provado que “Desde a data do acidente que o A. ficou privado da sua viatura”, considera a Chamada que deverá manter-se não provada, dado que inclusive não se apurou que o Autor era proprietário da viatura à data do acidente.
8.– De acordo com o disposto no art. 636º, nº2 do C.P.C. é admissível a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido.
9.– Para a eventualidade de as questões suscitadas pelo Autor serem julgadas procedentes, a Chamada requer a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, no que se refere aos factos provados nºs 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7, 2.1.8, 2.1.11., 2.1.13. (art. 636º, nº2 do C.P.C.)
10.– Foi impugnado que o veículo interveniente no sinistro pertencesse ao Autor (cfr. art.s 22º a 25º, 182º da contestação), sendo certo que no relatório de turno junto a fls. 261 e 262, não consta que o veículo de matrícula XX-XX-XX pertencesse ao Autor, pelo que não deveria ter ficado assente que: “Conforme resulta do Relatório de Turno, a Ré foi informada pelo menos às 20h12 horas do dia do acidente, por um utente, da queda da pedra na qual o veículo do Autor veio a embater” (alínea D. dos factos assentes, correspondente ao facto provado nº2.1.4);
11.– O facto de a dita matéria ter ficado assente não impede a sua modificação ulterior. (cfr. Assento do S. T. J. n.º14/94, de 26 de Maio, publicado no D.R. I-A, de 04/10/94, hoje com autoridade diminuída de acórdão de uniformização de jurisprudência).
12.– Nos pontos 2.1.4, 2.1.5. e 2.1.7 consta que o veículo em questão pertencia ao Autor (cfr. referências a “sua” viatura).
13.– Por seu turno, consta do facto provado nº 2.1.6 que a viatura havia sido adquirida por Fernando ... de ... ... à Diversauto.
14.– Considera a Chamada que não ficou provado nem que o veículo pertencesse ao Autor, nem que o Sr. Fernando ... de ... ... adquiriu a viatura à Diversauto.
15.– 15.Com base nos documentos de fls. 736 e 737, e nos documentos de fls. 685-a) a 685-g)), (informação e certidão emitida pela Conservatória do Registo de Automóveis do Funchal) dos quais resulta que o Autor não era proprietário do veículo à data do sinistro, deverá ser alterada a redacção dada aos factos provados nºs 2.1.4, 2.1.5., no que se refere à titularidade da viatura, dando-se igualmente por não provado o ponto 2.1.6., dado que não foi feita prova de que o Sr. Fernando ... de ... ... adquiriu a dita viatura da Diversauto, não tendo inclusive sido alegado e provado que a Diversauto era proprietária da viatura, legitimando as putativas “transmissões” posteriores, segundo o princípio “nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet”.
16.– Por outro lado, ficou provado no facto provado nº 2.1.5 que o Autor conduzia a viatura a velocidade não superior a 80Km/h, com base nas declarações de parte do próprio.
17.– Dado que mais ninguém confirmou a dita matéria, sendo o Autor parte interessada no desfecho do pleito, considera a Chamada que não foi produzida prova bastante no sentido de que o Autor circulava a velocidade não superior a 80Km/h, mas apenas que circulava a velocidade não concretamente apurada.

18.– Face ao exposto, deverá ser ampliado o âmbito do recurso a pedido do recorrido e ser alterada a resposta dada aos factos provados nºs 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7, considerando-se meramente provado que:
2.1.4.- “Conforme resulta do Relatório de Turno, a Ré foi informada pelo menos às 20h12 horas do dia do acidente, por um utente, da queda da pedra na qual o veículo de matrícula XX-XX-XX veio a embater”.
2.1.5.- No dia 18 de Novembro de 2001, entre as 20h12 e as 20h30m, na Via Rápida, no sentido Santa Cruz/Funchal, entre o túnel de Gaula e o posto de abastecimento da marca "Shell", o A. circulava, a velocidade não concretamente apurada, na viatura de marca "Mazda", MX-3.1.8, matricula XX-XX-XX (resposta ao art.º 1º da Base Instrutória);
2.1.7.- O A. circulava no sentido Santa Cruz/Funchal, quando, após a saída do túnel e ter percorrido uma lomba ligeira, a viatura automóvel embateu numa pedra que se encontrava no meio da hemifaixa da sua circulação (resposta ao art.º 3º da Base Instrutória);

19.– Deverá considerar-se integralmente não provado o ponto 2.1.6 dos factos provados.
20.– Os factos provados nº 2.1.8 e 2.1.11. foram considerados provados exclusivamente com base nas declarações de parte do Autor, parte interessada no desfecho da acção, não tendo sido confirmados por mais ninguém.
21.– Acresce que, o local do acidente tinha características retas, não existiu mais nenhum acidente no local, para além daquele em que interveio o Autor, sendo que o veículo em questão não deixou quaisquer rastos de travagem. (cfr. Min. 07:22 a 07:52, e min. 09:55 a 10:50 do depoimento do Sr. Chefe de Polícia Manuel ... ... ... ...; Min. 21:34 a 21:47 do depoimento de Ricardo ... da ... ...; Min. 17:00 a 17:12 do depoimento de Ricardo ... ... ...; Min. 13:20 a 13:31 do depoimento de João ... ..., Min. 00:30 a 02:52 do depoimento de Pedro de ... ... ... ...).
22.– Nessa medida, e porquanto não foi produzida prova suficiente da veracidade dos factos vertidos nos factos provados nº 2.1.8 e 2.1.11, sendo insuficientes as declarações de parte do Autor, deverá ser alterada a resposta dada, considerando-se os mesmos não provados. (art. 636º, nº2 do C.P.C.).
23.– Com base no relatório pericial de fls. 745 a 782 dos autos e dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito Feliciano ... ... ..., desde o min. 10:55 ao min. 11:34 do seu depoimento gravado na sessão de julgamento de 20-09-2016, com início às 10:02:44 e termo às 10:32:45, do qual resultam que o custo de reparação ascende a € 20.134,53, sendo que os danos em consequência do sinistro são inferiores aos descritos no orçamento de fls. 32 a 34, deverá alterar-se a resposta dada ao ponto 2.1.13 dos factos provados (resposta ao art. 12º da base instrutória), considerando-se provado que “Em consequência do acidente a viatura de matricula ...-...-... sofreu danos, cuja reparação foi orçamentada em €20.134,53”. (art. 636º, nº2 do C.P.C.)
24.– A eventual responsabilidade da Concessionária, Via..., por danos sofridos pelos utentes em consequência de acidente ocorrido na via concessionada, traduz-se numa responsabilidade extra-contratual, dependente da verificação dos pressupostos gerais mencionados no artigo 483º, nºs 1 e 2 do C.C., ou seja, a ilicitude, culpa, imputação do facto ao lesante, dano e o nexo de causalidade entre o acto e o dano.
25.– Sendo que, de acordo com o Código Civil, não se encontra prevista a responsabilidade pelo risco ou objectiva da concessionária em consequência de acidentes ocorridos na via concessionada.
26.– O dever da Via... de manter as vias concessionadas em boas condições de operacionalidade e de segurança é uma obrigação de meios e não de resultado, sendo que “Não lhe é exigível que tenha de assegurar, segundo a segundo, centímetro a centímetro, que em toda e qualquer auto-estrada não exista um obstáculo que possa pôr em perigo, de algum modo, a circulação dos veículos” Ac. do Trib. da Rel. do Porto (Proc. 9720068), de 26.06.97.
27.– A Lei nº24/2007 a que alude o Autor não é aplicável ao presente caso, não só porque não estava em vigor à data do sinistro (art. 12º do Código Civil), mas igualmente porquanto a ER 101, onde ocorreu o sinistro, não configura uma autoestrada, nem integra o Plano Rodoviário Nacional vigente. (cfr. art. 2º da aludida lei.
28.– O art. 35º da base instrutória, considerado não provado, foi invocado pelo Autor.
29.– Salvo o muito e devido respeito e melhor entendimento, não tendo ficado provado o modo como a pedra surgiu na via, o Autor não excluiu que a pedra poderá ter caído de um camião, cuja carga estava mal acondicionada.
30.– E refere o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-11-2002, Proc. nº 0221549, que: “Não tendo ficado provado o modo como uma pedra onde embateu determinado veículo ligeiro em circulação na A1 foi parar à via por onde circulava aquele veículo - não havendo, assim, forma de saber como é que a dita pedra (com a dimensão de 50 centímetros de comprimento por 15/20 centímetros de largura) foi arremessada para a referida A1 -, não existe culpa por banda da ré Brisa, como não existe nexo de causalidade entre a eventual conduta negligente daquela e os prejuízos causados naquele veículo ligeiro.” (in. www.dgsi.pt) (cfr. igualmente douto ac. do TRL de 22-02-2007, Proc. nº2536/2006-8)
31.– Sendo certo que a presunção instituída no art. 493º, nº1º do Código Civil, se reporta apenas a danos causados pelo imóvel e não no imóvel, inexistindo in casu qualquer presunção de culpa, a qual, a existir, sempre teria sido elidida, na medida em que os factos provados nºs 2.1.14 a 2.1.29, 2.1.35, 2.1.38 a 2.1.43 demonstram que a Demandada “Via...” cumpriu os seus deveres de concessionária, inexistindo facto ilícito e culposo da sua parte, pelo que deverá manter-se a decisão absolutória.
32.– Em caso de alteração da matéria de facto, dir-se-á que a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais limita-se àqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo que os danos invocados pelo Autor em sede de recurso não são indemnizáveis, ou caso assim não se entenda, o valor peticionado é manifestamente excessivo.
33.– Considera a Chamada que não ficou provado que o Autor era proprietário da viatura à data do sinistro.
34.– Compete às partes invocarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir, sendo que o Julgador encontra-se vinculado aos factos essenciais invocados pelas partes, sem prejuízo do disposto no nº 2 do art. 5 º do C.P.C., não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes. (art.264º, nºs 1e 2, art. 514º, nº1, a contrario, 660º, nº2 do C.P.C., na redacção em vigor à data da apresentação da p.i. a que correspondem os arts. 5º, nº1, 412º e 608º, nº2, do NCPC),
35.– Ser possuidor é um conceito jurídico, que não dispensa a alegação e prova dos factos materiais reveladores e concretizadores da situação possessória.
36.– Sucede que, conforme resulta da leitura da p.i. e da réplica, o Autor jamais alegou os factos materiais concretizadores da posse do veículo, sendo que o ónus da prova não dispensa o ónus da alegação.
37.– Pelo que, mesmo que se considerasse que a responsabilidade pela ocorrência do sinistro era imputável à Demandada “Via...”, o que jamais se concede, deveria a acção ser julgada improcedente por falta de um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual – a existência de dano para o Autor.
38.– Resulta da prova produzida que a reparação não seria possível, não só pela sua excessiva onerosidade, mas igualmente devido ao facto de não ser possível conseguir peças novas, sendo que o representante do Autor afirmou ao Sr. Perito que o Autor não pretendia reparar a viatura (cfr. (Min. 03:31 a 03:51; Min. 12:18 a 12:31; Min. 12:36 a 12:39; Min. 13:57 a 16:33; min. 16:30 a 18:34; Min. 18:38 ao min. 19:18 dos esclarecimentos do Sr. Perito Feliciano ... ... ...).
39.– Para além de que, ficou provado, e não impugnado, que o veículo tinha, à data do acidente, o valor de mercado de € 14.026,24, a reparação da viatura não é tecnicamente aconselhável, o veículo ...-...-... tem a matrícula cancelada desde 12-05-2008. (cfr. factos provados 2.1.36., 2.1.44, 2.1.45)
40.– É destituído de sentido, e sempre constituiria abuso de direito, atribuir-se ao Autor o valor do orçamento, quando, para além da excessiva onerosidade, o facto de não se conseguirem peças de substituição, conforme esclarecimentos do senhor perito, não sendo tecnicamente aconselhável a reparação, o certo é que o Autor, desde Janeiro de 2003, reside em Inglaterra (cfr. Min. 11:04 a 12:47 das suas declarações de parte prestadas na sessão de julgamento de 10-10-2016, na parte com início às 17:30:10 e termo às 17:48:22), encontrando-se a matrícula cancelada desde 12-05-2008 (facto provado nº 2.1.45), e referiu que o valor do orçamento é inclusive superior ao alegado valor da aquisição (Min. 08:55 a 09:13 das suas declarações de parte prestadas na sessão de julgamento de 10-10-2016, na parte com início às 17:30:10 e termo às 17:48:22).
41.– Acresce que o custo de reparação ultrapassa 120% do valor venal do veículo imediatamente antes do sinistro (€ 14.026,24), sendo certo que a reparação da viatura não é tecnicamente aconselhável, assim como o veículo XX-XX-XX tem a matrícula cancelada desde 12-05-2008 (cfr. factos provados nºs 2.1.36, 2.1.44, 2.1.45), pelo que deverá considerar ter existido uma situação de perda total.
42.– Pelo que, em caso de revogação da sentença absolutória, a Demandada e a Chamada não poderão ser condenadas no valor do orçamento, por não constituir uma solução justa, equitativa e economicamente viável, sendo pelo contrário desproporcional e excessivamente onerosa. (art. 566º, nº 1 do C.C.)
43.– Pelo que considera a ora Chamada que, atenta a matéria de facto dada como provada, o veículo se encontra em situação de perda total, não podendo existir condenação no valor orçamentado para a reparação, mas no máximo, no valor de mercado do veículo à data do acidente, ou seja, € 14.026,24.
44.– Considera a Chamada que não ficou provado que o Autor fosse proprietário do dito veículo, pelo que não teve qualquer dano a título de privação de uso da viatura. (cfr. ac. do Tribunal da Relação de Évora de 25-06-2009, Proc. nº 87/05.0TBADV.E1 e ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-11-2014, Proc. nº 271/07.1TBRGR.L1-1)
45.– Caso assim não se entenda, não deveria ser arbitrada qualquer indemnização pela privação do uso da viatura, dada a ausência de prova de um dano específico para o Autor. (cfr. ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2006, Proc. nº 05B4176, ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 08-06-2006, Proc. Nº 06A1497 e ac. do STJ de 30-10-2008, Proc. nº08B2662)
46.– No caso de revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão condenatória, a Chamada Seguradora apenas seria responsável pelo pagamento, em acção de regresso, da diferença entre o valor da condenação e o valor da franquia a cargo da Segurada, e na proporção da responsabilidade por si assumida no âmbito do regime de co-seguro contratado (80%). (cfr. fls. 233, 234, 241, 242, 258 e 259 dos autos)
Termos em que, deverá julgar-se improcedente o presente recurso e, em consequência, deverá ser mantida a douta sentença recorrida. Caso assim não se considere, deverá ser admitida a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, sendo alteradas as respostas dadas aos factos provados nºs 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7, 2.1.8, 2.1.11., 2.1.13., nos termos supra expostos, bem como deverão a Demandada e a Chamada serem absolvidas do pedido (…).
*

A ré apresentou igualmente contra-alegações, nas quais também requereu a ampliação do âmbito do recurso, impugnando a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo apelante, nos termos e para os efeitos do art. 636º, nº 2, 2ª parte, do CPC.

Conclui assim as respetivas contra-alegações:

Recurso da decisão da matéria de facto
1.– Não deve ser modificada a decisão da matéria de facto quanto ao artigo 2 da Base
2.– O Recorrente nem sequer cumpre o ónus imposto pelo art. 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do CPC, uma vez que não indica com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, o que deveria ser suficiente para a imediata rejeição do recurso quanto a esta parte.
3.– Ora, o tribunal recorrido não poderia ter dado outra resposta ao artigo 2.º da Base Instrutória, face à prova documental:
- Fls. 736 e 737 – informação da Conservatória do Registo Automóvel do Funchal que demonstra que o proprietário desde 05.11.1997 era Filipe Gomes da ..., ao qual sucedeu o Autor, mas em 09.06.2004, depois do acidente dos autos (18.11.2001) e até depois de instaurada a presente acção (28.11.2003);
- Fls. 739 – factura de venda do veículo em nome de Fernando ... ... ... data de 29.12.2000, no valor de 3.867.200$00;
- Fls. 15 – autorização de circulação de 19.07.2001 da Nissan que “declara… vendeu em 29.12.2000 ao cliente em epígrafe o veículo…”, sendo que o cliente em epígrafe é o n.º 23787, o mesmo número de cliente da factura de venda de fls. 739 supra mencionada, ou seja, a autorização de circulação tinha como destinatário Fernando ... ... ... e não o aqui Autor;
- Fls. 415 – certificado de seguro referente ao veículo, mas que tem a validade de 01.03.2001 a 01.05.2001, o seja, não estava válido à data do acidente dos autos, em 18.11.2001.
4.– E face às declarações de parte, prestadas depois de ouvidas as testemunhas, o Autor, Fernando Jorge ... ... (declarações prestadas no dia 10.10.2016, Ficheiro áudio: 20161010170817_961573_2871375.wma [00:01:20] a [00:16:15] e à prova testemunhal de Fernando ... de ... ... (depoimento prestado em 10.10.2016, Ficheiro áudio: 20161010152021_961573_2871375.wma [00:00:00] a [00:10:47] que não foram credíveis, por:
- contraditórias, quanto a serem ou não colegas de trabalho, quanto à origem da aquisição do veículo, se foi por sugestão da testemunha tal como declarado pelo Autor, se a pedido deste, tal como declarou a testemunha;
- por vagas e imprecisas, quanto à forma de pagamento do preço do veículo.
5.– Não foi exibido nenhum seguro automóvel em nome dos pais do Autor, nem qualquer autorização de circulação desta testemunha a favor do Autor ou qualquer declaração de transferência da propriedade assinada por aquela testemunha a favor do Autor. Aliás, o veículo nem sequer surge registado em nome da aludida testemunha.

6.– Não existe qualquer contradição entre o ponto 2.1.6 e o constante dos pontos 2.1.4, 2.1.5 e 2.1.7 dos factos dados como provados na sentença recorrida, nos quais se refere “veículo do Autor” e “na sua viatura”, facilmente se compreende que se trata de um mero lapso, decorrente da formulação dos correspondentes alíneas da matéria assente e artigos da matéria assente, a qual não foi rectificada ou actualizada em consequência da resposta dada ao artigo 2.º da Base instrutória, o que aqui se requer, como ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (art. 636.º, n.º 2 do CPC), passando os referidos pontos a ter a seguinte redacção:
- 2.1.4.- “Conforme resulta do Relatório de Turno, a Ré foi informada pelo menos ás 20h12 horas do dia do acidente, por um utente, da queda da pedra na qual o veículo de marca "Mazda", MX-3.1.8, matricula XX-XX-XX veio a embater” (alínea D. dos factos assentes);
- 2.1.5.- No dia 18 de Novembro de 2001, entre as 20h12 e as 20h30m, na Via Rápida, no sentido Santa Cruz/Funchal, entre o túnel de Gaula e o posto de abastecimento da marca "Shell", o A. circulava, em velocidade não superior a 80Km/h, na viatura de marca "Mazda", MX-3.1.8, matricula XX-XX-XX (resposta ao art.º 1º da Base Instrutória);
- 2.1.7.- O A. circulava no sentido Santa Cruz/Funchal, quando, após a saída do túnel e ter percorrido uma lomba ligeira, a viatura automóvel, de marca "Mazda", MX-3.1.8, matricula XX-XX-XX, embateu numa pedra que se encontrava no meio da hemifaixa da sua circulação (resposta ao art.º 3º da Base Instrutória);

7.– Isto porque, como é consabido que a factualidade assente é susceptível de modificação na sequência da prova produzida em sentido contrário, como é aqui o caso dos autos (Assento do STJ n.º 14/94 de 26 de Maio publicado no DR série IA de 04.10.1994 – acórdão uniformizador de jurisprudência).
8.– Por consequência do que se deixou exposto, deve igualmente ser mantido como facto não provado o ponto 2.2.3, ou seja, não ficou provado que “desde a data do acidente que o A. ficou privado da sua viatura” (resposta ao artigo 13.º da Base Instrutória.
9.– Devem ser igualmente mantidas as respostas aos artigos 14.º e 15.º da Base Instrutória constantes dos pontos 2.2.4. e 2.2.5 da sentença recorrida, pois nenhuma das testemunhas fez prova do alegado e na participação do acidente de viação (fls. 29 a 30 dos autos), elaborada com base nas “declarações do condutor interveniente” na parte referente a “Feridos” consta “Nada a referir” e na parte referente a testemunhas não constam como testemunhas do acidente nenhuma das indicadas pelo Autor, ora Recorrente.
10.– A Recorrida Via... adere à mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 634.º, n.º 2, alínea a) do CPC, à ampliação do âmbito do recurso a requerimento da Recorrida ... – Companhia de Seguros, S-A- quanto aos factos provados 2.1.8, 2.1.11 e 2.1.13 (art. 636.º, n.º 2 do CPC)
DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
11.– A Lei n.º 24/2007, não é aplicável na Região Autónoma da Madeira, uma vez que, diferentemente, releva para o Plano Rodoviário Nacional, definido no Decreto-lei n.º 222/98, de 17.07, como a rede rodoviária nacional do continente.
12.– O artigo 2.º da Lei n.º 24/2007 determina que o âmbito de aplicação da referida lei corresponde às autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, nos termos do Plano Rodoviário Nacional vigente, aprovado pelo Decreto-lei n.º 222/98, de 17 de Julho, alterado pela Lei n.º 98/99, de 26 de Julho, e pelo Decreto-lei n.º 183/2003 de 16 de Agosto, sendo que a Via Rápida concessionada à VIA... não integra o Plano Rodoviário Nacional vigente.
13.– Pelo que a aplicação de artigo constante dessa lei não pode ocorrer; tal aplicação constituiria sempre um erro na determinação da norma aplicada.
14.– O artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, só que a VR1 não, repete-se, é uma autoestrada, mas sim uma via rápida (nos termos do Decreto Legislativo Regional n.º 21-A/99/M, publicado no DR, I Série-A, de 24 de Agosto de 1999, n.º 197 e Decreto Legislativo Regional n.º 15/2005/M, publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, Série I, de 17 de Agosto de 2005, n.º 102).
15.– Em terceiro lugar, a responsabilidade da VIA... perante terceiros pelos prejuízos causados no exercício das suas actividades de manutenção e exploração da estrada em causa é regulada pela Base XXVIII do Decreto Legislativo Regional nº 21-A/99/M, publicado no DR, I Série-A, de 24 de Agosto de 1999, nº 197, a qual remete para a lei geral.
16.– Este diploma é especial, porque limitado a uma Região Autónoma, em relação à Lei n.º 24/2007, logo a Lei n.º 24/2007 não pode prevalecer sobre o Decreto Legislativo Regional nº 21-A/99/M.
17.– Subsidiariamente refere-se ainda que na previsão da norma do número 1 do artigo 493.º do CC, apenas cabem os danos que radicam na própria natureza da coisa, e que ocorrem em consequência de processos causais a ela inerentes, sendo que o dano não foi causado pela VR1 em si, nem pela sua estrutura física (Serra, Adriana Paes da ... Vaz, Responsabilidade pelos Danos Causados Por Coisas ou Actividades, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 85, Abril, 1959, pp. 372-373 e Cordeiro, António Menezes, Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas, Estudo de Direito Civil Português, Almedina, 2004, p. 48, Conclusões confirmadas pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 2072/01, Relator: Maria Laura de Carvalho Santana Maia Tomás Leonardo, Data: 07.02.2002, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo I/2002).
18.– Também à luz dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, art. 483.º do CC, se deve concluir pela improcedência do pedido do Autor, ao qual cabia o ónus de provar a culpa da VIA... (cfr., artigos 487.º/1 e 342.º/1 do CC – (cfr., Cordeiro, loc. cit., p. 51, pp. 55-56 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 687, Relator: Araújo dos Anjos, Data: 08.06.1989, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, Tomo III, 1989, pp. 276-277 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 469/94, Relator: 05.12.1994, Relator: Abílio de Vasconcelos Carvalho, in Coletânea de Jurisprudência, Tomo V/1994,
19.– Do exposto, e subsidiariamente, o enquadramento jurídico para efeitos de determinação da responsabilidade civil da R. no âmbito do acidente descrito pelo Autor deve ser encontrado no artigo 483.º do CC, cabendo ao Recorrente., nos termos do número 1 do artigo 487.º do CC, o ónus de provar a culpa da VIA..., para além dos demais pressupostos da constituição da obrigação de indemnizar.
20.– Ora, dos factos dados como provados resulta que a Via... cumpriu todos os seus deveres, não tendo violado qualquer dever legal ou contratual (ver pontos 2.1.38 a 2.1.43 da sentença recorrida).
21.– Ficou ainda provada no que concerne ao acidente em causa que a conduta da Via... observou os seus deveres de prevenção, vigilância e cuidado, que se lhe impõem, no sentido de assegurar a circulação na via de forma segura (ver pontos 2.1.21 a 2.1.29 da sentença recorrida.
22.– Afastada a ilicitude da conduta da Via..., importa ainda reter que dadas as circunstâncias do caso, não era possível e exigível que a VIA... agisse de outro modo, logo não havendo actuação censurável ou reprovável por parte da R. (ver pontos 2.1.15 a 2.1.20 da sentença recorrida).
23.– Assim ficou igualmente demonstrado que a VIA... cumpriu escrupulosamente os seus deveres, com especial zelo, aliás porque “Não é exigível à Brisa [concessionária de auto-estradas] que tenha de assegurar segundo a segundo, centímetro a centímetro, que em toda e qualquer auto-estrada não possa existir qualquer obstáculo que possa pôr em perigo, de algum modo, a circulação de veículos” (realce nosso, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31 de Outubro de 1996 (CJ, 1996, IV-150)),
24.– As obrigações que impendem sobre a VIA... enquanto concessionária da VR1 são meras prestações de meios e não prestações de resultado, ou seja, a VIA... está obrigada a actuar com a diligência necessária e a envidar os seus melhores esforços no sentido de assegurar a regularidade e segurança da circulação rodoviária, mas não está, nos termos da lei e do contrato de concessão, obrigada a evitar que todo e qualquer acidente se produza na via. (nesse sentido, Acórdão da Relação do Porto, de 17.11.2011, proc. 2338/07.7TBPNF.P1, Relator Pinto de Almeida, Acórdão de 3 de Fevereiro de 2004 (proc. n.º 03A4081), acessível em www.dgsi.pt, o Supremo Tribunal de Justiça Acórdão de 29 de Novembro de 2005 (proc. n.º 3290/05), acessível em www.dgsi.pt, do Tribunal da Relação de Coimbra e Acórdão de 22 de Fevereiro de 2007 (proc. n.º 2536/2006-8), acessível em www.dgsi.pt, do Tribunal da Relação de Lisboa e ainda Prof. Pessoa Jorge Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1968, reimp.1999, p. 100
25.– Excluído o ónus da prova da VIA..., caberia à A. provar a culpa, nos termos do artigo 487.º, n.º 1, do CC, o que, como se demonstra, não logrou fazer (Acórdão da Relação do Porto, de 14 de Outubro de 2002 (www.dgsi.pt).
26.– Teria sido necessário que ficasse provado – que não ficou nem ficará – que a VIA..., em face das circunstâncias deste caso, podia e devia ter agido de outro modo, sendo que resulta demonstrado de tudo quanto se expôs que a VIA... sempre pautou a sua actuação pelo rigor máximo no cumprimento das normas de vigilância e segurança, não lhe sendo exigível outra conduta (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Junho de 1997 (disponível em www.dgsi.pt, processo n.º 9720068), repetindo uma argumentação já expressa no acórdão da Relação de Lisboa de 31 de Outubro de 1996, in Colectânea de Jurisprudência, tomo IV, p. 150, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 4808/2005-6, Relator: Granja da Fonseca, Data: 09.06.2005, cfr., Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 687, Relator: Araújo dos Anjos, Data: 08.06.1989, cit. sup., p. 277 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 469/94, cit. supra)
27.– Ainda que fosse de considerar a aplicação de qualquer norma que indicasse para a existência de uma presunção legal de culpa, a mesma encontra-se indubitavelmente ilidida (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 3485/12.9TBFUN.L1-6, Relator: Tome Ramião, Data: 27.12.2014
28.– Não tendo ficado provado que o veículo em causa era propriedade do Autor, à data do acidente, este não sofreu quaisquer danos patrimoniais na sua esfera jurídica.
29.– Subsidiariamente: não há lugar à reconstituição natural quando se verificar uma manifesta desproporção entre o interesse do lesado e o custo que a reparação natural implica para o responsável (cfr., Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª Edição, Almedina, 2014, p. 906).
30.– Ora, como ficou provado no ponto 2.1.36, o valor de mercado do veículo do Autor à data do acidente em 18.11.2001 era de € 14.026,24, o que é manifestamente inferior ao valor de reparação do mesmo (€ 21.883,12).
31.– A ..., como seguradora para a qual a R. transferiu o risco de incorrer em responsabilidade civil perante os utentes da VR1, aqui chamada a responder pelos danos sofridos pelo Recorrente, jamais promoveria a reparação do veículo, nos termos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto e artigo 102.º/1 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril)
32.– O valor de reparação do veículo ultrapassa manifestamente do valor de reparação, pelo que obrigação de indemnização seria cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo (cfr., artigo 41.º/1/c) do DL 291/2007)
33.– No que concerne aos danos não patrimoniais, importa reter o seguinte, nos termos do art. 496, nº 1, do CC, são apenas ressarcíveis os danos não patrimoniais suficientemente graves para merecerem a tutela do direito (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28.05.2013, Processo: 1721/08.5TBAVR.C1, Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES), sendo que no caso sub judice, não ficaram provados quaisquer danos não patrimoniais e nem na versão defendida pelo Recorrente nas suas alegações de recurso que possuam gravidade que justifique ser indemnizáveis à luz do mencionado preceito e muito menos por indemnização corresponde a € 7.500,00 €.
34.– Quanto ao dano da privação de uso do veículo, registe-se que este foi dado como não provado (ponto 2.2.3 da sentença recorrida).
35.– Em suma, face ao exposto, não ficaram provados todos os requisitos de que dependeriam a responsabilidade da Ré Recorrida Via..., tendo, ao contrário, ficado demonstrado que esta agiu de forma ilícita e sem culpa.

Nestes termos e nos demais de direito,
I.– Deve o presente recurso ser julgado improcedente e consequentemente, deve ser confirmada a sentença recorrida;
II.– Subsidiariamente, dever ser admitida a ampliação do âmbito do recurso a requerimento das recorridas (art. 636º, N.º 2 do CPC) e modificada as respostas aos pontos 2.1.4, 2.1.5, 2.1.7, 2.1.8, 2.1.11 E 2.1.13 dos factos provados da sentença recorrida, nos termos supra expostos (…).
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2–ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, são as seguintes as questões a resolver:
1.– Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2.– Saber se o sinistro a que se reportam os presentes autos ocorreu em consequência de uma culposa conduta omissiva da ré, por não ter retirado da via rápida, no sentido Santa Cruz/Funchal, entre o túnel de Gaula e o posto de abastecimento da marca "Shell", a pedra que ali se encontrava e na qual o JB embateu quando circulava naquele local no dia 18 de novembro de 2001, entre as 20 horas e 12 minutos e as 20 horas e 30 minutos; em caso afirmativo;
3.– Saber se o autor sofreu danos patrimoniais, o que passa por apurar se o JB, por si conduzido no momento do embate na pedra, era, então, um bem de sua propriedade; ainda em caso afirmativo,
4.– Apurar da extensão do direito indemnizatório do autor;
5.– Saber se em consequência do embate do JB na pedra, o autor sofreu danos de natureza não patrimonial, suscetíveis de, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito e, em caso afirmativo, apurar o concreto montante indemnizatório.
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3–FUNDAMENTAÇÃO:

3.1–Fundamentação de Facto:
3.1.1–Devidamente ordenados, desde já, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes:
1.– No dia 18 de Novembro de 2001, entre as 20h12 e as 20h30m, na Via Rápida, no sentido Santa Cruz/Funchal, entre o túnel de Gaula e o posto de abastecimento da marca "Shell", o A. circulava, em velocidade não superior a 80Km/h, na sua viatura de marca "Mazda", MX-3.1.8, matricula 24-61-JB (resposta ao art.º 1º da Base Instrutória);
2.– Nessa altura já havia anoitecido (al. B) dos factos assentes);
3.– No entanto, a visibilidade era normal e a estrada estava iluminada (resposta ao art.º 6º da Base Instrutória);
4.– O A. circulava no sentido Santa Cruz/Funchal, quando, após a saída do túnel e ter percorrido uma lomba ligeira, a sua viatura automóvel, embateu numa pedra que se encontrava no meio da hemifaixa da sua circulação (resposta ao art.º 3º da Base Instrutória);
5.– Chovia, no momento em que se deu tal embate (al. C) dos factos assentes);
6.– O A. não teve capacidade de travagem em tempo, dado que a pedra surgiu subitamente após a referida lomba de estrada impossibilitando uma reação (resposta ao art.º 5º da Base Instrutória);
7.– O A. desconhecia a existência daquela pedra no solo "sub-judice" sobre a faixa da rodagem da Via Rápida Machico/Ribeira Brava (resposta ao art.º 9º da Base Instrutória);
8.– Nem teve meios de detecção da mesma a pelo menos 30 metros de distância que possibilitassem a execução de manobra de travagem ou contorno de obstáculo (resposta ao art.º 10º da Base Instrutória);
9.– A pedra estava sobre o solo da via rápida, na hemi-faixa esquerda, da via de duas "pistas" de único sentido, ou seja, na hemi-faixa que normalmente é usada para ultrapassagem de veículos (resposta ao art.º 11º da Base Instrutória);
10.– Afirma-se no Relatório de Turno que a Ré foi informada pelo menos às 20h12 horas do dia do acidente, por um utente, da queda da pedra na qual o veículo do Autor veio a embater” (alínea D. dos factos assentes);
11.– Em consequência do acidente a viatura matricula XX-XX-XX sofreu os danos constantes de fls. 32 a 34, que aqui se dão por reproduzidos, cuja reparação foi orçamentada em € 21. 883,12 (Esc: 4.387.172$00) (resposta ao art.º 12º da Base Instrutória); 
12.– O A. interpelou a R. acerca da sua pretensão em ser indemnizado, conforme missiva de 26/11/2001, recebida "em mão" pela R., tendo estas respondido, por missiva de 7/1/2002, que "não pode assumir qualquer responsabilidade pela ocorrência" (alínea A. dos factos assentes);
13.– O troço da estrada correspondente ao local do acidente apresenta características retas;
14.– Durante a construção do traçado anterior da ER 101, em 1979 (com uma via em cada sentido) e posteriores intervenções de construção (adaptação à faixa norte da Via Rápida com duas vias no mesmo sentido) e durante todo o tempo em que explorou este troço (cerca de 22 anos), o Governo Regional, entidade anteriormente responsável pela exploração e manutenção do troço, não mandou construir ou colocar, no local em causa, proteção especial contra desprendimento de pedras (resposta ao art.º 17º da Base Instrutória);
15.– (…) contrariamente ao que aconteceu em diversos outros locais da via, que foram considerados inseguros e sujeitos às correspondentes obras de conservação preventiva e/ou corretiva (resposta ao art.º 18º da Base Instrutória);
16.– Aquando da transferência do troço em causa para a R. não foi feita pela entidade que anteriormente explorava a via qualquer advertência ou comunicação da existência de qualquer perigosidade ou propensão para a queda de pedras no local em que veio a ocorrer o acidente, porque, atendendo ao estado do troço, tal não se justificava (resposta ao art.º 19º da Base Instrutória);
17.– A R. recebeu os lanços no estado em que se encontravam, não tendo nenhuma razão para julgar previsível qualquer queda de pedras (resposta ao art.º 20º da Base Instrutória);
18.– A partir do momento em que se tornou responsável pela exploração e conservação do troço em causa (Junho de 2001, com a transferência vistoria de troço) e até à data do acidente (18 de Novembro de 2001), a R nunca constatou, através da sua inspecção e patrulhamentos regulares, que o talude em causa tivesse propensão para ruína ou queda de pedras que pudessem perigar a circulação nesse local (resposta ao art.º 21º da Base Instrutória);
19.– As características do local não impunham à R. obrigações de sinalização preventiva de aproximação de zona de queda de pedras (resposta ao art.º 22º da Base Instrutória);
20.– O centro de controlo da R. foi alertado por um utente da existência da pedra na via, pela primeira vez, às 20h12 (resposta ao art.º 23º da Base Instrutória;
21.– De imediato foi mobilizado o veículo de assistência da R., que se encontrava em P. dos Frades, Câmara de Lobos, que chegou ao local às 20:40 horas (resposta ao art.º 24º da Base Instrutória);
22.– Chegado ao local, o oficial de circulação constatou a existência de uma viatura acidentada junto ao PK 95+500, em local que já não oferecia perigo à circulação (resposta ao art.º 25º da Base Instrutória);
23.– Ocorrência que sinalizou através da colocação de cones (resposta ao art.º 26º da Base Instrutória);
24.– O oficial de circulação que acudiu ao local não pode comprovar a exacta localização na via do dito pedregulho, uma vez que o mesmo já tinha sido daí retirado e atirado para trás das guardas de segurança pelos Bombeiros de Santa Cruz (resposta ao art.º 27º da Base Instrutória);
25.– O Centro de Controlo foi contactado pela PSP, às 20:31 horas, dando conta da ocorrência do acidente (resposta ao art.º 28º da Base Instrutória);
26.– A patrulha da R. teve, no dia da ocorrência, em virtude da chuva intensa que se fazia sentir, um especial cuidado na observação do comportamento dos taludes (resposta aos art.ºs 31º e 32º da Base Instrutória);
27.– A patrulha inspecionou às 19h00, o local onde se veio a verificar o acidente, não registando qualquer ocorrência ou risco de perigo (resposta ao art.º 33º da Base Instrutória);
28.– De acordo com a periodicidade aprovada pelo concedente, o patrulhamento seguinte deveria previsivelmente ocorrer pelas 21:00 horas (resposta ao art.º 34º da Base Instrutória);
29.– À data do acidente não existia qualquer proteção metálica no talude existente junto ao local onde se deu o acidente (resposta ao art.º 36º da Base Instrutória);
30.– Presentemente, aquele talude encontra-se integralmente revestido de uma rede de proteção (resposta ao art.º 37º da Base Instrutória);
31.– A base do talude encontra-se na berma da estrada (resposta ao art.º 41º da Base Instrutória);
32.– Depois da ocorrência do acidente e até ao momento da colocação da rede de protecção ocorreram diversas quedas de pedras (resposta ao art.º 45º da Base Instrutória);
33.– A informação referida em 20., foi seguida e sucessivamente repetida ao Centro de Controlo da Ré por outros utentes, conforme relatório de turno junto aos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido (resposta ao art.º 46º da Base Instrutória);
34.– Quando a ré chegou ao local, pelas 20h40, já tinha ocorrido o acidente e já tinha sido removida a pedra (resposta ao art.º 48º da Base Instrutória);
35.– A viatura em questão tinha sido adquirida em 29 de dezembro de 2000, por Fernando ... de ... ... à firma concessionária "Diversauto-Comércio de Automóveis, Lda", com sede à Avenida Luís de Camões, R/C, Letra C, Funchal, sendo que aquela sociedade passou ao referido Fernando ... "autorização de circulação" (resposta ao art.º 2º da Base Instrutória);
36.– (…) e tinha, à data do acidente, o valor de mercado de € 14.026,24 (resposta ao art.º 49º da Base Instrutória);
37.– Todos os veículos, dentro do seu valor, sofrem uma desvalorização anual por força das regras de mercado (resposta ao art.º 50º da Base Instrutória);
38.– Com vista ao cumprimento da sua obrigação de vigilância da via, a R. celebrou com o ACP Serviços, Lda. um contrato de prestação de serviços, pelo qual esta empresa se obrigou a prestar os serviços de patrulhamento e assistência aos utentes da via concessionada (resposta ao art.º 51º da Base Instrutória);
39.– Nos termos da Cláusula 3.ª deste acordo, o ACP efectua passagens periódicas em cada secção corrente da via rápida de uma em uma hora e em cada ramo dos nós da concessão de duas em duas horas, no sentido de, entre outras coisas, verificar o estado de circulação e remoção de objectos e animais encontrados (resposta ao art.º 52º da Base Instrutória);
40.– Nos termos da cláusula 22ª do Contrato de Concessão, a R. elaborou um Manual de Operação e Manutenção, que submeteu a aprovação da Concedente, por comunicação de 28 de Julho de 2000 (resposta ao art.º 53º da Base Instrutória);
41.– Em 10 de Maio de 2001, a Concedente comunicou à R. a aprovação do Manual de operação e Manutenção através do Ofício S 4567 (resposta aos art.ºs 54º e 57º da Base Instrutória);
42.– Nos termos da Cláusula 4º, n° 2 do Contrato de Concessão, a R está obrigada a submeter à Concedente o contrato de assistência e patrulhamento que veio a celebrar com o ACP, o que fez em 30 de Outubro de 2000 (resposta ao art.º 55º da Base Instrutória);
43.– Correspondendo o lanço em causa a uma secção de plena via com visibilidade a partir da faixa sul, a viatura de assistência da R está obrigada a passar pelo local do acidente, em média, de duas em duas horas (resposta ao art.º 56º da Base Instrutória);
44.– A reparação da viatura não é tecnicamente aconselhável (art.º 11 do articulado superveniente apresentado pela Chamada).
45.– O veículo XX-XX-XX tem a matrícula cancelada desde 12-05-2008 (art.º 12 do articulado superveniente apresentado pela Chamada).

3.1.2– A sentença recorrida considerou não provados os seguintes factos:
1.–A pedra já se encontrava no solo estradal, após queda, há longo tempo (resposta ao art.º 4º da Base Instrutória);
2.–O local onde se deu o acidente é uma zona de previsível queda de pedras, o que a R. sabia (resposta ao art.º 8º da Base Instrutória);
3.–Desde a data do acidente que o A. ficou privado da sua viatura, o que lhe causa um prejuízo diário de 10 €, e não tem dinheiro nem rendimentos que lhe permitam em pouco tempo adquirir outra viatura da mesma categoria (resposta ao art.º 13º da Base Instrutória);
4.–Com a colisão, o A. ficou atordoado e sentiu dores no corpo devido à pancada ou embate na pedra (resposta ao art.º 14º da Base Instrutória);
5.–Apanhou um susto enorme e pensou que ia morrer (resposta ao art.º 15º da Base Instrutória);
6.–À data do acidente do A. coincidiu com a implementação, no âmbito da extensão da concessão acordada com o Governo Regional da Madeira, de um processo de revisão geral dos critérios de segurança contratualmente impostos (resposta ao art.º 29º da Base Instrutória);
7.–Tal revisão consubstanciou-se na beneficiação por parte da R. de variadíssimos pontos do traçado, no qual se incluiu também a proteção do talude junto ao qual ocorreu o acidente do A. com redes metálicas (resposta ao art.º 30º da Base Instrutória);
8.–Foi do talude sobranceiro à estrada que caiu a pedra na qual o Autor foi embater com o veículo em causa (resposta ao art.º 35º da Base Instrutória);
9.–O talude tem mais de cinco metros de altura, resultando de um corte realizado praticamente na vertical no cerro composto de pedra e terras ali existente (resposta ao art.º 38º da Base Instrutória);
10.–Tal tipo de formação geológica não apresenta estabilidade, esboroando-se com facilidade para o efeito sob da erosão causada pelo vento ou pela chuva (resposta ao art.º 39º da Base Instrutória);
11.–No talude em causa, em resultado da respectiva erosão, eram já visíveis, à data do acidente, de forma saliente, grandes pedras que ameaçavam cair (resposta ao art.º 40º da Base Instrutória);
12.–À data do acidente, era já tecnicamente de prever a ocorrência de queda de pedras do talude para a via (resposta ao art.º 42º da Base Instrutória);
13.–À data do acidente era tecnicamente aconselhável efectuar trabalhos de intervenção directa no talude, a fim de evitar a queda de pedras para a via (resposta ao art.º 43º da Base Instrutória);
14.–Nada de extraordinário, anormal, excepcional e absolutamente imprevisível ocorreu que tivesse sido causa directa e determinante da queda da pedra (resposta ao art.º 44º da Base Instrutória);
15.–Apesar dos diversos avisos, a Ré nada fez para prevenir a ocorrência de um acidente (resposta ao art.º 47º da Base Instrutória);
16.–Os salvados do veículo XX-XX-XX valem €5.000,00 (art.º 10 do articulado superveniente apresentado pela Chamada).
*

3.2–Fundamentação de direito:
Uma primeira palavra para fazer consignar que, tal como salienta Abrantes Geraldes, «a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial.
Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objectivo de obter a revogação, alteração ao anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com argumentos de ordem jurisprudencial que não devem ultrapassar o sector da motivação.»[2].

3.2.1–Da impugnação do autor quanto à decisão sobre a matéria de facto:
3.2.1.1–Saber se o recurso interposto pelo autor quanto à decisão sobre a matéria de facto deve ser objeto de rejeição, conforme defendem a ré e a interveniente:
Nas conclusões das respetivas contra-alegações de recurso, ambas as recorridas consideram que o recorrente não deu cumprimento ao disposto no art. 640º, nºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC, pois não indica com exatidão as passagens das gravações dos depoimentos das testemunhas em que funda o seu recurso.
Dispõe a al. b) do nº 1 do art. 640º do CPC, que «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (…) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», acrescentando a al. a) do nº 2, que «quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
É verdade, que o recorrente não indica (com ou sem exatidão, pois simplesmente não indica) as passagens das gravações dos depoimentos das testemunhas em que funda o seu recurso.
No entanto, não é menos verdade que o recorrente procede à transcrição dos excertos dos depoimentos testemunhais que considera relevantes.
Conforme refere Abrantes Geraldes, «(…) se, em lugar de uma sincopada e por vezes estéril localização temporal dos segmentos dos depoimentos gravados, o recorrente optar por transcrever esses trechos, ilustrando de forma mais completa e inteligível os motivos das pretendidas modificações da decisão da matéria de facto, deve considerar-se razoavelmente cumprido o ónus de alegação neste campo. A indicação exata das passagens das gravações não passa necessariamente pela sua localização temporal, sendo a exigência legal compatível com a transcrição das partes relevantes dos depoimentos»[3].
É neste sentido que aponta, atualmente, a esmagadora maioria dos arestos do Supremo Tribunal de Justiça, de que é exemplo o recente Ac. daquele Alto Tribunal de 22.02.2017 (Cons. Ribeiro Cardoso), in www.dgsi.pt: «Tendo o recorrente omitido a indicação precisa do início e do termo das concretas passagens da gravação visadas, mas tendo no corpo das alegações procedido à transcrição dos excertos dos depoimentos que pretende ver reapreciados, cumpriu suficientemente o ónus imposto pelo art. 640º, nºs 1, al. b) e 2, al. a) do Código de Processo Civil»[4].
Conclui-se, assim, que ao proceder à transcrição dos excertos dos depoimentos testemunhais que considera relevantes, o recorrente cumpriu suficientemente o ónus de indicação exata das passagens das gravações dos depoimentos das testemunhas em que funda o recurso.
A interveniente principal considera ainda que o apelante não deu cumprimento ao estatuído nas als. a) e c) do nº 1, do art. 640º, do CPC, razão pela qual, também por esta via, o recurso interposto pelo autor deve ser objeto de rejeição.
Não tem razão, no entanto, bastando uma simples análise da alegação e das conclusões do recurso interposto pelo autor para se concluir que este:
- nas conclusões, especifica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a), do CPC);
- tanto na motivação como nas conclusões do recurso, toma posição sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, ou seja, especifica a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre cada questão de facto impugnada[5].
Termos em que, inexiste fundamento para rejeitar, ainda que parcialmente, o recurso interposto pelo autor respeitante à impugnação da matéria de facto.
*

3.2.1.1–Pontos 2.1.6 dos factos provados da sentença (trata-se do enunciado de facto transcrito em 3.1.1.35 supra) e 2.2.3 dos factos não provados da sentença (trata-se do enunciado de facto transcrito em 3.1.2.3 supra):
Na resposta afirmativa ao art. 1º da base instrutória, o tribunal a quo considerou provado que «no dia 18 de Novembro de 2001, entre as 20h12 e as 20h30m, na Via Rápida, no sentido Santa Cruz/Funchal, entre o túnel de Gaula e o posto de abastecimento da marca "Shell", o A. circulava, em velocidade não superior a 80Km/h, na sua viatura[6] de marca "Mazda", MX-3.1.8, matricula XX-XX-XX» (Ponto 2.1.5 dos Factos provados).
No art. 2º da mesma peça processual questionava-se se «a viatura em questão foi adquirida à firma concessionária “Diversauto-Comércio de Automóveis, Lda.”, com sede na Avenida Luís de Camões, R/C, Letra C, Funchal, que, passou “autorização de circulação”», o que mereceu a seguinte resposta do tribunal a quo: «A viatura em questão tinha sido adquirida por Fernando ... de ... ... à firma concessionária "Diversauto-Comércio de Automóveis, Lda", com sede à Avenida Luís de Camões, R/C, Letra C, Funchal, sendo que aquela sociedade passou ao referido Fernando ... "autorização de circulação"».
No art. 13º da base instrutória perguntava-se: «Desde a data do acidente que o A. ficou privado da sua viatura[7], o que lhe causa um prejuízo diário de 10 €, e não tem rendimentos que lhe permitam em pouco adquirir outra viatura da mesma categoria?».
O tribunal a quo considerou não provados os três enunciados de facto vertidos no art. 13º da base instrutória[8].
Apesar de em momento algum, nomeadamente nas conclusões[9], ser arguida a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), 2ª parte, do CPC, o recorrente refere, algures na alegação de recurso, que o tribunal a quo ao responder como respondeu ao art. 2º da base instrutória, extravasou o âmbito de tal artigo e até o contraria.
Não integrando tal questão o objeto do presente recurso, pelas razões acabadas de referir, sempre dirá, no entanto, que não assiste qualquer razão ao apelante.
As respostas aos artigos da extinta base instrutória, tal como sucedia relativamente aos seus antecessores, os denominados quesitos que integravam o questionário, podiam ser totalmente positivas, totalmente negativas, restritivas ou explicativas.
Na decisão da matéria de facto em resposta aos artigos da base instrutória poderiam, assim, ocorrer variadas situações e, entre elas, a de respostas com conteúdo explicativo.
Através de uma resposta explicativa, como afirma Abrantes Geraldes, «o tribunal pode concretizar um determinado facto que venha a revelar-se útil para a decisão da causa.»[10].
Por via de uma resposta explicativa a um artigo da base instrutória, concretiza-se um facto com utilidade para a decisão da causa, mantendo-se a mesma dentro da pergunta formulada, explicitando, no entanto, o seu conteúdo, sem que, porém, essa respostas amplie, extravase, a factualidade articulada pelas partes, caso em que não poderá ser considerada, sob pena de se incorrer em excesso de pronúncia[11].
Por outras palavras, há um limite para as respostas explicativas, qual seja o de elas não poderem ir além da facticidade articulada, face ao princípio dispositivo, enquanto pedra basilar e princípio norteador do processo civil português.
À luz destes considerandos, temos que, contrariamente ao afirmado pelo apelante, a resposta dada pelo tribunal a quo ao art. 2º da base instrutória limita-se a concretizar que foi Fernando ... de ... ... quem adquiriu o JB à firma concessionária "Diversauto-Comércio de Automóveis, Lda.", e, ainda, que foi a ele que a dita concessionária passou a autorização de "autorização de circulação".
Trata-se, simplesmente, de uma resposta que explica, concretizando, a questão colocada no art. 2º da base instrutória!
Note-se que se em vez de no art. 2º base instrutória, se perguntar, de modo vago, se
«A viatura em questão foi adquirida à firma concessionária “Diversauto-Comércio de Automóveis, Lda.”, com sede na Avenida Luís de Camões, R/C, Letra C, Funchal, que, passou “autorização de circulação”?»,
se perguntasse, por exemplo, se
«A viatura em questão foi adquirida pelo autor à firma concessionária "Diversauto-Comércio de Automóveis, Lda", com sede à Avenida Luís ..., R/C, ... ..., Funchal, sendo que aquela sociedade passou ao autor "autorização de circulação"?».
ainda assim, a resposta
«A viatura em questão tinha sido adquirida por Fernando ... de ... ... à firma concessionária "Diversauto-Comércio de Automóveis, Lda", com sede à Avenida Luís ..., R/C, ..., Funchal, sendo que aquela sociedade passou ao referido Fernando ... "autorização de circulação"»,
não deixaria de ser uma resposta explicativa, no sentido de que, concluída a produção da prova, se tinha apurado que, afinal:
- foi Fernando ... de ... ... quem adquiriu o JB à firma concessionária "Diversauto-Comércio de Automóveis, Lda";
- foi a Fernando ... de ... ... que A “Diversauto” passou a "autorização de circulação".
Questão diferente é a de saber se ocorreu erro de julgamento do tribunal a quo ao decidir como decidiu, isto é, ao responder como respondeu à matéria de facto vertida no art. 2º da base instrutória.
O tribunal a quo fundamentou assim a decisão sobre a matéria facto contida naquele artigo da base instrutória:
«Quanto à resposta ao art.º 2º da Base Instrutória o Tribunal teve em conta o teor da Autorização de Circulação emitida pela “Diversauto Comércio de Automóveis”, junta a fls. 15, relativa ao veículo com a matrícula XX-XX-XX, onde refere que no dia 29.12.2000 vendeu aquele veículo ao cliente nº 23787».
Nesse documento, emitido em 19 de julho de 2001, ou seja, quase 7 (sete) meses depois da data nele indicada como tendo sido a da venda do JB ao cliente nº 23787, 29 de dezembro de 2000, não é feita qualquer referência a Fernando ... de ... ....
No entanto, tal como foi feito, e bem, pela sentença recorrida, esse documento deve ser analisado conjugadamente com a fatura que constitui o documento de fls. 739vº dos autos.
Trata-se de uma 2ª via da fatura nº 002224, emitida no dia 29 de dezembro de 2000, pela sociedade “Diversauto”, em nome de Fernando ... de ... ..., identificado com o código de cliente nº 23787 (o mesmo número de cliente que surge mencionado no documento de fls. 15), no valor de 3.857.200$00 (€ 19.289,51), correspondente ao preço do JB.
Naturalmente que a análise conjugada destes dois documentos não pode deixar de inculcar a convicção de que o JB foi vendido pela “Diversauto” a Fernando ... ... ..., no dia 29 de dezembro de 2000, pelo preço de € 19.289,51.
Afirma o recorrente, no entanto, que foram produzidos nos autos outros meios de prova que impunham ao tribunal a quo:
- uma resposta ao art. 2º da base instrutória exatamente coincidente com a sua redação e, consequentemente,
- a consideração, como provado do facto de facto enunciado no art. 13º da base instrutória.

Tais meios de prova são, em seu entender:
- o depoimento da testemunha Fernando ... ... ..., a pessoa que o tribunal a quo considerou ter adquirido à sociedade “Diversauto”; e
- as declarações de parte do autor.
Sucede que o tribunal a quo, para considerar provado o enunciado de facto vertido em 2.1.6 da sentença (3.1.16 supra), levou em consideração, tanto o depoimento daquela testemunha, como as declarações de parte do autor.

Diz o tribunal recorrido:
«É verdade que a testemunha[12] afirmou que a viatura foi na realidade comprada pelo A., ficando a factura em seu nome e não do A., “por motivos bancários”, sendo depois descontado no ordenado do A. o valor das letras que mensalmente se venciam e que tinham sido subscritas pela testemunha.
No entanto a versão desta testemunha, bem como do A. em sede de declarações de parte, não foram credíveis, por vagas, imprecisas e contraditórias, ficando sem se perceber se o A. era funcionário da testemunha, ou se eram colegas de trabalho, não se percebendo como é o A. fez o pagamento do preço da viatura, tendo em conta que apenas teria um ordenado de 150.000$00.
Acresce que não foi apresentada qualquer prova documental desse ordenado, desses alegados pagamentos e das referidas letras.
O A. também não juntou qualquer apólice de seguro relativa a viatura XX-XX-XX que estivesse em vigor aquando do acidente.
Acresce que, de acordo com o registo automóvel (fls. 418 e 419), a data do acidente o veículo automóvel 24-61-JB estava inscrito em nome de Luís ... ... ..., sendo que a aquisição do mesmo apenas foi registada em nome do autor a 09-06-2004 (cfr. fls. 737).
Por outro lado, as facturas juntas a fls. 414 e 416 emitidas em nome do A., relativas a despesas de manutenção da viatura, realizadas a 15-01-2001 e a 17-07-2001, não permitem só por si concluir que em 18 de Novembro de 2001, data do acidente, o A. era o possuidor do veículo».
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador a quo, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação das provas consagrado no art. 607º, nº 5, do CPC/2013[13], que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm somente elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente impercetível na gravação[14] (no caso, o apelante procedeu à transcrição das partes que considera relevantes do depoimento da testemunha Fernando ... ... ... e das declarações de parte do autor).
Conforme refere Abrantes Geraldes, «é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.»[15].
Ainda segundo o mesmo Autor, «(…) a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância»[16], existindo «(…) aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores[17]».
No sistema da livre apreciação da prova, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal ou tarifada, o juiz é livre na formação da sua convicção sobre a matéria de facto, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo[18], poder de livre apreciação esse ao qual ao qual escapam os casos em que a lei exige, «para a existência ou para a prova de algum facto, qualquer formalidade especial. No 1º caso, a formalidade diz-se ad substantiam; no 2º, ad probationem. Em qualquer das circunstâncias, o colectivo não pode considerar o facto como provado, enquanto a formalidade exigida (ou a forma do seu suprimento, no caso da formalidade ad probationem) não tiver sido observada»[19].
O que é absolutamente necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado»[20].
Na realidade, a lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os demais fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 607º, nº 4, do CPC).
Ora, determinando o mencionado preceito legal que o juiz efetue uma análise crítica das provas produzidas e que especifique os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, deve ser arredado em definitivo o método, o procedimento, ou, se se quiser, o “expediente” frequentemente utilizado de apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, como por exemplo, os depoimentos prestados pelas testemunhas[21].
Ou seja, para que o comando contido no art. 607º, nº 4, do CPC, seja acatado, impõe-se, à luz das circunstâncias do caso concreto, que se estabeleça um fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos), fazendo-se a respetiva apreciação crítica nos seus aspetos mais relevantes[22].
Consequentemente, tanto no que tange aos factos provados, como no que respeita aos factos não provados, deve sempre o tribunal justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas contido no citado art. 607º, nº 4, do CPC, deu mais credibilidade a uns meios de prova do que a outros, deu ou não deu crédito ao depoimento de uma testemunha e às declarações de parte, no confronto, por exemplo, com o conteúdo de determinados documentos particulares[23].
Tal como se decidiu no recente Ac. do STJ de 07.09.2017, Proc. nº 959/09.2TVLSB.L1.S1 (Cons. Tomé Gomes), in www.dgsi.pt, «a reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova, sendo inúmeros os factores relevantes na apreciação da credibilidade de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto directo com os depoentes na audiência.
Não obstante a reapreciação da matéria de facto, no que ao tribunal de recurso se refere, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação – à excepção da prova vinculada – no processo de formação da sua convicção deverá ter-se em conta que dos referidos princípios decorrem aspectos de relevância indiscutível - reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões - na valoração dos depoimentos pessoais que melhor são perceptíveis pela 1a instância.
Ao tribunal de recurso caberá, sem esquecer tais limitações, analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova produzida e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimentos comuns, não bastando para eventual alteração, diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.
A decisão factual do tribunal baseia-se numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, pelo que a fonte de tal convicção - obtida com beneficio da imediação e oralidade - apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
(…) a disciplina processual no respeitante à reapreciação, por parte do Tribunal da Relação, da decisão de facto impugnada comporta numa das suas vertentes fundamentais – a que aqui releva – os parâmetros de investigação e análise crítica da prova, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, n.º 1, e nos termos dos artigos 607.º, n.º 4 e 5, aplicável, com as necessárias adaptações, aos acórdãos da Relação por via do artigo 663.º, n.º 2, do CPC.
(…)

É hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal que a reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte do tribunal de 2.ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.

No âmbito dessa apreciação, dispõe o Tribunal da Relação de margem suficiente para, com base na prova produzida, em função do que for alegado pelo impugnante e pela parte contrária, bem como da fundamentação do tribunal da 1.ª instância, ajustar o nível de argumentação probatória de modo a revelar os fatores decisivos da reapreciação empreendida.

Todavia, a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal.

Também nada obsta a que o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luz da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam da prova produzida, em termos de caracterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, aliena b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida.

Com efeito, o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure».

Retornando ao caso concreto, no que à decisão sobre o ponto de facto vertido em 2.1.6 da sentença recorrida (3.1.1.35 supra), não se vêm motivos bastantes para alterar a resposta dada ao art. 2º da base instrutória, pois, relativamente a ele, o juiz a quo valorou com critério e razoabilidade a prova produzida nos autos, revelando coerentemente a motivação que lhe esteve subjacente.

Nessa motivação, o juiz a quo explicou as razões que estiveram subjacentes à decisão sobre aquele concreto ponto de facto, concretizando os meios de prova (por um lado, a «autorização de circulação» que constitui o documento de fls. 15 e a fatura que constitui o documento de fls. 739vº, e, por outro lado, o depoimento da testemunha Fernando ... ... da ... e as declarações de parte do autor) que concorreram para a formação da sua convicção, e esclarecendo os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção se tivesse formado no sentido de que o JB foi adquirido por Fernando ... à dita sociedade “Diversauto – Comércio de Automóveis, Lda.” (e não pelo autor).

O que aconteceu foi que o juiz a quo valorizou os referidos documentos particulares (com base nos quais formou a sua convicção), em detrimento do depoimento da testemunha Fernando ... e das declarações de parte do autor, elementos probatórios estes que não considerou credíveis, tendo explicado as razões pelas quais não lhes deu crédito.

Acontece que é perfeitamente razoável, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência, o caminho percorrido pelo juiz a quo na formação da sua convicção probatória quanto àquele ponto de facto.

Na verdade, analisados conjugada e criticamente, o depoimento da testemunha Fernando ... e as declarações de parte do autor, os mesmos não encaixam, à luz daquilo para que apontam as ditas regras da experiência da vida e da normalidade social, enfim, daquilo que é a lógica das coisas.

Por um lado, não se percebe, com segurança, que tipo de relação ligava o autor e a testemunha Fernando ... em 29 de dezembro de 2000, data em que foi emitida a fatura cuja cópia constitui do documento de 739vº.

Com efeito, não se descortina, com referência à data de 29 de dezembro de 2000, se o autor era empregado de Fernando ..., se era empregado de uma sociedade da qual este era gerente, ou se era “apenas” seu colega e/ou amigo.

No caso de o autor ser empregado, ou da própria testemunha Fernando ..., ou de uma sociedade por este gerida, não se sabe qual a atividade profissional por aquele desenvolvida, nem qual o seu vencimento mensal, uma vez que não foi um único recibo de vencimento (e não seria difícil a junção aos autos de um recibo de vencimento).

Vem isto a propósito da afirmação de que Fernando ... e o autor acordaram que a quantia por aquele adiantada à sociedade “Diversauto”, correspondente ao preço do JB, seria descontada no ordenado deste.

No entanto, a verdade é que, reitera-se, não foi junto aos autos um único recibo de vencimento comprovativo de qualquer desconto no ordenado do autor.
O que não deixa de ser sintomático!
Além disso, desconhece-se igualmente a razão pela qual, «perante a banca», o autor «não podia comprar o carro ainda».
Afirma-se, ainda, que o seguro garante da responsabilidade civil decorrente da circulação do JB foi contrato pelo autor e que era este quem pagava os respetivos prémios.
No entanto, apesar de, uma vez mais, não se afigurar que isso representasse para ele qualquer dificuldade, a verdade é que o autor não juntou aos autos um único recibo ou fatura demonstrativo de ser ele o pagados dos prémios de seguro.
Diz a testemunha Fernando ... que, para pagamento do preço do JB à “Diversauto”, ele próprio emitiu letras, as quais ia liquidando ao respetivo banco sacado à medida que o autor lhe ia pagando as prestações correspondentes ao preço do JB.
No entanto, uma vez mais, não foi sequer junta aos autos cópia de uma única dessas letras.
 Por outro lado, o autor não alegou sequer, na petição inicial, factos concretos demonstrativos da sua alegada posse sobre o JB.
Posse, segundo o art. 1251º do CC, «é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real».

A posse resulta da combinação:
- de um elemento objetivo - o corpus; e
- de um elemento subjetivo - o animus.
O primeiro daqueles elementos manifesta-se quando alguém atua sobre uma coisa por forma correspondente ao exercício de determinado direito real. O corpus ou poder de facto, é o exercício, a prática ou possibilidade de prática, sobre a coisa, de atos materiais, externos, virados para o exterior, visíveis por toda a gente.
O segundo dos referidos elementos da posse, o subjetivo, correspondente ao animus, consiste na intenção de agir como titular do respetivo direito.
Na petição inicial com que introduziu em juízo a presente ação, o autor, tal já referido, não alegou sequer factos suscetíveis de, uma vez provados, comprovarem o elemento subjetivo da posse, ou seja, a sua intenção de agir relativamente ao JB como titular do respetivo direito de propriedade.
Como bem se salienta na sentença recorrida, «as facturas juntas a fls. 414 e 416 emitidas em nome do A., relativas a despesas de manutenção da viatura, realizadas a 15-01-2001 e a 17-07-2001, não permitem só por si concluir que em 18 de Novembro de 2001, data do acidente, o A. era o possuidor do veículo».
Suponha-se, no entanto, a título de mero exercício de raciocínio, que o autor tinha logrado provar que à data do acidente era possuidor do JB; e, ainda, que o era desde 29 de fevereiro de 2000, data da emissão da fatura cuja cópia consta de fls. 739vº.
É certo que nos termos do nº 1 do art. 1268º do CC, «o possuidor goza da presunção da titularidade do direito exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse».
Porém, acrescenta o nº 2 do mesmo artigo que «havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixada na legislação respetiva».
É o caso da presunção derivada do registo!.
O registo de propriedade de veículo automóvel é obrigatório (arts. 1º, 3º, e 5º do Dec. Lei nº 54/75, de 12.02, e art. 42º Dec. Lei nº 55/75, de 12.02, ambos na redação do DL 178-A/2005, de 28.10).
Dispõe o art. 7º do Cód. Reg. Predial que «o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define».
Trata-se de uma disposição aplicável ao registo de automóveis por força do disposto no art. 29º do Dec. Lei nº 54/75, de 12.02: «São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas da regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas neste diploma e no respetivo regulamento».
Ora, conforme decorre do documento emitido pela Conservatória do Registo Automóvel do Funchal, que se encontra a fls. 737 destes autos, à data do sinistro, o JB encontrava-se registado naquela Conservatória a favor de Luís ... ... ..., desde 5 de novembro de 1997, situação que se manteve até 9 de junho de 2004, data em que foi registado a favor do apelante.
Temos, assim, que ainda que o apelante tivesse a posse do JB desde 29 de dezembro de 2000 (o que, como se viu, não está demonstrado), data em que foi emitida pela “Diversauto”, a fatura cuja cópia constitui o documento de 739vº e, por via dela, o autor gozasse da presunção da titularidade do direito de propriedade do veículo, a verdade é que essa presunção sempre conflituaria com a presunção derivada do registo, no sentido de que o direito de propriedade existia e pertencia ao titular inscrito, no caso, ao referido Luís ... ... ....
E uma vez que, à data do acidente, a presunção derivada do registo a favor de Luís Filipe Gomes ... sempre seria anterior ao início da alegada (e não demonstrada) posse do autor, a conclusão é que aquela presunção prevaleceria sobre esta.
No respeitante ao ponto 2.2.3 dos factos não provados da sentença (trata-se do enunciado de facto transcrito em 3.1.2.3 supra), não se provando que à data do acidente o autor era o proprietário do JB, não poderia o tribunal a quo, obviamente, considerar provada a matéria vertida no art. 13º da base instrutória.
Improcede, assim, nesta parte, a impugnação da matéria de facto.
No entanto, ao abrigo do disposto citado art. 662º, nº 1, do CPC, com base no teor do documento de fls. 739vº (a 2ª via da fatura nº 002224, emitida no dia 29 de dezembro de 2000, pela sociedade Diversauto em nome de Fernando ..., no valor de 3.857.200$00), este tribunal altera agora a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto vertida no art. 2º da base instrutória, nos seguintes termos: «A viatura em questão tinha sido adquirida em 29 de dezembro de 2000, por Fernando ... de ... ... à firma concessionária "Diversauto-Comércio de Automóveis, Lda", com sede à Avenida Luís de Camões, R/C, Letra C, Funchal, sendo que aquela sociedade passou ao referido Fernando ... "autorização de circulação" (resposta ao art.º 2º da Base Instrutória)».
*

3.2.1.2 – Pontos 2.2.4 e 2.2.5 dos factos não provados da sentença (tratam-se dos enunciados transcritos em 3.1.2.4 e 3.1.2.5 supra):
No art. 14º da base instrutória perguntava-se: «Com a colisão, o A. ficou atordoado e sentiu dores no corpo devido à pancada ou embate na pedra?».
E no art. 15º perguntava-se: «Apanhou um susto enorme e pensou que ia morrer?».
O tribunal a quo considerou não provada tal factualidade.
E fundamentou assim a sua decisão:
«Quanto à resposta negativa dos arts. 14º e 15º da Base Instrutória, o Tribunal teve em conta que o A. não recebeu qualquer assistência hospitalar, sendo que a testemunha Fernando ... deslocou-se de imediato ao local do acidente, após ter recebido uma chamada do seu amigo, aqui A., onde foi o primeiro a chegar, sendo que pouco tempo depois regressou ao restaurante onde estava a jantar, evidenciando que o estado do A. não lhe inspirava preocupação».
Considera o autor que, com base nos depoimentos das testemunhas Ricardo ... ... ..., Fernando ... e ... ... ... de ..., assim como nas declarações de parte do autor, se impunha que o tribunal a quo considerasse provado, pelo menos, que:
- «com a colisão, o A. ficou atordoado»; e;
- «apanhou um susto enorme».
O autor transcreveu os excertos dos depoimentos daquelas testemunhas, assim como das declarações de parte do autor, que considera relevantes para decisão da matéria de facto vertida nos arts. 14º e 15º da base instrutória.
Analisados conjugadamente e criticamente tais depoimentos e declarações, considerando, sobretudo, o depoimento da testemunha Ricardo ... (que referiu que o autor estava assustado), impõe-se que este tribunal altere a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto vertida nos arts. 14º e 15º da base instrutória e considere provado o seguinte facto:
«O autor assustou-se com o embate do JB na pedra referida em 3.1.1.4».
Nada mais se provou quanto à restante factualidade contida naqueles artigos da base instrutória.
É certo que nas declarações de parte que prestou, o autor refere que após o embate na pedra saiu do carro atordoado, porque não sentia a cara, pois o disparo do airbag foi muito forte.
Sucede que nenhuma outra prova foi produzida nos autos de modo a corroborar a afirmação do próprio autor no sentido de que saiu atordoado do JB, sendo que se mostra suficientemente fundamentada a razão pela qual o tribunal a quo, considerou não provada a restante matéria de facto vertida naqueles artigos da base instrutória.
Termos em que nesta parte, se acorda em julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto vertida no art. 15º da base instrutória, em consequência do que:
a)- se adita o seguinte ponto à matéria de facto considerada provada:
«O autor assustou-se com o embate do JB na pedra referida em 3.1.1.4»;
b)- o ponto 2.2.5 dos factos não provados da sentença (enunciados transcritos em 3.1.2.5 deste acórdão), passa a ter a seguinte redação:
«Ao embater na pedra o autor pensou que ia morrer (resposta ao art.º 15º da Base Instrutória)».
*

Afirma o autor, e bem, que:
a)- em 2.1.4 dos factos provados na sentença (3.1.1.10 supra) se afirma: «(…) o veículo do Autor (…)»;
b)- em 2.1.5 dos factos provados na sentença (3.1.1.1 supra) se afirma: «No dia 18 de Novembro de 2001 (…), o A. circulava (…) na sua viatura de marca "Mazda", MX-3.1.8, matricula XX-XX-XX»;
c)- em 2.1.1.7 dos factos provados na sentença (3.1.1.3 supra) se afirma: «O A circulava (…) quando (…) a sua viatura automóvel (…)»[24],
o que se mostra contraditório com a decisão de considerar não provada a propriedade do autor sobre o JB à data do acidente.
No entanto, analisando globalmente a decisão do tribunal a quo, agora confirmada, sobre a matéria de facto, nomeadamente o decidido quanto à questão da posse e da propriedade do JB à data do acidente, a conclusão a que facilmente se chega é a de que manutenção, naqueles pontos de facto, das expressões:
- «(…) o veículo do Autor (…)»,
- «(…) o A. circulava (…) na sua viatura (…)»; e
- a «(…) a sua viatura automóvel (…)»,
se ficou a dever a mera distração, sob pena de, assim não sendo, as coisas não fazerem sentido.

Assim, nos termos do art. 662º, nºs 1 e 2, al. c), do CPC, altera-se a redação:
a)- do ponto 2.1.4 dos factos provados na sentença (3.1.1.10 supra), que passará a ter a seguinte redação:
«No Relatório de Turno consta que a Ré foi informada pelo menos às 20h12 horas do dia do acidente, por um utente, da queda da pedra na qual o veículo com a matrícula XX-XX-XX veio a embater” (alínea D. dos factos assentes)»;
b)- do ponto 2.1.5 dos factos provados na sentença (3.1.1.1 supra), que passará a ter a seguinte redação:
«No dia 18 de Novembro de 2001, entre as 20h12 e as 20h30m, na Via Rápida, no sentido Santa Cruz/Funchal, entre o túnel de Gaula e o posto de abastecimento da marca "Shell", o A. circulava, em velocidade não superior a 80Km/h, na viatura de marca "Mazda", MX-3.1.8, matricula XX-XX-XX (resposta ao art.º 1º da Base Instrutória);
c)- do ponto em 2.1.1.7 dos factos provados na sentença (3.1.1.3 supra), que passará a ter a seguinte redação:
«O A. circulava no sentido Santa Cruz/Funchal, quando, após a saída do túnel e ter percorrido uma lomba ligeira, a viatura automóvel com a matrícula XX-XX-XX, embateu numa pedra que se encontrava no meio da hemifaixa da sua circulação (resposta ao art.º 3º da Base Instrutória)».
*

Considerando:
- as alterações efetuadas na decisão do tribunal a quo sobre a matéria facto;
- a reorganização efetuada por este tribunal ad quem quanto aos factos provados, dando-lhes uma sequência lógica,
por uma questão de clareza, passa a descrever-se, para efeitos de subsequente enquadramento jurídico, a factualidade que se considera definitivamente provada e não provada.
*

FACTOS PROVADOS:
1.– No dia 18 de Novembro de 2001, entre as 20h12 e as 20h30m, na Via Rápida, no sentido Santa Cruz/Funchal, entre o túnel de Gaula e o posto de abastecimento da marca "Shell", o A. circulava, em velocidade não superior a 80Km/h, na viatura de marca "Mazda", MX-3.1.8, matricula XX-XX-XX;
2.– Nessa altura já havia anoitecido;
3.– No entanto, a visibilidade era normal e a estrada estava iluminada;
4.– O A. circulava no sentido Santa Cruz/Funchal, quando, após a saída do túnel e ter percorrido uma lomba ligeira, o JB, por si conduzido, embateu numa pedra que se encontrava no meio da hemifaixa em que circulava;
5.– Chovia, no momento em que se deu tal embate;
6.– O A. não teve capacidade de travagem em tempo, dado que a pedra surgiu subitamente após a referida lomba de estrada, impossibilitando uma reação;
7.–O A. desconhecia a existência daquela pedra sobre a faixa da rodagem da Via Rápida Machico/Ribeira Brava[25];
8.– Nem teve meios de deteção da mesma a, pelo menos, 30 metros de distância, que possibilitassem a execução de manobra de travagem ou contorno de obstáculo;
9.– A pedra estava sobre o solo da via rápida, na hemifaixa esquerda, da via de duas "pistas" de sentido único, ou seja, na hemifaixa que normalmente é usada para ultrapassagem de veículos;
10.– No Relatório de Turno consta que a ré foi informada pelo menos às 20h12 horas do dia do acidente, por um utente, da queda da pedra na qual o JB embateu;
11.– Em consequência do acidente, o JB sofreu os danos constantes de fls. 32 a 34, que aqui se dão por reproduzidos, cuja reparação foi orçamentada em € 21. 883,12 (Esc: 4.387.172$00)[26]
12.– O A. interpelou a R. acerca da sua pretensão em ser indemnizado, conforme missiva de 26/11/2001, recebida "em mão" pela R., tendo esta respondido, por missiva de 7/1/2002, que "não pode assumir qualquer responsabilidade pela ocorrência";
13.– O troço da estrada correspondente ao local do acidente apresenta características retas;
14.– Durante a construção do traçado anterior da ER 101, em 1979 (com uma via em cada sentido), e posteriores intervenções de construção (adaptação à faixa norte da Via Rápida com duas vias no mesmo sentido), e durante todo o tempo em que explorou este troço (cerca de 22 anos), o Governo Regional, entidade anteriormente responsável pela exploração e manutenção do troço, não mandou construir ou colocar, no local em causa, proteção especial contra desprendimento de pedras;
15.– (…) contrariamente ao que aconteceu em diversos outros locais da via, que foram considerados inseguros e sujeitos às correspondentes obras de conservação preventiva e/ou corretiva;
16.– Aquando da transferência do troço em causa para a R., não foi feita pela entidade que anteriormente explorava a via, qualquer advertência ou comunicação da existência de qualquer perigosidade ou propensão para a queda de pedras no local em que veio a ocorrer o acidente, porque, atendendo ao estado do troço, tal não se justificava;
17.– A R. recebeu os lanços no estado em que se encontravam, não tendo nenhuma razão para julgar previsível qualquer queda de pedras;
18.– A partir do momento em que se tornou responsável pela exploração e conservação do troço em causa (Junho de 2001, com a transferência vistoria de troço) e até à data do acidente (18 de Novembro de 2001), a R nunca constatou, através da sua inspeção e patrulhamentos regulares, que o talude em causa tivesse propensão para ruína ou queda de pedras que pudessem perigar a circulação nesse local;
19.– As características do local não impunham à R. obrigações de sinalização preventiva de aproximação de zona de queda de pedras;
20.– O centro de controlo da R. foi alertado por um utente, da existência da pedra na via, pela primeira vez, às 20h12;
21.– De imediato foi mobilizado o veículo de assistência da R., que se encontrava em P. dos Frades, Câmara de Lobos, que chegou ao local às 20:40 horas;
22.– Chegado ao local, o oficial de circulação constatou a existência de uma viatura acidentada junto ao PK 95+500, em local que já não oferecia perigo à circulação;
23.– (…) ocorrência que sinalizou através da colocação de cones;
24.– O oficial de circulação que acudiu ao local, não pode comprovar a exata localização na via do dito pedregulho, uma vez que o mesmo já tinha sido daí retirado e atirado para trás das guardas de segurança, pelos Bombeiros de Santa Cruz;
25.– O Centro de Controlo foi contactado pela PSP, às 20:31 horas, dando conta da ocorrência do acidente;
26.– A patrulha da R. teve, no dia da ocorrência, em virtude da chuva intensa que se fazia sentir, um especial cuidado na observação do comportamento dos taludes;
27.– A patrulha inspecionou, às 19h00, o local onde se veio a verificar o acidente, não registando qualquer ocorrência ou risco de perigo;
28.– De acordo com a periodicidade aprovada pelo concedente, o patrulhamento seguinte deveria previsivelmente ocorrer pelas 21:00 horas;
29.– À data do acidente não existia qualquer proteção metálica no talude existente junto ao local onde se deu o acidente;
30.– Presentemente, aquele talude encontra-se integralmente revestido de uma rede de proteção;
31.– A base do talude encontra-se na berma da estrada;
32.– Depois da ocorrência do acidente e até ao momento da colocação da rede de proteção ocorreram diversas quedas de pedras;
33.– A informação referida em 20., foi seguida e sucessivamente repetida ao Centro de Controlo da ré por outros utentes, conforme relatório de turno junto aos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
34.– Quando a ré chegou ao local, pelas 20h40, já tinha ocorrido o acidente e já tinha sido removida a pedra[27];
35.– O JB tinha sido adquirido em 29 de dezembro de 2000, por Fernando ... de ... ... à firma concessionária "Diversauto-Comércio de Automóveis, Lda", com sede à Avenida Luís de Camões, R/C, Letra C, Funchal, sendo que aquela sociedade passou ao referido Fernando ... "autorização de circulação";
36.– (…) e tinha, à data do acidente, o valor de mercado de € 14.026,24;
37.– Todos os veículos, dentro do seu valor, sofrem uma desvalorização anual por força das regras de mercado;
38.– Com vista ao cumprimento da sua obrigação de vigilância da via, a R. celebrou com o ACP Serviços, Lda. um contrato de prestação de serviços, pelo qual esta empresa se obrigou a prestar os serviços de patrulhamento e assistência aos utentes da via concessionada;
39.– Nos termos da Cláusula 3.ª deste acordo, o ACP efetua passagens periódicas em cada secção corrente da via rápida de uma em uma hora e em cada ramo dos nós da concessão de duas em duas horas, no sentido de, entre outras coisas, verificar o estado de circulação e remoção de objetos e animais encontrados;
40.– Nos termos da cláusula 22ª do Contrato de Concessão, a R. elaborou um Manual de Operação e Manutenção, que submeteu a aprovação da Concedente, por comunicação de 28 de Julho de 2000;
41.– Em 10 de Maio de 2001, a Concedente comunicou à R. a aprovação do Manual de operação e Manutenção através do Ofício S 4567;
42.– Nos termos da Cláusula 4º, n° 2 do Contrato de Concessão, a R está obrigada a submeter à Concedente o contrato de assistência e patrulhamento que veio a celebrar com o ACP, o que fez em 30 de Outubro de 2000;
43.– Correspondendo o lanço em causa a uma secção de plena via com visibilidade a partir da faixa sul, a viatura de assistência da Réu está obrigada a passar pelo local do acidente, em média, de duas em duas horas;
44.– A reparação da viatura não é tecnicamente aconselhável;
45.– O veículo 24-61-JB tem a matrícula cancelada desde 12-05-2008;
46.– O autor assustou-se com o embate do JB na pedra referida em 4.

FACTOS NÃO PROVADOS:
1.–A pedra já se encontrava no solo estradal, após queda, há longo tempo;
2.–O local onde se deu o acidente é uma zona de previsível queda de pedras, o que a R. sabia;
3.–Desde a data do acidente que o A. ficou privado da sua viatura, o que lhe causa um prejuízo diário de 10 €, e não tem dinheiro nem rendimentos que lhe permitam em pouco tempo adquirir outra viatura da mesma categoria;
4.–Em consequência do embate do JB na pedra, o A. ficou atordoado e sentiu dores no corpo;
5.–Imediatamente após o embate do JB na pedra o autor pensou que ia morrer;
6.–A data do acidente coincidiu com a implementação, no âmbito da extensão da concessão acordada com o Governo Regional da Madeira, de um processo de revisão geral dos critérios de segurança contratualmente impostos;
7.–Tal revisão consubstanciou-se na beneficiação por parte da R. de variadíssimos pontos do traçado, no qual se incluiu também a proteção do talude junto ao qual ocorreu o acidente do A. com redes metálicas;
8.–Foi do talude sobranceiro à estrada que caiu a pedra na qual o Autor foi embater com o veículo em causa;
9.–O talude tem mais de cinco metros de altura, resultando de um corte realizado praticamente na vertical no cerro composto de pedra e terras ali existente;
10.–Tal tipo de formação geológica não apresenta estabilidade, esboroando-se com facilidade, por o efeito da erosão causada pelo vento ou pela chuva;
11.–No talude em causa, em resultado da respetiva erosão, eram já visíveis, à data do acidente, de forma saliente, grandes pedras que ameaçavam cair;
12.–À data do acidente, era já tecnicamente de prever a ocorrência de queda de pedras do talude para a via;
13.–(…) e era tecnicamente aconselhável efetuar trabalhos de intervenção direta no talude, a fim de evitar a queda de pedras para a via;
14.–Apesar dos diversos avisos, a Ré nada fez para prevenir a ocorrência de um acidente;
15.–Os salvados do veículo XX-XX-XX valem € 5.000,00[28].
*

3.2–Fundamentação de direito:
Apesar de não lhe fazer qualquer referência, a sentença recorrida, datada de 28 de fevereiro de 2017, acompanha e transcreve, em determinados segmentos, partes do acórdão desta Relação e Secção, datado de 7 de julho de 2009, proferido no âmbito do Proc. nº 420/2002.L1-7, relatado pela então Juíza Desembargadora (hoje, Juíza Conselheira), Maria do Rosário Morgado, in www.dgsi.pt., que retrata uma situação em tudo idêntica àquela que é objeto do presente litígio, dando-se o caso de o acidente a que a se reportam estes autos ter ocorrido um dia antes daquele sobre o qual incidiu a atenção do mencionado acórdão.
Tal como referido no citado aresto, a aqui ré, e ora recorrida, Vial... – Concessões Rodoviárias da Madeira, S. A., foi criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21-A/99/M, de 24 de Agosto, que autorizou «a adjudicação da concessão da exploração e manutenção, em regime de serviço público, de exclusividade e de portagem sem cobrança aos utilizadores do troço rodoviário da ER 101compreendido entre Ribeira Brava e Machico e aprova as respetivas bases de concessão – DR N.º 197, Série I-A 2º Supl 24 Agosto 1999 2 Setembro 1999.
É importante notar, como se referiu no acórdão de 22/6/2004, do Supremo Tribunal de Justiça (JusNet 3549/2004) que “embora o contrato de concessão tenha como Partes Contratantes o Estado Concedente e a (…) Concessionária, não pode esquecer-se o carácter normativo de algumas das Bases da Concessão; essas Bases não são simples cláusulas contratuais que obriguem, apenas, os Contratantes. Quis o Legislador que tais Bases tivessem eficácia externa relativamente às partes no contrato. E por isso as integrou em Decreto-lei de que fazem parte integrante.”
Presidiu à criação da Via..., como se afirma no Preâmbulo daquele diploma legal, a constatação pela Região Autónoma da Madeira de que “a sobrecarga repetida do orçamento regional com os encargos de construção e conservação de troços rodoviários de relevante interesse regional carece de ser substituída por uma lógica mais conforme às soluções de financiamento que, de resto, têm sido preferidas em todo o espaço da União Europeia e merecido um incremento muito significativo em Portugal.”
A concessão é de serviço público e tem por objeto o exclusivo da manutenção e da exploração, em regime de portagem, sem cobrança aos utilizadores (SCUT), do troço rodoviário da ER 101 compreendido entre a Ribeira Brava e Machico – BASE II, dos Estatutos, que constituem o Anexo II, daquele DR.
A concessão tem um prazo de duração de 25 anos, contados desde a data da assinatura do Contrato de Concessão – cf. BASE VI, dos Estatutos, que constituem o Anexo II, daquele DR.
A Concessionária é responsável pela exploração das Vias Concessionadas, em condições de operacionalidade e segurança – BASE XVI.
É da responsabilidade da Concessionária a manutenção das Vias Concessionadas em bom estado de conservação e boas condições de utilização, operacionalidade e segurança, bem como a realização de todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam.
Constitui ainda responsabilidade da Concessionária a conservação e manutenção dos sistemas de contagem e classificação de tráfego, incluindo o respectivo centro de controlo, e ainda os sistemas de iluminação, de sinalização e de segurança – BASE XVII.
A Concessionária deverá assegurar a existência e manutenção em vigor das apólices de seguro necessárias para garantir uma efetiva e integral cobertura dos riscos inerentes ao desenvolvimento das actividades integradas na Concessão, nos termos que forem fixados pelo Contrato de Concessão – BASE XXVII.
À data do acidente, a via onde o mesmo ocorreu estava classificada como estrada regional principal, devendo, nos termos da lei em vigor (Decreto Legislativo Regional nº 22/92/M, de 16 de Julho, alterado pelo Dec. Legislativo Regional nº 19/95/M, de 30 de Agosto), assegurar correntes de tráfego estáveis e permitir uma razoável liberdade de circulação aos condutores (nível de serviço B), sendo inclusive proibido o acesso, a partir das propriedades marginais, à referida estrada. Por sua vez, o acesso à via devia fazer-se por cruzamentos devidamente espaçados, que não interfiram com o nível de serviço desejado, ou por nós de ligação, sempre que se trate de cruzamento de estradas regionais principais – cf. arts. 4º, 5º e 6º, do Dec. Leg. Reg. supra citado.
Dadas as suas características é de considerá-la, por isso, uma via rápida, como aliás veio a ser expressamente consagrado – cf. Dec. Legislativo Regional nº 15/2005/M, de 9 de Agosto.
Como decorre do Decreto Legislativo Regional n.º 21-A/99/M, de 24 de Agosto, a ré, Via..., detinha a concessão da exploração e manutenção, em regime de serviço público, de exclusividade e de portagem sem cobrança aos utilizadores, do troço rodoviário da ER 101 onde se deu o acidente.
Nos termos das BASES XVI e XVII, a Concessionária é responsável pela exploração das Vias Concessionadas, em condições de operacionalidade e segurança, sendo da sua responsabilidade a manutenção das Vias Concessionadas em bom estado de conservação e boas condições de utilização, operacionalidade e segurança, bem como a realização de todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam.
Estabelece-se, ainda, na Base XVIII que a concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das atividades que constituem o objeto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito.
Assim, sempre que forem violadas regras destinadas a proteger interesses alheios, a concessionária, perante terceiros, responderá nos termos gerais.
Ou seja: ao remeter para a lei geral, em matéria de responsabilidade civil, o Dec. Leg. Reg. que aprovou os termos da concessão, está, no fundo, a relegar para o Código Civil e demais legislação complementar, designadamente de âmbito nacional[29].
No caso que apreciamos, atendendo a que os utentes não pagam qualquer taxa pela utilização da via em questão, eventual obrigação de indemnização da concessionária reger-se-á pelas regras da responsabilidade extracontratual[30].
Sendo assim, à atividade da concessionária é aplicável o regime previsto nos arts. 483º e ss e particularmente no art. 493º, nº 1, do CC, pelo que, estando a ré obrigada a um poder-dever de vigilância, a constatação objetiva de um defeito de manutenção ou conservação, faz presumir a violação culposa de um dever de segurança no tráfego.
Atualmente, a Lei nº 24/2007 de 18/07 que define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, nos termos do Plano Rodoviário Nacional, veio estabelecer no seu art. 12º que nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova cabe à concessionária, desde que estejam verificados determinados condicionalismos».
Tal como na situação descrita no acórdão que vimos acompanhando, também no caso dos presentes autos tais condicionalismos não estão presentes, pelo que o art. 12º da Lei nº 24/2007, de 18.07, não tem aqui aplicação.
Ora, tendo em consideração a matéria de facto provada, não se nos oferecem dúvidas de que a ré, a sociedade Via..., a quem incumbia o dever de conservar e manter os taludes, por forma a não se correr o risco do seu desabamento, bem como o de remover os obstáculos que pudessem ter deslizado para a via pública, não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si impendia.
Segundo Antunes Varela, a mera culpa ou negligência consiste na omissão da diligência exigível do agente, e no seu âmbito cabem, «em primeiro lugar os casos (excluídos do dolo) em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por
leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não
verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar.
Este é o recorte psicológico dos casos que integram a culpa consciente.
Ao lado destes, há as numerosíssimas situações da vida corrente, em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida. (…).
Fala-se nestes casos em culpa consciente»[31].
Nos termos do art. 493º, nº 1, do CC, «quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua».
Conforme referido, no caso concreto, a ré Via... não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia, nos termos do preceito acabado de citar.
Na verdade, e tal como se afirma no citado acórdão desta Relação e Secção, datado de 7 de julho de 2009, tendo, por objeto, repete-se, uma situação em tudo idêntica àquela de que ora nos ocupamos, ocorrida um dia depois da retratada nestes autos, sobretudo em condições atmosféricas adversas não satisfaz o dever de vigilância o mero patrulhamento em veículos automóveis, sem se proceder a uma observação minuciosa, por técnicos competentes, da área a fiscalizar, de forma a evitar o perigo de deslizamentos para quem circule na via.
Tão-pouco é suscetível de ilidir a referida presunção de culpa, a factualidade assente em 14. a 19. dos factos provados.
Tal como se escreve no sumário do Ac. da R.P. de 22.04.2004, C.J., XXIX, 2º, 194, não satisfaz o «dever de vigilância o mero patrulhamento em veículos automóveis, sem que se proceda a uma análise minuciosa de toda a área a fiscalizar, como seja a estrada e os taludes contíguos a esta, de modo a que se possa constatar as possibilidades de perigo que entretanto possam ocorrer para quem circule na auto-estrada».
Omite-se esse dever de vigilância quando não se adotam os cuidados necessários para evitar, mesmo em condições adversas, que pedras se desprendam desses taludes e caiam sobre a via, como sucedeu no caso presente.
Acerca da questão de que nos ocupamos, importa reter as esclarecedoras palavras de Sinde Monteiro, «nenhuma estrada pode ser concebida e mantida em condições tais que, pura e simplesmente, nunca dela possam resultar riscos para a circulação.
Na delimitação das esferas de responsabilidade dos utilizadores e das entidades a quem cabe a construção e manutenção, parece dever partir-se da ideia de que cabem no âmbito de responsabilidade pessoal aqueles perigos que não são relevantes ou que, de acordo com a experiência geral, são tão habituais que cada qual, usando de normal cuidado e circunspecção, os pode detectar, actuando em conformidade.
Diferentemente, quando mesmo um automobilista cuidadoso não pode discernir (atempadamente) a concreta situação de perigo, de modo a dominar o correspondente risco, então haverá um dever de eliminar essa fonte de perigo ou, no mínimo, de chamar a atenção para a sua existência, sendo certo que o afastamento do perigo tem precedência sobre o simples avido acerca da sua existência.
Aquilo que o utilizador tem o direito a esperar prende-se também, entre outros factores (…), com o tipo de via utilizada, devendo te em conta as respectivas condições e, eventualmente, limitações decorrentes do seu estado ou estrutura. Em estradas com grande densidade de trânsito e de rápida circulação, as exigências quanto aos deveres de cuidado e à rapidez na correcção de anomalias deverão ser superiores. Particularmente nas auto-estradas (…)».
Em vias deste tipo, se se considerar a autoestrada ou a via rápida como uma coisa imóvel, sobre a qual o respetivo concessionário «detém um poder de facto, com o dever de a vigiar», não é «suficientemente esclarecedor olhar apenas para a estrutura física da auto-estrada, descarnada de todo o contexto envolvente. Uma via de circulação rápida desse tipo não é constituída apenas pela via de asfalto. São necessários separadores diversos (…), vedações. E decerto que a concessionária é a detentora destas coisas, respondendo por culpa presumida quando o seu correto funcionamento estiver na origem de um acidente.
As hipóteses em que o dano é causado “pela auto-estrada em si mesma” serão apenas as mais evidentes. Se a coisa que esteve na origem do acidente foi uma outra, não vemos razão para que a solução seja diferente. Assim, se as vedações não impediram a entrada de animais, parece ter pleno cabimento a responsabilidade por culpa presumida.
Este modo de ver consolida-se de olharmos a questão de fundo pelo prisma da segunda modalidade da ilicitude do art. 483º, nº 1 (violação de uma disposição destinada a proteger interesses alheios)[32]».

A propósito desta segunda modalidade de ilicitude prevista no art. 483º, nº 1, do CC, refere Antunes Varela[33], neste ponto em consonância com a doutrina alemã, para que se verifique uma violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, são necessários três requisitos:
- que à lesão dos interesses do particular corresponda uma norma legal;
- que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada; e,
- que o dano se tenha registado no círculo dos interesses privados que a lei visa tutelar.
Almeida Costa, afirma, a propósito desta modalidade da ilicitude: «Tem-se agora em conta a ofensa de deveres impostos por lei que vise a defesa de interesses particulares, mas sem que confira, correspectivamente, quaisquer direitos subjectivos. (…).
Saliente-se, contudo, que a invocação do referido fundamento da responsabilidade depende de se verificarem os seguintes requisitos próprios: 1) que à lesão dos interesses dos particulares corresponda a ofensa de uma norma legal, entendendo-se esta expressão em termos amplos (…); 2) que se trate de interesses alheios legítimos ou juridicamente protegidos por essa norma e não simples interesses reflexos ou por ela apenas reflexamente protegidos, enquanto tutela interesses gerais indiscriminados (…), 3) que a lesão se efective no próprio bem jurídico protegido ou interesse privado que a lei tutela»[34].

Menezes Leitão, considera que «esta categoria de ilicitude exige os seguintes pressupostos:
a)- a não adopção de um comportamento, definido em termos precisos pela norma;
b)- que o fim dessa imposição seja dirigido à tutela de interesses particulares;
c)- a verificação de um dano no âmbito do circulo de interesses tutelados por esta via.
Exige-se, assim, em primeiro lugar, que alguém tenha desrespeitado determinado comando, sem o que não haverá base para estabelecer o juízo de ilicitude. Não basta, porém, qualquer norma jurídica, exigindo-se que o fim da norma consista especificamente na tutela de interesses particulares e não do interesse geral. Se a norma for dirigida a proteger o interesse público e só reflexamente atingir interesses particulares, estará naturalmente excluída a possibilidade de um particular exigir indemnização.
Finalmente, exige-se que o dano se verifique no círculo de interesses que a norma visa tutelar, sendo excluída a indemnização relativamente a outros danos, ainda que verificados em consequência do desrespeito pela norma.
Ao contrário do que sucede na categoria da ilicitude anterior, neste caso está naturalmente admitida a indemnização dos danos puramente patrimoniais»[35].
Menezes Cordeiro, salienta que «numa certa preocupação importada da fonte alemã [o § 823, II, do BGB], o artigo 483º/1, na parte em que se reporta à ilicitude “normas de protecção”, restringiu o seu âmbito: pretendeu evitar que, havendo inobservância de normas jurídicas, qualquer pessoa que se entendesse prejudicada pudesse reclamar uma indemnização.
Podemos, deste modo, fixar uma grelha de requisitos relativa à aplicação do preceito em causa, na parte referente às normas de protecção:
Requer-se a presença de uma norma de conduta, devidamente aplicável;
Essa norma deve destinar-se a proteger determinados interesses alheios, como tal se entendendo vantagens juridicamente protegidas e cuja supressão dê azo a um dano;
A adopção, pelo agente, de um comportamento contrário à referida norma de conduta;
De tal maneira que sejam precisamente atingidos os interesses protegidos pela norma violada»[36].
Acompanhando de novo Sinde Monteiro, salienta este Autor que «para que haja lugar à aplicação do regime especial do art. 493º, nº 1, do Código Civil, além de um poder de facto a que vá associado o dever de vigilância, é necessário que a coisa seja fonte de danos para terceiros. Embora, em última análise, esteja em causa um facto do homem, existe aqui uma responsabilidade que costuma ser designada como indirecta: a pessoa responde por não ter toa precauções adequadas para evitar que das coisas sob o seu domínio resultem danos.
(…)

Para delimitar os campos de aplicação dos arts. 483º, nº 1, e 493º, nº 1, nas hipóteses em que haja uma participação material de coisas na produção do resultado, deve pois ter-se em consideração a relação que intercede entre o comportamento humano e a coisa. Neste contexto se entende a afirmação de que é necessário que o dano seja causado pela coisa e não com a coisa.
O texto da lei esclarece não haver que distinguir entre móveis e imóveis. Outrossim é de afirmar quanto a outras tentativas de limitar o campo de aplicação material a certas categorias de coisas, trate-se da distinção entre coisas inócuas e perigosas, inertes ou em movimento.
Essencial é que se possa afirmar um nexo de causalidade. A referência a um “dinamismo conatural à coisa” ou ao assurgir na mesma de um “processo danoso, mesmo que provocados por elementos provenientes do exterior”, embora vulgar na jurisprudência italiana, parece constituir um obter dictum, não traduzindo afinal senão a necessidade da existência de um nexo causal. O que não acontece quando a coisa tem um “papel puramente inerte e passivo”.
Tratando-se de uma coisa imóvel por natureza, o carácter activo supõe em regra uma anormalidade “no seu funcionamento, no seu estado ou na sua posição”, não tendo esta anormalidade de importar a violação de um dever ou uma censura subjectiva.
A noção de anormalidade, “defeito” ou vício objectivo tem aqui uma grande importância. Estando nós perante  deveres de agir para evitar danos a para terceiros, ou seja, delitos de omissão, e sendo aqui a violação do dever elemento da ilicitude, a inversão do ónus da prova, como acontece com outras hipóteses de “presunção de culpa”, faz afinal presumir não apenas a culpa como também a ilicitude (violação de um dever).
(…) A inversão do ónus da prova da culpa representa um compromisso entre a responsabilidade subjectiva e a objectiva. Através deste processo técnico, o direito exprime um juízo de valor, em que a posição das partes, lesante e lesado, se modifica, deslocando-se a favor do segundo.
Também a nível dos fundamentos costuma ser assinalada alguma interpenetração. Não admira assim que o juízo de valor conotado através daquele processo técnico se faça normalmente acompanhar de outros procedimentos tendentes a facilitar ao lesado a obtenção de uma indemnização: facilidades em matéria de prova do nexo de causalidade, uma maior objectivação do conceito de negligência, fazendo ressaltar o elemento objectivo da desconformidade e passando o juízo da censurabilidade para segundo plano, e sobretudo o grande rigor colocado à prova da inexistência de culpa.
Quanto a este último aspecto, já foi defendido (…) que, para se eximir, a pessoa responsável deveria fazer a prova de que os danos foram “devidos a caso fortuito, de força maior ou a culpa do terceiro”, pelo que a acção deveria ser julgada procedente “sempre que o réu não prove especificadamente, um facto positivo que exclua, pela não existência de culpa, a sua responsabilidade.
Ou seja, não bastaria a genérica alegação e prova de uma actuação diligente, Nas palavras de Guilherme Moreira, “(…) não deve admitir-se, em relação aos damonos causados por animais e cousas u«inanimadas, a alegação de factos genéricos e vagos tendentes a demonstrar que o proprietário do animal ou pessoa que dele se sirva usou da necessária diligencia para evitar o dano”.
Este modo de ver conduz-nos para a proximidade do direito italiano, onde a exoneração pressupõe a prova de um caso fortuito, “evento imprevisto e imprevisível, dotado de um impulso causal autónomo, que escape a todo o conhecimento e controlo por parte do guarda e que seja de molde a interromper o nexo causal entre a coisa e o dano”, onde se podem incluir também a culpa do lesado e o facto do terceiro.
Quid iuris? Parece-nos que, de lege lata, esta posição vai longe demais ao exigir sempre a demonstração positiva da causa do dano, mesmo quando, em face das circunstâncias, o tribunal possa ter formado um juízo acerca da inexistência de culpa.
Mas, inversamente, também nos mostra até onde é lícito ir, quando as circunstâncias não tenham permitido formular esse juízo. O grau de exigência na prova da ausência de culpa cabe na livre apreciação do tribunal. O limite só seria ultrapassado quando se fosse ao ponto de excluir a possibilidade de prova de que se cumpriu o dever de vigilância.
(…). Não parece poder duvidar-se de que a auto-estrada é uma coisa, sujeita a um poder-dever de vigilância. Nessa medida, haverá lugar a uma responsabilidade por culpa presumida, na linguagem do Código (de acordo com os actuais padrões dogmáticos, pode falar-se na presunção da violação de um “dever de prevenção do perigo” ou de um “dever de segurança no tráfego”), com respeito aos danos causados pela coisa “auto-estrada”.
Tratando-se de uma coisa inerte, a regra, como vimos há pouco, é a de que a causação de uma dano juridicamente atribuível à coisa pressupõe a verificação de uma anomalia, de um defeito.
Ao lesado caberá provar, num plano puramente objectivo, a existência do vício e o nexo de causalidade este e o dano. Constatada objectivamente a presença de um defeito, presume-se a violação culposa de um dever de segurança no tráfego, isto é, a omissão do cuidado necessário para evitar que a coisa de que se tem o controlo cause danos a terceiros (censura indirecta).
Os defeitos da estrada podem, numa certa perspectiva, ser classificados em defeitos de construção e de conservação ou manutenção.
Quanto à noção de segurança, tem a mesma de ter em conta a finalidade de utilização da estrada. Mesmo com respeito a auto-estradas, sendo reconhecidamente mais elevado o nível de segurança exigível, não se deve perder de vista que reconstrução e adaptação exigem tempo e despesas elevadas. Tal como um produto não se toma defeituoso pelo facto de virem posteriormente a ser lançados no mercado outros com padrões de segurança superiores, também com respeito a estradas tem de ser tido em conta o estado da ciência e da técnica.
As partes integrantes de um imóvel (bem como as coisas acessórias) tanto podem ser consideradas na sua singularidade como integradas no todo. Mas pode dar-se que duas coisas sejam de per si isentas de vício, só através da sua conjugação numa perspectiva funcional se destacando o defeito, o que é particularmente frequente no domínio da circulação rodoviária. V. g. se a boca de incêndio está colocada tão junto da berma que representa um perigo para o trânsito, apesar de não apresentar qualquer defeito, vai tomar a estrada perigosa. E a falta de segurança da estrada pode provir também da inexistência ou do mau funcionamento de uma coisa meramente instrumental.
O dever de assegurar a circulação “em boas condições de segurança e comodidade” (Base XXXVI, nº 2) implica também o afastamento de obstáculos ou a eliminação de outras fontes de perigo, provenham de acontecimentos naturais (como a neve e o gelo) ou mesmo de facto de terceiros (v. g. manchas de óleo).
Se um acidente se verifica devido à presença de um destes obstáculos ou outra fonte de perigo, estamos perante uma anormalidade objectiva susceptível de servir de base à presunção da existência de um defeito de conservação, o qual, em sentido amplo, engloba a detecção e eliminação ou neutralização dos focos de perigo»[37].
À luz destes valiosos ensinamentos, não subsistem, pois, quaisquer dúvidas de que, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, estamos em presença de um facto ilícito e culposo, posto que a ré Via... não logrou ilidir a presunção de culpa decorrente da norma do citado art. 493º, nº 1, do CPC.
Importa agora, verificar, se esse evento ilícito e culposo causou danos ao apelante, pelos quais deva ser ressarcido.

Recordemos que o apelante pretende ser indemnizado:
a)- no montante de € 21.883,12, correspondente ao valor da reparação do veículo sinistrado, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento;
b)- na quantia diária de € 10,00, pela privação do uso do veículo, a contar da data do acidente e até à sua efetiva reparação, no total a liquidar em execução de sentença;
c)- no valor de de € 1.500,00, pela desvalorização automática do veículo, de acordo com as regras do mercado automóvel, a contar da data do acidente e até à sua reparação, no total a liquidar em sede de execução de sentença, mas até ao limite máximo do valor do veículo à data do acidente (€ 25.000,00).
Mais pretende ser indemnizado no montante de € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.
Como se sabe, o dano é condição essencial da responsabilidade civil.
A noção de dano é um elemento indispensável para se perceber a função da responsabilidade civil no âmbito de um determinado sistema jurídico.
No sistema jurídico português e nos demais sistemas jurídicos europeus que lhe estão próximos, pelo menos desde Friedrich Mommsen, as grandes questões do regime indemnizatório têm sido discutidas como questões atinentes a uma correta apreensão e definição do conceito de dano.
No direito português, temos à cabeça, no que à obrigação de indemnizar diz respeito, o art. 562º, o qual dispõe que «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», acrescentando o art. 563º que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
É ao lesado, naturalmente, que incumbe provar que do evento lesivo e culposo decorreram danos (ou seja, cabe-lhe provar a causalidade entre a lesão e os prejuízos), pois que a existência de um dano é condição essencial e limite da obrigação de indemnização.
A lei portuguesa não define o que deve entender-se por dano.
Assim, o trabalho de definição de um tal conceito deve ser desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência, em sede de interpretação dos textos legais.
A doutrina portuguesa vem fornecendo uma noção geral de dano[38]-[39]-[40]-[41],referindo-se depois especificamente, no que ao dano patrimonial concretamente diz respeito, à «fórmula ou hipótese da diferença», prevista no art. 566º, nº 2, onde se dispõe que «(…) que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
Não dando o legislador, como já se afirmou, a definição de dano, pode entender-se que, a propósito da obrigação de indemnização, o legislador civil português, nas normas contidas nos arts. 562º e 566º, nº 2, que delimitam o objetivo da indemnização e a medida da indemnização em dinheiro, pressupõe ou remete indiretamente para uma noção de dano ressarcível, afinal de contas, o objeto da obrigação de indemnização.

Na esteira de Almeida Costa[42], podem fazer-se as seguintes distinções quanto à espécie e à natureza do dano:
- danos patrimoniais e não patrimoniais, consoante sejam ou não suscetíveis de avaliação pecuniária. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica e refletem-se no património do lesado; os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. O mesmo facto pode provocar danos das duas espécies, como frequentemente acontece nos acidentes de viação.
- danos pessoais e danos não pessoais. Os primeiros produzem-se sobre as pessoas; os segundos sobre coisas;
- dano real e dano de cálculo. O primeiro consiste no prejuízo que o lesado sofreu em sentido natural e pode analisar-se na mais diversas possibilidades de ofensa de interesses ou bens alheios juridicamente protegidos, de ordem patrimonial ou não patrimonial; o segundo consiste na expressão pecuniária do prejuízo, cabendo neste domínio uma avaliação abstrata (objetiva) ou concreta (subjetiva, apurando-se a diferença para menos produzida no património do lesado.
Uma outra classificação a considerar dentro dos danos patrimoniais é a que distingue danos emergentes e lucros cessantes. Aqueles compreendem a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado; estes referem-se aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, reportam-se ao acréscimo patrimonial frustrado, tal como decorre do art. 564º, nº 1, ao dispor que «o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».
Uma outra classificação, é que a distingue entre danos presentes e danos futuros, conforme já se tenham verificado ou não no momento considerado.
Ainda uma outra classificação é a que distingue entre danos diretos e indiretos. Os primeiros são os que resultam diretamente do facto; os segundos são os demais danos.
Posto isto, e no que aos danos patrimoniais concretamente diz respeito, o apelante não logrou fazer prova de que era o proprietário do JB à data do acidente; consequentemente, considerando os danos patrimoniais invocados e pelos quais pretende ser ressarcido, conclui-se que o autor não logrou fazer prova, como se lhe impunha, nos termos dos arts. 342º, nº 1 e 483º, do CC, de que em consequência do embate do veículo na pedra resultaram para si danos daquela natureza.
E quanto aos danos de natureza não patrimonial?
A este propósito alegava o autor que «(…) com a colisão ficou fortemente atordoado e sentiu dores intensas no corpo devido à pancada ou embate na pedra», acrescentando que «apanhou um susto enorme, pensou que ia morrer sem se aperceber o porquê de tal simultaneidade do evento».
Apenas se provou que o autor se assustou com o embate do JB na pedra.
Dispõe o art. 496º, nº 1, do CC, que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
Segundo Menezes Cordeiro[43], «quando estejam em causa valores morais – portanto, atinentes à pessoa, à família, à dignidade, à saúde e ao bom nome – a responsabilidade civil deve assumir uma postura mais avançada, retribuindo o mal e prevenindo ofensas (…) há pois que facilitar a imputação aquiliana, no tocante a danos morais, quer aligeirando – quanto a correcta interpretação da lei o permita – os seus pressupostos, quer reforçando as indemnizações».
A terminologia utilizada no art. 496º, nº 1, «danos não patrimoniais», não se mostra indiferente a esse possível alargamento da intensidade da protecção dos danos não patrimoniais.
De acordo com Almeida Costa, «o Cód. Civ. rejeitou a designação dano moral, que se generalizou entre nós por influência francesa. Preferiu-se a expressão dano não patrimonial, corrente na Alemanha e na Itália, sem dúvida mais rigorosa, pois inclui, tanto os danos morais propriamente ditos (os que resultam da ofensa de bens ou valores de ordem moral), como os danos estéticos, os sofrimentos físicos, etc.» [44].
Os danos não patrimoniais são definidos pela negativa.
Ainda para Almeida Costa[45], danos não patrimoniais são danos insuscetíveis de avaliação pecuniária, reportando-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Semelhantemente, para Galvão Telles[46], os danos não patrimoniais são prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo... Há a ofensa de bens de carácter imaterial - desprovidos de conteúdo económico, insuscetíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro.
Também Antunes Varela identifica os danos não patrimoniais com os «prejuízos (como as dores físicas, os desgosto morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária»[47].
O art. 496º, nº 1, do Cód. Civil, erigiu a gravidade do dano como única condição de ressarcibilidade.
A gravidade do dano não patrimonial mede-se, conforme é hoje unanimemente entendido, por um padrão objetivo, embora tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando-se fatores suscetíveis de sensibilidade exacerbada ou requintada e aprecia-se em função da tutela do direito[48].
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, «a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)» [49].
Antunes Varela afirma ainda que a gravidade do dano «apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado»[50].
Assim, não relevam para efeitos de indemnização por danos de natureza não patrimonial os simples incómodos ou contrariedades[51].
Segundo Maria Manuel Veloso, «o recurso à gravidade do dano como critério delimitador franqueia a porta a uma ponderação baseada na dignidade, no valor intrínseco, do bem ou interesse jurídicos.
Danos consequentes a lesões de bens da personalidade podem ser rotulados, em regra, como graves, mas já não meros atentados à propriedade. Não existe, no entanto, um absoluto paralelismo entre a gravidade do dano e a dignidade do bem jurídico, porquanto outros factores podem conferir esse carácter ao dano (ainda que o interesse a proteger não figure como um interesse supremo). Assim ocorre, de facto, com a intensidade da lesão (quer em termos temporais, quer em termos de afectação do bem ou interesse em causa); lesões mais intensas provocam danos (mais) graves. Também não é despicienda a censurabilidade da conduta do agente, apta a justificar a qualificação como grave de um dano que pelos outros critérios (dignidade e intensidade) poderia quedar sem protecção.
Cabe também indagar se existe uma componente subjectiva no apuramento da gravidade dos danos. A jurisprudência cita amiúde, como se de um refrão se tratasse, as seguintes palavras de Antunes Varela: "a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)". O critério é (e, na nossa opinião, não pode deixar de ser), no entanto, alvo de certa contemporização. A casuística relativa a danos causados por lesão dos direitos de personalidade e no âmbito das relações de vizinhança revela, pelo menos aqui, uma forte tendência para valorar o dano não patrimonial à luz de factores atinentes à especial sensibilidade do lesado. A doença, a idade, a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais são tidas em conta, sem que paralelamente se forneça qualquer explicação para um tratamento de favor destes lesados. Poder-se-ia ser tentado a pensar que tal tratamento decorreria da "centralidade" do dano decorrente de lesões corporais e de lesões de direitos da personalidade. A prioridade concedida aos direitos de personalidade parece, no entanto deixar à margem, alguns desses direitos, precisamente o direito à integridade física. Ainda que, a título exemplificativo, exista um quadro subjectivo de dor mais intensa do que se poderia esperar face às lesões verificados, factor que é geralmente sublinhado na elaboração de um relatório pericial, onde é indicado qual o grau de dor a que corresponderiam grosso modo essas lesões, não é descabido pensar que o julgador se aterá a este último, preterindo o estado subjectivo relatado.
Inclinamo-nos a pensar que a mencionada diferença reflecte apenas o facto de ao existir uma maior margem de apreciação, por impossibilidade de recurso a factores objectivos (por exemplo, critérios médico-legais), o julgador sentir de uma forma mais premente a necessidade de chamar à colação todos os factores que compõem a imagem da lesão. Ora, nestes casos, não choca atender a especiais características do lesado. Parece-nos, aliás, que elas devem ser tidas em consideração, como regra geral. O que se pretende é afastar pretensões que converteriam meros incómodos, pequenas contrariedades, em danos juridicamente relevantes. Não pode a mera perspectiva do lesado, que compreensivelmente em muitos casos sobrevalorizará a sua lesão, prevalecer face a uma dose de objectividade (quiçá, mero bom senso), ainda que ao julgador se exija uma análise sobre as razões que podem ter levado o lesado a afastar-se do “atte­giamento” tido como o sócio-culturalmente aceitável, em dado circunstancialismo sócio-temporal.
O dano não patrimonial grave “et pour cause” ressarcível mostra, cotejando com a outra categoria de dano, uma maior permeabilidade a factores subjectivos (perspectiva do lesado). Permeabilidade também, e mais visível, aos factores tempo e espaço, que interferem na definição da gravidade do dano.
É incontestável que o elemento tradicional do dano é um elemento em transformação podendo dar origem a um direito da responsabilidade muito diferente do direito com a configuração tradicional. Em Portugal, três factores relacionados com os danos não patrimoniais contribuíram para uma das vertentes dessa transformação que se traduziu na extensão progressiva da responsabilidade civil. Menezes Cordeiro refere a este propósito expressamente o afastamento da reparação simbólica e o aumento progressivo dos montantes de indemnização. (…).
O fenómeno da extensão não pode ser evocado para justificar o reconhecimento de qualquer dano, nem para manter, “ad perpetuam”, a ressarcibilidade de danos não patrimoniais que de acordo com a evolução sócio-cultural se apresentam desajustados. (…).

(…) não pode o reconhecimento da gravidade de um dano escudar-se na ideia de que a expansão da área dos danos não patrimoniais determina um aligeiramento dos critérios e, por conseguinte, um quase imediato reconhecimento. A tentação da ligeireza na apreciação desses pressupostos deve, outrossim, ser contrariada. Esta tarefa encontra-se, de todo o modo, hoje amplamente facilitada. O julgador, atendendo ao caso concreto, não deixará de recorrer a tipologias (mais ou menos consolidadas em termos doutrinais e jurisprudenciais) de danos não patrimoniais.
(…).

De entre os tipos mais salientes, destaque-se o dano moral em sen­tido próprio ou subjectivo, ou seja, a humilhação, a angústia, a vergonha, a ansiedade. Nele se inclui a própria dor, dor essa que no direito português abrange as duas componentes insertas no termo anglo-saxónico “pain anrl sufféring”. A dor física e o sofrimento moral são meras componentes do dano da dor e apesar de não existir regime diferente correspondente a essas duas componentes, propendemos para considerar que deve o julgador descrever a causa (dor, mera ansiedade, etc.) ou as formas de manifestação do dano moral»[52].
Perante estes considerandos e estando apenas provado que em consequência do embate do JB na pedra, o apelante se assustou, conclui-se que não logrou fazer prova de danos não patrimoniais, merecedores, pela sua gravidade, da tutela do direito.
Termos em que improcedente a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
*

Face ao acima decidido quanto à improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida, fica prejudicada a ampliação do objeto do recurso do autor, formulada tanto pela ré, como pela interveniente, nas respetivas contra-alegações, nos termos e para os efeitos do art. 636º, nº 2, 2ª parte, do CPC, nas quais impugnam a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo apelante.
*

4–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante, nos termos do art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.



Lisboa, 24 de outubro de 2017


(José Capacete)
(Carlos Oliveira)
(Maria Amélia Ribeiro)



[1]Doravante identificado apenas por JB.
[2]Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Ed., Almedina, 2017, p. 147 (o destacado a negrito é da nossa autoria).
[3]Ob. cit., p. 159, nota 264.
[4]Veja-se a vasta jurisprudência do STJ citada neste aresto a propósito da questão em apreço.
[5]Sobre cada uma das situações em que deve verificar-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto, cfr. Abrantes Geraldes, Ob. cit., pp. 158-159.
[6]O destacado a negrito é da nossa autoria.
[7]O destacado a negrito é da nossa autoria.
[8]Não obstante a melhor técnica processual ser aquela que fazia corresponder um quesito a um facto, neste caso, o tribunal a quo, ao arrepio daquela regra, optou por integrar três factos num só artigo da base instrutória.
[9]Como se viu, é pelas conclusões apelante se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso.
[10]Temas da Reforma do Processo Civil, 4ª. edição, II volume, Almedina, 2010, p. 223.
[11]Cfr. Acs. do STJ de 30.11.2010 (Cons. Alves Velho), de 28.06.2011 (Com. Sebastião Póvoas) e de 24.04.2013 (Cons. Lopes do Rego), todos in www.dgsi.pt.
[12]Reporta-se à testemunha Fernando ... ... ....
[13]«O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes». Este preceito corresponde ao art. 655º do CPC/1995-96:
«1.-O tribunal coletivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2.-Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada».
[14]Cfr. Ac. da R.C. de 03.10.2000, XXV, 4º, 28.
[15]Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol., 3ª Ed., Almedina, 2000, p. 201.
[16]Idem, ibidem.
[17]Idem, p. 273.
[18]Cfr. Ac. da R.C. de 25.05.2004, Proc. nº 17/04 (Jorge Arcanjo ...), in www.dgsi.pt.
[19]Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., Coimbra Editora, 1985, p. 661.
[20]Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[21]Cfr. Abrantes Geraldes, Temas cit., p. 256.
[22]Idem, ibidem.
[23]Idem, p. 259.
[24]É da nossa autoria o destacado a negrito em a) a c).
[25]«Solo sub-judice», como constava da redação inicial deste ponto de facto é, no caso concreto, uma expressão inadequada, além de em nada relevar para a decisão da presente causa.
[26]Salvo o devido respeito, não há «danos constantes de fls. 32 a 34»; quando muito, há «danos descritos no documento de fls. 32 a 34», sendo certo que os documentos não são factos, mas meios de prova suscetíveis de, através deles, se provarem factos. Por isso, a boa técnica jurídico-processual aconselharia a que na sentença se descriminassem, um a um, os concretos estragos que se provou o JB ter sofrido em consequência do embate na pedra.
[27]rata-se de um enunciado de facto repetido face ao teor dos itens 21. e 24..
[28]Em sede de matéria de facto não provada, este considera não escrito o enunciado vertido em 2.2.14 da sentença recorrida, por se tratar de matéria de cariz manifestamente conclusivo.
[29]Entendimento que, conforme se afirma no acórdão que vimos acompanhando, «entendimento que não desrespeita as normas constitucionais, designadamente as constantes dos arts. 227º e 228º, da CRP. Sobre os poderes das regiões autónomas, designadamente sobre o poder legislativo regional cf. CRP, anotada, Gomes Canotilho e Vital Moreira»
[30]Lê-se no mesmo acórdão que «a questão da natureza jurídica da responsabilidade cível das concessionárias de estradas, envolvendo pagamento de portagens pelos utentes, tem dividido a doutrina e a jurisprudência, sustentando uns tratar-se de responsabilidade extracontratual (v.g. os Profs. Meneses Cordeiro - in Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas auto-estradas, Estudo do Direito Civil Português, 2004, pág. 56 e Carneiro da Frada in parecer apresentado na Revista do STJ n° 650/07) e outros a responsabilidade contratual (v.g. Prof. Sinde Monteiro in Revista de Legislação e Jurisprudência anos 131- 41 e segs., 132°, 29. Na jurisprudência, entre muitos, pode ver-se o Ac. do STJ de 22 Junho 2004 (JusNet 3549/2004)».
[31]Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2003, p. 573.
[32]R.L.J., Ano 131º, nºs 3888-3889, pp. 49-50.
[33]Das Obrigações cit., pp. 539-540.
[34]Direito das Obrigações, 8ª Ed., Almedina, 2000, pp. 506-507.
[35]Direito das Obrigações, Vol. I, 8ª Ed., 2009, pp. 297-298.
[36]Tratado de Direito Civil, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, 2010, pp. 451-452.
[37]R.L.J., Ano 131º, nº 3889, pp. 107-110.
[38]Para Antunes Varela, Das Obrigações cit., p. 598, «o dano é a perda “in natura” que o lesado sofreu em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea.
(…).
Ao lado do dano assim definido, há o dano patrimonial – que é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado».
[39]Para Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª Ed., Almedina, 2008, pp. 591 a 599, dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.
[40]Para Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º Vol., Ed. d AAFDL, 1980, pp. 283 e 300, dano é a «diminuição de uma qualquer vantagem tutelada pelo direito, ou de um bem, em sentido amplo, que seja protegido».
[41]Sobre as diversas noções de «dano», cfr. Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, Vol. I, Coimbra Editora, 2009, p. 528.
[42]No local citado na nota 46.
[43]Da Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, Lisboa, 1997, pp. 482, ss.
[44]Direito das Obrigações, 8ª Ed., Almedina, 2000, p. 541, nota 1.
[45]Revista de Direito Civil, 2000, pp. 189 a 193,
[46]Direito das Obrigações, 6ª Ed., Coimbra Editora, 1989, pp. 379/371
[47]Das Obrigações cit., pp. 602 ss.
[48]Cfr. Manuel Pereira Augusto de Matos, Dano patrimonial e não patrimonial. Avaliação dos danos no tribunal em grandes traumatizados, crianças e idosos, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Edição APADAC – Associação Portuguesa de Avaliação do Dano Corporal, Instituto de Medicina Legal de Coimbra, Novembro 2000 – Ano IX – N.º 10, pág. 32); no mesmo sentido, Ac. do S.T.J. de 26.06.1991, B.M.J. 408º, 538.
[49]Cód. Civil Anotado, Vol. I, 4ª Ed., Coimbra Editora, 1987, p. 499, nota 1.
[50]Das Obrigações cit., p. 606
[51]Cfr. Acs. do S.T.J., de 12.10. 1973 e de 18.11.1975, B.M.J. 230, 107 e 251º, 148.

[52]Danos Não Patrimoniais, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. III, Direito das
Obrigações, 2007, págs. 505 a 512,