Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
445/13.6TBPTS.L2-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: DIVÓRCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.O fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, consistente na separação de facto por um ano consecutivo, previsto nos artigos 1781º, alínea a), e 1782º, ambos do Código Civil, assenta em dois pressupostos: a) Inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges durante esse período de tempo (elemento objectivo); b) O propósito de não restabelecer essa comunhão de vida, por parte de, pelo menos, um dos cônjuges (elemento subjectivo).
2.O prazo de separação, tanto na vertente objectiva, como na subjectiva, tem de se verificar no momento da propositura da acção.

A cláusula geral e objectiva, enquanto fundamento de divórcio, previsto na alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil não exige, para a sua verificação, qualquer duração mínima, como sucede com as restantes causas que impõem um ano de permanência, apenas se exigindo o apuramento de factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.Relatório:


MARIA S. , residente …….., instaurou, em 10.09.2013, contra  LINO J., acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, pedindo que se decrete o divórcio entre ambos.

Fundamentou a autora esta sua pretensão, da forma seguinte:
1.Autora e Réu casaram em 28 de Julho de 2001.
2.Têm dois filhos menores.
3.O Réu provoca discussões com a Autora, causando mau ambiente em casa.
4.As discussões acontecem à frente dos filhos.
5.O Réu passou a controlar a Autora de forma doentia, só querendo que ela faça o que ele quer e se relacione com quem ele quer, perdendo a autora toda a autonomia enquanto pessoa.
6.Actualmente, a Autora e o Réu vivem afastados e sem qualquer tipo de relacionamento, inexistindo comunhão de vida entre ambos.
7.Não existe da parte da Autora a intenção ou o propósito de restabelecer a comunhão de vida com o Réu.

Foi realizada, sem êxito, a tentativa de conciliação, em 13.11.2013.
O réu apresentou contestação, em 28.11.2013, impugnando a factualidade alegada pela autora.

Foi proferido despacho, em 27.01.2015, dispensando a audiência prévia. Foi identificado o objecto do litígio e enumerados os temas de prova, tendo sido ordenada a notificação da autora para apresentar requerimento probatório, o que a autora fez. O réu requereu a alteração da prova apresentada na contestação.

O réu veio arguir a nulidade do despacho de 27.01.2015, por requerimento de 12.02.2015, uma vez que a autora não havia indicado testemunhas na petição inicial, não obstante o disposto no artigo 552º, nº 2 do novo CPC, já aplicável no processo, ao que a autora, notificada, respondeu.

Por despacho de 05.10.2015, foi declarado nulo o despacho de 27.01.2015,  na  parte  em  que  ordenou  a  notificação  da autora para, em 15 dias, apresentar requerimento probatório, não sendo admitida a prova por esta apresentada, sem prejuízo de as declarações de parte da autora poderem ser requeridas até ao início das alegações orais.

Foi levada a efeito a audiência final, em 23.11.2015, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 28.11.2015, julgando procedente a acção, decretando o divórcio entre a autora e o réu.
Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação e, por acórdão de 02.06.2016, o Tribunal da Relação de Lisboa anulou a sentença, determinando a reabertura da audiência de julgamento, para que sobre os factos complementares fosse exercido o contraditório.

A audiência de julgamento foi reaberta em 07.11.2016. E, no início da mesma foi proferido o seguinte despacho:
«Em conformidade com o decidido no Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa em 02/06/2016, a fim de permitir o exercício do contraditório, incluindo permitir que as partes apresentem novos meios de prova sobre os factos que a seguir se indicarão, comunico às partes a intenção de o tribunal considerar, como factos complementares do facto essencial alegado da ruptura definitiva do casamento e que resultaram da discussão da causa, os factos seguintes, ao abrigo do disposto no art.º 5.º, nº 2, al. b), do C.P.C.:
- Enquanto a Autora e o Réu viveram juntos, tiveram muitas discussões.
- O Réu não concordava que a Autora tomasse café com colegas e fosse sozinha a Portugal Continental e o Réu fazia-lhe advertências quanto aos gastos, sendo que tinham uma conta bancária em comum.
- A partir de 2009, o casal teve duas crises muito severas, ao ponto de a Autora pensar em separação e de transmitir ao Réu a vontade de divorciar-se, e, na segunda semana de Agosto de 2013, Autora e Réu tiveram uma grande discussão.
- Em finais de Agosto de 2013, a Autora apercebeu-se que o seu casamento não fazia mais sentido, deixou de partilhar a mesma cama com o Réu e passou a dormir no quarto do filho mais velho.
- Na sequência do facto referido no ponto anterior, o Réu desfez a cama de casal e foi dormir para o quarto do filho mais novo.
- A Autora deixou de habitar na casa de morada de família em 24 de Setembro de 2013, não mais tendo voltado a viver na mesma desde essa data até à presente.
Notifique as partes para, em 10 dias e querendo, apresentarem novos meios de prova sobre os factos supra descritos».

O mandatário da autora disse, em acta, que nada tinha a requerer e prescindia do prazo concedido. Por seu turno, o mandatário do réu requereu a audição de uma testemunha que estava presente no Tribunal e as declarações de parte do réu. Posteriormente, o mandatário da autora veio igualmente requerer as declarações de parte da autora.
Foi produzida a prova apresentada, relativamente aos factos complementares indicados pela Exma. Juíza no início da sessão de reabertura do julgamento.

Em 05.12.2016, o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte:
Pelo exposto, julgo procedente a presente acção e, em consequência, decreto o divórcio entre a Autora  MARIA S.  e o Réu  LINO J. , declarando dissolvido o casamento que entre si celebraram em 28 de Julho de 2001 (assento de casamento nº 497 de 13 de Junho de 2012 da Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de Ponta do Sol).
Custas pelo Réu.
Registe e notifique.
(…)

Inconformado com o assim decidido, o réu interpôs, em 23.01.2017, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:
i.Não pode o Recorrente concordar com a douta sentença que julgou a acção procedente, condenando o Réu no pedido e decretando o divórcio.
ii.Os factos provados nºs 3 a 8 não foram alegados pelas partes, tendo sido considerados provados oficiosamente pelo tribunal.
iii.Com base das declarações de parte do Demandado e nos depoimentos das testemunhas Luísa ...., Fernando .....,  Luís ......, Paulo......., Manuel ......, José .......e Teresa ......., que negaram a existência de muitas discussões (cfr. min. 01:35 a 21:41 das declarações de parte prestadas pelo Demandado gravadas na sessão de julgamento de 23-11-2015, com início às 14:25:18 e termo às 14:51:33; min. 01:45 a 03:02 das declarações de parte prestadas pelo Demandado, gravadas na sessão de julgamento de 07-11-2016, na parte com início às 15:56:33 e termo às 16:30:13; minuto 01:31 a 05:06 do depoimento da testemunha D. Luísa .... Gaspar; minuto 01:45 a 07:05 do depoimento da testemunha Fernando .....; minuto 01:00 a 02:10 do depoimento da testemunha Luís ….; minuto 01:17 a 03:47 do depoimento da testemunha  Paulo.......; minuto 00:57 a 01:54 do depoimento da testemunha Manuel ......; minuto 01:00 a 03:44 do depoimento da testemunha José …..; minuto 02:12 a 07:00 do depoimento da testemunha Teresa .......), deverá alterar-se a resposta dada ao facto provado nº3, julgando-se meramente provado que “Enquanto a Autora e o Réu viveram juntos, tiveram algumas divergências.”, ou caso assim não se entenda, deverá o dito facto 3 ser considerado integralmente não provado porque não foi produzida prova suficiente nesse sentido.
iv.O facto provado nº4 não deveria ter sido considerado provado.
v.Nas declarações de parte prestadas pelo Demandado, este afirmou que a Autora tinha total liberdade de movimentos, que se ausentava nas suas actividades profissionais, hobbies e outras actividades sem qualquer restrição. (cfr. min. 01:35 a 21:41 das declarações de parte prestadas pelo Demandado, gravadas na sessão de julgamento de 23-11-2015, com início às 14:25:18 e termo às 14:51:33; minuto 03:14 a 07:23 das declarações de parte do Demandado na sessão de julgamento de 07-11-2016, na 1ª parte com início às 15:56:33 e termo às 16:30:13)
vi.As testemunhas Luísa .... Gaspar, Fernando .....,  Luís ......,  Paulo......., Manuel ......, José ….., Teresa ......., afirmaram que a Autora fazia o que lhe aprouvesse, sendo que o Demandado não coarctava a sua liberdade. (cfr. minuto 01:31 a 05:06 do depoimento da testemunha D. Luísa .... Gaspar; minuto 01:45 a 07:05 do depoimento da testemunha Fernando .....; minuto 01:00 a 02:10 do depoimento da testemunha Luís …..; minuto 01:17 a 03:47 do depoimento da testemunha  Paulo.......; minuto 00:57 a 01:54 do depoimento da testemunha Manuel ......; minuto 01:00 a 03:44 do depoimento da testemunha José …..; minuto 03:51 a 06:15 do depoimento da testemunha Teresa .......)
vii. Por seu turno, a Autora afirmou no minuto 17:44 a 18:40 das suas declarações de parte gravadas na sessão de julgamento de 23-11-2015, com início às 14:51:38 e termo às 15:11:28, que: “(…) ele não … não verbalizava, há coisas que se sentem e … e isso eu sentia perfeitamente, às vezes quando … quando ia ao café com um colega meu que ele … que obviamente ele não … não gosta dele, as minhas idas ao continente obviamente que ele era auscultado previamente para saber se eu tinha possibilidade de ir o fim-de-semana fazer a formação e obviamente que dizia que sim mas eu sentia que não lhe agradava, portanto, ao ponto dele me ter cobrado mais tarde, …”
viii.Para além de a Autora ter afirmado que considerava que o Demandado não concordava que a Autora fosse ao café com um colega da Autora de quem o Demandado não gostava (e não com colegas, conforme refere a sentença), o certo é que não resulta dos autos, inclusive das declarações de parte da própria Autora que o Demandado a tivesse proibido de tomar café com esse colega, ou que a proibisse de ir sozinha ao continente, antes resulta das declarações da Autora que apesar de a Autora considerar que o Demandado não concordava com esses seus comportamentos, respeitava as suas decisões. (cfr. “obviamente que ele era auscultado previamente para saber se eu tinha possibilidade de ir o fim-de-semana fazer a formação e obviamente que dizia que sim mas eu sentia que não lhe agradava” (…), sendo certo que a Autora afirmou que o Demandado não manifestou ou verbalizou ser contra a ida da mesma a Portugal Continental ou ao café com o colega). (cfr. minuto 17:44 a 18:40 suas declarações de parte gravadas na sessão de julgamento de 23-11-2015; minuto 01:50 a 02:59, minuto 07:45 a 09:09 das declarações de parte da Autora gravadas na sessão de julgamento de 07-11-2016)
ix.Da prova produzida não ficou provado que o Réu não aceitava ou não concordava que a Autora tomasse café com colegas e fosse sozinha a Portugal Continental.
x.Acresce que, segundo a própria Autora, o Réu jamais a proibiu de tomar café com um colega, nem a proibiu de ir sozinha a Portugal Continental, antes a Autora afirmou que considerava que o Réu não concordava que a Autora tomasse café com um colega e fosse sozinha a Portugal Continental, apesar de não a proibir nem impor um comportamento diverso.
xi.A sentença deu como provado que “O Réu não concordava que”, quando, no máximo, o que poderia ficar provado era que “A Autora considerava que o Réu não concordava que a Autora tomasse café com um colega e fosse sozinha a Portugal Continental…”, na medida em que o que se apurou não foi um comportamento ou opinião do Réu, mas sim a opinião da Autora sobre o que seria a opinião do Réu, independentemente de a mesma corresponder ou não à realidade, sendo certo que nos factos provados deverão ficar provados factos e não opiniões das pessoas inquiridas.
xii.Por outro lado, considera o Demandado que da globalidade da prova produzida, também não ficou igualmente provado que “(…) o Réu fazia-lhe advertências quanto aos gastos, sendo que tinham uma conta bancária em comum”, sendo que o Réu negou que tivesse efectuado as ditas advertências, e a testemunha D. Teresa ....... afirmou que nunca ouviu o Demandado a fazer advertências à Autora quanto aos gastos. (cfr. minutos 03:14 a 07:23, 17:28 a 20:26 das declarações de parte prestadas pelo Demandado na sessão de julgamento de 07-11-2016, na 1ª parte com início às 15:56:33 e termo às 16:30:13; minuto 06:15 a 07:00 do depoimento da testemunha Teresa .......)
xiii.Pelo que, deverá ser alterada a resposta dada ao facto provado nº4 da sentença, considerando-se o mesmo integralmente não provado.
xiv.Caso não se entenda, e se considere que ficou apurado que o Demandado “não concordava”, o que jamais se concede, deveria alterar-se a resposta dada ao facto nº4, considerando-se provado que “O Réu tolerava que a Autora tomasse café com colegas e fosse sozinha a Portugal Continental”, porquanto quem “não concorda”, mas não deduz oposição, nem exige que outrem mude o comportamento, tolera.
xv.O facto provado nº5, atendido oficiosamente pelo tribunal, foi dado como provado apenas com base nas declarações de parte da Autora.
xvi.Apesar de o Demandado ter afirmado nas suas declarações de parte que a partir de 2009, data do óbito do Pai da Autora, esta alterou o seu comportamento, tendo surgido divergências no casal, negou a existência de crises, muito menos severas, bem como negou a existência de uma grande discussão na segunda semana de Agosto de 2013. (cfr. min. 01:35 a 21:41 das declarações de parte prestadas pelo Demandado, gravadas na sessão de julgamento de 23-11-2015, com início às 14:25:18 e termo às 14:51:33; minuto 07:37 a 11:38; 20:26 a 21:21 das declarações de parte do Demandado prestadas na sessão de julgamento de 07-11-2016, na parte gravada com início às 15:56:33 e termo às 16:30:13; minuto 00:40 a 05:53 das declarações de parte prestadas pelo Demandado, gravadas na sessão de julgamento de 07-11-2016, na parte com início às 16:49:24 e termo às 16:55:55)
xvii.Resulta da prova gravada que não foi produzida prova suficiente no sentido de que “A partir de 2009, o casal teve duas crises muito severas, ao ponto de a Autora pensar em separação e de transmitir ao Réu a vontade de divorciar-se, e, na segunda semana de Agosto de 2013, Autora e Réu tiveram uma grande discussão.”, sendo que as declarações de parte da Autora, parte interessada na procedência da acção, e não confirmada por mais ninguém (e inclusive negadas pelo Demandado), é insuficiente para julgar provado o referido facto, pelo que deverá o referido facto ser considerado integralmente não provado.
xviii.Caso assim não se entenda, deveria alterar-se a resposta dada ao facto provado nº5, considerando-se meramente provado que “Na segunda semana de Agosto de 2013, Autora e Réu tiveram uma divergência.”
xix.Os factos provados nºs 6 e 7, atendidos oficiosamente pelo tribunal, foram considerados provados com base nas declarações de parte da Autora, que é parte interessada na procedência da acção, sendo que mais ninguém confirmou as ditas afirmações, conforme resulta da audição de toda a prova gravada.
xx.A prova produzida não permite considerar provada a matéria vertida nos pontos 6 e 7 dos factos provados, pelo que a mesma deverá ser considerada não provada, sendo certo que o Demandado negou que tivesse desmontado a cama de casal, sendo que afirmou que, ainda que por pouco tempo, Autora e Demandado voltaram a partilhar a mesma cama. (minuto 21:21 a 23:51 das declarações de parte prestadas pelo Demandado gravadas na sessão de julgamento de 07-11-2016, na parte com início às 15:56:33 e termo às 16:30:13; min. 05:53 a 06:25 das declarações de parte prestadas pelo Demandado, gravadas na sessão de julgamento de 07-11-2016, na 2ª parte com início às 16:49:24 e termo às 16:55:55)
xxi.Pelo que deverá ser alterada a resposta dada à matéria vertida nos pontos 6 e 7 dos factos provados, considerando-se os mesmos não provados.
xxii.O tribunal considerou que os factos provados nºs 3 a 9, conjugados entre si, revelam a ruptura definitiva do casamento, tendo decretado o divórcio ao abrigo do disposto nos art.º 1781.º, al. d), do Código Civil, entendimento com o qual o Demandado não concorda.
xxiii.Considera o Demandado que deverá alterar-se a decisão da matéria de facto, considerando-se meramente provados os factos provados nºs 1, 2, 8 e 9.
xxiv.Não podendo o Demandado concordar que se dê como provados os factos nºs 3 a 7 da sentença, os quais, para além de não corresponderem à realidade, não foram acompanhados de qualquer outra prova que os sustentassem, tendo apenas sido considerados provados com base em declarações de parte da Autora, parte interessada no desfecho da acção.
xxv.Mesmo que se mantivesse inalterada a decisão da matéria de facto, os factos provados sempre não seriam de gravidade suficiente que permita a sua subsunção a “outros factos que mostrem a ruptura definitiva do casamento”.
xxvi.O tribunal considerou provado que “Enquanto a Autora e o Réu viveram juntos, tiveram muitas discussões.” (facto provado nº3), sem que constasse dos factos provados o teor das discussões com vista a poder sindicar se eram graves, ou se se tratavam de discussões ou divergências entendidas ainda como normais numa relação.
xxvii.Sendo certo que não são as discussões ou o número de ocorrências que são aptas a serem consideradas impeditivas da vida conjugal mas a gravidade do seu conteúdo.
xxviii.Quanto ao facto provado nº4, não ficou provado que o Réu impedisse ou proibisse a Autora de tomar café com colegas e fosse sozinha a Portugal Continental. Antes o tribunal considerou provado que “O Ré não concordava que (…)”, ou seja, um suposta opinião do Réu, e não um comportamento no sentido de agir por forma a impedir que a Autora fosse a cafés com um colega ou colegas ou que fosse sozinha a Portugal Continental, não sendo esse facto provado indiciador de forma isolada ou conjugada de ruptura definitiva da vida conjugal.
xxix.No que se refere às alegadas advertências por parte do Réu quanto aos gastos, sendo que tinham uma conta bancária em comum (facto provado nº4, parte final), Autora e Réu são casados no regime da comunhão de adquiridos, pelo que existem bens integrados na comunhão (art. 1274º do Código Civil), tendo dois filhos menores de idade, não sendo grave e fundamentador do divórcio um cônjuge alertar o outro quanto aos gastos, caso se entenda que esse facto ocorreu.
xxx.No que se refere ao facto provado nº5, dir-se-á que caso o mesmo se mantivesse provado, o certo é que se “A partir de 2009, o casal teve duas crises muito severas, ao ponto de a Autora pensar em separação e de transmitir ao Réu a vontade de divorciar-se”, e não se separou nem instaurou acção de divórcio, tendo apenas instaurado a acção em 10-09-2013, sem invocar, na p.i., essas ditas alegadas 2 crises, então as mesmas foram ultrapassadas, não podendo fundamentar a acção de divórcio instaurada em 10-09-2013, não podendo o julgador determinar o decretamento do divórcio com base nesse facto.
xxxi.No que se refere à matéria constante dos factos provados nºs 5, in fine, 6 a 9, caso se mantivessem os mesmos provados, não seriam aptos a permitir o decretamento do divórcio.
xxxii.A acção presente foi instaurada em 10-09-2013, data em que a Autora residia na casa de morada de família. (cfr. morada da Autora e do Réu indicada na p.i.)
xxxiii.Para efeitos de apreciar se existem factos que permitem concluir pela ruptura do casamento, ao abrigo do disposto no art. 1781º do Código Civil, designadamente com fundamento na al. d) do art. 1781º do Código Civil, ao abrigo do qual a acção foi instaurada, esses factos já deverão estar consumados à data da instauração da acção.
xxxiv.Apenas os factos ocorridos até à data da instauração da acção (10.09.2013), poderão ser susceptíveis de ponderação para efeitos de decretar ou não o divórcio. (cfr. art.s 260º, 264º, 265º, nº1, 588º, nº1, 608º, nº2, 615º, nº1, al. d) do C.P.C.)
xxxv.A douta sentença recorrida considerou provado oficiosamente que “8. A Autora deixou de habitar na casa de morada de família em 24 de Setembro de 2013, não mais tendo voltado a viver na mesma desde essa data até à presente.”, facto que considerou também relevante para a procedência da acção.
xxxvi.Porém, o dito facto 8 que foi atendido da sentença para efeitos de decretar o divórcio não foi invocado nem na p.i., (nem poderia por ser posterior à instauração da acção), nem na contestação, nem foi apresentado articulado superveniente a invocar a dita matéria.
xxxvii.Independentemente de o referido facto 8 ter sido considerado provado, o referido facto não poderá, por si só ou conjugado com outro factos, ser considerado  como  fundamento  da presente acção de divórcio, sob pena de violação do disposto nos arts. 260º, 264º, 265º, nº1, 608º, nº2, 615º, nº1, al. d) do C.P.C., sendo que para que se julgue procedente a acção de divórcio, os factos que lhes servem de fundamento já deverão estar consumados aquando da instauração da acção, tratando-se de requisitos de ordem substantiva.
xxxviii.Não podendo o julgador decretar o divórcio com base em factos não alegados, posteriores à instauração da acção, e em relação aos quais inexistiu inclusive requerimento de ampliação da causa de pedir e articulado superveniente.
xxxix.Atendendo a que o propósito de não querer manter o matrimónio por parte de quem instaura a acção se encontra implícito em todas as alíneas no art. 1781º do Código Civil, caso a separação de facto e o propósito de não restabelecer a vida em comum fossem fundamento de divórcio independentemente do prazo, o legislador teria considerado como fundamento do divórcio simplesmente a “separação de facto”.
xl.Se o legislador estabeleceu, no art. 1781º, al. a) do Código Civil, que a separação de facto por um ano consecutivo é fundamento para o divórcio, então, considerou que a separação de facto por período inferior, quer sejam horas, dias, semanas ou meses, conjugada com a intenção do cônjuge que propõe a acção de não restabelecer a vida em comum, não é, por si só, enquadrável nas restantes alíneas, designadamente na al. d) da dita disposição legal.
xli.Pelo que, não poderá o julgador, sob pena de subversão da norma e violação do espírito e letra da lei, oficiosamente considerar provado e atender ao período de separação de facto ocorrido desde a instauração da acção de divórcio, para, também com base nesse facto, decretar o divórcio ao abrigo da al. d) do art. 1781º do Código Civil.
xlii.Considera o Demandado que o referido facto 8 não poderá se apto, por si só  ou conjugado com outros factos, a conduzir à procedência da acção, porquanto, independentemente da alínea enquadrável, os fundamentos do divórcio já deverão existir aquando da instauração da acção, não podendo servir de fundamento um facto que, à data da instauração da acção, não tinha decorrido, sendo que não foi apresentado requerimento de ampliação da causa de pedir nem articulado superveniente, sob pena de violação do disposto nos art.s 260º, 264º, 265º, nº1, 588º, nº1, 608º, nº2, 615º, nº1, al. d) do C.P.C.
xliii.A presente acção foi instaurada em 10 de Setembro de 2013, cerca de um mês após a alegada “grande discussão” referida no ponto 5 dos factos provados, “grande discussão” que configura uma afirmação genérica e conclusiva.
xliv.Atendendo a que a acção foi instaurada em 10-09-2013, os factos provados nºs 5, in fine, 6, 7 e 9, a se manterem provados, apenas indiciam que, desde finais de Agosto de 2013 até 10-09-2013, ou seja, durante cerca de 10 dias, a Autora optou, por sua iniciativa, por não partilhar a mesma cama com o Demandado, e não pretende restabelecer a via em comum.
xlv.A não partilha da mesma cama ou do mesmo tecto por período inferior a um ano, por iniciativa do cônjuge que intenta a acção de divórcio, conjugada com a intenção deste de não pretender restabelecer a vida em comum, não podem ser subsumíveis a “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento”. (cfr. arts. 9º, nºs 1 a 3, 1781º e 1782º do Código Civil)
xlvi.Caso o legislador tivesse considerado como fundamento de divórcio a separação de facto por período inferior a um ano, ocorrida por iniciativa do cônjuge que propõe a acção de divórcio, teria considerado como fundamento de divórcio a separação de facto, ou seja, a inexistência de comunhão de vida,  designadamente  a  não  partilha da mesma cama, e o propósito de um dos cônjuges de não querer manter o matrimónio, o que não encontra suporte no art. 1781º do Código Civil.
xlvii.Os factos nºs 5º, in fine, 6, 7, 9, não são aptos a conduzir ao decretamento do divórcio (cfr. douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-02-2011, Proc. nº568/09.6TBMFR.L1-2 que refere que “se não mostra consagrado no nosso ordenamento jurídico o divórcio por vontade unilateral discricionária de um dos cônjuges.”), sendo que o facto 8, considerado provado oficiosamente pelo tribunal, por ser referente a facto ocorrido em data posterior à instauração da acção, e que não serviu de base à acção, não poderá ser considerado fundamento de divórcio.
xlviii.Pelo que deverá considerar-se que não ficaram provados “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento”, não se verificando os pressupostos exigidos pelo disposto na al. d) do art. 1781º do Código Civil, devendo ser revogada a sentença, absolvendo o Réu do pedido.
xlix.Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto nos art.s 260º, 264º, 265º, nº1, 608º, nº2, 615º, nº1, al. d) do C.P.C., bem como nos art.s 9º, nºs 1 a 3, 1781º, al. d) do Código Civil.
Pede, por isso, o apelante, que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, alterada a resposta dada aos factos provados nºs 3 a 7, e revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que absolva o réu do pedido.

A autora não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i)-DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da  impugnação da matéria de facto;
ii)-DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS    APURADOS.
O que implica a análise:     
DOS FUNDAMENTOS LEGAIS DO DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES.

III.FUNDAMENTAÇÃO.

A–
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:

1.Autora e o Réu casaram um com o outro em 28 de Julho de 2001, sem convenção antenupcial.
2.André … e Lourenço ….nasceram, respectivamente, em 29 de Abril de 2003 e em 9 de Janeiro de 2007, e são filhos da Autora e do Réu.
3.Enquanto a Autora e o Réu viveram juntos, tiveram muitas discussões.
4.O Réu não concordava que a Autora tomasse café com colegas e fosse sozinha a Portugal Continental e o Réu fazia-lhe advertências quanto aos gastos, sendo que tinham uma conta bancária em comum.
5.A partir de 2009, o casal teve duas crises muito severas, ao ponto de a Autora pensar em separação e de transmitir ao Réu a vontade de divorciar-se, e, na segunda semana de Agosto de 2013, Autora e Réu tiveram uma grande discussão.
6.Em finais de Agosto de 2013, a Autora apercebeu-se que o seu casamento não fazia mais sentido, deixou de partilhar a mesma cama com o Réu e passou a dormir no quarto do filho mais velho.
7.Na sequência do facto referido no ponto anterior, o Réu desfez a cama de casal e foi dormir para o quarto do filho mais novo.
8.A Autora deixou de habitar na casa de morada de família em 24 de Setembro de 2013, não mais tendo voltado a viver na mesma desde essa data até à presente.
9.A Autora tem o propósito de não restabelecer a vida em comum com o Réu.


BFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

i.DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto

Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui:
(…)
No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640ºdo CPC que:
(…)
Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, e o recorrente deu cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do CPC pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.

O recorrente está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente aos Nºs 3 a 7 dos Factos Provados que, no entender do apelante, deveriam ter sido dados como não provados ou, pelo menos, terem diferente formulação.

Defende ainda, o recorrente, que o Tribunal a quo desvalorizou o depoimento das testemunhas arroladas pelo réu/recorrente, tendo aceitado as declarações de parte do réu apenas quando convergentes com as declarações da autora, hipervalorizando-as.

Há que aferir da pertinência da alegação do apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.   
       
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.

Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.
Vejamos o que consta dos factos provados, impugnados pelo apelante, e que foram considerados factos complementares, concretizadores de outros alegados pela autora e que resultaram da discussão da causa, tendo sido facultado o contraditório à parte contrária, por força do Acórdão da Relação de Lisboa de 02.06.2016:

Facto Provado Nº 3
Enquanto a Autora e o Réu viveram juntos, tiveram muitas discussões.
Facto Provado Nº 4
O Réu não concordava que a Autora tomasse café com colegas e fosse sozinha a Portugal Continental e o Réu fazia-lhe advertências quanto aos gastos, sendo que tinham uma conta bancária em comum.
Facto Provado Nº 5
A partir de 2009, o casal teve duas crises muito severas, ao ponto de a Autora pensar em separação e de transmitir ao Réu a vontade de divorciar-se, e, na segunda semana de Agosto de 2013, Autora e Réu tiveram uma grande discussão.
Facto Provado Nº 6
Em finais de Agosto de 2013, a Autora apercebeu-se que o seu casamento não fazia mais sentido, deixou de partilhar a mesma cama com o Réu e passou a dormir no quarto do filho mais velho.
Facto Provado Nº 7
Na sequência do facto referido no ponto anterior, o Réu desfez a cama de casal e foi dormir para o quarto do filho mais novo.
                             
Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, da seguinte forma a decisão de facto inserta na sentença recorrida: (…)

Importa, então, analisar os depoimentos prestados em audiência, indicados pelo recorrente como relevantes, a propósito da matéria de facto aqui em causa, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pelo  apelante,  ou  se,  ao  invés,  a  mesma  não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.

De todo o modo, é sempre relevante relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer  grau  de  hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.

Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.

A valoração da prova deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
                                           
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
 
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.

Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1).

No caso vertente, ouvidos os depoimentos das testemunhas arroladas pelo réu, Luísa ...., Fernando .....,  Luís ......,  Paulo......., Manuel ......, José .......e Teresa ....... (mãe do Réu), igualmente se corroboram as considerações que, a propósito de tais depoimentos, foram exaradas na sentença recorrida, para que a Exma. Juíza do Tribunal a quo, não tivesse dado credibilidade aos depoimentos das testemunhas indicadas pelo réu/apelante.

Com efeito, essas testemunhas, com evidente ligação ao réu, apenas disseram que nunca ouviram discussões entre o casal composto por autora e réu, o que é natural, já que se tratam de questões do foro pessoal do casal, composto por autora e réu e nem sequer tinham um relacionamento íntimo com a autora, nomeadamente a mãe do réu, que levasse a que fosse feita qualquer confidência acerca do comportamento do casal, na sua vida privada.

Restaram, portanto, as declarações de parte da autora e do réu, prestadas por duas vezes, quer na sessão de 23.11.2015, quer na sessão de 07.11.2016, na sequência do decidido no acórdão do TRL.

E, como é sabido, a prova por declarações de parte, surgiu com a entrada em vigor do actual CPC - Lei 41/2013, de 26 de Junho - estando prevista no artigo 466º.

Na Exposição de Motivos do diploma esclareceu-se que, agora se prevê “a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”.

Este novo meio probatório corresponde ao acolhimento da possibilidade de a parte se pronunciar, a requerimento próprio, sobre factos que lhe são favoráveis, com intencionalidade probatória, restrita porém a factos de directa e pessoal intervenção da parte ou do seu directo conhecimento.

Assim, o actual CPC, a par do depoimento de parte, consagrou a possibilidade de as próprias partes tomarem a iniciativa de prestação de declarações, ainda  que com carácter facultativo, na medida em que é a própria parte que se oferece para depor, requerendo a prestação de declarações.

A natureza supletiva da prova por declarações de parte é salientada por PAULO PIMENTA, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, 257 ao referir que será um meio a que as partes recorrerão “nos casos em que, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, pressintam que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz”.

Sobre o valor probatório das declarações de parte, o n.º 3 do artigo 466º do CPC esclarece que “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.

Não obstante as declarações de parte possam ser livremente apreciadas pelo julgador, como decorre da lei, admite-se que as mesmas denotam, em regra, uma insuficiência probatória ou fraca fiabilidade.

A este propósito referem PAULO RAMOS DE FARIA E ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2.ª ed., 2014, 395 que “A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente.”

Concorda-se, portanto, que em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode, em regra, ficar convencido apenas com o relato efectuado pela própria parte, interessada na procedência da acção, que presta declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas.

Há, por isso, que atentar nas declarações de parte de autora e réu, por forma a ponderar da eventual consonância entre elas em determinados aspectos, pese embora as versões apresentadas sejam, em parte, formal e aparentemente, contraditórias.

Em relação aos Factos Provados Nºs 3 e 4:
Enquanto a Autora e o Réu viveram juntos, tiveram muitas discussões.
O Réu não concordava que a Autora tomasse café com colegas e fosse sozinha a Portugal Continental e o Réu fazia-lhe advertências quanto aos gastos, sendo que tinham uma conta bancária em comum.

A autora afirmou, em síntese, que:
Enquanto viveram juntos tiveram muitas discussões, que o réu discordava que a autora tomasse café, pelo menos, com um determinado colega, bem como lhe desagradava o facto de a autora ir sozinha a Portugal Continental e que este lhe fazia advertências em relação aos gastos, não deixando de frisar que as discussões nunca tiveram lugar à frente dos filhos.
Essa insatisfação do réu era por ela sentida, embora este nunca a tivesse proibido de fazer tais viagens, tanto mais que ele sabia que ela ia fazer acções de formação e sabia dos locais onde ela se encontrava.
 Sentia-se controlada e as advertências sobre os gastos efectuadas pelo réu não tinham razão de ser, pois ela não adquiria nada extravagante.

O réu, por seu turno, apontou, insistentemente:
A existência de divergências, e não de discussões, não resultando clara a distinção terminológica por ele efectuada.
Admitiu que havia o que designou de “divergências” sobre algumas questões, salientando, nomeadamente, a questão religiosa, manifestando-se crente em Deus e que a autora entendia que os filhos é que deveriam decidir se participariam em manifestações religiosas (missas e catequese).
Admitiu que tinham uma conta bancária em comum e que era ele que geria os ganhos do casal e fazia os pagamentos e que também tiveram “divergências” a propósito dos gastos e poupanças para os filhos, que a autora pretendia fossem em montante mais elevado e fez questão em afirmar que a autora terá “rebentado”, com três carros, tal como o portão da garagem e que ele suportou os custos juntamente com a mulher, argumentando ainda que se ele não fizesse tão bem o controlo e a gestão do orçamento familiar, “hoje não tínhamos onde dormir”.
Referiu igualmente que a autora comprava fruta em abundância e que lhe teria dito para comprar em menos quantidade e que a esposa “ferve em pouca água” e disse-lhe “está bem, eu já não janto hoje”.
Negou que impusesse a sua vontade à autora, dando como exemplo, a circunstância de, aquando da construção da vivenda onde ambos habitavam, a autora teve sempre uma palavra a dizer sobre a escolha dos materiais. Curiosamente, foi este mesmo aspecto que foi salientado pelas testemunhas do réu, Fernando ..... e Manuel ......, pretendendo por este facto - tão normal e óbvio na vida de um casal que está a acompanhar a construção de uma casa para futuramente viveram – que o réu não condicionava os movimentos e opiniões da autora.
Insistiu que a autora teve total liberdade de movimentos, que tão pouco se opôs às idas da esposa a Portugal Continental, mas não deixou de demonstrar o seu ressentimento pelo facto de, segundo salientou, a mulher o deixar a almoçar sozinho em casa para estar no café com o dito colega, ou que esperava por esse amigo, de quem o réu não gostava, e ele ia sozinho para o trabalho, admitindo que a autora achava que ele não concordava com essas situações, mas que nunca a proibiu de tomar café com esse amigo da autora, também professor.

Em relação aos Facto Provados Nº 5 a 7
A partir de 2009, o casal teve duas crises muito severas, ao ponto de a Autora pensar em separação e de transmitir ao Réu a vontade de divorciar-se, e, na segunda semana de Agosto de 2013, Autora e Réu tiveram uma grande discussão.
 Em finais de Agosto de 2013, a Autora apercebeu-se que o seu casamento não fazia mais sentido, deixou de partilhar a mesma cama com o Réu e passou a dormir no quarto do filho mais velho.
Na sequência do facto referido no ponto anterior, o réu desfez a cama de casal e foi dormir para o quarto do filho mais velho.

A autora referiu, em síntese, que:
Se verificaram duas crises, que qualificou de muito severas, a partir de 2009, tendo mostrado, então, vontade se se separar.
Nessa altura, o réu dedicava-se excessivamente ao trabalho, esquecendo-se dela e dos filhos e que só a queria para ela cuidar da casa e dos filhos, tendo a autora efectuado, inclusivamente, alusões ao relacionamento íntimo entre o casal (ou à falta dele), tendo manifestado a sua pretensão de se separar do réu e que este, na iminência da separação pedia desculpa, mas que tudo voltava ao mesmo.
A discussão que teve lugar em meados de Agosto de 2013, e que culminou na ruptura conjugal, foi provocada pelo facto de ela ter sido convidada para fazer parte de uma lista concorrente às eleições para a autarquia local, circunstância que o réu não aceitou, tendo-lhe pedido que abandonasse a campanha.
Nessa altura veio à discussão todos as situações passadas, as viagens da autora, as suas deslocações ao café, sintetizando a autora que o réu “lhe cobrou todas essas situações”.
Apercebeu-se na ocasião que o seu casamento não fazia sentido.
Depois dessa discussão permaneceu na residência do casal, mas em finais de Agosto de 2013, deixou de fazer vida de casal, de dormir no mesmo quarto com o réu, passando a dormir com o filho mais velho e comunicou ao réu que pretendia o divórcio.
Na noite em que deixou de dormir com o réu, este desmontou a cama, embora depois a tivesse montado de novo.
Deixou de viver na residência do casal a partir de 24 de Setembro de 2013, e que a pressão psicológica era grande.
Desde então nunca mais tiveram vivência em comum e não pretende restabelecer comunhão de vida com o réu.

O réu, por seu turno:

Admitiu que numa fase da vida do casal esteve mais ocupado com o trabalho e a fazer um curso de mestrado, mas que a autora também tinha períodos de muito trabalho e que se chegaram a confrontar com essa circunstância. E, a partir de determinada altura, por sugestão da autora, deixou de utilizar computador ao fim-se-semana, de fazer trabalhos da escola, da universidade, do futebol e da profissão de professor.
Referiu que, posteriormente, a situação se inverteu e que confrontou a autora com o facto de esta passar demasiado tempo no computador, nas  redes  sociais, com   o  tempo  de lazer por ela ocupado, também com a prática de actividade física e que a autora, algumas vezes, só voltava para casa na hora dos filhos irem para a cama, pretendendo, segundo afirmou, ajustar algumas rotinas.
Mais referiu que após 2009, a autora encetou a prática de actividades, que qualificou  de  esotéricas,  medicinas  alternativas, como reiki, conexões, hipnoses, ioga e que notou que a esposa com quem tinha vivido até 2009 estava a mudar, deixando de ser aquilo que era, e de ser tão tolerante.
Admitiu que não apoiava as opções da autora e que tentou alguns reajustamentos na vida do casal, mas sempre, como sempre fez questão de frisar, através do diálogo.
Admitiu ainda que, pelo menos uma vez, em 2009, a autora manifestou o desejo de separação, mas que acabou por afirmar que não se ia separar porque não queria “que os nossos filhos soubessem que os seus pais não se amavam”. Atribuiu esse comportamento da autora causado pela morte do pai desta, que muito a terá afectado.
Admitiu também que na segunda semana de Agosto de 2013, a autora o informou que era candidata a vereadora da Câmara Municipal ….., e que ele não tinha sido consultado, embora também tivesse referido que o tal professor amigo da autora, de quem o réu não gostava, havia estado na residência do casal, em Julho de 2013, a concertar estratégias com a autora relativamente à candidatura.
Referiu que mesmo, em Agosto de 2013, não houve discussão. Estavam sentados no sofá da sala quando ela o informou que era candidata à vereação. Ficou triste por não ter sido consultado e disse-lhe que ela tinha pensado mais nela do que propriamente na família e falou-lhe também noutras circunstâncias antes ocorridas.
Continuou a insistiu que apenas teria havido uma conversa e não uma discussão, embora haja admitido que as divergências se teriam acentuado.
Igualmente admitiu que a autora passou a dormir no quarto do filho, que a autora lhe terá disto que não queria ficar debaixo do mesmo tecto e que acabou por sair da casa do casal, a 24.09.2013.
Negou que, na noite em que a autora passou a dormir no quarto do filho, haja desmontado a cama de casal, mas que apenas desfez a cama, como habitualmente, admitindo que dormiu no quarto do filho mais novo.

Ora, o réu sempre defendeu que as “crises” do casal e as “discussões” não passavam daquilo que, eufemisticamente, apelidou de “divergências”. Quis aparentar sempre, porventura, por razões morais e/ou religiosas, que existia uma plena harmonia na vida do casal, o que face ao normal senso comum e aos dados da experiência, não pode deixar de se entender que foi desmentido pelos factos que o próprio relatava.

Ressalvou sempre o réu que era um homem de princípios, que estaria disposto a reatar a relação conjugal, por forma a garantir o futuro da vida familiar, apontando razões éticas e morais para não aceitar o divórcio, referindo que “não poderia ser metido no mesmo saco que os agressores” e que “o ónus da situação não pode recair sobre mim”.

Porém, em face do confronto das declarações de parte de autora e réu, não obstante a semântica utilizada, podem encontrar-se, sem qualquer dúvida, entre tais declarações, muitas concordâncias, expressas ou implícitas, relativamente aos factos aqui em apreciação, conforme se mostra aludido na fundamentação da decisão de facto exarada na sentença recorrida.

Com efeito, ficaram demonstradas as discussões do casal, sendo as mesmas fundamentadas, como chegou a argumentar a autora, nas suas declarações de parte. As objectivas discordâncias do casal, relativamente  às  questões  enumeradas  por ambas as partes, foram geradores de crises na vida do casal e são susceptíveis de provocar desunião, vontade e determinação de fazer cessar a relação e o convívio conjugal, como sucedeu no caso concreto.

Assim, concorda-se, quase integralmente com a decisão da matéria de facto vertida na sentença recorrida, eliminando-se, tão somente:
Nos nºs 3 e 5 dos Factos Provados: o advérbio de quantidade que antecede “discussões” e “severas”, respectivamente;
No Nº 4 dos Factos Provados: o plural “colegas”, passando a constar que:
O réu não concordava que a autora tomasse café, pelo menos, com um determinado colega da autora e fosse sozinha a Portugal Continental e  réu fazia-lhe advertências quanto aos gastos, sendo que tinham um conta bancária em comum.

Mantém-se, no mais, e nos seus precisos termos, a factualidade dada como provada na 1ª instância, já que se entende que nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que tão somente é merecedora de reparo, quanto aos pontos acima mencionados, a cuja correcção se procedeu, sendo perfeitamente adequada à prova produzida.

Procede, pois, ainda que parcialmente, e nos termos sobreditos, a alegação do apelante no que concerne à impugnação da matéria de facto.

ii.DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

De harmonia com o disposto no artigo 1781º do Código Civil são fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:
a)-A separação de facto por um ano consecutivo;
b)-A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;
c)-A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;
d)-Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.

A presente acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges assentou, na sentença recorrida, na ruptura definitiva do casamento, muito embora nela se aluda à ausência de comunhão de vida entre os cônjuges própria do casamento, tendo atendido à circunstância de, desde finais de Agosto de 2013 até à data da prolação da sentença, a autora ter deixado de fazer vida em comum com o réu.

Como decorre do 1782º do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº 61/2008 de 31 de Outubro, que entrou em vigor em 30.11.2008, entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo 1781º, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges (elemento objectivo) e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer (elemento subjectivo).

A referida Lei nº 61/2008, de 31.10, eliminou a culpa como fundamento  de  divórcio  sem consentimento  de um dos cônjuges, tendo consagrado na nossa ordem jurídica o designado modelo de “divórcio constatação da ruptura conjugal”, inspirado na concepção de divórcio unilateral e  potestativo,  em  que  qualquer  um  dos  cônjuges  pode pôr termo ao casamento, com fundamento em factualidade que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do matrimónio, desta forma se tendo abandonado a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais, o chamado “divórcio-sanção”.
Como se refere, por exemplo, no Ac. STJ de 09.02.2012 (Pº 819/09.7MPRT.P1.S1) a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, limitou-se a aprofundar o modelo “moderno” de casamento, por contraposição ao seu modelo “tradicional”, modelo esse que “desvaloriza o lado institucional e faz do sentimento  dos  cônjuges,  ou  seja,  da  sua  real  ligação  afectiva,  o  verdadeiro fundamento do casamento”, que passa a ser “tendencialmente”, ou, no limite, antes que uma “instituição”, “uma simples associação de duas pessoas, que buscam, através dela, uma e outra, a sua felicidade e a sua realização pessoal”, ideia que justifica e propugna a dissolução jurídica do vínculo matrimonial quando, independentemente da culpa de qualquer dos cônjuges, ele se haja já dissolvido de facto, por se haver perdido, definitivamente, e, sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum.
Com efeito, o chamado divórcio-ruptura, em contraposição ao divórcio-sanção, funda-se em causas objectivas, designadamente a separação de facto, reconhecendo-se que o vínculo matrimonial se pode perder independentemente da causa do fracasso da vida conjugal.
Ora, no caso vertente, ficou provado que a autora e o réu haviam contraído casamento em 28.07.2001 e que, em finais de Agosto de 2013, a autora não mais partilhou cama com o réu, acabando por deixar de habitar na casa de morada de família, em 24.09.2013 - v. Nºs 1, 6 e 8 da Fundamentação de Facto.

Mais se provou que a autora não tem qualquer propósito de restabelecer a vida em comum com o réu – v. Nº 9 da Fundamentação de Facto.

É certo que, não obstante a ausência de relacionamento e vivência em comum entre autora e réu, pelo menos, desde de Setembro de 2013, a verdade é que a acção de divórcio foi por esta intentada em 10.09.2013, ou seja, ainda antes da sua saída de casa de morada de família.

Não se ignora que alguma jurisprudência tem vindo a considerar a superveniência desse prazo à data do encerramento da discussão da causa, nos termos do artigo 663º do CPC, com base na prevalência do princípio da actualidade – v. nomeadamente, Acs. STJ de 03.11.2005 (Pº05B2266), e de 06.03.2007 (Pº 07A297); Ac. R.L. de  15.5.2012 (Pº 1017/09.5TMLSB.L1-7) , acessíveis em www.dgsi.pt.

Defende, por outro lado, grande parte da doutrina e da jurisprudência que o pressuposto da duração temporal da separação se deve verificar à data da propositura da acção – v. a propósito, ABEL PEREIRA DELGADO, O Divórcio, 1980, 69, FERNANDO BRANDÃO FERREIRA PINTO, Causas do Divórcio, 1980, 122TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio e Questões Conexas (Regime Jurídico Actual), 2ª ed. 67 a 68,  Acs. STJ de 24.10.2006 (Pº 06B2898); de 10.10.2006 (Pº06A2736) e de 03.10.2013 (Pº 2610/10.9TMPRT.P1.S1); Acs. R.P.de 14.06.2010 (Pº 318/09.7TBCHV.P1), de 15.03.2011 (Pº 5496/09.2TBVFR.P1), e de 29.03.2011 (Pº 1506/09.1TBOA2.P1); Ac. da R.G. de 11.09.2012 (Pº 250/10.1TBMBRG.G1); Ac. R.E. de 21.03.2013 (Pº 292/10.7T2SNS.E1); Acs. da R.L. de 10.02.2011, (Pº 568/09.6TBMFR.L1-2), de 15.05.2012 (Pº 9139/09.6TCLRS.L1-7), de 22.10.2013 (Pº 16/11.1TBHRT.L1-7) e de 17.12.2015 (Pº 425/13.1TMLSB.L1-2), no qual a ora relatora foi ali 1ª adjunta.

Sufraga-se, é certo, esta última posição doutrinária e jurisprudencial, por se entender que o pressuposto da duração temporal da separação se deverá verificar à data da propositura da acção.
E que, o disposto na alínea a) do artigo 1781.º do CC tem natureza marcadamente substantiva, e mostra-se densificada no n.º 1 do artigo 1782.º do CC, que visa preservar um período de tempo considerado essencial para a consolidação da situação de facto, como que a presumir, juris et de jure, a ruptura definitiva do vínculo conjugal, sem envolver, no entanto, a prova específica ou directa desta, como sucede na hipótese prevista na alínea d) do aludido artigo 1781º.

O pressuposto factual consubstanciado na duração daquele prazo assume a natureza de um facto constitutivo do direito potestativo de requerer o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, essencial para a procedência da acção, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do CC.

Sucede, porém, que o fundamento de divórcio invocado pela autora não assentou no preceituado na alínea a) do artigo 1781º do Código Civil, nem assim o entendeu, expressamente, a sentença recorrida que decretou o divórcio ao abrigo da alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil,

A cláusula geral e objectiva da ruptura definitiva do casamento – enquanto fundamento de divórcio, previsto na aludida alínea d) do artigo 1781.º do CC – não exige, para a sua verificação, qualquer duração mínima, como sucede com as restantes causas consagradas nas demais alíneas que impõem um ano de permanência.

Sucede que o quadro factual constante da matéria dada como provada, mormente as crises verificadas no seio da família (que foram consideradas fundadas), as discussões entre o casal, composto por autora e réu, a propósito de questões fundamentais da vida em comum, não foram ultrapassadas, levando a autora a abandonar o lar conjugal (Nºs 5, 6 e 8 da Fundamentação de Facto) e, consequentemente, a violar o dever de coabitação.

Tal quadro factual, concomitantemente com a inexistência de qualquer aproximação entre autora e réu, a ausência de relacionamento e a completa falta de partilha entre eles, implica que se considere demonstrada a cessação irreversível da comunhão conjugal, reveladora da inexistência de qualquer indício sério de reatamento da vida conjugal.
De resto, provado ficou que a autora não tem qualquer propósito de restabelecer a vida em comum com o réu (Nº 9 da Fundamentação de Facto), e a factualidade apurada assim o demonstrou, o que se mostra suficiente para o preenchimento do conceito de ruptura definitiva do vínculo matrimonial, previsto na alínea d) do artigo 1781º do Código Civil – v. neste sentido, Ac. STJ de 03.10.2013 (Pº 2610/10.9TMPRT.P1.S1) e Ac. R.L. de 22.10.2013 (Pº 16/11.1TBHRT.L1-7), e de 14.04.2016 (Pº 273/14.1TBSCR.L1, de que foi relatora a também aqui relatora), acessíveis no supra citado sítio da Internet – o que sempre levará à procedência da acção.

Como bem se mencionou no Ac. TRL de 30.10.2014 (Pº 145/13.7TMLSB.L1-8), o casamento exige a vontade de duas pessoas e não apenas de uma ou a imposição de uma sobre a outra. Inexistindo esse consenso, essa vontade, e não querendo uma delas manter esse vínculo, não pode o Tribunal desvalorizar essa vontade, minimizá-la ou anulá-la.

E, assim sendo, a apelação não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.

O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV.DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
ondena-se o apelante no pagamento das custas respectivas.


Lisboa, 21 de Setembro de 2017



Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Arlindo Crua