Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
447/13.2S4LSB.L1-9
Relator: GUILHERMINA FREITAS
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
MEDIDA DA PENA
LEITURA DA SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: O legislador não cominou com a nulidade a inobservância do disposto no n.º 5 do art. 389.º-A do CPP, ao contrário do que fez com a inobservância do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, pelo que a violação do preceituado naquele dispositivo, não integrando qualquer das nulidades previstas nos arts. 119.º ou 120.º do CPP, constitui mera irregularidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório

1. Nos autos de processo abreviado, com o n.º 447/13.2S4LSB, que correm termos na 3.ª secção, do 2.º Juízo, do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, foi o arguido JM...,  (…), condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98 de 3/1, na pena de 9 meses de prisão.

2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, retirando da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. Ora, encerrada a discussão da causa, a senhora juíza proferiu oralmente a sentença ao arrepio do no 5 do art. 389°-A do CPP, cometendo também a nulidade do disposto do n° 3 do mesmo artigo e diploma, o que desde já se requere que seja declarada com os devidos efeitos legais, tendo sido violadas tais disposições.

2. Ora o tribunal a quo, ao constatar através do seu CRC, que o arguido já tinha 4 condenações anteriores pelo mesmo ilícito "saltou" imediatamente para a pena de prisão efetiva, sem indagar se todas as outras formas de cumprimento da pena ainda realizavam de forma plena as finalidades da punição como as previstas nos artigos 43º a 48º do C.P.

3. Na verdade, deixou de pronunciar-se, em concreto, sobre cada uma dessa modalidades de cumprimento da pena para, aplicar imediatamente os 9 meses de prisão efetiva.

4. Donde a sentença, salvo o devido respeito, é nula, (cfr. art° 379º n° 1 al. c) do CPP), quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

5. Certo é que o tribunal recorrido, não ponderou a hipótese de à luz dos artigos acima indicados a execução da pena de prisão poder realizar de forma adequada as finalidades da punição, por exemplo, através do regime de prisão por dias livres, regime de semidetenção, ou regime de permanência na habitação.

6. O recorrente confessou integralmente e sem reservas a prática do crime conforme se motivou e para aí se remete integralmente e se dá como reproduzido, pelo que tal facto devia ter tido reflexos na medida da pena, para mais próxima dos 6 meses de prisão o que se requer.

7. Ora considerando que o arguido vive sozinho, tem uma doença grave (tumor na cabeça), está a fazer radioterapia e quimioterapia, apesar disso está inscrito em escola de condução, não teve ainda contacto com o meio prisional, nada obstaculiza, bem pelo contrário, o que desde já o arguido consente que a pena aplicada, seja cumprida em OPVHE.

Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, e em consequência a douta sentença ser revogada nos termos sobreditos, assim se fazendo a sã e costumada                                     

                                           JUSTIÇA!”

3. A Magistrada do Ministério Público na 1.ª instância apresentou resposta, concluindo que ao mesmo deverá ser negado provimento e, em consequência, mantida a decisão recorrida.

4. Nesta Relação, a Digna Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 416.º do CPP, pugnando pela improcedência do recurso.

5. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP, tendo o arguido apresentado resposta, nos termos que constam de fls. 113 a 115, que aqui se dão como reproduzidos.

6. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (art. 410.º n.ºs 2 e 3 do CPP).

Assim sendo, as questões a apreciar por este Tribunal ad quem, sem prejuízo de alguma/s dela/s ficar prejudicado pela solução dada às que lhe antecedem, consistem em saber se:

- foi cometida a nulidade prevista no n.º 3 do art. 389.º-A do CPP, porquanto tendo a pena que foi aplicada ao recorrente sido de prisão efectiva, não foi respeitado o disposto no n.º 5 do mesmo preceito legal;

- a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto na al. c), do n.º 1, do art. 379.º do CPP, por não ter ponderado a hipótese de a execução da pena de prisão poder realizar de forma adequada as finalidades da punição, por exemplo, através do regime de prisão por dias livres, regime de semidetenção ou regime de permanência na habitação;

- na determinação da medida concreta da pena o tribunal recorrido deveria ter em atenção a confissão integral e sem reservas por parte do arguido, devendo a pena de prisão ser fixada mais próxima dos 6 meses, a cumprir em regime de permanência na habitação.

2. A decisão recorrida

É do seguinte teor a decisão recorrida, que, de seguida, se transcreve:

                                               RELATÓRIO

A Magistrada do Ministério Público requereu o julgamento em processo abreviado de JM..., imputando-lhe a prática de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de Janeiro.

O arguido não apresentou contestação.

O tribunal é competente.

As partes têm capacidade Judiciária e são legitimas.

Inexistindo questões prévias ou incidentais que obstassem ao conhecimento do mérito da causa e de que pudesse desde logo conhecer-se, procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.

                                              FACTOS PROVADOS

Discutida a causa, e de relevante para a decisão da mesma, provaram-se os seguintes factos:

1. No dia 24 de Julho de 2013, pelas 21 horas e 10 minutos, na Rua de Marvila, em Lisboa, o arguido JM..., conduzia o veiculo ligeiro de passageiros, de matrícula xx-xx-xx;

2. No circunstancialismo descrito em 1, o arguido foi abordado pela P.S.P., no âmbito de uma operação de fiscalização de trânsito e conduzia o veiculo identificado em 1., sem dispor de titulo de condução ou documento equivalente;

3. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

4. O arguido tem antecedentes criminais, conforme resulta do C.R.C., de fls.55 a 62, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo sido julgado e condenado, em Março de 2008, por factos praticados em Novembro de 2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual foi extinta por despacho de 13-03-2009; foi julgado e condenado, em Maio de 2009, por factos praticados em Maio de 2009, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, a qual foi extinta por despacho de 27-05-2010; foi julgado e condenado, em Junho de 2010, por factos praticados em Maio de 2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de quatro meses de prisão, substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual foi extinta por despacho de 23-03-2013; foi julgado e condenado, em Setembro de 2012, por factos praticados em Setembro de 2012, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de trabalho;

5. O teor dos documentos juntos a fls. 68 a 71, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, de onde resulta que o arguido foi submetido a uma cirurgia hipofisária por doença de Cushing, para a qual é indispensável, o medicamento Hidrocortisona de 10 mg, conforme declaração médica, passada em 24-07-2013; esteve no Centro Hospitalar de Lisboa Central, Epe, no dia 25-07-2013, entre as 10:00 horas e as 12:23 horas, para realização de meios complementares de diagnóstico e está inscrito na Escola de Condução de Marvila;

6. O arguido é solteiro, reside sozinho e não tem filhos a seu cargo;

7. O arguido faz biscates, na área de mecânica de automóvel, auferindo cerca de € 300,00 mensais;

8. O arguido tem como habilitações literárias a 3.ª classe;

                                                                  *

Discutida a causa, e de relevante para a decisão da mesma, nada mais resultou provado

                                                                  *

              FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Para dar como provados e não provados os factos supra, o Tribunal formou a sua convicção, em toda a prova produzida, nos seguintes termos:

1- Nas declarações prestadas pelo arguido em audiência, que disse que conduzia na via pública à hora que foi abordado e que o conduzia, porque teria ido a uma consulta médica nesse dia e que o médico ter-lhe-á prescrito medicação para um problema relacionado com o tumor no intestino que tem, e nessas circunstâncias não conseguiu que lhe fornecessem essa medicação, voltou à consulta, foi passada uma declaração, para que fosse fornecida essa medicação e o arguido conduziu o veiculo da filha, dizendo que não tinha dinheiro na altura, para se socorrer da utilização de um táxi e que nessas circunstâncias conduziu e que está inscrito numa escola de condução, mas que não pode tirar a carta de condução, por força da sua doença.

2- No depoimento das duas testemunhas de acusação:

- RR, agente da P.S.P., que disse que não conhecia o arguido antes da data dos factos, que presenciou, lembrando-se da situação concreta e do circunstancialismo que rodeou essa situação, confirmando que fiscalizou e deteve o arguido numa fiscalização normal de trânsito, não houve nenhum motivo que determinasse a fiscalização do arguido e que o mesmo declarou não ser titular de carta de condução e não ficou minimamente surpreendido, com a detenção por não ter carta de condução, disse que se lembrava de que o arguido conduzia acompanhado, por uma senhora e que o arguido havia dito que dava boleia a essa senhora, e que se lembrava que a pessoa que acompanhava o arguido era emigrante.

- RS, agente da P.S.P., motorista do carro patrulha, disse que não conhecia o arguido, acompanhava a testemunha RR, presenciou os factos, lembra-se da situação concreta, e confirmou o que a primeira testemunha tinha declarado, e confirmou que o arguido declarou que já tinha sido detido outras vezes pela prática deste crime, que há pouco tempo havia sido detido pela prática do mesmo crime, confirmando que o arguido intentou junto da testemunha, se não lhe poderia resolver este assunto, uma vez que sendo apanhado por condução sem carta que ia preso, e que se lembrava que o arguido conduzia acompanhado, por uma senhora e que disse que dava uma boleia a essa senhora, lembrando-se que a senhora era emigrante, que a mesma ficara surpreendida por o arguido não ter carta de condução.

3 - Foram, ainda, tidos em atenção, o certificado de registo criminal de fls. 55 a 62, bem como, os documentos juntos em audiência de julgamento, de fls. 68 a 71, dos autos.

                                                       O DIREITO

Importa agora apreciar a materialidade provada e apurar se a mesma integra a prática, por parte do arguido, JM..., do ilícito penal porque vem acusado.

Na verdade, encontra-se o arguido acusado da prática, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º2, do DL 2/98, de 03 de Janeiro.

O arguido sabia a sua conduta proibida e punida por lei.

É, igualmente, ilícita a conduta do arguido, porque contrária à ordem jurídica vigente, não se verificando qualquer causa que exclua a ilicitude.

Finalmente, é culposa a conduta do arguido, uma vez que o mesmo, já foi condenado pela prática da forma descrita, tinha consciência da ilicitude da sua conduta e vontade de se motivar de acordo com essa consciência.

Preencheu, assim, com a sua conduta o arguido, todos os elementos objectivos e subjectivo - dolo - constitutivos do crime de condução sem habilitação legal, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 03 de Janeiro.

Feito o enquadramento jurídico da conduta do arguido, pela forma descrita, importa agora determinar, dentro da medida abstracta da pena estabelecida, a pena concreta correspondente ao crime praticado, com recurso aos critérios dos artigos 70.º e 71.º, do Código Penal, sendo a pena concreta função do binómio culpa do agente - exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

Toda a pena serve finalidades de prevenção geral e especial; a pena concreta é delimitada no seu máximo inultrapassável pela medida em que se dimensione a culpa; dentro deste limite máximo é a sanção apurada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é dado pelo ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico dentro desta moldura (abstracta) de prevenção geral de integração, a medida da pena irá ser achada em função de exigência de prevenção especial, em regra positiva ou de dessacralização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais.

Devendo ter sempre um sentido pedagógico e regionalizador, as penas são aplicadas com o objectivo primeiro de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada e, em última instância, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal.

No caso concreto, o arguido já foi condenado por 4 (quatro) vezes, voltando a praticar o mesmo tipo de crime.

No que concerne ao crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º2, do DL 2/98, de 03 de Janeiro, a pena abstracta aplicável é de prisão até 2 anos, ou de multa até 240 dias.

Há que considerar, relativamente ao arguido:

a) O grau de ilicitude do facto: mediano;

b) O dolo: directo;

c) O facto de não ter, com a sua conduta, causado qualquer consequência;

d) A existência de antecedentes criminais, do arguido. Na verdade, conforme resulta d da matéria de facto provada, o arguido, tem antecedentes criminais, tendo sido julgado e condenado, em Março de 2008, por factos praticados em Novembro de 2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual foi extinta por despacho de 13-03-2009; foi julgado e condenado, em Maio de 2009, por factos praticados em Maio de 2009, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, a qual foi extinta por despacho de 27-05-2010; foi julgado e condenado, em Junho de 2010, por factos praticados em Maio de 2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de quatro meses de prisão, substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual foi extinta por despacho de 23-03-2013; foi julgado e condenado, em Setembro de 2012, por factos praticados em Setembro de 2012, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de trabalho.

Finalmente, ainda como circunstância agravante da sua conduta cumpre considerar que ao praticar o crime porque é agora condenado, o arguido havia praticado o mesmo tipo de crime há menos de um ano, crime porque foi condenado em tal data (Setembro de 2012).

Tal condenação, a quarta pelo mesmo tipo de crime e em pena de prisão substituída por trabalho em nada o demoveu de praticar o mesmo tipo de crime pela 5.ª vez.

Sendo, assim, fortes as necessidades de prevenção geral, no que respeita às necessidades de prevenção especial, o mesmo se verifica, porquanto foram já emitidos sérios avisos ao arguido para obviar a que estes factos jamais se venham a repetir, tendo já sido condenado em penas de multa, pena de prisão substituída por trabalho e em pena de prisão suspensa na sua execução, não tendo tais condenações, afastado o arguido da prática do mesmo tipo de crimes, pelo que não pode o Tribunal, naturalmente, voltar a suspender a execução da pena, porquanto está demonstrado, à sociedade, que tal recurso é insuficiente para afastar o arguido da prática deste tipo de crimes, concluindo que apenas o cumprimento de pena de prisão efectiva e a cumprir em regime contínuo poderá levar o arguido a interiorizar a gravidade da sua actuação e a afastar-se da prática do mesmo tipo de crimes, arrepiando caminho, de uma vez por todas.

Assim e pelo exposto, considerando a moldura abstracta da pena aplicável, os factos dados como provados e as circunstâncias e conclusões supra referidas, a pena a fixar, tida como adequada à situação concreta, deverá ser acima do mínimo legal, mostrando-se adequada a sua fixação em 9 (nove) meses de prisão.

                                                          DECISÃO

Atento o exposto, julgo a acusação procedente por provada e consequentemente:

A) Condeno o arguido JM..., como autor material de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3/01, na pena de 9 (nove) meses de prisão.

B) Condeno, ainda, o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C.'s.

Notifique e deposite.

Após trânsito, remeta boletim à D.S.I.C., e emita os competentes mandados para cumprimento da pena.

D.N.”
3. Apreciando

3.1. A nulidade prevista no n.º 3 do art. 389.º-A do CPP

Alega o arguido/recorrente que foi cometida a nulidade prevista no n.º 3 do art. 389.º-A do CPP, porquanto tendo a pena que lhe foi aplicada sido de prisão efectiva, não foi respeitado pelo tribunal a quo o disposto no n.º 5 do mesmo preceito legal.

Vejamos.

De acordo com o disposto no art. 391.º-F do CPP à sentença, em processo abreviado, é correspondentemente aplicável o disposto no art. 389.º-A, disposição esta relativa à sentença em processo sumário.

Por sua vez o n.º 3 deste último dispositivo preceitua que a sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º.

E o n.º 5 desse mesmo artigo dispõe que se for aplicada pena privativa da liberdade, ou excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora sentença por escrito e procede à sua leitura.

Analisados os presentes autos, verifica-se que ao arguido/recorrente foi aplicada uma pena privativa da liberdade – 9 meses de prisão efectiva – e que, contrariamente ao preceituado no n.º 5 do art. 389.º-A do CPP, a Sr.ª Juíza do tribunal a quo, logo após a discussão da audiência de julgamento, proferiu oralmente a sentença, sem que previamente a tenha elaborado por escrito.

É isso que resulta da audição do CD que contém a gravação da audiência de julgamento, bem como do teor da acta de fls. 72 a 80, sendo certo que a sentença só foi depositada já depois de o arguido ter interposto recurso e decorridos mais de 30 dias após a sua prolação – cfr. declaração de depósito de fls. 96 dos autos.

Acontece, porém, que o legislador não cominou com a nulidade a inobservância do disposto no n.º 5 do art. 389.º-A do CPP, ao contrário do que fez com a inobservância do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, pelo que a violação do preceituado naquele dispositivo, não integrando qualquer das nulidades previstas nos arts. 119.º ou 120.º do CPP, constitui mera irregularidade, nos termos previstos no art. 123.º do CPP e de acordo com o princípio da legalidade estabelecido no art. 118.º do mesmo diploma legal.

Irregularidade essa que deveria ter sido arguida no próprio acto em que foi proferida oralmente a sentença, uma vez que o arguido e seu ilustre mandatário se encontravam presentes, conforme consta da acta de fls. 72 a 80 dos autos. Não o tendo sido ficou sanada – art. 123.º, n.º 1 do CPP.

Improcede, assim, o recurso quanto a esta suscitada nulidade.  

3.2. A nulidade da sentença, nos termos do disposto na al. c), do n.º 1, do art. 379.º do CPP

Alega o arguido/recorrente que a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto na al. c), do n.º 1, do art. 379.º do CPP, por não ter ponderado a hipótese de a execução da pena de prisão poder realizar de forma adequada as finalidades da punição, por exemplo, através do regime de prisão por dias livres, regime de semidetenção ou regime de permanência na habitação.

Não cremos, porém, que assim seja.

A fundamentar a decisão sobre a escolha da pena a impor ao arguido/recorrente diz-se na decisão recorrida:

 “ (…)Tal condenação, a quarta pelo mesmo tipo de crime e em pena de prisão substituída por trabalho em nada o demoveu de praticar o mesmo tipo de crime pela 5.ª vez.

Sendo, assim, fortes as necessidades de prevenção geral, no que respeita às necessidades de prevenção especial, o mesmo se verifica, porquanto foram já emitidos sérios avisos ao arguido para obviar a que estes factos jamais se venham a repetir, tendo já sido condenado em penas de multa, pena de prisão substituída por trabalho e em pena de prisão suspensa na sua execução, não tendo tais condenações, afastado o arguido da prática do mesmo tipo de crimes, pelo que não pode o Tribunal, naturalmente, voltar a suspender a execução da pena, porquanto está demonstrado, à sociedade, que tal recurso é insuficiente para afastar o arguido da prática deste tipo de crimes, concluindo que apenas o cumprimento de pena de prisão efectiva e a cumprir em regime contínuo poderá levar o arguido a interiorizar a gravidade da sua actuação e a afastar-se da prática do mesmo tipo de crimes, arrepiando caminho, de uma vez por todas.”

Do exposto decorre que o tribunal a quo fundamentou de forma sucinta, mas suficiente, porque considera necessário in casu o cumprimento efectivo e contínuo de uma pena detentiva, afastando a possibilidade de ser aplicada ao arguido/recorrente qualquer pena de substituição, em sentido próprio ou impróprio, ou seja, porque assim o impõem, de acordo com a perspectiva do julgador de 1.ª instância, as fortes necessidades de prevenção geral e especial.

Como se refere no acórdão desta Relação de 25/10/2011, proferido no âmbito do processo n.º 96/10.7PTFUN.L1-5, disponível in www.dgsi.pt, “A circunstância da sentença não mencionar expressamente cada uma das penas de substituição que seriam abstractamente aplicáveis, percorrendo exaustivamente o catálogo legal, não determina a verificação do vício de omissão de pronúncia, desde que, da fundamentação apresentada, resulte com toda a clareza que o tribunal considerou imperioso o cumprimento efectivo da pena de prisão, afastando a aplicação de qualquer pena de substituição, em sentido próprio ou impróprio”.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão da RC de 8/9/2010, proferido no âmbito do processo n.º 64/09.1PTCTB.C1, igualmente disponível in www.dgsi.pt, no qual se diz “Com efeito, em lugar algum, a Lei impõe um afastamento discriminado e específico de todas as penas substitutivas (cuja panóplia é, hoje, bastante alargada); isso constituiria uma exigência de fundamentação excessiva e desproporcionada [num contexto em que as decisões já padecem (por mais simples que o caso se apresente) de enorme complexidade na sua redacção, em detrimento da sua clareza e – por vezes – ajustamento à verdade material].
Antes o que releva, nos termos da Lei, é a fundamentação da espécie (e medida) da pena aplicada e – nos casos em que, tratando-se de pena de prisão, tal substituição é possível – das razões da não adequação de pena substitutiva (…)”.
Questão diversa é a de saber se in casu a opção do julgador de 1.ª instância ao impor ao arguido/recorrente uma pena de prisão efectiva é a correcta ou se, pelo contrário, as circunstâncias apuradas permitiam a imposição de uma pena de substituição, questão essa que será apreciada de seguida.

Improcede, assim, o recurso quanto à suscitada questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
3.3. Medida concreta da pena de prisão e forma de cumprimento

Alega o arguido/recorrente que na determinação da medida concreta da pena o tribunal recorrido deveria ter em atenção a sua confissão integral e sem reservas, devendo a pena de prisão ser fixada mais próxima dos 6 meses.

Alega, ainda, que “(…) considerando que o arguido vive sozinho, tem uma doença grave (tumor na cabeça), está a fazer radioterapia e quimioterapia, apesar disso está inscrito em escola de condução, não teve ainda contacto com o meio prisional, nada obstaculiza, bem pelo contrário, o que desde já o arguido consente que a pena aplicada, seja cumprida em OPVHE.”

Vejamos.

Dispõe o n.º 1 do art. 344.º do CPP que:

“No caso de o arguido declarar que pretende confessar os factos que lhe são imputados, o presidente, sob pena de nulidade, pergunta-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coacção, bem como se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas.”

E o n.º 2 do mesmo artigo preceitua que:

“A confissão integral e sem reservas implica:

a) Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados;

b) Passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável; e

c) Redução da taxa de justiça em metade.”

Ora, no presente caso, não consta dos factos dados como provados que o arguido os tenha confessado de forma integral e sem reservas.

Nem resulta da acta da audiência de julgamento que tal confissão integral e sem reservas tenha ocorrido.

E nem sequer resulta da gravação da audiência de julgamento que o arguido tenha declarado no seu início que pretendia confessar os factos que lhe eram imputados, dando, dessa forma, azo a que o tribunal a quo tivesse actuado de acordo com o previsto no n.º 1 do art. 344.º do CPP.

Sendo certo que o tribunal a quo procedeu à audição das testemunhas de acusação, conforme da acta consta, sem que tenha havido qualquer manifestação, em contrário, por parte dos intervenientes processuais, designadamente, do ilustre defensor do arguido.

Donde, a confissão integral e sem reservas não foi, nem podia ter sido, considerada pela 1.ª instância como atenuante geral na determinação da medida concreta da pena de prisão a impor ao arguido.

Tendo em atenção, porém, a pena de prisão abstracta prevista para o ilícito imputado ao arguido – mínimo de 1 mês e máximo de 2 anos – as necessidades de prevenção geral e especial e o circunstancialismo apurado, designadamente, que o mesmo agiu com dolo directo, da sua conduta delituosa não foi produzido qualquer dano em pessoas ou coisas, tem antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de ilícito, sendo esta a 5.ª vez em que incorre na prática do crime de condução sem habilitação legal, o baixo nível de escolaridade do arguido, o qual tem apenas a 3.ª classe (o que poderá, eventualmente, causar-lhe alguma dificuldade na obtenção da carta de condução), a baixa condição económico-social, a doença de que o mesmo padece e o facto de se encontrar inscrito em escola de condução, entende-se que a pena fixada na 1.ª instância – 9 meses de prisão – se mostra um pouco inflacionada, sendo mais adequada a pena de 6 meses de prisão.

Vejamos, agora, se é possível que o arguido cumpra esta pena de 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação, conforme o mesmo requer.

De acordo com o disposto no art. 40.º do CP a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

A propósito de uma situação semelhante à destes autos refere-se no Acórdão da RE de 6/3/2012, proferido no âmbito do Proc. n.º 56/11.0GTSTB.E1, disponível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda, que “A protecção do bem jurídico mostra-se assegurada com a condenação em pena de prisão efectiva, independentemente do cumprimento desta se processar em estabelecimento prisional ou em regime de permanência na habitação. Não vemos como este regime de cumprimento de uma pena de seis meses de prisão possa fragilizar, no caso, a protecção do bem e a confiança na norma jurídica violada.

Serão, já aqui, determinantes as razões de prevenção especial. E importa saber, não qual das duas formas de cumprimento de pena será preferível, mas sim se a menos lesiva é ainda suficiente para satisfazer essas exigências de prevenção especial.

(…)À prisão como última ratio da política criminal, à necessidade de compressão do efeito estigmatizante e criminógeno da prisão, ao reforço da preferência pela não prisão nos casos de pequena e média criminalidade e nas penas curtas de prisão, alia-se hoje a discussão sobre a utilidade da própria prisão, na dicotomia “pena de prisão incapacitante do delinquente” versus “pena de prisão como meio de reinserção social”.

Ora, no presente caso, tendo em conta o circunstancialismo supra apontado no que se refere à pessoa do arguido, que o mesmo não teve ainda qualquer contacto com o meio prisional e, por outro lado, das condenações que sofreu em nenhuma delas foi experimentado o cumprimento da pena no regime que ora requer, ao qual dá o seu consentimento, entende-se como adequada e suficiente às finalidades da punição o cumprimento da pena de 6 meses de prisão em regime de permanência na habitação, verificados que se mostram os pressupostos a que alude o art. 44.º, n.º 1, al. a), do CP.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido JM..., condenando-se o mesmo pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98 de 3/1, na pena de 6 (seis) meses de prisão, a ser executada em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no art. 44.º, n.º 1, al. a), do CP, em substituição da pena de 9 meses de prisão em que havia sido condenado em 1.ª instância, decisão que se revoga nessa parte.

Sem custas.

Lisboa, 27 de Novembro de 2014
Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final e rubrica as restantes folhas (art. 94.º, n.º 2 do CPP).

Guilhermina Freitas
José Sérgio Calheiros da Gama