Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
320/15.0T8FNC.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
FALTA DE PAGAMENTO DO SUBSÍDIO DE NATAL
CADUCIDADE
DIREITO DISPONÍVEL
PROPORCIONAIS DE FÉRIAS
ANO DA CESSAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I.O prazo de 30 dias subsequente ao conhecimento dos factos que fundamentam o direito do trabalhador resolver o contrato de trabalho é de caducidade, porquanto a lei não se lhe refere expressamente como sendo de prescrição (art.os 395.º, n.º 1 do CT e 298.º, n.º 2 do CC).
II.Porque o trabalhador pode acordar com o empregador a cessação do contrato de trabalho, a sua resolução é para ele um direito disponível (art.os 340.º, alínea b) e 349.º e seguintes do CT).
III.Por isso, a caducidade da resolução do contrato de trabalho efectuada pelo trabalhador não é de conhecimento oficioso pelo Tribunal (art.os 333.º, n.os 1 e 2 e 303.º do CC).
IV.A lei presume, iuris et iure, a existência de justa causa para o trabalhador resolver o contrato caso o empregador lhe não pague a retribuição por um período de 60 dias (art.º 394.º, n.º 5 do CT).
V.O valor diário das férias não gozadas nem pagas proporcionais ao ano da cessação do contrato de trabalho corresponde não a 1/30 mas, outrossim, a 1/22 da retribuição mensal (art.os 238.º, n.º 1 e 264.º, n.º 1 do CT).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra BB, S. A., pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia total de € 7.907,10, sendo € 722,85 relativamente a 19 dias de férias não gozadas em 2013, € 2.301,75 do subsídio de Natal, férias e respectivo subsídio proporcionais à duração do contrato em 2013 e € 4.883,50 de indemnização prevista no art.º 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho, alegando, em síntese que, tendo sido admitida ao serviço da ré em 01-07-2007, sob a autoridade e direcção desta, mediante a retribuição base mensal de € 837,00, em 14 de Maio de 2014 comunicou-lhe a sua decisão de resolver o contrato com fundamento em que ela lhe pagou com atraso diversos salários, estando ainda em dívida o subsídio de Natal de 2013, o que a obrigou a abandonar a sua habitação, tomada de arrendamento ao gerente da mesma, sendo que tais atrasos nos pagamentos provocaram uma depressão que demandou tratamento médico e, por fim, que entrou na situação de baixa em 27/11/2013, não tendo regressado ao serviço.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Na sequência da notificação para esse efeito, a ré contestou, por impugnação contraditando os factos e por excepção, invocando a compensação de créditos no montante de € 3.099,78, concluindo pela sua absolvição do pedido ou pela compensação de créditos.

A autora respondeu à matéria de excepção alegada na contestação, concluindo como na petição inicial.

Foi proferido despacho a designar uma audiência de preliminar com a finalidade de conhecer do pedido.

Foi lavrado despacho saneador e, subsequentemente, proferido despacho, para valer como sentença, no qual conheceu do mérito da causa e julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora as quantias de € 530,10, relativamente a 19 dias de férias vencidas em 01-01-2013 e não gozadas, € 760,20 do subsídio de Natal de 2013, € 1.125,39 de férias não gozadas e respectivos subsídio, vencido em 2014 e proporcional à duração do trabalho prestado em 2013, perfazendo a quantia de € 2.415,60 e absolveu-a do demais pedido.

Inconformada, a autora interpôs recurso, pedindo que o despacho proferido, com valor de sentença, seja revogada e, em consequência, reconhecida a existência de justa causa para a resolução ou, caso assim não se entender, deverá a acção prosseguir para que seja apurada a matéria de facto alegada na sua petição inicial, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
(…)

A ré não contra-alegou.

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa o relator proferiu despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e determinou-se que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito tendo nessa sequência o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto proferido o seguinte parecer:
(…)

Notificados, só a recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, mas sem aportar qualquer novidade relevante.

Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4]

Assim, importa saber se:

i.Considerando o acordo das partes, deve:
a)acrescentar-se ao facto provado enumerado em 4 que "a ré, pelo menos desde o início de 2013, deixou de pagar à autora a retribuição";
b)aditar-se aos factos provados que:
•"nessa comunicação a autora invocou que as sucessivas faltas de pagamento [da retribuição] estão na origem de uma profunda depressão que me tem obrigado a sistemáticos tratamentos médicos e que lhe não foram pagos dezanove dias úteis de férias";
•"a autora recebia um subsídio regular que lhe foi unilateralmente retirado pela ré com efeitos a 01-01-2014"; e
•"sendo repetidamente afirmado pelos responsáveis da ré que as expectativas eram muito escassas quanto ao pagamento dos salários";

ii.a caducidade da rescisão do contrato de trabalho efectuada pelo trabalhador é de conhecimento oficioso e quais as consequências daí decorrentes;

iii.a retribuição referente ao pagamento dos dezanove dias úteis de férias e aos onze/doze avos de férias e subsídio de férias a que a autora tem direito não pode ser efectuada com referência a dias de calendário mas sim à proporção entre a retribuição mensal e os dias úteis, tendo esta a haver a esse título as quantias de € 722,85 e € 1.535,50;

iv.a não procederem os fundamentos invocados pela autora, devem ser sujeitos a prova os artigos 14.º e 16.º da petição inicial.
***

II-Fundamentos.

1.Factos julgados provados:

1-A autora foi admitida ao serviço da ré, em 01/07/2007, sob a autoridade e direcção desta.
2-E auferindo ultimamente a retribuição base mensal de € 837,00.
3-A autora entrou na situação de baixa em 27/11/2013, não tendo regressado ao serviço.
4-A autora, em 14 de Maio de 2014, comunicou à ré a sua decisão de resolver o contrato, alegando que "a ré lhe pagou com atraso diversos salários, estando ainda em dívida o subsídio de Natal de 2013, o que a obrigou a abandonar a sua habitação, tomada de arrendamento ao gerente da ré, sendo que tais atrasos nos pagamentos provocaram uma depressão que demandou tratamento médico".

3.O direito.

3.1.-Vejamos então as questões atrás enunciadas.
Com a primeira delas, pretende a recorrente que, considerando o acordo das partes, deve acrescentar-se ao facto provado enumerado em 4 que "a ré, pelo menos desde o início de 2013, deixou de pagar à autora a retribuição" e aditar-se aos factos provados que "nessa comunicação a autora invocou que as sucessivas faltas de pagamento estão na origem de uma profunda depressão que me tem obrigado a sistemáticos tratamentos médicos", "a autora recebia um subsídio regular que lhe foi unilateralmente retirado pela ré com efeitos a 01-01-2014" e sendo repetidamente afirmado pelos responsáveis da ré que as expectativas eram muito escassas quanto ao pagamento dos salários".

A lei confere ao trabalhador o direito a rescindir o contrato de trabalho caso para isso ocorra justa causa,[5] o que no entanto só pode fazer por comunicação escrita dirigida ao empregador, com indicação sucinta dos factos que a justificam, no prazo de 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos.[6] Sabendo-se que quando a lei estabelece que um direito deva ser exercido dentro de certo prazo este se considera de caducidade, a menos que a mesma refira expressamente que o é de prescrição,[7] uma vez que a lei nada refere acerca da natureza daquele prazo, forçoso é concluir que se trata de um prazo de caducidade e não de prescrição.[8] Cabe referir, por fim, que "o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa acorrer a partir do momento em que o direito puder legalmente ser exercido".[9]
Deste modo, tem interesse saber desde quando a ré deixou de pagar a retribuição à autora uma vez que, sendo este um facto pessoal desta a mesma teve dele conhecimento desde a sua verificação e, portanto, é a partir daí que se conta o prazo de caducidade.
Por outro lado, importa ter em conta que, segundo o disposto no art.º 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil,[10] "consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior".

Indo agora ao caso concreto, diremos que a autora alegou no art.º 5.º da petição inicial que "a ré, pelo menos desde o início de 2013, deixou de pagar à autora a retribuição" e que a ré não contestou especificadamente esse facto nem o mesmo se encontra em contradição com a defesa globalmente considerada. Por outro lado, é facto livremente confessável pelo empregador[11] e pode demonstrar-se por qualquer meio de prova.[12]

Assim sendo, não tendo a ré tendo impugnado aquele facto alegado pela autora, terá o mesmo que se considerar provado, por acordo de ambas.


3.2.-Por outro lado, a recorrente pretende que se adite três factos aos julgados provados, sendo o primeiro deles que "nessa comunicação a autora invocou que as sucessivas faltas de pagamento [da retribuição] estão na origem de uma profunda depressão que me tem obrigado a sistemáticos tratamentos médicos e que lhe não foram pagos dezanove dias úteis de férias".
Os factos tal qual agora referidos pela recorrente não foram assim alegados na petição inicial mas a verdade é que corresponde ao conteúdo do documento n.º 2 que com juntou com esse articulado. Embora, note-se, tenha então alegado que "em 14/5/2014 foi forçada a rescindir o contrato, invocando justa causa para tal. (Docs. 2 e 3)".[13] E a verdade é que a ré verdadeiramente não impugnou esse documento, sobre ele alegando que "conforme até se pode verificar pela aludida carta junta aos presentes autos (cfr. doc. n.º 2 junto à p. i.), o motivo invocado pela trabalhadora não consubstancia uma justa causa de rescisão do contrato de trabalho, nos termos do preceituado no artigo 394.º do Código do Trabalho".[14] Ou seja, a ré admitiu que a autora lhe remeteu o documento e o conteúdo dele, mas discordou da recorrente acerca do sentido a dar ao seu conteúdo.
Ora, na petição inicial o autor deve, além do mais, "expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir".[15] Já os documentos que com ela sejam juntos pelo autor servem, com outros meios de prova, primordialmente à demonstração da realidade desses factos.[16] Daí que, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, "a simples junção de documentos não substitui o ónus de alegação dos factos integrantes da causa de pedir (art.º 467.º, n.º 1, c) do CPC)" e que, como também ali foi admitido, "o art.º 659.º, n.º 3, do CPC [agora art.º 607.º, n.º 4 do CPC de 2003], ao mandar atender, na sentença, aos factos 'provados por documentos', deve ser interpretado no sentido de esses factos apenas serem relevantes quando tiverem sido oportunamente alegados, de modo expresso ou por remissão para tais documentos".[17]

Tendo isso presente, por um lado deve considerar-se como tendo sido alegado pela autora que "nessa comunicação a autora invocou que as sucessivas faltas de pagamento [da retribuição] estão na origem de uma profunda depressão que me tem obrigado a sistemáticos tratamentos médicos e que lhe não foram pagos dezanove dias úteis de férias" e, por outro, julgar esses factos como provados, por confissão da ré.[18] Porém, o primeiro consta já do facto provado enumerado em 4 (parte final), pelo que se acrescentará apenas o segundo.

3.3.-A recorrente pretende ainda que se adite aos factos julgados provados que "a autora recebia um subsídio regular que lhe foi unilateralmente retirado pela ré com efeitos a 01-01-2014", invocando que a ré não pôs em causa os factos alegados nos artigos 3.º, 4.º e 17.º da petição inicial.
Como dissemos atrás, a lei confere ao trabalhador o direito a rescindir o contrato de trabalho caso para isso ocorra justa causa e, dizemo-lo agora, nesse caso acrescenta o direito a uma indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades e, no caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.[19]
Deste modo, sendo a indemnização a que porventura a recorrente tenha direito calculada a partir dos valores da retribuição base e das diuturnidades, não interessa à boa solução do litígio saber que a recorrida lhe retirou um subsídio que, pese embora regularmente pago, não se integra tanto na retribuição base como nas diuturnidades. Pelo que, embora alegado pela recorrente na petição inicial, aquele facto não tinha nem tem que ser objecto de decisão, quer como provado, quer como não provado.[20]

3.4.-Finalmente, sustenta a recorrente que deve aditar-se aos factos provados o seguinte, por ela alegado no art.º 17.º da petição inicial: "Sendo repetidamente afirmado pelos responsáveis da ré que as expectativas eram muito escassas quanto ao pagamento dos salários".
Esse facto não foi impugnado pela ré,[21] pelo que, se relevante, em princípio se consideraria admitido por acordo das partes, nos termos atrás referidos.
A lei estabelece que "considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição … quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo".
Não revestindo a forma escrita, é irrelevante para o caso a repetida afirmação feita pela recorrida acerca das escassas expectativas de pagamento dos salários da recorrente.
 
Assim sendo, a matéria de facto provada é a seguinte:

1-A autora foi admitida ao serviço da ré, em 01/07/2007, sob a autoridade e direcção desta.
2-E auferindo ultimamente a retribuição base mensal de € 837,00.
3-A autora entrou na situação de baixa em 27/11/2013, não tendo regressado ao serviço.
4-A ré, pelo menos desde o início de 2013, deixou de pagar à autora a retribuição.
5-A autora, em 14 de Maio de 2014, comunicou à ré a sua decisão de resolver o contrato, alegando que "a ré lhe pagou com atraso diversos salários, estando ainda em dívida o subsídio de Natal de 2013, o que a obrigou a abandonar a sua habitação, tomada de arrendamento ao gerente da ré, sendo que tais atrasos nos pagamentos provocaram uma depressão que demandou tratamento médico e que lhe não foram pagos dezanove dias úteis de férias".
6-Nessa comunicação a autora também invocou as sucessivas faltas de pagamento da retribuição.

3.5.-Cabe agora apurar se a caducidade da rescisão do contrato de trabalho efectuada pelo trabalhador não é de conhecimento oficioso pelo Tribunal. E desde já diremos que lhe assiste razão.

Como ficou dito, a lei confere ao trabalhador o direito a rescindir o contrato de trabalho caso ocorra justa causa para isso,[22] o que só pode fazer por comunicação escrita dirigida ao empregador, com indicação sucinta dos factos que a justificam, no prazo de 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos.[23]

Quando a lei estabelece que um direito deve ser exercido dentro de certo prazo este considera-se de caducidade, a menos que a mesma refira expressamente que o é de prescrição,[24] uma vez que a lei nada refere acerca da natureza daquele prazo, forçoso é concluir que se trata de um prazo de caducidade e não de prescrição.[25]

Convém ainda à boa solução da questão sub iudicio lembrar que a cessação do contrato de trabalho é um direito disponível (também) para o trabalhador, pois que o mesmo pode acordar com o empregador a sua cessação.[26]

Finalmente, importa referir que "a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes", pelo que, consequentemente, "se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no art.º 303.º".[27] Ou seja, segundo este último normativo, "o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público".[28]

Ora, como certeiramente se refere nas conclusões do recurso, a ré não invocou factos que tendessem a demonstrar a caducidade do direito da recorrente rescindir o contrato de trabalho que com ela mantinha e, assim sendo, é pacífico o Tribunal não poderia dela conhecer, como conheceu. Daí que mais adiante cumpra apreciar se à recorrente assistia causa para assim proceder e quais as consequências daí decorrentes.

3.6.-Mas antes disso cumpre apreciar se a retribuição referente ao pagamento dos dezanove dias úteis de férias vencidos em 01-01-2013 e aos onze/doze avos de férias e subsídio de férias proporcionais à plena produção de efeitos do contrato no ano de 2013[29] a que a autora tem direito não pode ser efectuada com referência a dias de calendário mas sim à proporção entre a retribuição mensal e os dias úteis, tendo esta a haver a esse título as quantias de € 722,85 e € 1.535,50.

A sentença recorrida fundamentou assim a decisão relativa aos créditos salariais reclamados pela recorrente:
"A autora peticiona € 722,85 relativamente a 19 dias de férias vencidas em 01-1-2013 e não gozadas. Tal direito emerge directamente do código, sendo que a ré não excepcionou o pagamento.
O seu cálculo encontra-se, todavia errado. Com efeito, atenta a retribuição base mensal de € 837,00, aos 19 dias corresponde a quantia de € 530,10.
Mais pede a autora € 2.301,75 do subsídio de Natal, férias e respectivo subsídio proporcionais à duração do contrato em 2013 (certamente na consideração de que, quanto às ferias e respectivo subsidio, que se venceriam em Janeiro de 2014, sofreram a contingência da suspensão do contrato de trabalho devido à baixa prolongada que ocorreu em 27-11-2013. O seu direito é indiscutível, havendo que proceder aos respectivos cálculos.
Quanto ao subsídio de Natal, deve o mesmo ser calculado em € 760,20.
Quanto às férias e considerando que a autora teria direito, pela totalidade do ano, a 22 dias, deve ser calculada a quantia de € 562,65, sendo igual quantia a título de subsídio de férias".

Por sua vez, a recorrente sustenta a sua pretensão na seguinte ordem de ideias:
24. A retribuição referente ao pagamento dos dezanove dias úteis de férias e aos onze/doze avos de férias e subsídio de férias a que a A. tem direito, não pode ser efectuada com referência a dias de calendário, mas sim à proporção entre a retribuição mensal e os dias úteis.
25.Tendo a A. a haver a esse título as quantias de € 722,85 e € 1.535,50.

Embora o não tenha explicitado, a sentença recorrida considerou que o direito da recorrente resultava da divisão da retribuição mensal por 30 (por tantos serem os dias do mês) e subsequente multiplicação do produto por 19 (por serem esses os dias de férias a que tinha direito); já a recorrente multiplicou a retribuição mensal por 19 (por serem esses os dias de férias a que tinha direito) e dividiu o produto por 22 (por serem esses os dias de férias a que teria direito se trabalhasse todo o ano).[30]

No que ao caso interessa, a lei estabelece que "o período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis",[31] como tal se considerando "os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com excepção de feriados",[32] sendo que "a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo".[33]

E assim sendo, o cálculo do valor diário das férias não gozadas nem pagas proporcionais ao ano da cessação corresponderá não a
1/30 da retribuição mensal (no caso: € 837,00 : 30 = € 27,90) mas, outrossim, a 1/22 da retribuição mensal (no caso: € 837,00 : 22 = € 38,04). Destarte, tendo a recorrente direito a receber 19 dias de férias proporcionais, isso equivale a (€ 38,04 x 19 =) € 722,76.

No que concerne às férias e subsídio de férias proporcionais ao tempo de plena produção de efeitos do contrato no ano de 2013 (11 meses, tendo no outro estado suspenso) vale o mesmo princípio: o número de dias de férias e de respectivo subsídio[34] a que a recorrente tem direito corresponde a 11/12 de 22 dias, vale dizer, 20 dias. Pelo que se cada dia era remunerado por € 38,04, o valor das férias é de € 760,80 e outro tanto o subsídio, perfazendo o total de € 1.521,60.

3.7.-Finalmente, importa saber se à autora assiste direito a ser indemnizada em razão da rescisão do contrato que promoveu contra a recorrida.
No que interessa ao caso sub iudicio, o trabalhador pode resolver o contrato de trabalho com fundamento na falta de pagamento da retribuição, com direito a indemnização, caso essa situação se prolongue por um período de 60 dias,[35] desde que o faça por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam.[36] Caso em que a lei presume, iuris et iure, a existência de justa causa para resolver o contrato.[37]

No caso, apurou-se que "a ré, pelo menos desde o início de 2013, deixou de pagar à autora a retribuição" e que esta, em 14-05-2014, lhe comunicou, por escrito,[38] a sua decisão de resolver o contrato, alegando, além do mais, "as sucessivas faltas de pagamento da retribuição".

Dado que a comunicação deve indicar sucintamente os factos, tal significa que não tem que ser pormenorizada, como por exemplo acontece com a nota de culpa.[39] E uma vez que o pagamento da retribuição ou, como no caso, a falta dele, é um facto pessoal da recorrida, aquela simples menção da recorrente permitia-lhe saber exactamente quais delas estavam em falta e, por consequência, considera-se cumprido o requisito legal para resolver o contrato.
Destarte, atendendo a que o período do incumprimento praticamente alcançou o ano e meio, não pode deixar de se considerar essa conduta por si justificativa da resolução do contrato de trabalho por parte da recorrente, a quem não era razoável exigir, nessas circunstâncias, que mantivesse a relação laboral com a recorrida.[40]

Pelo que não restam dúvidas de que à recorrente assiste o direito a ver a recorrida condenada a pagar-lhe a indemnização acima referida, a qual se determina entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades,[41] sendo que no caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.[42]

Não se conhecem as razões concretas que levaram a recorrida a não cumprir a obrigação, pelo que se terá que a calibrar pelo mínimo, como de resto foi considerado pela recorrente.

Deste modo, uma vez que a retribuição da recorrente era de € 837,00 mensais e que a sua antiguidade era de 6 anos e 10 meses, a indemnização a que a mesma tem direito corresponde a 6 meses mais 10/12 de um mês da retribuição, isto é, € 837,00 x 6 + (837,00 x 10 / 12) = € 5.719,50. E não € 4.882,50, como referido pela recorrente no art.º 22.º da sua petição inicial, mas a que se terá que atender por não ser caso de direito indisponível.[43]

Em resumo, com isto ficando precludido o conhecimento da última questão, diremos que a recorrente tem direito a haver da recorrida:

•€ 722,76, relativamente a 19 dias de férias vencidas em 01-01-2013 e não gozadas;
•€ 760,20, do subsídio de Natal de 2013;[44]
•€ 1.521,60, de férias não gozadas e respectivos subsídio proporcionais ao trabalho prestado em 2013;
•€ 4.882,50, de indemnização pela resolução do contrato;
•tudo perfazendo a quantia global € 7.887.06.
***

III - Decisão.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, alterar a decisão recorrida:
i.-quanto à matéria de facto, nos termos nos termos atrás referidos;
ii.-no mais, estabelecer em € 7.887.06 (sete mil oitocentos oitenta e sete euros e seis cêntimos) a quantia em que a recorrida é condenada a pagar à recorrente a título de créditos laborais e indemnização pela cessação do contrato de trabalho, absolvendo-se a mesma do demais pedido.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
***


Lisboa, 18-05-2016.


António José Alves Duarte
Eduardo José Oliveira Azevedo
Maria Celina de Jesus de Nóbrega



[1] Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2] Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3] Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4] Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5] Art.º 294.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[6] Art.º 350.º, n.º 12 do Código do Trabalho.
[7] Art.º 298.º, n.º 2 do Código Civil.
[8] Neste sentido segue toda a jurisprudência, como foi o caso do acórdão da Relação de Évora, de 11-02-20016, no processo n.º 318/13.2TTPTM.E1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[9] Art.º 328.º do Código Civil.
[10] Aplicável ao processo laboral por força do art.º 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
[11] O contrato de trabalho pode ser revogado por acordo das partes, conforme decorre dos art.os 340.º, alínea b) e 349.º e seguintes do Código do Trabalho, pelo que nada impede que o empregador aceite que deve retribuições ao trabalhador.
[12] Conforme já decidiu esta Relação de Lisboa, em acórdão de 18-11-2009, no processo n.º 243/07.6TTCLD.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt, "os art.os 94.º da LCT e 267.º, n.º 3 do CT de 2003 [correspondendo ao art.º 276,º do CT de 2009], ao exigirem que, no acto de pagamento da retribuição, o empregador entregue ao trabalhador documento onde conste o período a que respeita a retribuição, com a discriminação da retribuição base e das demais remunerações, não contêm qualquer regra de direito probatório que afaste o princípio geral da liberdade de prova, pelo que nada impede que o empregador prove, através do recurso a outros meios de prova, incluindo a testemunhal e a confissão, o pagamento da retribuição e de outras prestações salariais". No mesmo sentido decidiu ainda a em acórdão de 19-05-2010, no processo n.º 134/09.6TTTVD.L1-4, também publicado em http://www.dgsi.pt.
[13] Art.º 18.º da petição inicial.
[14] É certo que a ré alegou, no art.º 35.º da contestação, que "impugna-se toda a matéria constante na aludida carta junta aos autos, deverá ser relevado pelo Digníssimo Tribunal, não devendo ser aceite a alegada justa que motivou a rescisão do contrato de trabalho em 14/05/2014", mas, conforme se disse atrás (vd. também art.º 21.º da contestação), o que com isso quis foi apenas contestar que os factos relatados nesse documento correspondessem à realidade, não que dele constassem.
[15] Art.º 552.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
[16] Art.os 341.º e 362.º do Código Civil e 410.º e 423.º do Código de Processo Civil.
[17] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-05-1997, no processo n.º 274/97-1ª Secção, http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=7011&codarea=1.
[18] Art.os 352.º, 355.º, n.º 1 e 358.º, n.º 1 do Código Civil.
[19] Art.º 396.º, n.os 1 e 2 do Código do Trabalho. Note-se que, pese embora esse valor possa ser superior sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado, certo é que tal não poderá acontecer no caso sub iudicio porquanto a autora os não pediu.
[20] Que o Tribunal só tem que proferir decisão acerca dos factos relevantes para a justa composição do litígio, vd. Desembargador Ferreira Marques, Processo Laboral e o Julgamento da Matéria de Facto, página 2, em comunicação apresentada no Colóquio Anual Sobre Direito do Trabalho (2007) organizado pelo Supremo Tribunal de Justiça e publicada em http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquiodtotrabalho2007_ferreiramarques.pdf e o acórdão da Relação de Lisboa, de 07-06-2000, no processo n.º 0042284, publicado em http://www.dgsi.pt.
[21] Pelo contrário, no art.º 38.º da contestação a ré justificou a sua difícil situação financeira com a grave crise conjuntural que o sector atravessa.
[22] Art.º 294.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[23] Art.º 350.º, n.º 12 do Código do Trabalho.
[24] Art.º 298.º, n.º 2 do Código Civil.
[25] Neste sentido segue toda a jurisprudência, como foi o caso do acórdão da Relação de Évora, de 11-02-20016, no processo n.º 318/13.2TTPTM.E1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[26] Art.º 340.º, alínea b) e 349.º e seguintes do Código do Trabalho.
[27] Art.º 333.º, n.os 1 e 2 do Código Civil.
[28] Art.º 303.º do Código Civil (note-se que onde aí se refere prescrição deve entender-se caducidade relativamente a direitos não excluídos da disponibilidade das partes).
[29] Descontando, pois, o tempo da sua suspensão, por impossibilidade da autora o executar, por baixa médica.
[30] Ponto I da alegação do recurso.
[31] Art.º 238.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[32] Art.º 238.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
[33] Art.º 264.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[34] Art.º 264.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
[35] Art.º 394.º, n.º 5 do Código do Trabalho.
[36] Art.º 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[37] Acórdão da Relação de Lisboa, de 30-04-2014, no processo n.º 633/12.2TTFUN.L1-4, da Relação de Coimbra, de 13-12-2012, no processo n.º 923/11.1TTLRA.C1 e da Relação do Porto, de 21-02-2011, no processo n.º 345/10.1TTPNF.P1, publicados em http://www.dgsi.pt.
[38] Carta regista sob registo e com aviso de recepção, que são os documentos n.os 2 e 3 juntos com a petição inicial.
[39] Pedro Romano Martinez Direito do Trabalho, 7.ª edição, Almedina, 2015, página 1035 e seguinte, nota de rodapé 2251.  
[40] Art.º 394.º, n.º 4 do Código do Trabalho.
[41] Art.º 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[42] Art.º 396.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
[43] Art.º 74.º do Código de Processo do Trabalho. Diferente são as coisas durante vigência da relação laboral (por exemplo, prevendo-se a sua limitação ou exclusão no contrato ou depois disso), como oportunamente relevou do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-11-2003, no processo n.º 1270/01, publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano de 2003, tomo III, página 277.
[44] Objecto de decisão na sentença mas excluído do objecto do recurso pela recorrente.