Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
128/05.0SVLSB.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: PRESENÇA DO ARGUIDO
REPRESENTAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: Se o arguido esteve presente nas duas primeiras sessões de julgamento, tendo prestado declarações, mas não compareceu nas duas últimas, sendo que o seu Exm.º Defensor Oficioso esteve presente em todas as sessões, aplica-se o disposto no art.º 332º/5 do CPP, em que se determina que o arguido que se afastou da sala de audiências, é para todos os efeitos representado pelo defensor, pelo que há que entender que, neste caso, a sentença se considera notificada ao Arg. na pessoa do seu Exm.º Defensor, na data da sua leitura.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Na 1ª Secção Criminal da Instância Central de Lisboa, por acórdão de 17/11/2006, constante de fls. 1435/1468-6º vol.[1], para além doutros, foi o Arg.[2] XXX, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 1466-6º vol.), condenado nos seguintes termos:

“…Pelo exposto, o Tribunal Colectivo delibera em julgar parcialmente procedente a acusação e em consequência:

Condena;

O arguido XXX, pela prática de um crime de furto qualificado, p.p., pelos Artsº 203 e 204 n°2 al. e) do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico desta pena com a que lhe foi aplicada no Proc. 162/04.8SDLSB da 1ª Secção do 2º Juízo Criminal de Lisboa, na pena única de 3 (três) anos de prisão. …”.

Não se conformando, Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 1264/1283-8º vol., que deu entrada no tribunal recorrido em 17/03/2015.

O relator, em 03/06/2015, a fls. 1343/1344, nos termos do disposto nos art.ºs 417º/6-b), 420º/1-b) e 414º/2 do CPP[3], proferiu a seguinte decisão sumária de rejeição:

“… O julgamento realizou-se em quatro sessões:

- em 27/09/2006, de manhã (fls. 1345-6º vol. e ss.);

- em 27/09/2006, de tarde (fls. 1351-6º vol. e ss.);

- em 25/10/2006 (fls. 1408-6º vol. e ss.);

- em 17/11/2006 (fls. 1470-6º vol. e ss.), data em que foi lido o acórdão em crise.

O Arg. esteve presente nas duas primeiras sessões, tendo prestado declarações, mas não compareceu nas duas últimas, sendo que o seu Exm.º Defensor Oficioso esteve presente em todas as sessões.

Esta situação está prevista no art.º 332º/5[4] do CPP, em que se determina que o Arg. que se afastou da sala de audiências, é para todos os efeitos representado pelo defensor.

Este art.º prevê uma situação diferente das do julgamento na ausência do Arg. e não dispõe de norma similar à dos art.ºs 333º/5[5] e 334º/6[6] do CPP.

Por isso, há que entender que, neste caso, a sentença se considera notificada ao Arg. na pessoa do seu Exm.º Defensor, isto é, considera-se notificada ao Arg. no dia 17/11/2006.

Este entendimento já foi sufragado pelo Tribunal Constitucional[7].

Não vislumbramos que o prazo de recurso aqui em causa tenha sofrido qualquer suspensão ou interrupção.

Assim, quando o recurso foi interposto, em 17/03/2015, há mais de 8 anos havia decorrido o respectivo prazo e, por isso, deve ser rejeitado.

O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 1262-8º vol., mas esse despacho não vincula o tribunal superior (artº 414º/3 do CPP).

*****
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, decidimos:
a) Rejeitar o recurso interposto;
b) Condenar o Recorrente nas custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC, acrescidas de 3 (três) UC, nos termos do disposto no art.º 420º/3 do CPP. …”.
*

Não se conformando com tal decisão, a fls. 1353/1355, veio o Recorrente dela reclamar para a conferência, o que fez nos seguintes termos:

“…O douto Tribunal da Relação de Lisboa, em decisão sumária, decidiu rejeitar o recurso apresentado pelo arguido XXX porquanto entendeu estar já transitado em julgado o acórdão condenatório de 1 a instancia desde o ano de 2006, não havendo assim lugar ao direito ao recurso.

Discordamos de tal decisão.

A defesa tem conhecimento da jurisprudência existente quanto à notificação da sentença em caso de arguido ausente.

Pelo que é verdade que em casos de falta do arguido na audiência de julgamento em que É NOTIFICADO da data para a leitura da sentença, o prazo para recurso é contado a partir do depósito da sentença porquanto considera-se notificado na pessoa do seu Defensor.

Sucede que no caso em apreço e como bem discriminou o Venerando Desembargador Relator, o julgamento de primeira instancia teve 4 sessões, sendo certo que o arguido apenas compareceu nas duas primeiras, isto é, no primeiro dia de audiência de julgamento, dia 27/09/2006, tendo sido seguramente notificado da segunda data, dia 25/10/2006, à qual faltou.

Ora, na data de 27 de Setembro de 2006, o arguido apenas tomou conhecimento da continuação da audiência de julgamento para o dia 25 de Outubro de 2006, não podendo conhecer da data de 17 de Novembro de 2006, porquanto este ultima data apenas é selecionada em concordância com a agenda dos demais intervenientes processuais, após a finalização da produção de prova que apenas ocorreu em 25 de Outubro de 2006. Assim, seria impossível ao Tribunal NOTIFICAR o arguido XXX, que no dia 17 de Novembro de 2006 seria a data da leitura, porquanto esta ainda não estava sequer agendada.

É precisamente do conhecimento do arguido da data da leitura de Acórdão ou Sentença que advém ou não a necessidade de notificar o arguido da decisão judicial proferida sobre si.

Aliás como conta da jurisprudência enunciada em rodapé , na decisão sumaria reclamada e que se cita:

Desde já se argui a inconstitucionalidade do conceito normativo que resulta da conjugação dos artigos 411° n°1 al. a), 373° n° 3, 332° n° 5, todos CPP, por violação do artigo 32° n°1, da Constituição da Republica Portuguesa, no sentido de que se considera notificado o arguido na pessoa do seu Defensor oficioso, da leitura de sentença, para efeitos de inicio de contagem para prazo de recurso, se dela estiver ausente, mesmo que não tenha sido notificado da data da leitura da sentença e desta data não tiver conhecimento.

Pelo exposto e na sequência do desconhecimento do arguido da data para a leitura de sentença, entendemos não ser possível considerar notificado na pessoa do seu defensor e como tal, não estar devidamente notificado da sentença, devendo o recurso apresentado ser admitido e apreciado. …”.

*
            Cumpre decidir.
            O Recorrente, em suma, defende a tempestividade do recurso e defende a inconstitucionalidade das normas no entendimento que serviu de base à decisão reclamada.
Não encontrarmos razões que justifiquem a alteração da decisão reclamada, e, nos termos nela referidos, entendemos que não se verifica a inconstitucionalidade agora arguida, pelo que é de indeferir a reclamação.

*****
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, decidimos confirmar a decisão sumária proferida pelo relator, pelo que rejeitamos o recurso.
Vai o Recorrente condenada nas custas da reclamação, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UC.
*

Notifique.

D.N..

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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo subscritor (art.º 94º/2 do CPP).

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Lisboa, 09/07/2015

(Abrunhosa de Carvalho)

(Maria do Carmo Ferreira)

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[1] Verificamos que a numeração das fls. se encontra errada a partir de fls. 1828 do 7º vol., por isso, quando referirmos os n.ºs das fls. Indicaremos também o respectivo volume, o que permitirá, enquanto a numeração não for corrigida, identificar a que fls. nos referimos.
[2] Arguido/a/s.
[3] Código de Processo Penal.
[4] Com o seguinte teor: “Se, não obstante o disposto no número anterior, o arguido se afastar da sala de audiência, pode esta prosseguir até final se o arguido já tiver sido interrogado e o tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo defensor.”.
[5] Com o seguinte teor: “No caso previsto nos n.os 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.”.
[6] Com o seguinte teor: “Fora dos casos previstos nos n.os 1 e 2, a sentença é notificada ao arguido que foi julgado como ausente logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.”.
[7] Nesse sentido, ver, por todos, o acórdão do TC n.º 483/2010, de 09/12/2010, relatado por Vítor Gomes, do qual citamos: “… Secundo – O princípio das garantias de defesa não impõe que o conhecimento da sentença deva necessariamente ser levado ao próprio arguido mediante “notificação pessoal”, com entrega de cópia da sentença condenatória. Basta que conheça oficialmente a data em que a sentença vai ser proferida e que ele ou o seu defensor ao longo do processo tenham assistido à leitura de tal decisão e tenham tido oportunidade de integral acesso ao escrito que a consubstancia.
Assim, no Acórdão nº 75/99, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional o artigo 411.º, n.º 1, do CPP, enquanto estabelece que o prazo para interposição de recurso se inicia com a leitura em audiência da decisão condenatória, estando o arguido e o seu defensor presentes, e o seu subsequente depósito na secretaria. E, no Acórdão nº 109/99 – em situação com manifesta analogia com o caso dos autos – considerou-se que tal norma (conjugada com o artigo 113.º, n.º 5 do mesmo Código), na interpretação segundo a qual, com o depósito da sentença na secretaria, o arguido que, justificadamente, faltou à audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma, deve considerar-se notificado do seu teor, para o efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença, se, nessa audiência, esteve presente o seu mandatário, não viola o princípio constante do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. Também pelo Acórdão nº 545/03 se não julgou inconstitucional a norma do artigo 373.º, n.º 3, conjugada com as dos artigos 113.º, n.º 5 (na altura) e 332.º, n.º 5, do CPP, entendendo-se naquele aresto que apesar de o arguido não ter estado presente na leitura sentença, como tinha estado presente no julgamento, tinha tido conhecimento pessoal da data da leitura da sentença, nessa sessão estivera presente o seu defensor e a sentença fora depositada nesse dia, ele dispusera de todas as condições para conhecer o teor da sentença e o seu exacto conteúdo. Trata-se de uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos, na parte em que o recorrente a questiona (aquilo em que poderia divergir não foi valorizado pelo arguido, como adiante se explicará).
 7. É certo que, no Acórdão nº 59/99, o Tribunal julgou inconstitucional a norma constante do artigo 113.º, n.º 5, do CPP, quando interpretado no sentido de que a decisão condenatória, proferida por um tribunal de recurso, pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado. E também pelo Acórdão nº 87/03 se julgou inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 411.º do CPP, na interpretação segundo a qual o prazo para interposição do recurso da sentença proferida em conferência, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 419.º do mesmo diploma, devia ser contado a partir do momento do seu depósito na secretaria e não da respectiva notificação, quando nem ao arguido, nem ao seu defensor fora dado prévio conhecimento desse acto judicial. 
Há, porém, duas evidentes e essenciais diferenças entre estas hipóteses e a situação definida pela norma recortada pelo recorrente, tendo em consideração a situação concreta em que a falta do arguido à sessão em que se procedeu à leitura da sentença se verifica em 1ª instância, e não no tribunal de recurso, com as consequências inerentes a diversidade de regimes processuais em vigor.
Em primeiro lugar, a hipótese da “norma” agora em apreciação o arguido sabia em que data exacta iria ocorrer a leitura da sentença, porque, no termo de audiência de julgamento em que esteve presente, foi disso notificado. É uma situação valorativamente muito diversa, quanto às condições para formar uma vontade esclarecida sobre impugnar ou não a decisão, daquela que ocorre com a leitura do acórdão que aprecia o recurso no tribunal superior. Nesses casos, como se refere no citado Acórdão nº 59/99, o arguido não tem, sem a efectiva colaboração do defensor, conhecimento da data em que tal decisão é publicitada.
Em segundo lugar, no caso dos autos, o arguido não esteve representado no acto de leitura da sentença por um defensor “ad hoc”, designado pelo tribunal como consequência de ter faltado o “normal” e primitivo defensor do arguido. O defensor que assistiu à leitura e foi notificado da sentença foi o mesmo que participou na audiência de julgamento e acompanhou integralmente a produção da prova.
Neste circunstancialismo, deve considerar-se assegurada, se não o conhecimento efectivo, a plena cognoscibilidade da decisão condenatória pelo arguido, independentemente da respectiva notificação pessoal, bastando-lhe para o seu conhecimento efectivo que contactasse, logo de seguida à data que bem sabia ser aquela em que a decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer a própria secretaria judicial. O sistema pode em tais circunstâncias, no funcionamento normal das coisas que não foi ilidido, repousar na presunção de que o arguido se interesse pelo que se passe nesse decisivo transe do processo penal contra si dirigido e que o advogado cumpra o dever deontológico de acertar com ele a opção fundamental quanto à impugnação ou não da decisão.
Ora, neste concreto circunstancialismo processual, não se verificam os “riscos” que estiveram na base do juízo de inconstitucionalidade formulado através do acórdão nºs 59/99 – sendo manifesto que o primitivo defensor está “vinculado a deveres funcionais e deontológicos” que lhe impõem que dê conhecimento da condenação proferida ao próprio arguido.
O hipotético e eventual desconhecimento do exacto teor da sentença só poderá radicar, neste circunstancialismo, numa grosseira negligência do próprio arguido, que bem sabendo que, em certa data, ia ser publicitada (e lhe ia ser plenamente acessível) o teor de tal sentença, se desinteressou, injustificadamente, do sentido e conteúdo da mesma. Em tais circunstâncias (notificação da data em que iria ocorrer a leitura da sentença, falta do arguido a essa sessão, presença do defensor constituído, justificação posterior da falta), o arguido que não compareceu no acto de leitura pública da sentença só verá o seu direito ao recurso afectado se for grosseiramente negligente, desinteressando-se totalmente do desfecho do julgamento em que plenamente participou.
Juízo este que se conforta ou pressupõe, de um lado, um mínimo de interesse (ou a irrelevância da indiferença) do arguido perante as decisões judiciais que lhe digam respeito e a presunção do cumprimento dos seus deveres deontológicos por parte do respectivo mandatário judicial. Mas que assenta também, do outro lado, na pressuposição de que os poderes públicos praticam escrupulosamente os actos processuais no tempo e modo legalmente prescrito, por forma a que esse mínimo de compromisso de cidadania e de diligência profissional se não transformem num encargo desmesurado para obter o conhecimento da decisão e eliminar a incerteza quanto ao exercício dos poderes processuais subsequentes. Todavia nenhuma questão desta natureza foi colocada no presente recurso. …”.