Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
391/12.0TTCSC.L1-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: COMISSÃO DE SERVIÇO
CESSAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I. Um dos elementos característicos da comissão de serviço, consiste em contemplar um regime excepcional de recrutamento para determinadas funções delimitadas na lei, que têm em comum assentarem no pressuposto de exigirem uma “especial relação de confiança” entre a entidade empregadora e o trabalhador.
II. As funções exercidas em comissão de serviço são reversíveis. Cessada a comissão de serviço cessa igualmente o direito ao estatuto que correspondia à função desempenhada, nomeadamente remuneratório, retornando o trabalhador à categoria base e ao correspondente estatuto, podendo tal implicar descida na valorização relativa das funções e no montante da retribuição.
III.Contudo, nos termos do disposto no art.º 164.º n.º 1 al. b), o trabalhador, confrontado com a decisão da entidade empregadora de pôr termo ao exercício das suas funções de confiança, pode preferir a desvinculação definitiva, nesse caso tendo direito a ser indemnizado.
IV.Essa indemnização, à qual tem direito não só o trabalhador em comissão de serviço interna, mas também o trabalhador externo sem convénio de garantia de emprego [n.º 1, al. c), do art.º 164.º], destina-se a compensá-lo pela perda de emprego em decorrência da cessação da comissão de serviço.
V.O valor da retribuição a considerar no cálculo da indemnização é a que era auferida no desempenho da comissão de serviço.(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal do Trabalho de Cascais, AA, instaurou a presente acção com processo comum contra BB- HEALTH CLUBS PORTUGAL,SA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 8.605,80, acrescida de juros de mora, vencidos desde a data da cessação do contrato no valor apurado de € 283,87, e nos vincendos até integral pagamento.
Para sustentar o pedido alega, no essencial, que tendo a R. feito cessar a comissão de servição ao abrigo da qual exercia funções de Director do Clube Júnior II, resolveu o contrato de trabalho com a mesma. A R. pagou-lhe indemnização, mas calculou a mesma tendo por base a retribuição mensal de € €2.009,95, que auferia anteriormente à comissão de serviço, em contrapartida da prestação de funções da categoria profissional de Director de Ginásio, quando a deveria ter calculado atendendo ao valor auferido no exercício das funções de Director do Clube Júnior II, à data, no valor de €3.821,93.
Realizou-se a audiência de partes, mas sem que se tenha obtido a conciliação.
 No prazo legal a Ré deduziu contestação, contrapondo, em síntese, que a indemnização paga ao A. constitui uma indemnização pela cessação do vínculo laboral e não pela cessação da comissão de serviço, razão pela qual teve por base o vencimento do autor como director de ginásio e não como Director de Clube Júnior II.
Conclui pugnando pela improcedência da acção.
Procedeu-se ao saneamento do processo e, na consideração de o processo conter todos os elementos necessários para o conhecimento da causa, ao abrigo do disposto no art.º 61.º n.º2, do CPT, foi proferida sentença
I.2 O Tribunal a quo decidiu julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido formulado pelo Autor.
I.3 Inconformado com essa decisão, o A. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios.
As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
(…)
            I.4 A Recorrida apresentou contra alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:´
(…)
I.5 O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT.
I.6 Foram colhidos os vistos legais.

I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3 e artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil), a questão colocada para a apreciação é a de saber se há erro de julgamento, ao ter o Tribunal a quo entendido que o cálculo da indemnização foi correctamente efectuado pela R., tendo por base a retribuição auferida no exercício das funções anteriores à comissão de serviço.
 II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1      MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos considerados assentes na decisão recorrida são os seguintes:
1. O A. celebrou com a ora R. contrato de trabalho, o qual vigora desde 1 de Janeiro de 2005 (art. 1º da p.i.).
2. No âmbito da supra aludida relação laboral, o A. exerceu as funções inerentes à categoria profissional de Director de Ginásio (Gym Manager) (art. 2º da p.i.).
3. Propôs a R. ao A. que este, por via da celebração de um contrato de trabalho em comissão de serviço, passasse a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Director de Clube Júnior II (Club Manager II), em regime de comissão de serviço, o que foi aceite pelo autor (arts. 3º e 4º da p.i.).
4. Em 12 de Março de 2007, A. e R. celebraram novo contrato, o qual denominaram por “Contrato de trabalho em comissão de serviço”, cuja cópia se encontra junta a fls. 11 a 17 e se dá por integralmente reproduzida (art. 5º da p.i.).
5. A partir daquela data o autor passou a exercer as funções de Director do Clube Júnior II em regime de comissão de serviço (art. 6º da p.i.).
6. Integrando o seu conteúdo funcional as funções descritas na cláusula segunda do referido contrato (art. 7º da p.i.).
7. Nos termos do disposto no n.3 da citada cláusula, a comissão de serviço tinha uma duração de 2 (dois) anos, renovável por iguais períodos (art. 8º da p.i.).
8. Mais se prevendo que, finda a comissão de serviço, o A. voltaria a desempenhar as anteriores funções de Director de Ginásio (art. 9º da p.i.).
9. Ficou ainda estipulado, que, como compartida da prestação da actividade contratada, receberia o A. a retribuição mensal ilíquida de €3.673,88 (art. 10º da p.i.).
10. À qual acrescia, por cada dia efectivo de trabalho, um subsídio de refeição no valor de €5,89 (art. 11º da p.i.).
11. Através da comunicação datada de 5 de Agosto de 2011 e recepcionada pelo A. em 8 de Agosto do mesmo ano, foi-lhe comunicado pela R. a decisão de fazer cessar a comissão de serviço (art. 12º da p.i.).
12. Ao que o A. decidiu resolver o contrato de trabalho, o que comunicou à Ré em 26 de Agosto de 2011, através da carta junta a fls. 19 e 20 e que se dá por  integralmente reproduzida (arts. 13º e 14º da p.i.).
13. A título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, a Ré pagou ao A. a quantia de €13.370,30 (art. 15º da p.i.).
14. O valor em causa teve como referência a retribuição auferida, à data, pela categoria profissional de Director de Ginásio, a qual se cifrava em €2.009,95, e não a de Director do Clube Júnior II (arts. 16º e 17º da p.i.).
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
II.2.1A questão que se coloca é a de saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, ao ter que o cálculo da indemnização foi correctamente efectuado pela R., tendo por base a retribuição auferida no exercício das funções anteriores à comissão de serviço.
Comecemos por determinar a lei aplicável, tendo em conta que a situação em causa reporta-se a um contrato de trabalho em comissão de serviço iniciado em 12 de Março de 2007, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003 [Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto], com a duração de dois anos e renovável por iguais períodos, que veio a cessar em Agosto de 2011, já após a entrada em vigor do Código do Trabalho (revisto) de 2009, em 17 de Fevereiro de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, [cfr. artigos 12.º n.º 1, al. a), e 14.º]. Foi na sequência da cessação da comissão de serviço que o A. optou por resolver o contrato de trabalho, o que fez através de carta de 26 de Agosto de 2011.
A Lei n.º 7/2009 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho revisto quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, cabendo, pois, recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.
No que ao caso importa cabe atender ao n.º 1 do artigo 7.º da referida Lei, onde se dispõe o seguinte:
 [1] Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.
 A norma corresponde ao art.º 8.º n.º1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do trabalho de 2003, que por sua vez já tinha correspondência no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, diploma que aprovou o pretérito regime jurídico do contrato individual de trabalho, usualmente designado por LCT.
Em qualquer dessas normas acolhe-se o regime comum de aplicação das leis no tempo contido no artigo 12.º do Código Civil, isto é, “(..) o princípio tradicional da não retroactividade das leis, no sentido de que elas só se aplicam para futuro. E mesmo que se apliquem para o passado – eficácia retroactiva – presume-se que há a intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos”. Prevenindo o n.º2, “em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, as condições de validade de um contrato (capacidade, vícios de consentimento, forma, etc), bem como os efeitos da respectiva invalidade, têm de aferir-se pela lei vigente ao tempo em que o negócio foi celebrado. (..) Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei já é aplicável (..)» [Pires de Lima e Antunes varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, pp. 61].
No Código do Trabalho de 2003, vigente à data em que foi celebrado e iniciada a execução do contrato de comissão de serviços, a disciplina relativa à figura da comissão de serviço consta dos artigos 244.º a 248.º.
No actual Código do trabalho de 2009, a disciplina em causa consta hoje dos artigos 161.º a 164.º, sendo este último o que os “Efeitos da cessação da comissão de serviço”, como a sua própria epígrafe expressa.
Por força do disposto no n.º1, do art.º 7.º da Lei 7/2009, a relação jurídico laboral em presença, embora iniciada no CT/03, passou a ficar sujeita ao regime do CT/09, excepto no que respeite “a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente” à sua entrada em vigor.
Está em causa determinar a retribuição a considerar para efeitos do cálculo da indemnização devida ao A., ao ter exercido o direito a resolver o contrato de trabalho na sequência da cessação da comissão de serviço pela entidade empregadora, facto ocorrido na vigência do Código/09.
Assim, tal como entendido pela 1.ª instância, bem assim pelas partes em litígio, relativamente à questão em discussão, aplica-se este último diploma, nomeadamente o art.º 164.º.
Cabe assinalar que entretanto esse artigo (164.º) conta já com três versões.
 Com efeito, a versão inicial foi alterada pela Lei n.º 53/2011, de 14 de Outubro, com entrada em vigor a 1 de Novembro de 2011, sendo que o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 aplica-se apenas aos novos contratos de trabalho. A segunda alteração foi introduzida pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, incidindo também sobre as alíneas b) e c) do n.º1, com entrada em vigor a 1 de Agosto de 2012.
Contudo, como imediatamente se constata, qualquer dessas alterações e respectiva entrada em vigor estão para além da data da resolução do contrato de trabalho pelo A., que produziu efeitos em 26 de Agosto de 2011 (cfr. facto 12), por isso não relevando para o caso.
II.2.2 Comecemos por atentar, ainda que cingindo-nos aos seus traços essenciais, na figura da comissão de serviço.
Como se elucida no Acórdão desta Relação e Secção, de 13-04-2011, «A figura da comissão de serviços começou por ter consagração no âmbito do contrato individual de trabalho com o DL nº 404/91, de 16/10, possibilitando a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, sem produzir o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade. Tal como resulta do Preâmbulo do referido diploma, o pressuposto que esteve na base da criação deste regime de prestação de trabalho em comissão de serviço assenta na “necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais o que implica soluções adequadas à salvaguarda da elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que se traduz a confiança que o exercício de certos cargos exige [Proc.º 665/09.8TTFUN.L1-4  PAULA SÁ FERNANDES, disponível em  www.dgsi.pt/jtrl].
O DL n.º 404/91, de 16/10, não trouxe uma noção de comissão de serviço. Contudo, atentos os traços essenciais do regime jurídico concebido para essa figura, a doutrina define a comissão de serviço como um contrato de trabalho especial, de natureza necessariamente temporária e com as seguintes características fundamentais, apontadas por Irene Gomes, no quadro daquele diploma, em “Principais aspectos do regime jurídico do trabalho exercido em comissão de serviço”, nos termos seguintes:
- “Assim, o primeiro ponto a salientar é que o regime jurídico do contrato individual de trabalho continua a ser a matriz geral da comissão de serviço, como resulta do preceituado no art.º 6.º que manda aplicar a esta modalidade de trabalho o regime laboral comum, salvo o disposto em contrário no diploma.
O segundo ponto a reter do regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 404/91 é que, quanto à constituição da comissão de serviço, o legislador exige a sua redução a escrito, nos termos do preceituado no art.º 3.º, n.º 1.
Em terceiro lugar, o legislador confere a ambas as partes a possibilidade de fazer cessar, a todo tempo, a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, nos termos do art.º 4.º, n.º 1” [estudo publicado a páginas 241 e seguintes da obra colectiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Março de 2004]
Na demanda dos traços caraterísticos desta figura, não pode deixar de ser presente, ainda, o n.º1, do art.º 1.º (com a epígrafe Comissão de Serviço), do mesmo diploma, onde se dispõe o seguinte:
[1] Podem ser exercidos em regime de comissão de serviço os cargos de administração, de direcção directamente dependentes da Administração e, bem assim, as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos e a outras funções previstas em convenção colectiva de trabalho, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança.
Constata-se assim, que para além daquelas características, igualmente se configura como um dos elementos característicos desta figura jurídica, contemplar um regime excepcional de recrutamento para determinadas funções delimitadas na lei, que têm em comum assentarem no pressuposto de exigirem uma “especial relação de confiança” entre a entidade empregadora e o trabalhador.
Todos esses traços essenciais definidores do contrato de comissão de serviço mantiveram-se incólumes com o Código do Trabalho de 2003, que regulou essa matéria na secção V - “Comissão de serviço”, do capítulo II -  “Prestação de Trabalho”, mais precisamente nos artigos 244.º a 248.º.
Assim, com uma redacção diferente, mas em termos paralelos ao n.º1 do art.º 1.º, do Decreto-Lei n.º 404/91, o art.º244.º CT/03, veio dispor o seguinte:
- Podem ser exercidos em comissão de serviço os cargos de administração ou equivalentes, de direcção dependentes da administração e as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos, bem como outras, previstas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, cuja natureza também suponha, quanto aos mesmos titulares, especial relação de confiança”.
Por seu turno, do art.º 245.º, continua a resultar a exigência da redução do acordo a escrito, com a menção de determinadas indicações.
Mantendo-se igualmente a possibilidade de cessação da comissão de serviço por iniciativa de qualquer das partes, mediante comunicação escrita, com antecedência mínima variável em função do tempo que já tenha decorrido na execução da comissão de serviço (art.º 246.º).
Regendo, depois, os artigos 247.º e 248.º, respectivamente, a propósito dos “Efeitos da cessação da comissão de serviço” e da “Contagem do tempo de serviço”.
A disciplina em causa consta hoje dos artigos 161.º a 164.º, do Código de 2009, mantendo os mesmos traços essenciais que se apontaram.
António Monteiro Fernandes, a propósito desta figura escreve o seguinte:
- “O art.º 161.º contempla a atribuição ao trabalhador de certas funções – genericamente caracterizáveis «por uma especial relação de confiança» - a título reversível. (..) O que caracteriza esse dispositivo é a transitoriedade do respectivo título profissional. O trabalhador detém uma categoria básica ou «de origem», relativamente à qual funciona em pleno a tutela estabilizadora já indicada; exerce, contudo, por tempo pré-determinado ou não, uma função diversa da que aquela categoria reflecte, acedendo a um título profissional e a um estatuto (nomeadamente remuneratório) que, como essa função, podem cessar a qualquer momento. Dá-se, nesse caso, o retorno á categoria de base e ao correspondente estatuto com eventual descida na valorização relativa das funções e no montante da retribuição) ” [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 228].
A cessação da comissão de serviço pode ser decidida por qualquer das partes, não carecendo de fundamentação expressa, mas a parte promotora da cessação deve dar pré-aviso à outra, com o mínimo de “30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respectivamente, até dois anos ou período superior”  [art.º 163.º 1].
A cessação da comissão de serviço por parte do empregador confere ao trabalhador determinados direitos, regulados no art.º 164.º, que na sua versão inicial, aqui aplicável, dispunha o seguinte:
1 - Cessando a comissão de serviço, o trabalhador tem direito:
a) Caso se mantenha ao serviço da empresa, a exercer a actividade desempenhada antes da comissão de serviço, ou a correspondente à categoria a que tenha sido promovido ou, ainda, a actividade prevista no acordo a que se refere a alínea c) ou d) do nº 3 do artigo 162º;
b) A resolver o contrato de trabalho nos 30 dias seguintes à decisão do empregador que ponha termo à comissão de serviço, com direito a indemnização calculada nos termos do artigo 366º;
c) Tendo sido admitido para trabalhar em comissão de serviço e esta cesse por iniciativa do empregador que não corresponda a despedimento por facto imputável ao trabalhador, a indemnização calculada nos termos do artigo 366º;
2 - Os prazos previstos no artigo anterior e o valor da indemnização a que se referem as alíneas b) e c) do nº 1 podem ser aumentados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no nº 1.
Como decorre desta disciplina, os direitos conferidos ao trabalhador por efeito da cessação da comissão de serviço são variáveis, dependendo de se tratar de um trabalhador interno ou externo e, neste último caso, ainda do que foi contratualmente acordado.
Estaremos perante uma comissão de serviço interna, quando o trabalhador já mantinha com o mesmo empregador um contrato de trabalho comum. Em contraponto, a comissão de serviço será externa quando celebrada com trabalhador sem prévio vínculo jurídico-laboral. Neste último caso, há ainda que distinguir se foi acordada com garantia da manutenção da relação laboral após a cessação da comissão de serviço, passando o trabalhador a exercer funções inerentes à categoria profissional prevista no acordo de comissão de serviço; ou, se foi acordada sem garantia de emprego, implicando a cessação da comissão de serviço a extinção da relação de trabalho [Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, Cascais, 2012, p.594/595]
O caso em apreço situa-se na primeira das modalidades, isto é, uma comissão de serviço interna, dado que o trabalhador já mantinha com a empregadora um vínculo laboral, que se iniciara em 1 de Janeiro de 2005, para exercer funções inerentes à categoria profissional de Director de Ginásio, auferindo, em contrapartida, a retribuição mensal de € 2009,95 [factos 1,2 e 14].
O contrato de comissão de serviço foi celebrado em 12 de Março de 2007, a partir dessa data e no âmbito do mesmo, passando o A. a desempenhar funções de Director do Clube Júnior II, auferindo a retribuição mensal de € 3 673,88, acrescida de subsídio de refeição, por cada dia efectivo de trabalho, no valor de € 5,89 [factos 4 a 10].
Por conseguinte, o A. foi colocado a exercer essas funções de direcção (ou de confiança), mas sem adquirir o direito à manutenção do correspondente estatuto profissional. Significa isto que, terminando a comissão de serviço, poderia regressar à anterior posição profissional, deixando de beneficiar das condições inerentes ao cargo de Director do Clube Júnior II, nomeadamente, a retribuição mais elevada [n.º1, al.a) do art.º 164.º].
Contudo, nos termos do disposto no art.º 164.º n.º 1 al. b), “(..) o trabalhador, confrontado com a decisão da entidade empregadora de pôr termo ao exercício das suas funções de confiança, pode preferir a desvinculação definitiva. A lei reconhece-lhe o direito de resolver o contrato – e, nesse caso, como no de cessação do vínculo por efeito directo do termo da comissão, deve ser-lhe paga indemnização de antiguidade” [Monteiro Fernandes, op. cit. 229/230].
Essa indemnização, à qual também tem direito não só o trabalhador em comissão de serviço interna, mas também o trabalhador externo sem convénio de garantia de emprego [n.º 1, al. c), do art.º 164.º], destina-se a compensá-lo pela perda de emprego em decorrência da cessação da comissão de serviço.
Como se elucida no Ac. STJ de 13-02-2008, naquele primeiro caso, “o legislador tutela a posição do trabalhador que, não querendo regressar às funções correspondentes à categoria profissional de base (do que resultaria uma espécie de “despromoção”), decide desvincular-se definitivamente, conferindo-lhe o direito de resolução do contrato de trabalho com a mencionada indemnização [Proc.º n.º  07S4007,  SOUSA GRANDÃO, disponível em www.dgsi.jstj].
Atenta a parte final da alínea b), do n.º1, do art.º 164.º, de onde decorre que a indemnização é “calculada nos termos do art.º 366.º”, cabe que nos debrucemos sobre essa nesse norma e, pelas razões já assinaladas, na sua redacção inicial.
O aludido 366.º CT/09, com a epígrafe “Compensação por despedimento colectivo”, inicialmente, e no que ao caso importa, tinha a redacção seguinte:
1 - Em caso de despedimento colectivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
2 - Em caso de fracção de ano, a compensação é calculada proporcionalmente.
3 - A compensação não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
(..).
Aqui chegamos ao aspecto nuclear da questão em apreço, que é saber qual o valor da retribuição a considerar para o cálculo da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho.
Na sentença recorrida, seguiu-se o caminho seguinte:
- “Efectivamente, como bem refere a Ré, a indemnização supra mencionada  visa compensar o trabalhador, não pela cessação da comissão de serviço, mas sim, pela cessação do contrato de trabalho. De resto, a própria letra do art. 366º do Cód. Trabalho, ao referir retribuição base e diuturnidades para isso aponta, já que, a retribuição auferida durante a comissão de serviço não correspondeu à retribuição base do trabalhador, e as diuturnidades, por natureza, reportam-se à duração de todo o contrato de trabalho desde a sua génese.
Donde, nenhuma censura há a tecer ao facto de a Ré ter considerado no cálculo da indemnização a retribuição auferida pelo autor enquanto Director de Ginásio e não enquanto Director do Clube Júnior II.
Num ponto tem razão a Senhora Juíza – e também a Recorrida-, isto é, a indemnização visa compensar o trabalhador pela cessação do contrato de trabalho e não pela cessação da comissão de serviço. Assim decorre clara e inequivocamente da alínea b),  do n.º1, do art.º 164.º.
Mas já quanto ao mais, não acompanhamos o raciocínio que sustenta a decisão, nem as contra-alegações.
Com efeito, desde logo, não vimos como a própria letra do art.º 366.º, do CT, aponte no sentido de se considerar a retribuição auferida no exercício de outras funções antes da comissão da comissão de serviço e não possa apontar para a retribuição auferida durante a comissão de serviço, por se referir à retribuição base e diuturnidades.
É certo que nos casos de comissão de serviço interna, em regra, a retribuição auferida durante a comissão de serviço não corresponde à que era auferida anteriormente, sendo superior a essa. Porém, salvo o devido respeito, essa realidade não obsta a que também se possa utilizar a expressão “retribuição base” relativamente à comissão de serviço.
A expressão “retribuição base” é a designação técnica usualmente utilizada para referir a prestação em quantia certa, paga regular e periodicamente pelo empregador ao trabalhador em contrapartida da prestação da sua actividade [n.º2, do art.º 258.º e 262.º n.º2, al. a) CT/09].
Distingue-se, assim, da noção mais ampla de retribuição, que abrange essa mesma prestação básica, bem assim todas as demais que tenham caráter regular e periódico, feitas directa ou indiretamente, em dinheiro ou espécie, quer seja por força da lei, quer por imposição de instrumento de regulamentação colectiva ou, ainda,  decorrente de prática da empresa,  também elas correspondendo ao direito do trabalhador como contrapartida do seu trabalho (n.ºs 1 e 2, do art.º 258.º).
Por conseguinte, revertendo ao caso, nada obsta a que possa dizer que o A., em contrapartida das funções exercidas no âmbito do comissão de serviço, auferia a retribuição base de € 3 673,88.
Para além disso, também nada impede que ao abrigo do contrato de trabalho em comissão de serviço o trabalhador tenha direito a diuturnidades. Pode ser uma das prestações a que já tinha direito anteriormente e que continuam a integrar a sua retribuição, como até o direito a diuturnidade pode ser adquirido no decurso da comissão de serviço, por efeito do tempo de serviço prestado na mesma.
Com efeito, é o que se retira do n.º5, do art.º 162.º CT/09, onde se dispõe “O tempo de serviço prestado em regime de comissão de serviço conta para efeitos de antiguidade do trabalhador como se tivesse sido prestado na categoria de que este é titular”.
Afastada a argumentação da sentença recorrida e, também, da recorrida, diremos ainda que a ideia que se deve retirar do art.º 366.º do CT/09, ao aplicá-lo para estabelecer a indemnização devida não só ao trabalhador em comissão de serviço interna, quando opte por resolver o contrato de trabalho, mas também ao trabalhador externo sem convénio de garantia de emprego [n.º 1, al. c), do art.º 164.º], é de qua a “retribuição base” a considerar é precisamente aquela que era auferida à data da cessação da comissão de serviço, por ser a que nessa data corresponde ao estatuto retributivo do trabalhador.
Com efeito, essa é a regra a considerar no cálculo da compensação por despedimento colectivo, regulado no art.º 366.º, mas também a que se aplica em todos os demais casos em que a lei confere ao trabalhador o direito a compensação, determinada nos termos previstos naquele artigo, para o qual é feita remissão, nomeadamente, os seguintes: na caducidade do contrato de trabalho por morte do empregador, extinção da pessoa colectiva ou encerramento da empresa (art.º 346.º n.º5); na insolvência em que o administrador de insolvência faça cessar  o contrato do trabalhador cuja colaboração não seja indispensável (art.º 347.º n.ºs 2 e 6); no despedimento por extinção do posto de trabalho (art.º 372.º); e, no despedimento por inadaptação (art.º 379.º 1).
Por conseguinte, não se vê que razão válida levaria a afastar este princípio, para diferenciar o caso previsto art.º 164.º, n.º 1 al. b), num claro afastamento da unidade do sistema.
Mais, note-se que se essa fosse a intenção do legislador, então forçosamente deveria tê-la expressado, já que tanto no caso de comissão interna como no caso de comissão externa com garantia de emprego, em que a comissão de serviço cesse por iniciativa do empregador que não corresponda a despedimento por facto imputável ao trabalhador, a que se refere a alínea c), do n.º1, do mesmo artigo, estabelece-se o direito a “indemnização calculada nos termos do artigo 366º”, com o uso da mesma precisa expressão.
Ora, sendo certo que neste último caso a retribuição (base), não pode ser outra senão a auferida pela prestação do trabalho em comissão de serviço, nenhum sentido faria utilizar o legislador a mesma expressão para os casos, se porventura os quisesse ver tratados de forma diferente.
Acontece, porém, que não é essa a intenção do legislador. E, pese embora a argumentação expendida, se dúvidas ainda subsistem, há ainda um outro argumento, a nosso ver definitivo, e que por isso mesmo reservámos para este momento.
            Logo no primeiro ponto deixou-se a ideia de que o essencial da disciplina relativa à figura da comissão de serviço, introduzida pelo DL n.º 404/91, de 16 de Outubro, transitou para os artigos 244.º e 248.º do CT/2003 e daí para CT/09, constando agora nos correspondentes artigos 161.º a 164.º.
            Por conseguinte, tanto mais que no essencial se mantiveram os traços característicos dessa disciplina, na dúvida sobre a interpretação do sentido e alcance do art.º 164.º do CT/09, não poderá deixar de se atender ao correspondente artigo do anterior Código do Trabalho, isto é, ao art.º 247.º, que também com a epígrafe “Efeitos da cessação da comissão de serviço”, dispunha o seguinte:
[1] Cessando a comissão de serviço, o trabalhador tem direito:
a) A exercer a actividade desempenhada antes da comissão de serviço ou as funções correspondentes à categoria a que entretanto tenha sido promovido ou, se contratado para o efeito, a exercer a actividade correspondente à categoria constante do acordo, se tal tiver sido convencionado pelas partes;
b) A resolver o contrato de trabalho nos 30 dias seguintes à decisão do empregador que ponha termo à comissão de serviço;
c) A uma indemnização correspondente a um mês de retribuição base auferida no desempenho da comissão de serviço, por cada ano completo de antiguidade na empresa, sendo no caso de fracção de ano o valor de referência calculado proporcionalmente, no caso previsto na alínea anterior e sempre que a extinção da comissão de serviço determine a cessação do contrato de trabalho do trabalhador contratado para o efeito.
[2] - Salvo acordo em contrário, o trabalhador que denuncie o contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço não tem direito à indemnização prevista na alínea c) do número anterior.
[3] - A indemnização prevista na alínea c) do nº 1 não é devida quando a cessação da comissão de serviço resultar de despedimento por facto imputável ao trabalhador.
[4] - Os prazos previstos no artigo anterior e o valor da indemnização previsto na alínea c) do nº 1 podem ser aumentados por instrumento de regulamentação colectiva  de trabalho ou contrato de trabalho.
            Pois bem, como a simples leitura evidencia, no Código do Trabalho o legislador optou por definir no próprio artigo o critério para fixação da indemnização, ao invés de remeter para outra norma, nomeadamente para a que estabelecia a compensação devida ao trabalhador em caso de despedimento colectivo, isto é, o artigo 401.º.
            A talhe de foice, dir-se-á que se não fez não foi por a solução ser diversa, já que o n.º 1 do art.º 401.º, estabelecia que “O trabalhador cujo contrato cesse em virtude de despedimento colectivo tem direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”, para depois o n.º2 regular os casos de fracção de ano, mandando que o valor de referência previsto no n.º1 fosse “calculado proporcionalmente”. 
Mas para além do próprio artigo estabelecer o critério a seguir na fixação da indemnização, refere a norma expressamente que aquela corresponde “a um mês de retribuição base auferida no desempenho da comissão de serviço”, resultando ainda claro que essa regra aplica-se quer “no caso previsto na alínea anterior”, isto é, nas situações de cessação comissão de serviço interna em que o trabalhador opte por resolver o contrato de trabalho, quer nos casos em “que a extinção da comissão de serviço determine a cessação do contrato de trabalho do trabalhador contratado para o efeito”, sendo estes os de comissão de serviço externa, sem garantia de emprego, Neste último caso, esclarece depois o n.º3, que a indemnização só é devida se a cessação da comissão de serviço não “resultar de despedimento por facto imputável ao trabalhador”.
Assim, tomando por base o art.º 247.º do CT/03, cuja disciplina foi transposta para o art.º 164.º do CT/09, cremos ficarem definitivamente arredadas quaisquer dúvidas que ainda pudessem subsistir, resultando claramente que o valor da retribuição a considerar no cálculo da indemnização é a que era auferida no desempenho da comissão de serviço.
Assiste, pois, razão ao recorrente, devendo a sentença ser revogada para ser substituída por outra que acolha o seu pedido.
Como decorre dos factos provados, a R. pagou ao A. a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho a quantia de € 13.370,30, calculada com base na retribuição auferida pela categoria profissional de Director de Ginásio, a qual se cifrava em € 2009,95.
Pede o A. e, como se viu com razão, que a indemnização seja calculada com base na retribuição que auferia no desempenho da comissão de serviço, à data da cessação da mesma.
Afirma no art.º 17 da PI, que esse valor e nessa data, era de € 3.821,93.
Vista a contestação, a R. não impugna esse facto, o que vale por dizer que o mesmo resulta confessado.
Prossegue o A., sustentando que (art.º18) que considerando a data da sua contratação inicial, 1 de Janeiro de 2005, tinha, no momento em que cessou a sua actividade profissional com a R., uma antiguidade de 5 anos e 9 meses, para reclamar uma compensação equivalente a €21.976,10 e concluir que, a R. é devedora perante si da quantia global de €8.605,80, correspondente à diferença entre o que deveria ter sido pago e o que lhe pagou. Pede, ainda, a condenação da R. nos juros de mora vencidos desde a data da cessação do contrato no valor apurado de € 283,87, e nos vincendos até integral pagamento.
A R. nada opôs a estes cálculos.
Em todo o caso, importa assinalar que há um erro do A., mas que joga em seu prejuízo. Com efeito, a sua antiguidade, contada de 1 de Janeiro de 2005 até ao fim de Agosto de 2011, não era de 5 anos e 9 meses, mas antes de 6 anos e 9 meses, valendo isto por dizer que o valor pedido acaba por ser inferior ao que poderia ter sido pedido.
Contudo, como se sabe, o Tribunal não pode condenar além do pedido, sob pena de nulidade da sentença [art.º 668.º n.º 1, al. e), do CPC].
É certo que o art.º 74.º do CPT, permite a condenação além do pedido, mas como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, essa regra só tem aplicação quando estão em causa direitos indisponíveis, não sendo esse o caso.
Concluindo, deve o recurso ser atendido, condenando-se a R. a pagar ao A. o valor de € 8.605,80, acrescido dos juros de mora à taxa legal, os vencidos no valor apurado de € 283,87, e nos vincendos até integral pagamento (artigos
804.º, 805.º, 806. e 559.º do CC).

***
            Considerando o disposto no art.º 446.º n.º1 e 2, do CPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre a recorrida que, atento o decaimento, a elas deu causa.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida e, em substituição, decidindo-se julgar a acção procedente, condenando-se a R. a pagar ao A. o valor de € 8.605,80, acrescido dos juros de mora à taxa legal, os vencidos no valor apurado de € 283,87, e nos vincendos até integral pagamento.

            Custas pela recorrida.
           
Lisboa, 26 de Junho de 2013

Jerónimo Freitas
           
Francisca Mendes

Maria Celina de J. Nóbrega

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