Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
592/13.4GAMTA.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: JOGO CLANDESTINO
JOGO DE FORTUNA E AZAR
MÁQUINA DE JOGO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Não é elemento do tipo legal do crime de exploração de jogo de fortuna e azar que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica; basta que façam depender os resultados obtidos pelo jogador exclusivamente, de sorte, sem que o mesmo tenha possibilidade de os influenciar." Mas esta não pode deixar de ser considerada.

II - O jogo não é de fortuna ou azar se o jogador puder, com a sua destreza e perícia, influenciar o respectivo resultado.

III - A diferença entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses mesmos jogos radica para além da temática do jogo, na natureza dos prémios que o jogador pode ganhar: tratando-se de prémios pagos em dinheiro ou fichas convertíveis directamente em dinheiro são jogos de fortuna ou azar, tratando-se de prémios pagos em espécie são modalidades afins desses mesmos jogos de fortuna ou azar.

IV - A modalidades afins não podem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos, algo que o legislador quis reservar para os jogos de fortuna ou azar.

V - Não cabe ao Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na determinação das opções políticas sobre a necessidade ou a conveniência na criminalização de certos comportamentos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na (5.ª) Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I — Relatório:

I — 1.) No Tribunal Judicial da Moita foi o arguido AG..., com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento em processo comum, com a intervenção do juiz singular, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de exploração ou exposição ilícita de jogo, p. e p. nos artigos 1.°, 3.°, 4.°, 108.°, n.° 1 e 2, 116.° e 117.° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, revisto pelo Decreto-Lei n.° 10/95, de 19 de Janeiro, do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 16/07, do Decreto-Lei n.° 40/2005, de 17/02, e pela Lei n.° 64­A/2008, de 31/12.

Efectuado o julgamento e proferida a respectiva sentença, veio aquele a ser condenado pela sobredita infracção, na pena de 3 (três) meses e 15 (quinze) de prisão que se substituíram por 105 (cento e cinco) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) e em 90 (noventa) dias de multa a igual taxa, tudo a perfazer a pena única de 195 (cento e noventa e cinco) dias de multa em idêntica taxa, ou seja, a multa global de € 975,00 (novecentos e setenta e cinco euros).


1.° - No que se refere à subsunção da conduta que se imputa ao Recorrente em sede de factualidade tida como provada, entende modestamente aquele que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa relativamente à máquina denominada "Grand Prix".

2.° - Na verdade, entende-se que não será de limitar a exploração do jogo ora em causa aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que, não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efectivamente "pensava" o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita, ainda que mais não seja por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar, a que acresce o facto de os valores despendidos com o mesmo serem de pouca relevância e não susceptíveis de lesarem uma qualquer família ou património.

3.º - O jogo em causa não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, como seja, uma qualquer roleta electrónica, pois que, para além do valor "apostado" não influir por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, não existe uma qualquer aposta concreta em qualquer um dos números ou pontos presentes naqueles jogos, ao contrário do que sucede com uma qualquer roleta de um qualquer casino, tão pouco são permitidas quaisquer apostas múltiplas ou mesmo um qualquer dobrar de apostas.

4.º - Sendo que, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n. 4/2010 (proferido no Processo n.° 2485/08 e publicado na 1.' Série, N.° 46°, do D.R. de 08 de Março de 2010), sempre se questiona o Recorrente de quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pela máquina ora em causa nos autos e aquele outro jogo que foi objecto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina dos autos depende de impulso electrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico?

5.º - Não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n. 4/2010, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.° 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida Jurisprudência e naqueles autos de recurso (nos quais, por sua vez, o jogo era absolutamente similar ao desenvolvido pela máquina ora em causa), entendeu que máquinas como a ora em causa nos presentes autos não consubstanciam a prática de um qualquer jogo de fortuna ou azar.


6.º - Porquanto, concluiu desde logo aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, sendo devidamente analisado o conteúdo legal da proibição da exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos.»

7.º - Ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma "mera" contra-ordenação, conforme preceituado no art. 163º,

8.º - Pois que, conclui então aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13° da Constituição da República.».

9.º - Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n. 4/2010, e, bem assim, nos, douto Acórdão da Veneranda Relação de Coimbra, de 02.02.2011, douto Acórdão da Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011, bem como, douto Acórdão desta Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, muito recentes doutos Acórdãos da Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013 e 12.02.2014, está em crer modestamente o Recorrente que a máquina ora em causa nos presentes autos, não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar.

10.º - Sendo, nessa sequência, forçoso concluir-se que, atentos os factos por si dados como provados, nomeadamente, quanto às características da máquina em causa, e por estar agora em causa apenas factualidade relacionada com a exploração de tal máquina (no que ao ilícito penal respeita) não poderia o Digníssimo Tribunal -a quo" ter concluído pela subsunção da conduta do Recorrente à prática de um qualquer crime de exploração ilícita de jogo, impondo-se a sua absolvição.

11.º - Mais que não seja porque, e abordando-se a questão por outro prisma, e tal qual resulta do vertido no aludido douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.° 4/2010, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos arts. 1°, 3°, 4° e 108° da "Lei do Jogo",

12.º - Pois que, para se concluir pela exploração de um qualquer jogo de fortuna ou azar terão que se ter por verificados os 3 (três) pressupostos elencados na lei, como seja, a dependência da sorte, o desenvolvimento de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, bem assim, o pagamento feito directamente em fichas ou moedas, na medida em que, esse é o pagamento efectuado nos "jogos de casino" — Cfr. arts. 1° e 4°, n.° 1, als. f) e g).

13.° - Isto sem descurar do facto de a própria "Lei do Jogo" (arts. 1° e 4° do D.L. n.° 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção do D.L. n.° 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combinar uma fórmula generalizadora (art. 1°) com a técnica exemplificativa (art. 4°), donde resulta que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros,

14.º - Pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia,

15.º - Ao que acresce o facto de, nem mesmo pelas Portarias actualmente em vigor (n°s 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro), relativamente às regras de execução dos jogos de fortuna ou azar, porque os tipos de jogos (bancados, não bancados, e, em máquinas electrónicas) quase totalmente coincidentes com os especificados no D.L. n.° 422/89, de 02 de Dezembro, se poder concluir pela observância por parte do jogo da máquina dos autos das características dos denominados jogos de casino.

16.º - Pois que, tal como se infere do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2010 (Diário da República, I série - N.° 46 - 8 de Março de 2010), tendo o critério de distinção entre
o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime,

17.º - Sempre os jogos de fortuna ou azar serão aqueles que se encontram especificados no n.° 1 do artigo 4.°, e, como tal, nunca a máquina dos autos poderá ser enquadrada nesses jogos, pois que, relativamente a ela, está totalmente afastado o preceituado na al. f) do n.° 1 daquele art. 4.°, na medida em que, não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, mas tão só apresentava pontuações, as quais dependiam então da sorte e poderiam então, e alegadamente, ser convertíveis posteriormente em numerário,

18.° - No entanto, sempre se diga que, nem essa possibilidade de conversão das aludidas pontuações em numerário poderá, por si só, fazer precludir a sua "integração" enquanto mera modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, mas tão só, poderá consubstanciar, ela própria, uma distinta contra-ordenação.

19.º - No sentido de que máquinas como a dos autos não consubstanciam um qualquer jogo de fortuna ou azar, antes sim, apenas e só, uma mera modalidade afim, pronunciou-se recentemente o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 11.12.2013 (proferido no âmbito do Proc. n.° 626/11.7GDGDIvi da 1.° Secção e disponível in www.dgsi.pt), já "confirmado" pelo ainda mais recente douto Acórdão de 12.02.2014 (proferido no âmbito do Proc. n.° 2084/12.0TAVLG.P1 da 1 Secção — não "publicado"), o que fez, tendo por "base" o vertido nos aludidos doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação de Coimbra e Évora.

20.° - Na medida em que, atento o seu funcionamento, «se conclui que o "jogo" desenvolvido pela máquina não corresponde a qualquer dos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo antes uma modalidade afim destes jogos. Aliás e para sermos mais impressivos, podemos afirmar que este tipo de máquinas não tem qualquer correspondência com nenhuma existente nos casinos, antes pelo contrário».

21.° - Sendo que, «apesar de o jogo em causa depender exclusivamente da sorte, o certo é que, também previamente, o jogador sabia que o prémio que iria receber era necessariamente variável entre € 1,00 e € 200,00».

22.º - Ao que acresce ainda o facto de, «Para além de o tema do jogo não se assemelhar ao promovido noutra espécie de máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (cf. art. 4 n° 1-g) do citado diploma legal), o prémio não era pago directamente pela máquina em "fichas ou moedas" (cf. art. 4 n° 1-f do mesmo diploma legal)».

23.° - Por fim, de referir que, temos por inconstitucional a interpretação das normas contidas nos n°s 4°, 108° e 115° do D.L. n.° 422/89, de 02 de Dezembro, quando efectuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de "prémios" a atribuir estejam já previamente definidos e delimitados e sejam do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar,

24.º - Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da "liberdade individual" e da "proporcionalidade", designadamente, da norma constante no art. 18° da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supre referido princípio da "legalidade", na vertente de "nullum crimen sine lege certa", logo, por violação do disposto no art. 29° da Constituição da República Portuguesa (Neste sentido, cfr. Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação do Porto de 21.05.2008, proferido no Proc. n.° 2492/08-1, e acessível in www.dgsi.pt).

25.º - A douta Sentença proferida nos autos violou os arts. 1°, 30, 40 e 108.0, do D.L. 422/89, de 02 de Dezembro, e 18°, 29° e 32° da C.R.P..

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, deverá ser revogada a douta Sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que absolva o Recorrente da prática do crime de exploração ilícita de jogo pelo qual foi condenado.

I — 3.) Na sua resposta, a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Moita concluiu por seu turno:

1.° - Não é a limitação dos valores em causa, ou seja a existência de "balizas" na possibilidade de ganho ou perda que altera as características do jogo em si, uma vez que há sempre, por parte do jogador a possibilidade de por em risco todo o prémio acumulado até à data, e como factos incrementados da impulsividade verifica-se ainda que o ritmo de jogo na mesma máquina permitindo, segundo o já citado relatório, "várias jogadas por minuto" o que facilita a compulsão e a irracionalidade.

2.° - A atribuição ou não de prémio monetário depende, no caso dos presentes autos, apenas da sorte e que o facto de permitir acumular pontos e pôr em jogo pontos já ganhos convertíveis em dinheiro com a possibilidade de, uma vez mais, dependendo da sorte, poder perder todos os pontos acumulados ou ganhar mais, potencia a impulsividade que o próprio recorrente afirma ser intrínseca aos jogos de fortuna e azar.

3.° - Forçoso será concluir que, apesar do alegado pelo recorrente, não existe uma expectativa limitada ou predefinida de ganho (nos jogos dos casinos também existe um montante máximo a ganhar) e que o respectivo impulso prévio para o jogo em causa não teria necessariamente que ser renovado a cada utilização da máquina, pois o jogador pode pôr em jogo os créditos já acumulados pelo que pode ir jogado enquanto tiver créditos o que, em si, é o mecanismo cerne que fomenta a impulsividade do jogador.

4.° - Além da inegável protecção dos concessionários das zonas de jogo, o sistema legal implantado pelas citadas normas visou acautelar outros interesses que não são axiologicamente neutros. Por isso, não se pode afirmar que a proibição de exploração e prática de jogos de fortuna ou azar fora das zonas de jogo permitidas careça de uma base ética.

5.° - Não ressalta a inconstitucionalidade dos preceitos sob a vertente da violação do princípio da tipicidade, sobre ela se tendo pronunciado o Tribunal Constitucional n.°93/01, publicado no DR II Série de 05/06/01.

6.° - Não ser o caso concreto um puro facto, "mas uma unidade de sentidos socialmente relevante, mais ou menos complexa e normalmente integrados por elementos culturais difíceis de definir", de modo que a descrição de previsão legal contém muitas vezes expressões que não se deixam reduzir a conceitos precisos.

7.° - A exemplificação do artigo 4.° integra a definição do tipo, apenas na medida em que os jogos referidos nas suas alíneas são, todos eles, subsumíveis ao conceito de jogos de fortuna ou azar, sem pôr em questão a deterninação do tipo.

8.° - Não se estamos, pois, perante qualquer inconstitucionalidade.

9.° - Não foram, assim, violados quaisquer normativos legais ou constitucionais.

Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pelo Mm.° Juiz "a quo" na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo recorrente improcedente.

II — Subidos os autos a esta Relação, a Exm.a Sr.a Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer propugnando o mesmo sentido decisório.

No cumprimento do preceituado no art. 417.°, n.° 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi aduzido.

Seguiram-se os vistos legais.

Teve lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir:

III - 1.) De harmonia com as conclusões apresentadas, o objecto do recurso interposto pelo arguido AG… mostra-se limitado à questão do enquadramento jurídico a conferir ao jogo aqui designado por "Grand Prix" e às eventuais incidências constitucionais dessa solução.

III - 2.) Confiramos primeiro a factualidade definida pelo Tribunal da Moita:

Factos provados:

a) No dia 21/05/2013, o arguido geria e explorava o estabelecimento comercial denominado PastelariaX, na rua das Laranjeiras, no II, Bairro Macho, Alhos Vedros, Moita, pertença da sua esposa, MG….

b) Nessa data, o arguido, com o objectivo de obter proventos monetários para si, colocou no balcão do referido estabelecimento uma máquina extractora de cápsulas contendo um número indeterminado de cápsulas de plástico com três senhas de papel dobradas no interior de cada uma e um cartaz de cartão, com a inscrição "O MEU CLUBE' e uma máquina de jogo electrónico do tipo roleta denominada " GRAND PRIX ".

c) Tal material e máquinas, bem como os jogos desenvolvidos pelos mesmos, descrevem-se da seguinte forma.

"O MEU CLUBE'

1— IDENTIFICAÇÃO DO MATERIAL

Identificação e Descrição do material

1. Uma máquina extractora de cápsulas, sem designação e qualquer documento identificativo, constituída por dois corpos — base opaca e cuba em acrílico transparente na parte superior, contendo um número indeterminado de cápsulas em plástico, ocas, seccionadas ao meio, contendo cada uma no seu interior três senhas de papel dobradas, com correspondência com o cartaz, com um número com quatro dígitos.

No corpo inferior situa-se um dispositivo mecânico para introdução de moedas de € 1,00, e extracção de cápsulas, bem como, um aparador daquelas que são expelidas após a concretização da jogada.

A cuba e a base encontram-se ligadas pelo interior através de uma barra metálica que atravessa os dois corpos na vertical e une a fechadura, localizada no topo, com o centro da da parte inferior de plástico opaco. Abrindo a fechadura é possível carregar a máquina com cápsulas e aceder ao cofe / moedeiro.

2. Um cartaz de cartão, com o título "O Meu Clube", tendo um quadro (5x12) com 60 números apostos sobre uma película destacável, sob a qual se encontram outros números de quatro dígitos que correspondem por convenção a prémios pecuniários a atribuir e o seguinte plano de prémios em jogo:

Cartaz

1 x 70

1 x 60

1 x 50

2 x 30

2 x 25

2 x 20

4 x 10

20 x 5

27 x 2

Equivalência / Convenção

1 Prémio de € 70,00;

1 Prémio de € 60,00;

1 Prémio de € 50,00;

2 Prémios de € 30,00;

2 Prémios de € 25,00;

2 Prémios de € 20,00;

4 Prémios de € 10,00; 20 Prémios de € 5,00; 27 Prémios de C 2,00;

No lado inferior direito o cartaz tem um conjunto de 12 imagens de emblemas de clubes de futebol apostas sob uma película destacável que correspondem aos designados prémios " Bola da Sorte ", que têm o seguinte plano:

Cartaz Convenção

1 x 50 1 Prémio de C 50,00 1 x 30 1 Prémio de € 30,00 1 x 20 1 Prémio de C 20,00 9 x 5 9 Prémios de 5,00 Funcionamento do jogo
O jogador introduz uma moeda de € 1,00 do BCE no mecanismo existente para tal na máquina extractora, e após accionar o respectivo manípulo até ao ponto de bloqueamento, recebe de forma completamente aleatória, uma cápsula em plástico que contém três senhas, com o emblema de um clube de futebol e um número de quatro dígitos, bem como a indicação do número de série 251.

Após as senhas serem desdobradas se a sua numeração coincidir com algum dos números inscritos no cartaz ou na "Bola da Sorte", o jogador terá direito ao prémio em dinheiro, que se encontra sob a respectiva película destacável, que pode ir de um mínimo de 2, equivalente por convenção a € 2,00, a um máximo de 70, equivalente por convenção a € 70,00.

Se a senha contém um número que não corresponde a qualquer dos números inscritos no cartaz, o jogador não tem direito a qualquer prémio;

Existe ainda um Prémio Extra denominado " Remate Final ", no montante de € 100,00 atribuído ao jogador que adquirir / extrair a última cápsula.

O jogador não pode de forma alguma influenciar o resultado do jogo dado que apenas introduz a moeda e roda o manípulo da máquina, não sendo por esse facto, a perícia do jogador determinante para o resultado final.

O jogador limita-se a apostar dinheiro, na esperança de ganhar um prémio pecuniário de maior valor, sendo que, quaisquer dos resultados possíveis dependem única e exclusivamente da sorte, já que a sua intervenção no decorrer do jogo se limita à aquisição de senhas e à posterior confrontação da numeração nelas constante com o cartaz de prémios.

" GRAND PRIX "

I- DESCRIÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO MATERIAL:

1 - Uma máquina do tipo roleta electrónica, com a designação "Grand Prix", com móvel portátil e estrutura em aglomerado de madeira, sem qualquer documento identificativo, nem referência exterior quanto à origem ou fabricante.

2 - A máquina apresenta na parte frontal um painel protegido por vidro acrílico e, na base, encontra-se um compartimento fechado e sem acesso do exterior, para exposição de miniaturas de automóveis.

3 — Na parede lateral direita localiza-se o dispositivo de introdução e eventual devolução de moedas de € 0,50, € 1,00 e € 2,00. Ao lado deste mecanismo está instalado um pequeno botão

que permite atribuir um bónus ao jogador, dando-lhe a possibilidade de efectuar duas jogadas por conta dos pontos ganhos, arriscando apenas um desses créditos,
4 - Na parte lateral esquerda encontram-se dois parafusos metálicos que mediante o contacto de um objecto de material condutor permitem fazer o reset (desmarcar) dos créditos obtidos pelo jogador no decurso das jogadas premiadas.
5 - Na parte traseira, sobre uma porta de acesso ao mecanismo interior, visualiza-se um interruptor que permite ligar/desligar a máquina, uma tomada de alimentação à corrente eléctrica e, na base, o cofre.
6 - Ao centro do painel frontal observa-se a imagem de uma pista de corridas de automóveis composta por um número indeterminado de leds" / pequenas lâmpadas, estando oito deles destacados dos restantes com uma pequena circunferência e identificados com a seguinte numeração: "1", "50", "2", -100", -S", "20", -200" e -10-.
7 - No exterior da referida pista encontra-se uma janela digital onde se contabiliza os créditos provenientes das moedas introduzidas.

II - FUNCIONAMENTO DA MÁQUINA E DESENVOLVIMENTO DO JOGO

Após a introdução de uma moeda (€ 0,50 permite uma jogada), sem ser necessário pressionar qualquer botão, os leds que formam a pista de automóveis iluminam-se sequencialmente, executando um movimento giratório.

O movimento giratório termina no momento em que se fixa aleatoriamente em apenas um dos leds mencionados.
Se o led que permanece iluminado corresponde a um dos 8 identificados pelas circunferências e números, toda a pista se ilumina assinalando a jogada premiada e o jogador terá direito aos créditos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200, os quais são traduzidos em Euros (E 1,00 e E 200,00).
Os pontos são registados, bem como os créditos acumulados ganhos nas várias jogadas premiadas, no display/mostrador central, sendo eliminados através dos dois parafusos metálicos instalados para o efeito.

Caso o led se fixe num dos restantes pontos, sem qualquer destaque ou referência a números, o jogador nada ganha e terá de tentar a sorte outra vez.
Em ambas as situações as jogadas sucedem-se automaticamente até se esgotarem os créditos provenientes das moedas introduzidas.

No final, se houver pontos acumulados, o jogador poderá solicitar ao explorador a quantia monetária que lhes corresponde, ou poderá premir o botão que lhe concede um bónus de duas jogadas por cada crédito ganho.

O jogo desenvolvido pela descrita máquina é semelhante ao das roletas dos casinos, sendo o resultado contingente, porque dependente exclusivamente da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador, dado que a única intervenção deste se resume à introdução de uma moeda no respectivo mecanismo da máquina.
Todo o material descrito desenvolve jogos com direito a prémios em dinheiro e que dependem exclusivamente da sorte e nunca da perícia e destreza do jogador.
d) Na data referida supra, o arguido manteve no estabelecimento o referido material de jogo, em exploração pública para seu benefício económico, proporcionando aos seus clientes a utilização do mesmo, mediante retribuição monetária e pagamento dos prémios em dinheiro.
e) O arguido bem conhecia as características do descrito material e dos jogos por ele desenvolvidos.

O De igual modo, bem sabia o arguido que não podia explorar naquele local os referidos jogos e, não obstante tal, até 21 de Maio de 2013, efectuou tal exploração pública no referido estabelecimento, auferindo dos mesmos e fazendo seu, montante não apurado em dinheiro do B.C.E., aí pago pelos seus clientes para desenvolver aqueles jogos.
g) No dia 21 de Maio de 2013, cerca das 14h30, no referido estabelecimento, militares da GNR que aí se deslocaram no exercício das suas funções de fiscalização, lograram detectar e apreender todo o referido material, bem como, as quantias globais de e 51,50 e de e 64,00 em moedas do B.C.E., provenientes da exploração pública dos referidos jogos que se encontravam no interior dos cofres/moedeiros, da máquina " GRAND PRIX " e da máquina O MEU CLUBE "respectivamente,

h) O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas lhe eram vedadas por lei.
i) O arguido encontra-se aposentado, auferindo uma pensão de reforma no valor de cerca 600,00 e mensais.

j) Reside com a esposa em casa própria.
k) Tem um filho de 37 anos de idade, o qual segue uma vida independente. 1) Tem como habilitações literárias a 4' classe. m)0 arguido possui um antecedente criminal registado, tendo sido condenado, por
sentença proferida no âmbito do processo comum singular n° 3/11.0ECLSB, que correu termos no 1° Juízo do Tribunal Judicial da Moita, transitada em julgado em 14/05/2012, pela prática, em 03/01/2011, de um crime de exploração ilícita de jogo, na pena única de 170 dias de multa, à razão diária de 7,00 E.

Factos não provados: Consignou-se inexistirem.


III — 3.1.) Tal como na sentença recorrida se consigna, a matéria atinente ao crime de exploração ou exposição ilícita de jogo tem conhecido entre nós significativas dissensões Jurisprudências.

Da nossa parte, continuaremos a manter a posição que vimos defendendo sobre esta problemática, e que, tanto quanto alcançamos, traduz mesmo a posição dominante desta Secção.

Importa pois clarificar conceitos, tarefa para a qual convocaremos o acórdão proferido no recurso n.° 478/05.6GISNT.L1, de que foi relator o Exm.° Sr. Desembargador Agostinho Torres, mas de que também fomos subscritores:

«Dispõe o art.° 108.° da lei de exploração de jogos de fortuna e azar contida no DL 422189 de 2 de Dezembro, sob a epígrafe «Exploração ilícita de jogo» o seguinte:

- «1 - Ouem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias.
2 — Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora».

Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte" — é esta a actual definição legal de jogo de fortuna ou azar, contida no art.° 1° do Dec.-Lei n.° 422/89, de 2/12. A anterior definição legal de jogos de fortuna ou azar, dada pelo art.° 1 do Dec.-Lei n.° 48912, de 69.03.18, referia apenas os jogos que dependiam exclusivamente da sorte, pelo que, em sentido literal, não incluía na sua previsão os jogos em que, a par da sorte, se exige certa perícia do jogador, tal como sucede com o black­fack/21, o bacará chemin de ler e o poker em máquinas automáticas, os quais, porém, a jurisprudência não tinha dúvidas quanto a estarem enquadrados legalmente como jogos de fortuna ou azar.

Como muito bem o salientou o M°P° na la instância nas suas aliás doutíssimas alegações,
"os jogos de fortuna ou azar eram tradicionalmente vistos pela lei como um mal a erradicar, pela viciação que lhes está associada e pelos efeitos funestos que, para as famílias e seu património, advêm do vício do jogo. Daí, que a exploração de jogos de fortuna ou azar fosse sempre e em qualquer circunstância ilícita. (...) mas viria, todavia, a ser permitida, mas só nas localidades legalmente qualificadas como zonas de jogo, pelo legislador do Decreto n° 14.643, de 3 de Dezembro de 1927. Este diploma não correspondeu a uma mudança de atitude do legislador perante o jogo de fortuna ou azar — que continua a ser visto como um mal social — tendo, ao invés, subjacente a filosofia de que, já que não era possível erradicar o jogo, se deveria permitir o seu exercício em zonas controladas e fiscalizadas pelo Estado, o que permitiria, por um lado, evitar o jogo clandestino, - cuja exploração era penalmente punida — e, nor outro lado, garantiria a transparência dos actos de jogo (entendendo que o jogo estava tendencialmente associado a embustes e enganos".

E, a propósito da evolução legislativa:

«O regime legal do jogo foi revisto pelo Dec.-Lei n° 48.912, de 69.03.18, que manteve inalterados, quer as condições legais para o exercício dos jogos de fortuna ou azar, quer a previsão como penalmente ilícita da exploração e da prática dos mesmos jogos, se não verificadas tais condições — cfr. art.s 1°, 2° e 56° a 60'. O Dec.-Lei n° 48 912, viria, todavia, a ser alterado pelo Dec.-Lei 22/85, de 17.01, diploma este que se afirma como uma adequação do direito ao novo modos operandi do crime. Este Dec.-Lei n° 22/85 qualifica como verdadeiros jogos de fortuna ou azar os jogos realizados em "máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas ou electrónicas que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, se têm revelado meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar, na medida em que favorecem a aposta em dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte". Acrescenta, ainda, referindo-se à classificação de tais máquinas como instrumentos de jogos de fortuna ou azar, que "Permanecem fora deste regime, embora sujeitas a uma regulamentação própria, as máquinas de mera diversão, cujos resultados, por dependerem exclusiva ou fundamentalmente da perícia, como sucede com as de tipo flipper, não favorecem as apostas ilícitas.

Mais tarde, o Dec.-Lei n° 422/89, de 2/12, introduz nova disciplina legal do jogo, considerando, no seu preâmbulo, que havia necessidade de adaptação da lei do jogo às alterações de natureza socio-económica verificadas e "à função turística que o jogo é chamado a desempenhar, como factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas".

Este posicionamento do legislador foi no entanto ambíguo, face ao jogo de fortuna ou azar, porque agora entendido, simultaneamente, como maléfico e benéfico — mau porque vicia e,

devido a essa faceta, proíbe-se a sua prática fora dos locais especificamente previstos na lei, reprimem-se os empréstimos de dinheiro para jogo, faz-se uma vigilância eficaz às zonas de jogo, através da Inspecção-Geral de Jogos e a repressão policial e judiciária ao jogo clandestino, através das autoridades policiais e dos tribunais; é bom porque favorece o turismo, pelo que se garante a rentabilidade aos seus concessionários e se protege o jogador, assegurando as suas comodidade e privacidade, velando-se para que não seja alvo de trapaça ou batota.
Por último, o Dec.-Lei n° 10/95, de 19/01, altera o Dec.-Lei n° 422/89, mais uma vez, para evitar "o distanciamento entre o direito e a realidade que este pretende disciplinar, em termos que poderão acarretar a incapacidade das concessionárias de se adaptarem às preferências e ao perfil dos jogadores, estimando-se, por essa via, a proliferação do jogo clandestino, com total subversão da intenção reiterada do legislador nesta matéria".

Este Dec.-Lei n° 10/95, de 19/01, inclui na regulamentação, revista, do Dec.-Lei n° 422/89

toda a matéria relativa a modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, revogando totalmente o Dec.-Lei n° 48.912, então ainda vigente nesta parte Este Dec.-Lei n° 10/95, de 19/01, inclui na regulamentação, revista, do Dec.-Lei n° 422/89 toda a matéria relativa a modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, revogando totalmente o Dec.-Lei n° 48.912, então ainda vigente nesta parte.

É porém punível como contra-ordenação, e não como crime, a exploração de modalidades

afins de jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo, entendendo-se por modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar "as operações oferecidas ao público em que esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico. São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos"— art.s 159° e 161° do Dec. Lei n° 422/89.
A destrinça entre uns e outros deve em nossa opinião ser efectuada não apenas na temática do jogo mas também na natureza dos prémios que o jogador pode ganhar:
- "Para a verificação do crime de jogo ilícito p. e p. pelo art.° 108°, n° I, do DL 422/89, de 2/12, não basta provar-se que as máquinas desenvolvem "temas próprios dos jogos de fortuna e azar", em que os resultados são pontuações que "dependem ... fundamentalmente da sorte".

Com a alteração àquele diploma operada pelo DL 10/95, de 19/01, o cerne da distinção entre crime e contra-ordenação, em matéria de jogo, passou a colocar-se não já na releváncia da sorte ou azar para a obtenção do resultado, mas antes na natureza dos prémios atribuídos.


Assim, quando tais prémios consistem em dinheiro, estar-se-á perante ilícito criminal, ao passo que a atribuição de prémios de outra natureza caracteriza o ilícito de mera ordenação social." — Acórdão de 07.02.2007, de que foi Relator Carlos de Sousa (dgsi);
Ou, como no Acórdão n° 2728/2007 por nós relatado em 16.10.2007, de que: "Para efeito de incriminação, por jogo ilícito, face ao art.° 108° do DL n° 422/89, de 2 de Dezembro, a diferença entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses mesmos jogos radica quer na temática do jogo quer na natureza dos prémios que o jogador pode ganhar. Tratando-se de prémios pagos em dinheiro ou fichas convertíveis directamente em dinheiro são jogos de fortuna ou azar, tratando-se de prémios pagos em espécie são modalidades afins desse mesmos jogos de fortuna ou azar. (...)
Contudo, é de atentar sempre que o não pagamento de qualquer tipo de prémio não afasta só por si a incriminação.
Assim, a incriminação por jogo ilícito persiste, de igual modo, no caso de uma máquina que desenvolva quatro jogos de funcionamento em tudo análogo ao poker, e ao black jack 21, embora não atribua qualquer prémio, nem em dinheiro, nem em espécie, pois a ela subjaz o critério do tema.c,rtuna ou azar). Os jogos enumerados nos art. 4° e 161° n° 3 do DL n° 422/89, de 2 de Dezembro apenas podem ser explorados em casinos (art. 3°). E, nesse elenco, encontra-se quer o "poker", quer o "black jack 21", jogos típicos de fortuna ou azar, explorados em casinos, e que o Estado quis chamar a si o monopólio sobre os mesmos. Assim, porque o tema dos jogos é, de facto, próprio dos de fortuna ou azar, a imputação criminal não pode deixar de operar. E, por isso,  máquinas que desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar constituem sempre crime, independentemente do ~cimento de prémio.

Quanto à exploração de máquinas de jogos que, não sendo próprios (a sua temática) de jogos de fortuna ou azar mas que atribuam prémio em dinheiro, ou convertíveis em dinheiro, constituiu igualmente crime, nunca podendo constituir modalidade afim, porque o art. 161° n° 3, na sua parte final, expressamente os exclui ao referir que as modalidades afins de jogos de fortuna ou azar não podem desenvolver temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (e exemplifica), nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos. Também, nesse sentido, a alínea j) do art. 4° o estabelece, dizendo que constituem jogos de fortuna ou azar os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas.(...)"

Tem-se por actualmente assente que só nos jogos onde o factor da perícia do jogador intervém predominantemente, ou a par da sorte, é que se poderá considerar como afim do jogo de fortuna ou azar, e por isso sujeito à qualificação como mero ilícito de mera ordenação social (cfr.art.159° do Dec.-Lei n° 422/98, com a redacção que lhe foi conferida pelo Dec.-Lei n° 10/95

de 19/01), pese embora, existisse como prémio de jogo uma "coisa com valor económico". O jogo não é de fortuna ou azar se o jogador puder, com a sua destreza e perícia, influenciar o respectivo resultado, cfr. Ac. da Relação do Porto, de 20/12/2000, in www.dgsi.pt.
Ainda assim, e a este respeito, sempre se dirá que o ganho ou perda económica não fazem parte do elemento do tipo, conforme sintetizou o Ac.Rel.Lx de 4/11/98 in "Coldur.", 1998, Tomo V, p.138 e 139: "Não é elemento do tipo legal do crime de exploração de jogo de fortuna e azar que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica; basta que façam depender os resultados obtidos pelo jogador exclusivamente, de sorte, sem que o mesmo tenha possibilidade de os influenciar." Mas esta não pode deixar de ser considerada.

(. • .)
O entendimento que propugnamos é corroborado pela circunstância de se ter estabelecido que as modalidades afins não podem substituir por dinheiro ou fichas os prémios  atribuídos, algo que o legislador quis reservar para os jogos de fortuna ou azar (art. 161°, n.° 3 do diploma em referência).
Posto isto, e face à definição legal de modalidades afins - «operações oferecidas ao público em que a esperança do ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem prémios com valor económico» (sublinhado nosso) -, temos então por certo que a diferença entre os jogos de fortuna ou azar e as modalidades afins desses mesmos jogos radica para além da temática do jogo, na natureza dos prémios que o jogador pode ganhar: tratando-se de prémios pagos em dinheiro ou fichas convertíveis directamente em dinheiro são jogos de fortuna ou azar, tratando-se de prémios pagos em espécie são modalidades afins desses mesmos jogos de fortuna ou azar.»

III — 3.2.) O conspecto Jurisprudencial e Doutrinal acima deixado tecido não esgota porém as diversas cambiantes jurídicas que o referido problema pode assumir.

Uma recensão mais completa das mesmas, e das flutuações que o seu tratamento foi conhecendo nos nossos tribunais, pode ser encontrada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 4/2010, publicado no Diário da República, I.ª série, n.° 46, de 8 de Março de 2010, largamente citado pelo Recorrente.

Porém, basta ler atentamente as diversas declarações de voto que o acompanham, para no mínimo se poder concluir que o problema ficou longe de ser "resolvido."

Encurtando razões:

A máquina designada de o "Meu Clube" desenvolve características idênticas às assinaladas pelo douto aresto acima identificado. Como o recurso não o abrange silenciaremos quiaisquer considerações complementares  sobre a sua eventual qualificação jurídica.

Fique no entanto claro que a nossa posição sobre o conceito de jogos de fortuna e azar e modalidades afins é a que acima deixamos exarada e não outra.

Já a máquina "Grand Prix" é totalmente distinta. Como o refere a matéria de facto provada, o seu funcionamento "é semelhante ao das roletas dos casinos".

E sobre elas, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2010 no processo n.° 2/07.6FHALM.L1-A.S1 (tirado já depois da Uniformização de Jurisprudência, posto que relatado por Exm.° Senhor Conselheiro ali vencido), é lapidar:

"No caso em apreciação, as máquinas examinadas desenvolvem jogos em tudo semelhantes ao modo de operação típico do jogo de roleta, de fortuna e azar, cuja exploração só pode ser realizada em casinos. O jogador só tem intervenção activa no início do jogo quando coloca a moeda na máquina, não podendo através da sua perícia influenciar o resultado, que fica exclusivamente

dependente da sorte ou do acaso, podendo auferir uma vantagem patrimonial de valor variável ou nem sequer auferir qualquer prémio. A mesma máquina não desenvolve tema de espécie de rifa ou tômbola, independentemente de ser mecânica ou eléctrica.

O jogo na referida máquina apresenta como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte, que se premiadas traduzem-se as mesmas em dinheiro. Por isso, o jogo da máquina no presente caso, é jogo de fortuna ou azar, estando aliás em conformidade com a interpretação legal veiculada no referido AH sobre a definição de jogo de fortuna ou azar".

No fundo, nada de muito diferente do já sustentado pelo acórdão desta Secção, de 05/04/2011, no processo 728/06.1GBVFX.L1.5, cujo remate de fundamentação cabe aqui por inteiro:

"O critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contra­ordenacional tem que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime. E assim, não obstante a formulação genérica constante do artigo 1.°, e da enunciação exemplificativa constante do artigo 4.°, n.° 1, ambos do Dec. Lei n.° 422/89, de 2Dez., deve entender-se que os jogos de fortuna ou azar são os que se encontram especificados no n.°1 do artigo 4.°, sem prejuízo de outros que venham a ser autorizados. Todos os demais são modalidades afins.

A alínea g) do n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n. °422/89, de 2Dez., na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 11.° 10/95, de 19 de Janeiro, inclui nos jogos de fortuna ou azar não só os «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar», mas também aqueles que «apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte».

Apesar de a máquina apreendida não pagar directamente prémios em dinheiro, nem desenvolver jogo próprio dos de fortuna ou azar, porque apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, a mesma encontra-se abrangida pela previsão daquela alínea g)".

III — 3.3.1.) Aqui chegados questiona o Recorrente a bondade constitucional da solução proposta, nomeadamente por envolver uma possível violação dos princípios da liberdade individual, proporcionalidade e da legalidade, este último,

na sua dimensão de exigência de lei criminal certa.

Sucintamente, entendemos que a resposta a dar a estas três preocupações é negativa.

Sendo certo que a regulamentação desta matéria em outros ordenamentos, mesmo dentro da "família europeia", até possa conhecer soluções diversas (administrativa e/ou contravencional), a verdade é que entre nós, o jogo ilícito, de forma consistente, há muito que vem sendo objecto de prevenção criminal.

Significa isso então, que o Legislador, ao longo o tempo, foi sempre capaz de encontrar nesse domínio um qualquer bem jurídico passível de tutela relevante.

Ora a eleição desses bens jurídicos, não pertence aos tribunais. Quanto muito, estes podem fornecer contributos na tarefa de os identificar, concretizar ou densificar.

E como sucede amiúde nestas situações de intervenção estatizaste, há sempre espaço para o estabelecimento de conflitos com os direitos de natureza individual.

Mas não é isso que derroga a legitimidade colectiva daquela intervenção. Como bem o anota a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Moita, na sua bem elaborada resposta, não faltam aqui "bases éticas".

No fundo, o que se tem em vista combater é o jogo clandestino, pois que o jogo, em si mesmo, deixou, até na perspectiva legal, de assumir aquela carga tão acentuadamente negativa que anterior comportava.

Os motivos para o fazer são os mais variados.

Vão desde impedir que aquela actividade possa ser objecto de fraude e viciação por quem a exerça, combater fenómenos de marginalidade e violência normalmente associados a esse tipo exploração, ... à protecção económica dos respectivos concessionários ou da afectação para fins sociais dos respectivos lucros.

Fique pois claro que não é o jogar o que se tem em vista proibir. O que sucede, é que em relação a algumas das suas modalidades, nomeadamente as que envolvam prémios em dinheiro ou uma álea absoluta, a sua prática fica confinada a espaços específicos onde o Estado reconhece a existência de um interlocutor responsável, sobre o qual reserva poderes de fiscalização.

Mas como é bom de ver, tais regras não deixam em última instância de proteger o próprio jogador.

Não existe pois violação relevante do princípio da liberdade individual.

III - 3.3.2.) Violação do princípio da proporcionalidade também não detetamos.

A questão já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão n.° 99/2002.

Da respectiva fundamentação seja-nos permitido respigar os seguintes trechos:

"Pode, pois, dar-se como assente que os princípios da proporcionalidade e da necessidade da pena postulam que a norma penal, sobretudo quando recorre a penas privativas da liberdade, deve constituir uma última instância dos meios de tutela estadual dos valores ético-sociais constitucionalmente protegidos. (...) "Contudo, não se deve simultaneamente perder de vista que o juízo de constitucionalidade se não pode confundir com um juízo sobre o mérito da lei, pelo que não cabe ao Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na determinação das opções políticas sobre a necessidade ou a conveniência na criminalização de certos comportamentos".

"Nesta conformidade, (...), numa linha jurisprudencial que aqui se adopta e reitera, concluiu-se que «quando, pois, se não se esteja em presença de uma situação de excesso — ou, pelo menos, não seja manifesto que tal aconteça — a norma incriminadora não pode ser censurada sub specie constitutionis, em nome do princípio da proporcionalidade»".

"Como se assinalou, questiona ainda o recorrente que a previsão da pena de prisão viola, in casu, o princípio da proporcionalidade.

Poder-se-ia, desde logo, colocar a questão de saber se a apreciação desta questão teria interesse no caso vertente, tendo em consideração, por um lado, que a pena de prisão foi substituída por multa (e que, por outro lado, a condenação em prisão subsidiária não está aqui em causa, por não ter sido suscitada a constitucionalidade do artigo 49° do Código Penal).

De todo o modo, sempre se dirá que, tendo este Tribunal já sublinhado, no Acórdão n.° 13/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional) «que ao legislador dev(e) ser reconhecida uma larga margem de liberdade de conformação ou, se se quiser, uma ampla margem conformativa», pelo que o juízo de censura constitucional só pode ocorrer «quando a gravidade do sancionamento se mostre inequívoca, patente ou manifestamente excessiva», essa não é, patentemente, a situação que se configura no caso sub judicio, tendo designadamente em consideração a já referida legitimidade constitucional da previsão da aplicação de penas privativas da liberdade em crimes deste tipo e a pouca gravidade da pena em causa, bem como a sua substituição por multa.

Também nesta dimensão, pois, se não descortina qualquer inconstitucionalidade nas normas impugnadas".

III — 3.3.3.) Já a questão da eventual violação do princípio da tipicidade é convocada pelo acórdão da Relação do Porto de 21/05/2008, no processo 0812492, no ponto em que ao pretender precisar as condutas que integram o crime de exploração ilícita de jogo, defende que para além da previsão genérica contida no art. 108.°, n.°1, se deveria fazer apelo ao parâmetro exemplificativo e enumerador do art. 4.° do DL n.° 422/89, de 02/12.

Note-se porém, que a compatibilidade constitucional da expressão "por qualquer forma", referido no primeiro dos preceitos e a expressão adverbial "fundamentalmente", contida no art. I.° do Diploma mencionado (definição de jogos de fortuna ou azar), já se tinha como adquirida nessa decisão, perante o teor do Ac. do TC n.° 93/91.

Nele se refere com efeito que, "se a norma deve ser formulada de modo ao seu conteúdo se poder impor autónoma e suficientemente, permitindo um controlo objectivo na sua aplicação individualizada e concreta, nem sempre é possível alcançar uma total determinação".

Em alguns casos "nem será, porventura, desejável".

O que importa é que o "facto punível seja definido com suficiente certeza"

E para isso, "pode a modelação do tipo não dispensar o recurso a técnicas exemplificativas que nem por isso, necessariamente, se pode considerar afrontada a exigência constitucional da lege certa que o princípio da tipicidade implica".

"Ponto é que haja um «completamento normativo»".

"A esta luz, o eixo sintagmático por qualquer forma, contido no n.° 1 do artigo 108.°, mesmo quando se entenda este artigo integrado pela definição de jogos de fortuna ou azar feita pelo artigo 1° - não obstante a expressão adverbial fundamentalmente — respeita os parâmetros constitucionais do princípio da tipicidade, não se surpreendendo, face à matéria fáctica apurada quanto à caracterização da máquina em causa, qualquer imprevisibilidade, verificando-se uma subsunção à previsão normativa que retira sentido seja a uma interpretação extensiva, seja, muito menos, a urna integração analógica".

Ora, como vimos, também nós não deixámos de fazer apelo àquela dimensão exemplificativa e concretizadora do mencionado art. 4.°. No caso, a que deriva do seu n.° 1, alínea g).

Com o que aquele princípio da legalidade não se viola.

Nesta conformidade

IV — Decisão:

Nos termos e com os findamentos acima indicados, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AG…

Pelo seu decaimento, e independentemente do apoio judiciário de que possa beneficiar, pagará o mesmo 3 (três) UCs de taxa de justiça, de harmonia com o preceituado nos art. 513.° e 514.° do CPP e respectivo Regulamento das Custas Processuais.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.° signatário

Lisboa 28 de Outubro de 2014

Luís Gominho

José Adriano