Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
58/17.3T8VFX-A.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMISSÃO
NOVO PEDIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Apesar de a lei ser omissa no que tange à admissibilidade ou não de recurso/ apresentação a um novo PER ou alguma limitação temporal para esse efeito, tendo em conta o leit motiv do PER e a celeridade do processo, nada impede que o devedor recorra a um novo PER, ainda que já se tenha apresentado a um PER anterior, em que foi homologado o plano de recuperação
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Foi instaurado, 2º Processo Especial de Revitalização (PER) por C... S.A., concluindo que fossem iniciadas as negociações conducentes à sua recuperação, nos termos e para os efeitos dos arts. 17-A e 17-I do Cire e que fosse nomeado administrador provisório.
Alegou, em síntese, que se apresentou a um PER, em 8/1/2013, processo nº 52/13.3TYLSB, tendo sido homologado judicialmente o plano de recuperação, por sentença de 18/10/2104, já transitada (9/12/2014).
Acontece que a empresa encontra-se na iminência de não poder cumprir o plano de homologado encontrando-se numa situação económica difícil, enfrentando dificuldades no cumprimento das suas obrigações.
A requerente reúne condições para se apresentar novamente a este tipo de processo de forma a conseguir manter a sua actividade em benefício de todos os credores.
Juntou documentos e ainda uma declaração subscrita por si e por um credor, Banco ..., datada de 27/12/2016, no qual manifestam vontade de encetarem negociações com vista à revitalização da devedora por meio de aprovação de um plano de recuperação – fls. 233.

Por despacho de 25/1/2017, foi nomeado Administrador Judicial provisório, fixado, em 20 dias, o prazo da reclamação de créditos, a contar da publicação do despacho no portal Citius (art. 17/D 2 Cire).
O despacho de nomeação do administrador obsta a que sejam instauradas acções para cobrança de dívidas contra a devedora e durante o período em que perdurarem as negociações, são suspensas as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo se este previr a sua continuação (art. 17/E 1 Cire) cfr. fls, 400 a 402.

Inconformado, o credor L..., apelou formulando as seguintes conclusões:
1ª - O ora recorrente é credor da requerente do PER e nesta sede recorrida C..., sobre a qual detém um crédito garantido por penhor, no montante de (a título de capital) € 141.750,99, encontrando-se em prazo para apresentar a competente Reclamação de Créditos, o que, tempestivamente deduzirá.
2ª - Nos presentes autos veio a recorrida C... apresentar-se a um segundo (2º) PER, tendo para o efeito, por vias da prolação do despacho em crise, sido nomeado Administrador Provisório, por via do que, nessa sequência, esta aludida decisão em crise "obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação." Tal como se extrai do art. 17 /E 1 Cire.
3ª - No âmbito do primeiro (1º) PER, o qual correu seus termos sob o nº 52/13.3TYLSB na 1.a Secção de Comércio - J4 da Instância Central de Lisboa, veio a ser o Plano de Recuperação aprovado e subsequentemente homologado judicialmente por decisão datada de 18.10.2014 e transitada a 09.12.2014 (cfr. para o efeito arts. 4 e 5 do Requerimento/Manifestação de vontade de instauração do PER apresentado pela recorrida C...)
4ª - O referido Plano de Recuperação aprovado no âmbito do primeiro (1º) PER previa, no que concretamente respeitava ao pagamento dos créditos comuns (€ 192.771.973,88), garantidos (€ 33.849.013,16) e privilegiados (€ 1.170.812,58) um período de carência correspondente a 2 anos (comuns e garantidos) e 24 meses (privilegiados), este último no tocante a trabalhadores que já se não encontravam em funções (elenco onde o recorrente se incluía),
5ª - Tendo em consideração a data do trânsito em julgado do referido Despacho de Homologação proferido nos autos do primeiro (1) PER, o período de carência de 24 meses, findou em Dezembro de 2016 e, porque nos meses de Agosto e Dezembro (tal como resulta do plano e no que concretamente respeita ao crédito do recorrente) não seriam pagas prestações, o pagamento da 1ª prestação iria ocorrer, em Janeiro de 2017, precisamente o mês em que a recorrida C... se apresentou ao PER (o 2º) a que respeitam os presentes autos.
6ª – Com a prolação do despacho ora em crise fica o aqui recorrente impossibilitado de demandar a recorrida C... para cobrança e satisfação do seu crédito (nº 1 do art. 17-D do CIRE), quando, inclusive e, em caso de incumprimento (o que, pelo menos, desde 01.02.2017 se verifica), poderia socorrer-se do previsto no art. 218 do Cire. Para além do mais, o seu crédito encontrava-se ainda garantido por penhor, constituído sob um conjunto de equipamentos (cfr. doc. nº 1), os quais, tem agora o recorrente conhecimento, não se encontram no local (depositados) que havia sido convencionado.
7ª - Atendendo a que o aqui recorrente já há (mais de) 24 meses que se encontra a aguardar pelo cumprimento do primeiro (1º) PER, desprovido do seu crédito, atendendo a que a decisão vincula todos os credores (cfr. nº 6 do art. 17-F do CIRE), com a decisão proferida e ora em crise, fica impedido de obter e/ou diligenciar, pela sua satisfação, inclusive no tocante aos equipamentos dados em penhor (sem prejuízo da responsabilidade penal que possa existir).
8ª – É, pois, evidente e manifesto que a decisão judicial em crise prejudica directa e efectivamente o aqui recorrente, pois que, por via da mesma, o mesmo vê protelada a satisfação do seu direito de crédito ou, pelo menos, as diligências de que se pudesse socorrer para esse efeito, com a contingência de, decorrido o presente processo (veja-se que o 1º PER foi instaurado em 08.01.2013 e só findou (com trânsito em julgado) a 09.12.2014, cerca de 2 anos) possa vir o mesmo a culminar na não aprovação e/ou homologação ou, ainda que culminando em aprovação e homologação, possa ainda verificar-se mais um período de carência ou uma redução do crédito, já que o recorrente (crédito e correspondente direito de voto) possui uma percentagem inexpressiva no total do passivo da aqui recorrida.
9ª - Com a agravante de, mantendo-se o presente PER e prevendo-se uma pendência de largos meses (a exemplo do anterior), poderem ter-se verificado um conjunto de negócios e/ou actuações, quer antes quer após a homologação do primeiro (1º) PER que, posteriormente e no caso de um processo insolvêncial, que, temporalmente, já não possam ser afectados pelos meios legais ao dispor do Administrador de Insolvência, designadamente nos termos dos arts. 120 e ss. do Cire.
10ª - Termos em que, atento o disposto no art. 631/2 NPCP, tem o aqui recorrente legitimidade para interpor o presente recurso.
11ª - Ainda no campo da admissibilidade, o despacho a que se alude no art. 630 do (N)CPC, já que se não considera despacho mero expediente nem proferido no uso legal de um poder discricionário, não se integrando ainda em nenhum dos que se alude no nº 2 do citado dispositivo legal.
12ª - O despacho em causa não é de mero expediente nem emana de mero poder discricionário (art. 152/4 do NCPC), pois não se limita a prover a prover ao andamento regular do processo (repercute-se e afecta interesses divergentes das partes convocadas) nem está confiado somente ao prudente arbítrio (pressupõe a verificação de requisitos legais). A recorribilidade não está, portanto, vedada por efeito do art. 630 CPC, antes possibilitada pelos arts. 627 e 629 e demais normas aplicáveis.
13ª - Por isso, e ainda porque mesmo que dúvidas subsistissem, sempre deverá operar o princípio da máxima recorribilidade, sendo, também por esta via, admissível o presente recurso.
14ª - Por fim, no que concretamente respeita ao valor da causa, constata-se que a requerente do procedimento ora em crise e nesta sede recorrida veio indicar o valor de € 30.000,01, razão pela qual e ainda por via do disposto no art. 301 Cire, sempre o presente recurso é admissível por caber na alçada.
15ª - Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. proferido nos termos da 2ª parte da al. a) do art. 17/C 3 do Cire, por via do qual foi nomeado Administrador Provisório, admitindo-se, por tal, o PER (o 2º) apresentado pela ora recorrida C..., com as consequências daí decorrentes e imediatas, como seja a aplicação do disposto nos arts. 17-D e nº 1 do art. 17-E, ambos do Cire.
16ª - O presente recurso incide sob o referido despacho, entendendo que o Tribunal a quo o não deveria ter proferido, já que os autos dispunham de elementos suficientes que obstavam à sua prolação. Assim, o presente recurso incidirá sobre: i) Indeferimento Liminar por procedimento abusivo e/ou por impossibilidade legal de instauração de "novo" PER no caso de procedimento anterior aprovado pelos credores e homologado; ii) Indeferimento Liminar do pedido de apresentação a 2º PER por ausência de requisitos adjectivos para o prosseguimento dos autos.
17ª - Memorando de Entendimento" com a CE, o BCE e o FMI, aprovou os chamados "Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores". Tais princípios surgiram enquadrados noutras "medidas de salvação" destinadas àqueles, medidas estas balizadas, de um lado, pela consagração de um mecanismo puramente extrajudicial, a desenvolver sob os auspícios do IAPMEI, designado por SIREVE (Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial) que viria a ser consagrado pelo Decreto-Lei 178/2012, de 3 de Agosto, e, de outro, pela alteração do Cire (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
18ª - No caso do PER, que a Assembleia da República viria então a aprovar e a corporizar na Lei 16/2012, de 20 de Abril, buscando o seu espírito e olhando-se à sua forma, conclui-se, sem dificuldade, que tal processo, apesar de posto em juízo, conserva ainda uma natureza e feição de tipo marcadamente voluntário e extrajudicial.
19ª - Ainda assim, como sinal confirmativo de que não é esse o seu único modelo de inspiração e de que nele se introduziram já aspectos reveladores de algumas limitações à autonomia e vontade livre das partes e expressos numa tutela com matizes de "autoridade judicial", previu-se no nº 10, do art. 17- D do CIRE, que, durante as negociações, os intervenientes - devedor e credores - têm o dever de actuar de acordo com tais Princípios, contrapondo-se-lhe responsabilidade exigível em acção própria (nº 11).
20ª - Mas também salientar que o vínculo a tais princípios, como sinal de confiança extrema nas partes e contrapartida da dispensa de controlo das autoridades perante quem corre o respectivo processo (seja o IAPMEI, seja o Tribunal), implica um "compromisso assumido entre o devedor e os credores envolvidos, e não um direito, e apenas deve ser iniciado quando os problemas financeiros do devedor possam ser ultrapassados e este possa, com forte probabilidade, manter-se em actividade após a conclusão do acordo".
21ª - Tudo isso, aliado aos deveres de boa fé, cooperação activa na busca de solução viável e credível, dever de o devedor actuar com máximo respeito pelas perspectivas dos credores e com absoluta transparência, aponta para uma clara atribuição àqueles, aos protagonistas de tais procedimentos, do juízo de controlo recíproco mas decisivo sobre a verificação de tais pressupostos e de confiança naquele compromisso.
22ª – A partir do normal conteúdo semântico da palavra “revitalização” colhe-se a ideia fundamental. O propósito não é ressuscitar o já insolvente, a pessoa impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas ou, no caso das colectivas, aquela cujo passivo seja manifestamente superior ao activo. É, sim, reanimar a que conserva ainda um sopro de vida, sendo necessário insuflar-lhe oxigénio indispensável para que se reactive e reerga.
23ª - Assumindo-se como objectivo primeiro, dada a situação do país, evitar a liquidação de patrimónios e consequente "desaparecimento de agentes económicos", para proteger a economia, e visando o processo "propiciar a revitalização do devedor", procurou-se através dele instituir um "mecanismo célere e eficaz", mas compreensivo de "soluções eficientes", destinado àqueles "que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em insolvência actual" ou, por outras palavras, que estejam "num momento de pré-insolvência".
24ª - Ora, tendo por base os princípios e pressupostos que tiveram na origem do surgimento do PER, verifica-se que o mesmo, atendendo à forma como se encontra previsto, designadamente uma fase de negociação com vista, no final, a uma obtenção de um acordo, pressupõe, precisamente, um compromisso das partes (até porque vinculativo a todos os credores, quer tenham votado desfavoravelmente na aprovação quer sequer tenham participado nas negociações) através do qual, mediante um específico Plano de Revitalização, o devedor, por via da "oportunidade" que lhe foi concedida pelos seus credores, assume cumprir com o Plano de Recuperação a que se vinculou.
25ª - No entanto, este procedimento especial de revitalização não visa a "recuperação" do devedor a todo o custo, designadamente à custa dos seus credores, já que, pelo contrário, é a própria Lei que lhe confere limitações, precisamente para evitar utilizações ou o recurso ao mesmo de forma abusiva. A sua utilização para prejudicar credores contraria, absolutamente, todos os princípios àquele procedimento implícitos, incluindo os subjacentes ao processo de insolvência.
26ª - Se neste caso (insolvência) o processo tem como finalidade a satisfação dos credores (cfr. nº 1 do art. 1 do Cire, naquele primeiro (PER) o mesmo visa permitir ao devedor estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização (cfr. art. 17/A 1 do Cire) 27ª – Logo, vedado está aos devedores prorrogarem ou prolongarem indefinidamente o pagamento dos créditos aos seus credores pela via de apresentação de PER sucessivos, bastando para tal (porque a Lei se contenta com requerimento subscrito por 1 só credor, sem qualquer montante mínimo ou percentagem mínima de crédito) em cada um deles que fosse apresentado, viesse um credor diferente aderir a essa mesma subscrição, ainda que o crédito seja fictício. O exposto é óbvio e apodítico, não sendo sequer necessário haver previsão legal que o confirme.
28ª - Não obstante, nos casos em que o processo negocial é concluído SEM a aprovação de Plano de Recuperação fica o devedor impedido de recorrer a tal procedimento pelo prazo de dois anos. Sob pena de, se assim não fosse, tal como supra se referiu, possibilitar-se o sucessivo e constante prejuízo dos credores, com a apresentação de PER sucessivos, com as limitações (no que à instauração de acções judiciais e relativamente às pendentes) daí decorrentes.
29ª - No concreto caso dos autos sequer esta limitação temporal tem aplicação, já que, ao invés de não aprovação do Plano, o que se verificou, pelo contrário, foi a sua aprovação e posterior/subsequente homologação.
30ª - Ou seja, o devedor submeteu-se a um PER em 2013 (52/13.3TYLSB na 1ª Secção de Comércio-J4 da Instância Central de Lisboa), conforme expressamente reconheceu nos seus arts. 4 e 5 do requerimento de apresentação a este segundo (2º) PER, cujas negociações se vieram a concluir com aprovação do Plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, nos termos do art. 17- F do CIRE.
31ª - Não se encontra prevista, quanto a este concreto caso (aprovação e homologação do Plano), qualquer norma quanto à admissibilidade ou não admissibilidade de apresentação a um novo PER ou alguma limitação temporal para esse efeito.
32ª - No modesto entendimento do aqui recorrente, o facto do referido artigo 17-F do GIRE tal não referir, não permite que se conclua pela sua possibilidade (de apresentação de novo PER), pois a inexistência dessa expressa referência e/ou menção, significa precisamente o contrário, nos casos de Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, NÃO É ADMISSÍVEL a dedução, em que momento ou circunstâncias for, de um qualquer outro procedimento de PER.
33ª – O acordo obtido no âmbito do PER (Plano de Recuperação) pressupõe um compromisso entre devedor e credores, através do qual estes últimos cedem na sua pretensão (de outra forma não se justificaria um PER) quer seja por redução do crédito (de capital ou perdão de juros), concessão de prazo de pagamento mais alargado e/ou período de carência "por troca" com o compromisso expresso do devedor cumprir e honrar tal compromisso assumido.
34ª - Sendo que a incapacidade ou impossibilidade de cumprir com o Plano (tendo como consequência o previsto no art. 218 do Cire) é denotador não de "situação económica difícil" ou "situação de insolvência meramente iminente" mas antes de "incapacidade/impossibilidade de cumprir com as suas obrigações vencidas" considerando-se pois em situação de insolvência.
35ª - O que não pode ser admitido é - tal como faz a aqui recorrida - para obstar ao vencimento das suas obrigações e, consequentemente, à comprovação da sua situação de insolvência, apresentar-se a um novo PER para obstar ao vencimento das suas obrigações, as quais, não obstante os condicionalismos decorrentes do procedimento, designadamente no nº 1 do art. 17-E do CIRE, já se venceram.
36ª - Servindo o procedimento (este 2º PER em crise) para protelar o cumprimento (ou a obrigação de) das obrigações vencidas, adiando esse pagamento ou - a mais que certa - declaração de insolvência em manifesto prejuízo dos credores, já que impede, ainda que em processo de insolvência, a prossecução do fito desta, que é, precisamente, a satisfação daqueles (nº 1 do art. 1 do Cire).
37ª - Diga-se ainda que, o PER e o Plano que do mesmo venha a resultar, visa conceder ao devedor um "balão de oxigénio" que, por regra, lhe assegure libertação ou disponibilização de meios de tesouraria (que de outra forma não tinha) para permanecer activo, no mercado e em laboração. O facto de, no caso concreto, decorrido um período de carência de 2 anos/24 meses, para pagamento, prestacional, de parte substancial do crédito, não ter possibilitado (contrariamente ao propugnado e entendido no Plano como necessário e fundamental para a sua revitalização) libertação de tesourada para proceder aos pagamentos e ao normal desenvolvimento da empresa como, alegadamente após a homologação se veio a verificar, é igualmente denotativo da impossibilidade de incumprir com as suas obrigações vencidas.
38ª - Face a tudo o exposto, é entendimento de que, no âmbito de PER que culmine com a conclusão das negociações com aprovação do plano de recuperação com vista à revitalização do devedor, não é admissível o recurso a novo procedimento similar (novo PER), para além do que, é manifestamente abusivo uma "nova" apresentação com vista a obstar cumprir com os concretos pagamentos na forma e quantificação que haviam sido consignados no Plano aprovado no PER anterior.
39ª – É, pois, evidente que dos autos resultam elementos suficientes para legitimar um indeferimento liminar por manifesta impossibilidade de cumprimento das obrigações, servindo o PER (este 2º) o fito de procurar, com o seu vencimento (das obrigações) evitar que os credores reagissem nos termos do disposto no art. 218 do Cire ou pela via da Insolvência.
40ª - Por conseguinte, revelador de um uso anormal do processo, pelo que não se vê como não decretar a consequência que a lei prevê (!), obstando ao objectivo anormal prosseguido pelas partes (art. 612, do NCPC, ex vi do art. 17 Cire), evitando-se, designadamente, trabalho e custos inúteis e os efeitos próprios do processo sobre os outros processos já em curso ou que se possam pretender vir a ser instaurados (art. 17-E).
41ª - Termos em que, face ao referido supra, se impõe seja o presente recurso provido e, nessa sequência, ser proferida decisão que revogue o despacho em crise, substituindo-o por outro que indefira liminarmente a requerimento de apresentação em PER, por legalmente estar vedada, nos casos de aprovação de Plano em PER anterior, a nova apresentação a um PER e/ou por este concreto recurso ao procedimento se revelar manifestamente abusivo.
42ª - Estabelece o art. 27 (sob a epígrafe "apreciação liminar"), aplicável ao PER - atenta a regra geral consignada no art. 549/1 CPC, donde resulta que ao processo de revitalização, enquanto processo especial, aplicar-se-ão, em primeiro lugar, as regras que lhe são próprias; depois, as disposições gerais e comuns do Cire (as demais normas do Cire) e, sempre que tal se revele necessário, as regras do NCPC, nos termos prescritos no art. 17 Cire -, que no próprio dia da distribuição, ou, não sendo tal viável, até ao 3º dia útil subsequente, o juiz: a) Indefere liminarmente o pedido (...) quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente; b) Concede ao requerente, sob pena de indeferimento, o prazo máximo de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, designadamente quando esta careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instrui-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada.
43ª – Com o processo especial de revitalização pretendeu-se instituir um mecanismo gerador de consenso entre o devedor e os principais credores com vista ao estabelecimento de um plano de recuperação; a intervenção do juiz é reservada, por regra, apenas a três momentos essenciais: ao início do processo (art. 17-C/3 a)), à decisão das impugnações à lista provisória de créditos (art. 17/D 3) e, no final, à homologação, ou não, do acordo obtido, se for caso disso, ou à determinação dos efeitos derivados da falta desse mesmo acordo [arts. 17-E, nº 5 e 17-G, nºs 1 a 3], todos do Cire.
44ª - O consenso negociado entre credores e devedor é a ferramenta privilegiada para o estabelecimento do plano de recuperação, mas não se trata de um consenso a qualquer custo - os intervenientes estão adstritos ao princípio da boa-fé, da cooperação e da confidencialidade, recaindo ainda sobre o devedor a obrigação de manter uma conduta transparente e de defender os seus credores [cf. o art. 17-D, nºs 6 a 11 e a Resolução do Conselho de Ministros nº 4312011, de 25.10], visando-se, com a observância da tramitação e das demais exigências legalmente previstas, a obtenção de um consenso válido, entre credores e devedor, sobre a recuperação económica deste e, reflexamente, a optimização da defesa de todos os interesses envolvidos.
45ª - Embora a lei não preveja, expressamente, a possibilidade de ser proferido despacho de indeferimento do requerimento de instauração do processo especial de revitalização, no seguimento do expendido supra, há que ter em conta o que dispõe o nº 2 do art.17-E, que, ao estatuir "Caso o juiz nomeie administrador judicial provisório nos termos da alínea a) do n.° 3 do artigo 17°-C (...)", permite inferir a possibilidade do juiz não nomear administrador por entender não dar seguimento ao pedido de instauração do PER.
46ª - Assim sucederá sempre que ocorra a ausência de um elemento considerado por lei como formalidade, ao abrigo do citado art. 17-C (v. g., a falta dos documentos elencados no nº 1 do art. 24); tal verificação incidirá, desde logo, sobre os aspectos formais da petição e o conteúdo das declarações (do requerente e de pelo menos um dos credores) efectuadas por quem requer a revitalização, pelo que a nomeação do administrador judiciai provisório, dando continuidade ao processo [art. 17-C, nº 3, alínea a)) tem por implícito um juízo de apreciação (admissibilidade) sobre os requisitos do PER.
47ª - Se, na prática, o processo de revitalização poderá ser usado em casos em que não deveria sequer ter sido aberto - maxime, que se aplique a devedores em situação de insolvência actual -, portanto, à eventualidade, naturalmente, deverá ficar arredada se e quando o Tribunal dispuser de elementos que permitam concluir pela falta dos necessários pressupostos de natureza adjectiva e/ou pela manifesta desconformidade entre o aduzido pelo requerente/devedor e os factos demonstrados pelos documentos juntos autos e/ou que o Tribunal venha a reunir, apontando, estes, para situação de inegável penúria ou insolvência actual, como tal, tradutora da irrecuperabilidade do requerente ou da inviabilidade de um qualquer plano de revitalização.
48ª - É o próprio recorrente quem reconhece que já se apresentou a um PER anterior ao que respeita nos presentes autos e no qual foi o Plano de Recuperação aprovado e homologado. Refere igualmente, porque o período de carência que lhe havia sido concedido findou em Dezembro de 2016, que se encontra na iminência de incumprir com os termos do Plano, o que, na presente data, inclusive já se verifica.
49ª - É pois evidente que dos autos resultam elementos suficientes para legitimar um indeferimento liminar por manifesta impossibilidade de cumprimento das obrigações, servindo o PER (este 2º) o fito de procurar, com o seu vencimento (das obrigações) evitar que os credores reagissem nos termos do disposto no art. 218 do Cire ou pela via da Insolvência.
50ª - Por conseguinte, revelador de um uso anormal do processo, pelo que não se vê como não decretar a consequência que a lei prevê (1), obstando ao objectivo anormal prosseguido pelas partes (art. 612 NCPC, ex vi do art. 17 Cire) evitando-se, designadamente, trabalho e custos inúteis e os efeitos próprios do processo sobre os outros processos já em curso ou que se possam pretender vir a ser instaurados (art. 17-E).
51ª - Por outro lado, não se poderá, no modesto entendimento do recorrente, determinar o prosseguimento dos autos, quando, dos mesmos, resulta evidente que a situação da requerente dos mesmos (ora recorrida) é insolvêncial, pois que o PER é, somente, para situações em que a situação de insolvência é meramente iminente.
52ª - Termos em que, impõe-se seja o presente recurso provido e, nessa sequência, seja proferida decisão que revogue o despacho em crise, substituindo-o por outro que indefira liminarmente o requerimento de apresentação em PER, nos moldes explanados.
aqui recorrente terem sido violados, entre outros, designadamente, os arts. 1, 3/1, 17-A e ss., 27 e 218 Cire e ainda o art. 130 do NCPC.

A apelada pugnou pela manutenção da decisão.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Os factos a considerar são os que se deixaram anteriormente extractados.

A questão a decidir - arts. 639 e 640 CPC – consiste em saber se é ou não permitido à devedora instaurar novo PER (2º) em caso de procedimento anterior (PER) aprovado pelos credores e homologado por sentença transitada.
Vejamos, então:

a) Apresentação de 2ª Plano de Recuperação
Sustenta o apelante a impossibilidade da apresentação da devedora a um 2º PER quando já se tinha apresentado a um 1ª que foi aprovado pelos credores e homologado por sentença transitada.
O PER (Programa Especial de Revitalização) foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei 16/2012 de 20/4 que aditou ao Cire os arts. 17-A a 17-I.
Este processo de revitalização permite ao devedor que se encontre, comprovadamente, numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização – arts. 2/1 e 17-A/1 Cire.
Trata-se, em suma, de um processo negocial cujo fim último é a obtenção de um acordo entre devedor e credores (maioria – art. 17-F Cire), que permita a viabilização da empresa.
Este processo, de cariz voluntário e extra-judicial, visou não só a defesa da economia, permitindo que o devedor continue a sua actividade comercial, em detrimento da liquidação do seu património sempre que a recuperação se mostre e seja viável, como permitiu aos credores o controle da conduta do devedor e do administrador, cabendo ao juiz a sindicância da bondade da instauração deste processo especial de revitalização, verificação da situação de facto do devedor, das condições necessárias para a sua recuperação, decidir as impugnações de reclamações de créditos, legalidade das normas aplicáveis como requisito da homologação do acordo, declarar a insolvência em caso de falência do processo negocial sem a aprovação de qualquer plano de recuperação e ainda proceder ao julgamento da acção a que se reporta o art. 17-D/11 Cire.
Este processo inicia-se pela apresentação do requerimento de devedor e de, pelo menos, um dos credores – art. 17 – C/1 Cire – procedendo o Juiz à nomeação de administrador provisório, observando o preceituado nos arts. 32 a 34, ex vi do art. 17 – C alínea a).
O despacho de nomeação do administrador provisório é notificado ao devedor, devendo este comunicar logo aos credores que não subscreveram a declaração, que foi dado início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso entendem, nas negociações em curso e informar que a documentação referida no art. 24/1, se encontra disponível na secretaria para consulta – art. 17 – D/1 Cire.
Este despacho de nomeação do administrador provisório é igualmente publicitado/ publicado no Citius (portal), data a partir da qual qualquer credor dispõe de um prazo de 20 dias para reclamar os seus créditos.
As reclamações devem ser remetidas ao administrador provisório que, no prazo de 5 dias, elabora uma lista provisória de créditos que apresenta na secretaria do tribunal, lista esta que é publicada/publicitada no Citius.
Após a publicação, a lista provisória está sujeita a impugnação, prazo de 5 dias úteis, cabendo ao juiz decidir, em prazo idêntico.
Não havendo impugnações a lista converte-se em definitiva – art.- 17 – D/ 2 e 4 Cire.
Ao requerimento de reclamação de créditos, bem como de reclamação da lista provisória é aplicável, por analogia, o disposto nos arts. 128 e 130 Cire.
A lista definitiva de créditos apurada neste processo não obsta à reclamação de créditos, ainda que aqui não tenham sido reclamados, no processo de insolvência que eventualmente lhe venha a suceder (art. 17 – G/7 Cire), valendo a lista definitiva apenas no respeitante às negociações e celebração do acordo de revitalização – cfr. A. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anot., 2ª ed., 2013 – 155.
Findo o prazo para as impugnações, os declarantes dispõem de um prazo de 2 meses para conclusão das negociações encetadas, podendo o prazo ser prorrogado, uma só vez, por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador provisório e o devedor.
Este acordo será junto aos autos e publicitado no Citius, devendo os credores que queiram participar nas negociações declarem-no ao devedor, por carta registada, podendo fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações – art. 17 – D/5 e 7 Cire.
Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado dos documentos que comprovam a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos – art. 17/F 1 Cire.
Caso o devedor ou a maioria relevante dos credores concluam, desde logo/ antecipadamente pela impossibilidade de acordo “ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no art. 17 – D/5 Cire (prazo para a conclusão das negociações, de 2 ou 3 meses após o fim do prazo para a impugnação da relação provisória de créditos), o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no Citius (portal) – art. 17 – G/ 1 Cire – cfr. Acs. RL de 29/5/2014, relator Tomé Ramião e de 13/3/2014, relator Jorge Leal.
No caso do devedor ainda não se encontrar em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
Estando o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de 3 dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação efectuada pelo administrador judicial provisório – art. 17/G 2 e 3 Cire.
O termo do processo especial de revitalização efectuado de harmonia com os nºs anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de 2 anos – art. 17/G, 6 Cire.
O processo especial de revitalização, enquanto processo especial que é, rege-se pelas regras que lhe são próprias (arts. 17/A e sgs. Cire), pelas disposições gerais e comuns do Cire e, por último, se tal se revelar necessário pelas normas do CPC – art. 17 Cire.
Atento o supra referido, constata-se que as normas que regulam este processo especial são omissas no que tange à proibição, ou melhor, à admissibilidade ou não de recurso/apresentação a um novo PER (após apresentação a um PER em que foi homologado o plano de recuperação), ou alguma limitação temporal para esse efeito.
De acordo com as normas citadas o juiz, ao nomear o administrador provisório, na sequência do pedido formulado pelo devedor, não se debruça sobre a apreciação da situação financeira deste, mas tão só sobre os requisitos da sua admissibilidade ou não, cabendo aos credores fazê-lo no momento da apreciação e votação do plano sendo que, em última análise, poderá ser declarada a insolvência do devedor.
O indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência tem lugar, em caso de manifesta improcedência, no caso de ocorrência de excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso ou em caso de não cumprimento de correcção dos vícios sanáveis da p.i. – careça de requisitos legais ou omissão dos documentos que a instruem – art. 27 Cire.
Ora, conforme supra enunciado, o processo de revitalização pressupõe uma actuação célere e delimitada no tempo, de forma a que a situação do devedor seja definida rapidamente, sob pena do processo se poder tornar num mecanismo dilatório utilizado pelo devedor em subversão do estipulado na lei.
Tal ressalta, mormente dos arts. 17-F/3 e 17-E/1 Cire, através dos quais se extrai por um lado, que o decurso do prazo de 2 ou 3 meses não se suspende em caso de impugnação da lista provisória de créditos, ou seja, a as negociações e elaboração do plano não dependem da decisão final sobre as impugnações e, por outro, a nomeação do administrador judicial provisório obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas do devedor e, durante todo o tempo que perdurarem as negociações, suspende quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação.
As negociações entre devedor e os credores devem concluir-se no prazo máximo de 3 meses, contados desde o termo do prazo para a apresentação das impugnações à lista provisória de créditos, não estando sujeito a despacho judicial concedendo, caso solicitado, a prorrogação de prazo.
Assim, tendo em conta as normas citadas (apesar da lei ser omissa no que concerne ao recurso a um novo PER), o leit motiv subjacente ao PER e a celeridade do processo, nada impede que o devedor possa lançar mão de um segundo processo de recuperação/revitalização da empresa, apesar de já ter feito uso desse meio e do PER anterior ter sido aprovado e homologado por sentença, cabendo aos credores a sua avaliação aquando da votação do plano, não advindo daí prejuízo de maior para os credores que sempre poderão ver reduzidas as suas perdas, sem necessidade de declaração de insolvência do devedor, possibilitando ao devedor a recuperação da sua situação de dificuldade financeira e condições para que possa cumprir as suas obrigações, decorrente da manutenção e continuação da sua actividade, bem como dos postos de trabalho, evitando despedimentos.
Acresce que, afastada está a aplicação do art. 27 Cire, por inexistência dos requisitos para que haja lugar a indeferimento liminar.

Resumindo:
– Apesar da lei ser omissa no que tange à admissibilidade ou não de recurso/apresentação a um novo PER ou alguma limitação temporal para esse efeito, tendo em conta o leit motiv do PER e a celeridade do processo, nada impede que o devedor recorra a um novo PER, ainda que já se tenha apresentado a um PER anterior, em que foi homologado o plano de recuperação.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão.

Custas pelo apelante.

Lisboa, 22/6/2017

Carla Mendes

António Ferreira de Almeida

Catarina Arêlo Manso
Decisão Texto Integral: