Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4386/07.8TVLSB.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
MÉDICO
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente nas conclusões concretizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, bem assim, especificar quais as decisões diversas a proferir pelo ad quem relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados.
- Em sede de responsabilidade civil médica, porque por regra a obrigação (contratual) do médico é de meios, que não de uma obrigação de resultado, incumbe ao doente o ónus de provar a falta de diligência do médico.
- Ou seja, ao paciente incumbirá a prova de que foi vitima de erro médico, provando v.g. um cumprimento defeituoso do médico, porque vítima de imperícia (v.g. utilizando a técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais), de imprudência, de desatenção, de negligência (cumprindo defeituosa­mente a sua obrigação) e/ou de inobservância dos regulamentos.
- Feita a prova indicada, então sim, tem lugar a presunção de culpa do médico, podendo esta última ser ilidida caso demonstre o médico que agiu correctamente, maxime provando que a desconformidade não se deveu a culpa sua por ter utilizado as técnicas e regras de arte adequadas.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA

1.- Relatório.
A ( CARLA …) , intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B ( PAULO…) e C ( … LDA ) , pedindo a condenação solidária dos RR., a :
a) a quantia total de 39.412.32€, a título de despesas médicas e medicamentosas, incluindo intervenções cirúrgicas, viagens e estadias ;
b) a quantia de 2.972,44€ , a título de remunerações que deixou de auferir em consequência das incapacidades temporárias sofridas ;
c) a quantia de 143.000€ , a título de danos futuros ;
d) a quantia de 37.500€ ,a título de danos morais ;
e) as quantias que se vierem a apurar e que advirão das intervenções cirúrgicas e tratamentos a que terá ainda a autora de se submeter, tudo acrescido de juros a contar da data da citação; e
f) subsidiariamente, a condenação da nos mesmos montantes, a título de responsabilidade contratual.
1.1. - Para tanto, alegou a demandante, em síntese, que:
- na sequencia de tratamento dentário anterior, de extracção, e dada a sensação de mal estar na zona da extracção ,consultou, o 1ºréu, que a informou que a mesma sofria de uma osteomielite e que precisava e fazer uma biópsia, tendo para o efeito sido internada no HCVP;
- Depois, concluiu o 1º réu que se verificava existir um extenso osteoma, informando então a Autora que teria de ser operada o mais rapidamente possível, o que veio a suceder, tendo a intervenção tido lugar em Janeiro de 2004;
- Sucede que, após a referida e primeira operação, foi a Autora sujeita a novas intervenções cirúrgicas e infecções contínuas, dado a extensão da ressecção realizada pelo réu , e que se revelou desnecessária face ao osteoma que a autora apresentava;
- O 1º Réu, ao actuar da forma referida em sede de tratamento médico à Autora, violou manifestamente as legis artis, provocando-lhe danos, quer patrimoniais, quer morais, razão porque está obrigado a ressarci-los;
- Já a segunda ré, porque os serviços prestados pelo 1º réu o foram através da mesma, é outrossim solidariamente responsável.
1.2.- Após citação de ambas as RR, vieram ambos contestar a acção, tendo ambos deduzido oposição por impugnação motivada, e , a Ré/pessoa colectiva, alegando nada ter que ver com os actos médicos praticados pelo 1º réu, porque possui este último total autonomia na qualidade de médico, invocou ser assim parte ilegítima, padecendo a petição inicial do vício de ineptidão.
Já o 1º Réu/pessoa singular, alegando ser titular de seguro de responsabilidade transferida para a Seguradora "Axa Portugal,SA", e em sede de impugnação motivada, alegou ter actuado com total observância das melhores práticas, tendo sempre agido com zelo e preocupação pela saúde da Autora, razão porque, devendo a acção improceder, impõe-se ainda a condenação da autora como litigante de má fé, por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora.
1.3.- Seguindo-se a Réplica da Autora [ em cujo articulado peticiona a condenação do réu como litigante de má fé , um multa não inferior a 200 UCs e indemnização à A. pelos prejuízos e despesas com a acção a liquidar a final ] e a tréplica dos RR, foi proferido despacho que admitiu a intervenção nos autos da Seguradora "Axa Portugal,SA", tendo esta última apresentado articulado próprio, mas dando por reproduzidas as contestações apresentadas pelos réus.
1.4.- De seguida, dispensada que foi a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador [ no âmbito do qual foi desatendida a invocada excepção da ineptidão da petição inicial ] , organizando-se ainda a factualidade assente e fixando-se a base instrutória da causa, peças últimas estas que foram objecto de reclamações, tendo a do réu Paulo Jorge Coelho sido parcialmente atendida.
1.5.- Já a Ré C, inconformada com a decisão proferida no saneador e que desatendeu a invocada excepção da ineptidão da petição inicial , veio da referida parte deduzir AGRAVO , tendo sido apresentadas alegações e contra-alegações .
1.6. - Após a realização de diversas diligências instrutórias , teve lugar a realização da audiência de discussão e julgamento - que se prolongou por diversas sessões e que apenas se concluiu em 6/4/2016 - , e conclusos os autos para o efeito ( a 11/4/2016 ) , foi finalmente sentenciada a acção, e sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“(…)
IV. DECISÃO:
Pelo exposto, julgo improcedente a acção e consequentemente, decido absolver os réus e interveniente dos pedidos formulados.
Custas da acção pela Autora.
Registe e notifique.
Lisboa, 18 de Maio de 2016”.
1.7.- Inconformada com a sentença identificada em 1.5., da mesma apelou então a Autora A, alegando e deduzindo a mesma em sede recursória as seguintes conclusões :
A) Existiu neste processo uma incorrecta apreciação da prova documental, uma vez que o Tribunal "a quo" fez tábua rasa de todos os exames imagiológicos bem como dos relatórios técnicos dos médicos que os efectuaram e ainda e ainda das explicações que os médicos presentes nomeadamente o Dr. …. fez dos mesmos. Tudo isto sem qualquer justificação ou sem que tal tenha sido devidamente fundamentado na Sentença, de que, ora se recorre.
B) Toda a prova que competia à A. de um cumprimento defeituoso ou mesmo incumprimento, por parte do R. a A. fez ,já o R. não conseguiu infirmar ou contrariar essa prova da A.
C) Toda a prova documental e testemunhal carreada para os autos pela A.; nomeadamente os exames imagiológicos, realizados antes da cirurgia, bem como o depoimento dos médicos Dra. … ; Dr. … ; Dr. …; Dr. ….; … e …a bem como em alguns pontos até as restantes testemunhas indicadas pelo R. foram determinantes para demonstrar que o problema que a A. padecia era um foco inflamatório e não qualquer osteoma ou osteomielite.
D) Os peritos, ao contrário do que seria de esperar não contribuíram para qualquer esclarecimento, ou apuramento dos factos ; muito pelo contrário limitaram-se à retórica genérica e não satisfizeram as dúvidas pertinentes da A., explicando com rigor técnico e cientifico tanto as dúvidas suscitadas por escrito e que se encontram documentadas nos autos, como aquelas que supostamente deveriam ter esclarecido em sede de Audiência de julgamento. Sendo certo que nesta última sede, inclusivamente a mandatária da A. foi impedida, pelo Tribunal "a quo " de fazer o seu interrogatório mediante os exames médicos que A. tinha confrontado os peritos e inquirindo em conformidade. O tribunal ad quo entendeu por bem limitar a A. e impedir que os peritos respondessem à questão: acerca de nas imagens onde identificavam o osteoma ou a infecção grave, que não obstante a Sentença, de que se recorre, vem concluir, a nosso ver sem qualquer fundamento, ser uma osteomielite.
E) Apesar de toda a prova produzida pelo R. pretender ir no sentido de que a decisão de operar foi devido à existência de um, suposto, osteoma. Como, não obstante, esta prova não se fez o Tribunal, a quo, decide concluir que o que levou o R. a operar foi a existência de uma osteomielite, quando igualmente tal também não resultou provado . Pelo que, em nosso entender também aqui o Tribunal andou mal e infundamentadamente face à prova produzida.
F) Esqueceu-se o Tribunal a quo que nem a existência do osteoma, nem da osteomielite ficaram provados antes da cirurgia de Janeiro de 2004 que desencadeia todo este processo na A. pelo contrário, o que ficou provado tanto pelos exames, quanto pelos relatórios dos médicos presentes como testemunhas, como seus próprios testemunhos em Sede de Julgamento, foi que o que a A. tinha à data de Janeiro de 2004 antes da operação do R. era apenas uma inflação que deveria ter sido debelada com tratamento antibiótico e nunca com uma intervenção cirúrgica tão extensa e devastadora como a que o R, realizou.
G) Igualmente ficou demonstrado que essa inflamação era tratável com terapia antibiótica prolongada. Porventura em casos mais graves através de internamento para tratamento antibiótico intravenoso. Sendo a cirurgia, nestes casos só admitida quando esta última opção de internamento não resulta. De qualquer modo a situação da A. à data era compatível com um tratamento de antibióticos orais porventura com uma mistura de mais do que um antibiótico; o chamado cocktail de antibióticos. O que ficou provado o R. não fez.
H) Inclusivamente, embora a existência de um osteoma não tivesse resultado provada a testemunha do R. diz que o que justiçaria ou justificou a operação neste caso foi o osteoma e não a infecção. Ora, não tendo o osteoma ficado provado e se a infecção não seria razão para operar então como pode o Tribunal a quo dar como provado que foi a infecção que originou a operação e considerar que esta decisão do R. foi correcta. Esta decisão do tribunal a quo não só não é compreensível como revela uma contradição insanável que urge corrigir.
I) Por outro lado, igualmente do depoimento das testemunhas acima referidas, e ainda Dr. …. e …. resultou provado que o tratamento de eventuais infecções só não é compatível com tratamento antibiótico quando o doente tem a seguinte sintomatologia: - Não consegue abrir a boca, - Não consegue mastigar, - Não consegue engolir. Todas as outras são tratáveis com antibióticos. Ora. o R. não provou, nem sequer alegou que fosse esta a situação clinica da A. antes da sua decisão, manifestamente errada, de operar. »
J) Efectivamente, dos autos não resultou prova do que a A. tivesse essa sintomatologia, daí que, em conjunto com os depoimentos de todos os médicos que depuseram como testemunhas e não intervieram na operação, e disseram que se devia ter recorrido a terapia antibiótica mais prolongada, tenha resultado provado e demonstrado que a decisão de operar do R. não foi tomada de acordo com a "Legis artis," mas sim e antes pelo contrário, ao arrepio das mesmas. De resto, de acordo não só com a prova testemunhal, mas sim também documental junta aos autos pela A. inclusivamente a literatura médica a este propósito que o Tribunal a quo admite como parecer, claramente se vê que também as "Guide Lines" internacionais, de tratamento que já existiam á época indicam um tratamento médico, para o caso da A., através de antibióticos e não a cirurgia
L) Todos os médicos referidos C) depuseram com Honestidade, isenção, explicitamente, com conhecimento técnico e razão de ciência e conhecimento do caso concreto. Fizeram-no desinteressadamente, apenas a favor da produção de Justiça, não obstante o Tribunal "a quo" resolve pura e simplesmente ignorá-los sem que, de resto, desse qualquer fundamentação ou critério, na sua sentença, para tal procedimento.
M) Ao invés preferiu o Tribunal a quo dar prevalência a depoimentos de intervenientes no processo cirúrgico, que inclusivamente fizeram parte da equipe cirúrgica do R, logo foram pagos para tal e mesmo, não obstante terem declarados que não acompanharam a A. antes da cirurgias mas apenas nos actos cirúrgicos; como foi o caso do Dr. …. e ….. .
N) Admitiu o Tribunal "a quo" que a testemunha ….. viesse explicar o conteúdo de um documento elaborado por outra médica, …., não tendo esta comparecido, o que do ponto de vista processual não é de todo correcto. Sendo que, contudo esse depoimento não foi esclarecedor nem conclusivo.
O) O osteoma para o qual o R. tinha pedido confirmação à anatomopatologista ….. não existia, tendo tal prova da sua existência sido contrariada pelos depoimentos médicos e restante documentação junta aos autos.
P) Quanto à grave osteomielite que justificasse qualquer intervenção cirúrgica também não fez o R. qualquer prova nesse sentido. Deste modo, não o tendo feito, e pelo contrário, tendo a A. através da prova testemunhal e documental produzido comprovou a existência de terapia antibiótica para o tratamento da sua infecção. Deste modo,
Q) Provou-se que a situação clínica da A. não justificava qualquer intervenção cirúrgica como a feita pelo R., mas sim terapia antibiótica eventualmente prolongada.
R) Igualmente ficou demonstrado e provado que as cirurgias foram todas consequência umas das outras e que das mesmas decorreram não só sofrimento psicológico como físico para a A. que ficou com graves danos e com uma incapacidade nunca inferior a 15%, de acordo com a matéria de facto provada.
S) Deste modo ficou demonstrado que a opção do R. de operar a A. face à sua situação clínica foi uma opção errada, contra a legis artis e que com a mesma acarretou graves danos à A.. Assim,
T) A tais danos sofridos pela A. em consequência directa de uma actuação médica errada do R. corresponde uma compensação económica que se encontra peticionada e prevista na Lei e pela qual deverá o R. ser responsabilizado, uma vez que todo o sofrimento da A. é decorrente de culpa sua ao agir contra a legis artis.
U) Devendo como tal o R. ser condenado pelo seu comportamento contrário ao que para a situação estava previsto, de acordo com o protocolo médico e consequentemente contrária à legis artis.
Termos em que se requer:
1- Seja dado provimento ao presente Recurso, atenta a fundamentação e conclusões do mesmo e consequentemente seja revogada a Sentença do Tribunal "a quo", condenando-se o R. pela má prática médica e consequentemente a pagar à A. a indemnização prevista na Lei e peticionada na P.I. para compensação dos danos sofridos por esta.
2- Mais deverá o ser condenado nas custas do processo e condigna procuradoria. Assim se fazendo JUSTIÇA
1.8.- Com referência à apelação identificada em 1.6., vieram os RR , contra-alegar, aduzindo na sua peça que a apelação da Autora não merece provimento, razão porque deve a sentença recorrida ser mantida.
Para tanto, conluiram os recorridos da seguinte forma :
A) Existe neste processo correta apreciação da prova documental, toda ela devidamente fundamentada na sentença recorrida.
B) A A. não fez qualquer prova de cumprimento defeituoso, ou mesmo incumprimento, por parte do R.
C) Pelo contrário, o R. fez prova plena do correto cumprimento da "leges artis"
D) Toda a prova documental e testemunhal carreada para os autos pela A. e pelos R.R. foram determinantes para a fixação dos factos tal qual eles aconteceram.
E) Os senhores peritos, todos eles, por escrito e oralmente, através dos documentos existentes nos autos e fornecidos pelas partes, exames médicos, relatórios, imagens e, sobretudo, observação direta da A., contribuíram, decididamente, para o apuramento dos factos.
F) A conclusão E) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
G) A conclusão F) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
H) A conclusão G) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
I) A conclusão H) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
J) A conclusão I) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
K) A conclusão J) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
L) Todas as testemunhas médicas, bem como todos os peritos médicos, foram considerados e tidos em conta na sentença, como da mesma, expressamente consta.
M) As testemunhas referidas na conclusão M) da recorrente intervieram em 8 intervenções cirúrgicas da A., conhecendo, assim, profundamente, a história clinica desta. O seu testemunho está valorizado e relevado na sentença recorrida.
N) O depoimento da testemunha ….. está devidamente valorizado e relevado na sentença recorrida .
O) A conclusão O) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
P) A conclusão P) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
R) A conclusão R) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
S) Resulta provado da sentença precisamente o contrário da conclusão S) da recorrida.
T) A conclusão T) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
U) A conclusão U) da recorrente não tem qualquer aderência à prova constante dos autos.
Improcedendo todas as conclusões da recorrente, deverá, inapelavelmente, o presente recurso ser julgado improcedente e não provado, confirmando­-se a sentença da 1ª instância, como é de JUSTIÇA!
1.9.- Remetidos os autos pelo tribunal a quo a este Tribunal da Relação, e conclusos os mesmos à Exmª Desembargadora Relatora em 10/10/2016 [ após Distribuição, realizada nos termos do nº1, do artº 216º, do CPC ], por determinação [ tal como consta de cota de fls. 1610 ] do Exmº Juiz Presidente do Tribunal da Relação de LISBOA, foi realizada uma REDISTRIBUIÇÃO [ mas, agora, no âmbito apenas dos Exmºs Juízes Desembargadores da 6ª Secção Cível ] do processo a 11/5/2017, sendo então conclusos ao ora/actual Relator em 16/5/2017, e sem que dos autos conste a ocorrência de qualquer processado - nos autos - após 11/5/2017.
1.10.- Notificada a agravante C ( nos termos do art° 748°, do CPC - o do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, ou seja, o CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ( VELHO) ) , na sequência de despacho proferido neste Tribunal da Relação , veio a mesma informar não ter já qualquer interesse no conhecimento do mérito do agravo retido [ o identificado em 1.5. ] , tendo o mesmo pedido a respectiva utilidade.
*
Thema decidendum
1.11. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
I - Se importa in casu aferir da pertinência da alteração da decisão do tribunal a quo proferida sobre a matéria de facto, em razão da impugnação deduzida pela recorrente ;
II - Se deve a sentença apelada ser alterada, maxime em razão da alteração da decisão do tribunal a quo proferida sobre a matéria de facto, em razão da impugnação deduzida pela recorrente ;

2. - Motivação de Facto.
Em sede de sentença, fixou o tribunal a quo, a seguinte FACTUALIDADE :
A) PROVADA
2.1 - A autora recorreu aos serviços médicos do réu B, cirurgião maxilofacial, inscrito na Ordem dos Médicos, Secção Regional do Sul, com o número de cédula profissional 00006, tendo como especialidades a de Cirurgia Maxilofacial e a de Estomatologia ;
2.2.- Na sequência e em consequência da operação de 29 de Janeiro de 2004, a Autora foi submetida a mais 6 intervenções cirúrgicas todas realizadas com anestesia geral e, bem assim, a vários outros tratamentos ambulatórios ;
2.3. - Em consequência da cirurgia de 29 de Janeiro de 2004, a Autora sofreu uma infecção, que a colocou em perigo de vida e que determinou o seu internamento no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa (doravante HCVP) por 23 dias ;
2.4. - O Réu prestou os serviços médicos através da C ;
2.5. - A Ré recebeu da Autora o preço da maioria das consultas e da maioria das intervenções cirúrgicas, designadamente o preço devido pela cirurgia realizada no dia 29 de Janeiro de 2004 ;
2.6. - Na prestação de serviços médicos à Autora, o Réu utilizou meios, instrumentos e recursos propriedade da Ré ;
2.7. - A Autora partiu, no início de 2002, uma pequena parte do dente n.° 46 enquanto comia uma torrada ;
2.8. - Como não lhe adveio qualquer dor e porque não conseguiu desde logo marcar consulta, só em Junho de 2002 veio a ser tratada ;
2.9. - No dia 26 de Junho de 2002, a Autora foi a uma consulta com o Senhor Dr. …., médico-dentista, o qual iniciou a desvitalização do referido dente ;
2.10. - No dia 4 de Setembro de 2002, a Autora voltou à consulta com o Senhor Dr. …, com vista à continuação da desvitalização daquele dente ;
2.11. - Nesta consulta, percebeu-se que a desvitalização iniciada na consulta anterior não estava a surtir o efeito desejado, já que um dos canais não morria ;
2.12. - Por essa razão, e com vista à solução do problema, o Senhor Dr. …. solicitou a intervenção do seu colega, o Senhor Dr. …. ;
2.13. - O Senhor Dr. ….tentou, então, desvitalizar o canal que persistia em não morrer, embora também sem qualquer sucesso;
2.14. - Na sequência, optou-se pela extracção do dente n.° 46, operação que veio a ser realizada pelo Senhor Dr. ….;
2.15. Todavia, algum tempo após ter extraído o dente, a Autora começou a sentir uma sensação de desconforto e mal-estar persistentes na zona da extracção;
2.16. Em Maio de 2003, a Autora voltou à consulta com o Senhor Dr. ….;
2.17. Após ter observado a Autora, o Senhor Dr. …. concluiu não existir qualquer motivo de preocupação, pelo que não prescreveu qualquer tratamento;
2.18. Em 3 Setembro de 2003, e porque se mantinha o incómodo sentido pela Autora na zona da extracção, veio então a Autora recorrer aos serviços do Senhor Dr. …., médico dentista;
2.19.- Nesta consulta, o Senhor Dr. ….requisitou uma ortopantomografia e prescreveu um tratamento antibioterápico durante 3 semanas;
2.20.- Após ter realizado o tratamento antibioterápico e de ter realizado a ortopantomografia, a Autora voltou à consulta com o Senhor Dr. ….;
2.21.- Informado de que o referido desconforto sentido pela Autora não havia desaparecido, o Senhor Dr. ….acabou por encaminhar a mesma para o Réu;
2.22.- Em 2 de Outubro de 2003, a Autora teve a sua primeira consulta com o Réu;
2.23.- Nesta consulta, o Réu, depois de também ter examinado o resultado da ortopantomografia realizado por determinação do seu colega, prescreveu um novo tratamento antibioterápico por mais 15 dias;
2.24.- Ficou combinado entre ambos que no final do tratamento a Autora telefonaria ao Réu para o informar da evolução sentida;
2.25.- Assim, no final do novo tratamento antibioterápico, a Autora telefonou ao Réu e informou-o de que a sensação de desconforto na zona da extracção do dente não havia desaparecido;
2.26.- Na sequência e a pedido do Réu, a Autora foi a uma nova consulta;
2.27.- A A. realizou uma tomografia axial computorizada no Hospital da Cuf no dia 24 de Outubro de 2003;
2.28.- No dia 27 de Outubro de 2003 a Autora foi internada no HCVP;
2.29.- No dia 30 de Outubro de 2003, a Autora recebeu alta hospitalar;
2.30. - No dia 17 de Novembro de 2003 a Autora retomou o trabalho;
2.31. - Na sequência do relatório de anatomia patológica que tinha por objecto a biopsia efectuada a 27/10/2003, o Réu pediu à Autora para realizar mais três exames, a saber, uma nova ortopantomografia, uma nova TAC à mandíbula e, bem assim, uma cintigrafia óssea da mandíbula;
2.32. - Em cumprimento do indicado pelo seu médico, a Autora realizou no dia 25 de Novembro de 2003 a TAC e a cintigrafia;
2.33. - Nesse mesmo dia, o Senhor Dr. ….elaborou o relatório da TAC à mandíbula e a Senhora Dra. …. elaborou o relatório da cintigrafia;
2.34. - O Réu recebeu e analisou os referidos relatórios;
2.35. - Porque se aproximava a época de Natal e considerando que a Autora tinha ainda de realizar, com um intervalo de 15 dias, duas recolhas de sangue (para auto-transfusão) a operação cirúrgica acabou por ser marcada apenas para o dia 29 de Janeiro de 2004;
2.36. -No dia 9 de Janeiro de 2004 a Autora realizou ainda, por requisição do Réu, uma nova ortopantomografia;
2.37. -No dia 29 de Janeiro de 2004, conforme previsto, a Autora foi novamente internada no HCVP;
2.38. -Nesse mesmo dia foi objecto de uma intervenção cirúrgica realizada pelo Réu;
2.39. -Nesta intervenção cirúrgica, o Réu procedeu à ressecção parcial da mandíbula com perda de continuidade 33.00.00.12 - 150 K ; reconstrução parcial da mandíbula com material aloplástico 33.00.00.19 - 100 K ; exodontias múltiplas 38.02.00.08 - 100 K; e vestibuloplastia 39.01.00.07 - 30 K, num total global de 380 K;
2.40. - A Autora recebeu alta hospitalar no dia 1 de Fevereiro de 2004;
2.41. - No dia 16 de Fevereiro de 2004 a Autora retomou o trabalho;
2.42. -Uma semana após a alta hospitalar o Réu retirou os pontos à Autora;
2.43. - Logo após ter retomado o seu trabalho, a Autora, a par de uma falta de sensibilidade na zona externa da face direita, começou a sentir uma fortíssima e aguda dor na zona interna do maxilar inferior do lado direito, ou seja, no local onde havia sido intervencionada;
2.44. -Por esta razão, entre os dias 18 e 19 de Fevereiro de 2004, tentou entrar em contacto com o Réu, mas como este não estava disponível, foi atendida por uma colega do mesmo, a Senhora Dra. ….;
2.45. Face às queixas apresentadas, a Senhora Dra. ….prescreveu a toma de Suubotex, 2 mg.;
2.46. No dia 21 de Fevereiro de 2004, domingo, o Réu telefonou para a Autora;
2.47. Nesta conversa telefónica, o Réu disse à Autora que havia sido informado pela sua colega, Senhora Dra. …., das queixas apresentadas pela Autora e que haviam chegado à conclusão de que a dor aguda sentida pela mesma resultava da circunstância de a manga protectora do nervo dentário inferior direito (colocada na operação de 29 de Janeiro de 2007) ter ficado demasiadamente apertada ;
2.48. Tendo, na sequência, aconselhado uma nova intervenção cirúrgica com vista à remoção da referida manga protectora;
2.49. Assim, no dia 23 de Fevereiro de 2004 a Autora voltou a ser internada no HCVP ( Doc. n.°15);
2.50. Nesse mesmo dia foi submetida à cirurgia de remoção da manga que havia sido colocada na operação de dia 29 de Janeiro de 2004;
2.51. No dia 24 de Fevereiro de 2004 a Autora recebeu alta hospitalar;
2.52. No dia 1 de Março de 2004 a Autora retomou o trabalho;
2.53. Embora a dor aguda tenha cessado, a falta de sensibilidade da face direita persistia;
2.54. O Réu informou a Autora que tal sintomatologia resultava das intervenções realizadas e que a mesma era normal;
2.55. Entretanto, uns dias mais tarde a Autora começou a sentir um formigueiro com picadas de dor naquela zona;
2.56. Em consulta com o Réu, este considerou que estas queixas resultavam de uma suposta má postura da mesma, pelo que encaminhou a Autora para uma colega oftalmologista;
2.57. A Autora foi então a uma consulta de oftalmologia, onde lhe foi prescrito o uso de óculos com lentes prismáticas;
2.58. Consequentemente, a Autora passou a usar as referidas lentes desde 17 de Abril de 2004;
2.59. Nesta altura, aliás, a sensação de formigueiro e picadas era tão intensa que a Autora não conseguia concentrar-se, nem trabalhar;
2.60. Por indicação do Réu, a Autora veio a fazer um tratamento fisioterápico;
2.61. Após ter realizado 12 sessões de fisioterapia, entre os dias 28 de Abril e 24 de Maio de 2004, a Autora não obteve qualquer melhoria;
2.62.- Pelo contrário, a sintomatologia agravou-se;
2.63. - Em consequência, a médica que seguiu a Autora, a Senhora Dra. …., aconselhou-a a cessar o tratamento;
2.64. - Informado de que o tratamento de fisioterapia não havia produzido qualquer resultado e que as picadas de dor haviam aumentado de intensidade, o Réu disse à Autora que teria de desenervar o nervo dentário inferior direito, por ser essa a única solução a dar ao problema;
2.65. - Assim, em 17 de Junho de 2004, a Autora foi internada no HCVP e foi submetida a mais uma intervenção cirúrgica, durante a qual lhe foi desinervado o nervo dentário;
2.66.- No dia 18 de Junho de 2004 recebeu alta clínica;
2.67. - No dia 28 de Junho a Autora retomou o trabalho;
2.68. - Considerando a ressecção referida em 2.39., o Réu determinou que o espaço sem osso teria de ser preenchido com um enxerto da crista ilíaca direita;
2.69- Para tanto, a Autora foi novamente objecto de uma cirurgia, realizada pelo Réu no HCVP, em 14 de Outubro de 2004;
2.70.- A Autora esteve internada no HCVP do dia 14 até ao dia 18 de Outubro de 2004 e, no dia 8 de Novembro de 2004, a Autora retomou o trabalho;
2.71.- Cerca de 15 dias após ter recebido alta clínica, logo no início do mês de Novembro, apareceu uma mancha vermelha na zona superior do pescoço, logo abaixo da linha da mandíbula direita, ou seja, na zona vulgarmente designada por "papada";
2.72.- Dois dias após ter surgido a mancha vermelha, a Autora deu conta, ao acordar, que a sua almofada estava manchada com pus;
2.73.- Durante esse dia, a Autora apercebeu-se de várias libertações de pus;
2.74.- Face a esta circunstância a Autora telefonou ao Réu e marcou consulta;
2.75. - O R. prescreveu um tratamento antibioterápico durante oito dias;
2.76.- Na sequência de a A. manter o pus, o Réu acabou por pedir à Autora para suspender o tratamento antibioterápico e marcou, logo, uma consulta para o dia seguinte;
2.77.- Assim, no dia 12 de Novembro de 2004 foi observada pelo Réu;
2.78.- Nesta altura já era visível um quisto do tamanho de meio berlinde na zona inflamada;
2.79.- Por sorte, no final da consulta a Autora teve uma libertação de pus, o que permitiu ao Réu perceber que a mesma sofria de uma grave infecção na zona interior da mandíbula;
2.80.- Face a esta circunstância, o Réu requereu o internamento imediato da Autora no HCVP, o que aconteceu no próprio dia 12 de Novembro de 2004;
2.81.- Desta vez, face à gravidade da infecção, a Autora esteve internada no HCVP durante 23 dias seguidos;
2.82.- Durante este período de internamento, a Autora foi objecto, além de vários tratamentos médicos, a mais duas intervenções cirúrgicas;
2.83.- A primeira, realizada logo no dia 14 de Novembro de 2004, teve como objectivo a drenagem cirúrgica do pus, a qual foi efectuada através de uma incisão na zona superior do pescoço, logo abaixo da linha do maxilar inferior do lado direito, ou seja, na zona vulgarmente designada por "papada";
2.84. A segunda intervenção foi realizada no dia 25 de Novembro de 2004, e teve como propósito a remoção de material osteossíntese, designadamente, dois parafusos que havia sido colocado na operação de 14 de Outubro de 2004;
2.85.- Após ter recebido alta hospitalar, ao fim de 23 dias de internamento, a Autora foi para casa, onde ficou em recuperação até ao dia 02 de Janeiro de 2005;
2.86.- Desde a data de internamento até ao final de 2004, foi ministrada à Autora uma pesada medicação, constituída sobretudo por um cocktail de antibióticos, administrados através de injecções intravenosas e, bem assim, através de injecções intramusculares;
2.87.- Na sequência da intervenção a que a A. foi sujeita no dia 22/04/2005, a Autora esteve internada no HCVP durante 3 dias e só retomou o trabalho no dia 12 de Maio de 2005.;
2.88.- Em consequência das múltiplas intervenções no lado direito do maxilar, a Autora foi obrigada a processar toda a mastigação através do lado esquerdo.;
2.89.- Em Junho de 2005 o Réu iniciou um tratamento aos dentes dos maxilares do lado esquerdo;
2.90.- No âmbito deste tratamento, que ainda perdura, teve 6 consultas com o Réu, a última das quais em 14 de Novembro de 2005;
2.91.- Entretanto, nos finais de 2005, além de ter sentido um aumento das dores na zona direita maxilar inferior e de ter sentido alteração de sabor, a Autora deu conta do aparecimento de uma mancha vermelha na zona da face direita, junto à orelha;
2.92.- Em face desta sintomatologia, a Autora contactou telefonicamente o Réu.;
2.93.- Pode ler-se no relatório elaborado pelo Senhor Dr. …., junto a fls. 68, datado de 25/11/2003, "A hemi-mandibula, particularmente a espanjosa do ramo horizontal é mais densa do que a contralateral, aspecto que é totalmente inespecifico e será provavelmente relacionado com reactividade após infecção e inflamação crónicas no passado recente";
2.94.- Mais esclarece que: " Na loca de extracção do # 46, nada mais observamos do que a mesma loca, parcialmente desmineralizada e alguma densificação da esponjosa, já descrita. Estes aspectos são observáveis nos cortes axiais e também nos cortes milimétricos contíguos em tamanho real 32 a 42 da película 3, onde se verifica a ausência de lesões da esponjosa ou da cortical; esta última esta integra e não há também reacção periostial. Assim, não há aspectos atribuíveis a lesões ocupando espaço líticas ou escleróticas." e que,
2.95.- "A restante apreciação da mandíbula é inteiramente considerada dentro da normalidade ";
2.96.- Entre Outubro e Novembro de 2003, a Autora teve a cara inchada, sofreu dores intensas e toda a sua alimentação resumiu-se à tomada de líquidos;
2.97.- A intervenção de 29 de Janeiro de 2004 determinou um internamento hospitalar de 4 dias e uma ITT de 18 dias.
2.98.- Também aqui sofreu dores e foi obrigada a alimentar-se apenas de líquidos;
2.99.- A neurectomia do nervo mentoniano obrigou a Autora a um novo internamento de mais dois dias e determinou uma ITT de 11 dias;
2.100.- Em face desta neurectomia, a Autora perdeu para sempre e irreversivelmente toda a sensibilidade na zona direita do queixo e do lábio inferior;
2.101.- Durante a recuperação desta operação a Autora também teve muitas dores, sobretudo devido à extensão da incisão que lhe foi feita, e também se alimentou apenas de líquidos;
2.102.- Mais obrigou a Autora a passar por uma fase de muito difícil adaptação e de grande tormento psicológico;
2.103.- O enxerto da crista iliáca direita no lado direito do maxilar inferior, realizado com intervenção cirúrgica de 14 de Outubro de 2004, provocou fortes dores à Autora e determinou, além de um internamento hospitalar de 5 dias, uma ITT de 24 dias;
2.104. O pós-operatório desta cirurgia foi especialmente difícil para a Autora;
2.105.- Foi obrigada a permanecer a maior parte do tempo deitada ou sentada, sem qualquer mobilidade, e ficou dependente do auxílio de terceiros para todo o tipo de tarefas diárias, incluindo para a higiene íntima;
2.106.- Sofreu fortíssimas dores, quer na perna, quer em toda a boca;
2.107.- Na sequência do enxerto referido em 2.103., a Autora esteve hospitalizada durante 23 dias e foi, nesse período, objecto de mais duas intervenções cirúrgicas ;
2.108.- A pesada medicação que foi obrigada a tomar, designadamente os tratamentos antibioterápicos, provocou-lhe náuseas e cefaleias e aumentou, gravemente, a possibilidade de vir a sofrer outras e graves infecções;
2.109.- A infecção sofrida pela Autora foi tão grave que lhe foi ministrado, depois de vários tratamentos antibioterápicos falhados, Teicoplanina, um antibiótico de elevado espectro usado no tratamento de infecções graves causadas por bactérias resistentes à maioria dos outros antibióticos;
2.110.- Em face dos vários antibióticos tomados pela Autora, as bactérias adquiriram resistência aos mesmos, pelo que qualquer tratamento antibioterápico futuro poderá ficar prejudicado;
2.111.- A autora sofreu fortes dores e sentiu intenso pânico por saber que a sua vida estava em perigo;
2.112.- A Autora sofreu, ainda, uma ITT de 51 dias;
2.113.- Com a última intervenção cirúrgica a Autora esteve hospitalizada durante 3 dias e sofreu uma ITT de 20 dias;
2.114.- Além de todas as dores sofridas, quer com as intervenções cirúrgicas, quer durante os períodos de convalescença, a Autora sofreu ainda muitas dores com os tratamentos ambulatórios a que foi sujeita;
2.115. -Acresce que, a Autora continua a receber tratamentos e ainda vai ter de se submeter a mais intervenções cirúrgicas;
2.116.- O tratamento aos dentes do lado esquerdo da mandíbula, iniciado pelo Réu, foi retomado na Clínica …. em Fevereiro de 2006, sendo que até à data já foi submetida a mais 7 sessões de tratamento;
2.117.- A Autora vai ter de se sujeitar, pelo menos, a uma intervenção cirúrgica para remoção da placa de reconstrução e a outra para reabilitação dentária com implantes dentários;
2.118.- A Autora perdeu para sempre a sensibilidade em todo o território do nervo dentário inferior direito;
2.119.- A Autora suportou, com as despesas de tratamentos, internamentos, intervenções cirúrgicas, consultas, viagens e estadas, um avultado prejuízo;
2.120.- Com o primeiro internamento no HCVP a Autora despendeu a quantia de € 1.785,91;
2.121.- Em honorários médicos cobrados pela biopsia cirúrgica, a Autora pagou ao Réu a quantia de € 1.200,00 e à médica anestesista, Sra. Dra. …., a quantia de €300,00;
2.122.- A medicação administrada no pós operatório teve um custo de € 100,52;
2.123.- Com os exames de diagnóstico realizados antes da realização da biopsia cirúrgica, designadamente TAC e ortopantomografia, a Autora desembolsou a quantia de € 30,00;
2.124.- Com a TAC e a cintigrafia realizadas a 25 de Novembro de 2003, a Autora desembolsou a quantia de € 86,74;
2.125.- No que respeita à intervenção cirúrgica realizada no dia 29 de Janeiro de 2004 ( na qual lhe foi mutilado o lado direito da mandíbula), a Autora despendeu a quantia de € 2.991,68 com o internamento no HCVP;
2.126. - Em exames complementares de diagnóstico, a Autora suportou o montante de €11,50;
2.127.- Em honorários médicos a Autora pagou à Ré pessoa colectiva através da qual o Réu prestou os serviços médicos à Autora o montante de € 6.400,00;
2.128.- O custo com o internamento no HCVP para a realização da intervenção cirúrgica realizada no dia 23 de Fevereiro de 2004 ascendeu a € 854,26;
2.129.- A Autora suportou a quantia de € 70,00 com a consulta de oftalmologia ( Doc. n.° 65 ), o montante de € 30,00 com a consulta ortóptica e a quantia de €61,15 com as lentes prismáticas;
2.130.- Com o internamento de 17 e 18 de Junho de 2004, a Autora despendeu o montante de € 904,56;
2.131.- Em honorários médicos devidos pela neurectomia do nervo mentoniano, a Autora pagou à Ré a quantia de € 1.500,00;
2.132.- A Autora suportou também a quantia de € 12,50 com uma das sessões de fisioterapia e o total de € 16,00 em exames de diagnóstico;
2.133.- Em honorários médicos referentes à cirurgia para enxerto da crista ilíaca direita ao maxilar inferior direito, a Autora pagou à Ré a quantia de € 4.800,00;
2.134.- Com o respectivo internamento a Autora pagou ao HCVP a quantia global de € 2.762,73;
2.135.- A Autora despendeu a quantia de € 9.900,15 com internamento ocorrido entre os dias 12 de Novembro a 4 de Dezembro de 2004;
2.136.- Com a ortopantomografia realizada no dia 11 de Novembro de 2004, a Autora despendeu a quantia de € 4,49;
2.137.- A Autora pagou à Clínica de S. João de Deus, onde lhe foi ministrado o antibiótico injectável, a quantia de € 12,00;
2.138.- A título de honorários médicos, a Autora pagou ainda à Ré o montante € 80,00;
2.139.- No que respeita à última cirurgia realizada pelo Réu, a Autora despendeu a quantia de € 811,59 com o internamento no HCVP;
2.140.- Com os respectivos honorários médicos a Autora pagou à Ré o montante de € 1.350,00;
2.141.- Com a ortopantomografia realizada no dia 26 de Janeiro de 2005, a Autora suportou a quantia de €4,50;
2.142.- Em análises realizadas na Faculdade de Farmácia, a Autora despendeu a quantia de €45,90;
2.143.- Com a TAC realizado no HCVP em 13 de Julho de 2005, a Autora suportou a quantia de €275,00;
2.144.- No tratamento dos dentes do maxilar inferior esquerdo, realizado entre Junho a Novembro de 2005, correspondente a 6 sessões, a Autora pagou à Ré a quantia total de €730,00;
2.145.- Na última consulta com o Réu, ocorrida em 9 de Janeiro de 2006, a Autora pagou à Ré a quantia de €100,00;
2.146.- Com a ortopantomografia realizada no dia 27 de Janeiro de 2001, a Autora suportou a quantia de €43,00;
2.147.- Com a consulta do Senhor Dr. ……, a Autora suportou a quantia de €50,00;
2.148.- Com a consulta do Senhor Dr. ……, a Autora suportou a quantia de 90,00 (Doc. n.° 91);
2.149.- Com a Consulta com o Senhor Dr. ……, da Clínica Universitária de ……, a Autora despendeu a quantia de € 150,00 e suportou em despesas de viagem e estadia, a quantia de € 851,88;
2.150.- Com o tratamento dos dentes do maxilar esquerdo, realizado na Clínica Dentária ……, a Autora despendeu, até à presente data, a quantia global de € 442,41;
2.151.- Em despesas de farmácia, a Autora suportou, até à presente data, a quantia global de €301,00;
2.152.- Com as consultas realizadas no Centro de Saúde de Alvalade, a Autora despendeu o montante global de € 30,00;
2.153.- A Autora suportou a quantia de €8,10, na sequência da consulta de urgência havida no Hospital Amadora Sintra;
2.154.- Em análises clínicas, a Autora suportou, até à presente data, a quantia de € 56,70;
2.155.- Em despesas com tratamentos e com medicamentos não suportados pelo seguro de saúde, a Autora despendeu a quantia de € 158,05;
2.156. - A Autora deixou de auferir remunerações em consequência das ITT sofridas;
2.157.- Na sequência e em consequência da biopsia cirúrgica realizada em 27 de Outubro de 2003, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho desde o dia 27 de Outubro até ao dia 16 de Novembro de 2003, ou seja, de 19 dias;
2.158.- Durante este período a Autora perdeu 19 dias de remuneração;
2.159.- A Autora auferia, àquela data, uma remuneração diária de € 48,33;
2.160.- Na sequência e em consequência da segunda intervenção cirúrgica ( ressecção parcial da mandíbula, reconstrução parcial da mandíbula vestibuplastia ), a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho desde o dia 29 de Janeiro de 2004 até ao dia 15 de Fevereiro de 2004, ou seja, de 18 dias;
2.161.- Durante este período a Autora perdeu 18 dias de remuneração;
2.162.- A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 48,33;
2.163.- Na sequência e em consequência da operação cirúrgica para remoção da manga de protecção do nervo mentoniano, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho do dia 22 até ao dia 27 de Fevereiro de 2004, ou seja, durante 5 dias;
2.164.- Durante este período a Autora perdeu 5 dias de remuneração;
2.165.- A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 51,90;
2.166.- Na sequência e em consequência da neurectomia do nervo mentoniano, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho de 11 dias, ou seja, de 17 a 27 de Junho de 2004;
2.167.- Durante este período a Autora perdeu 10 dias de remuneração;
2.168. -A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 51,90;
2.169.- Na sequência e em consequência da intervenção cirúrgica para enxerto do osso da crista ilíaca no lado direito do maxilar inferior, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho de 18 dias:
2.170.- Durante este período a Autora perdeu 16 dias de remuneração;
2.171.- A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 54,33;
2.172.- Na sequência e em consequência da infecção que determinou o sexto internamento da Autora no HCVP e que motivou, durante esse período, mais duas intervenções cirúrgicas, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho de 51 dias;
2.173.- Durante este período a Autora perdeu 47 dias de remuneração;
2.174.- A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 54,33;
2.175.- Na sequência e em consequência da intervenção cirúrgica para remoção da glândula sub-maxilar direita, a Autora sofreu uma incapacidade total temporária para o trabalho de 20 dias;
2.176.- Durante este período a Autora perdeu 20 dias de remuneração
2.177.- A Autora auferia, naquela data, uma remuneração diária de € 54,33;
2.178.- A Autora recebeu da Segurança Social, durante os vários períodos de ITT, a quantia global de € 4.050,23;
2.179.- A Autora padecerá irreversivelmente de uma assimetria mandibular secundária e da total falta de sensibilidade em todo o território do nervo dentário inferior direito;
2.180.- Tais danos afectam gravemente a Autora e correspondem a uma incapacidade parcial permanente de grau ainda não concretamente apurado mas que não é inferior a 15%;
2.181.- Tal incapacidade diminuirá, para sempre, a capacidade de trabalho da Autora;
2.182.- A Autora à data dos factos tinha 30 anos;
2.183. A Autora é licenciada em Ciências Farmacêuticas e trabalha actualmente na Farmácia ……, em ……, onde exerce as funções de Farmacêutica-Adjunta Substituta;
2.184.- Actualmente, a Autora aufere uma remuneração-base mensal de €2050,00, à qual acresce a quantia média de € 200,00 a título de trabalho suplementar e a quantia de € 126,50 a título de subsídio de almoço;
2.185.- A Autora aufere, pois, anualmente quantia não inferior a € 32.000,00;
2.186.- A vida activa da Autora prolongar-se-á até aos 70 anos de idade;
2.187.- Em consequência dos danos referidos, a Autora terá ainda que receber vários tratamentos;
2.188.- A Autora terá, também, que se submeter a, pelo menos, uma intervenção cirúrgica para remoção da placa de reconstrução e a uma intervenção cirúrgica para reabilitação dentária com implantes dentários;
2.189.- A Autora não poderá ser submetida às referidas cirurgias antes da mandíbula direita ganhar osso suficiente;
2.190.- No espaço de um ano e meio, mais concretamente entre 27 de Outubro de 2003 a 22 de Abril de 2005, a Autora foi objecto de oito intervenções cirúrgicas, todas com anestesia geral;
2.191.- A Autora foi, também, submetida a vários tratamentos ambulatórios;
2.192.- A Autora viveu com grande ansiedade as intervenções cirúrgicas e os tratamentos a que foi submetida;
2.193.- Sofreu dores intensas durante os períodos de recuperação e convalescença;
2.194.- Os problemas havidos com o nervo dentário direito causaram-lhe dores fortíssimas e impediram-na, inclusive, de dormir e de trabalhar;
2.195.- Teve intensas dores, quer com as infecções de que padeceu, quer com os demais tratamentos ambulatórios a que se sujeitou;
2.196-. Autora realizou diversos tratamentos antibioterápicos com graves consequências para a sua saúde;
2.197.- A perda da sensibilidade em todo o território do nervo dentário direito é irreversível e limita, em grande medida, a vida da Autora;
2.198.- Apesar de ter obtido alguma melhoria na fase de adaptação, a Autora não consegue controlar totalmente a saída de comida, em especial de líquidos, da sua boca;
2.199.- A Autora tem receio de comer em locais públicos ou, em geral, em frente de terceiros;
2.200.- Em face da perda de sensibilidade, a Autora morde, frequente e inadvertidamente, o lábio inferior, o que lhe tem causado vários ferimentos;
2.201.- A assimetria da mandíbula direita constitui um grave dano estético que provoca na Autora um sentimento de inferioridade e de enorme tristeza;
2.202.- A Autora ficou sem os dentes 45, 47 e 48, condição que ainda hoje mantém;
2.203.- A Autora passou e tem passado por períodos de grande ansiedade, tristeza e intenso sofrimento psicológico e moral;
2.204.- Ainda hoje a Autora passa por períodos de depressão e por crises de choro;
2.205.- Todas estas circunstâncias, causam-lhe mágoa, desespero, angústia e insónias, além de profunda humilhação;
2.206.- O Réu é médico especialista em cirurgia maxilofacial, com grande experiência profissional;
2.207.- O Réu é, além do mais, professor associado da Faculdade de Medicina Dentária de ……;
2.208.- O R. transferiu a responsabilidade civil pelo exercício de profissão para a AXA PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.,
Resultou da instrução/discussão a prova dos seguintes factos:
2.209.- A autora recorreu aos serviços médicos do 1º réu devido a uma persistente dor sentida após extracção do dente, o n° 46 e após outras consultas com outros médicos;
2.210.- O Réu diagnosticou um osteoma (tumor benigno) bem como uma osteomielite na mandíbula do lado direito do maxilar inferior da Autora;
2.211.- Em consequência do que face deste diagnóstico, o Réu entendeu que a Autora tinha de ser submetida a uma intervenção cirúrgica ;
2.212.- Em 29 de Janeiro de 2004, o Réu procedeu à intervenção cirúrgica referida nos pontos 2.38. e 2.39, com extracção dos dentes 45, 47 e 48;
2.213.- Na consulta referida em 20., o Senhor Dr. ……examinou o resultado da ortopantomografia;
2.214.- Na consulta referida em 2.26., o Réu informou a Autora de que a mesma sofria de uma osteomielite e que, em face deste diagnóstico, teria de realizar, com urgência, uma biopsia cirúrgica ;
2.215.- Face à urgência manifestada pelo Réu, o HCVP procedeu à marcação do internamento da Autora e à marcação da intervenção cirúrgica ( biopsia ) logo para o dia 27 de Outubro de 2003;
2.216.- Antes disso, a Autora realizou por indicação do Réu, mais uma ortopantomografia no dia 23 de Outubro de 2003;
2.217. - A Autora entregou ao Réu os resultados dos exames imagiológicos, tendo-os analisado nessa altura;
2.218. - No dia do internamento referido em 2.28., a Autora foi objecto da biopsia cirúrgica, realizada pelo Réu, na qual lhe foram extraídas peças para análise;
2.219.- No dia 17 de Novembro de 2003, o Laboratório de Anatomia Patológica do HCVP emitiu o relatório do exame às peças retiradas na biopsia cirúrgica realizada pelo Réu em 27 de Outubro de 2003, relatório esse assinado pela Médica Patologista, Senhora Dra. ……, onde consta « Fragmento de tecido ósseo lamelar maduro e denso e fragmentos de tecido fibroso - Osteoma » - cf. fls. 67;
2.220. - Após ter recebido o resultado do exame anotomopatológico, o Réu telefonou à Autora e informou-a que a mesma tinha um osteoma;
2.221. - Os exames imagiológicos referidos em 2.33. revelavam o constante em 2.93 a 2.95;
2.222.- O Réu assumiu a posição de que a Autora tinha de ser operada;
2.223.- Na operação referida em 2.69. foi realizado o enxerto referido em 103.
2.224.- A autora antes do dia referido em 2.77. informou o réu que a produção de pus não havia cessado - ver 74. a 79
2.225.- Após ter terminado a medicação referida em 86., a Autora passou a sentir uma dor aguda no lado direito da garganta;
2.226.- Na sequência a Autora realizou, por requisição do Réu, vários exames, designadamente duas ecografias, os quais vieram a revelar uma infecção crónica na glândula sub-maxilar direita
2.227.- Em face deste quadro, no dia 22 de Abril de 2005 a Autora voltou a ser operada pelo Réu no HCVP para remoção da glândula sub-maxilar direita
2.228.- No dia 9 de Janeiro de 2006, a Autor., deslocou-se ao consultório do Réu, o qual recebeu a mesma, apesar de a consulta se encontrar marcada em nome da sua mãe;
2.229.- A Autora optou por procurar outras opiniões e consultou outros médicos;
2.230.- Do relatório da cintigrafia, realizada no dia 25 de Novembro de 2003, resulta que a Autora tinha " hiperfixação focal do radiofármaco na mandíbula à direita, lesão focal única, podendo corresponder a tumor ósseo (benigno) ou processo inflamatório (padrão inespecifico), no entanto a valorizar no restante contexto» - cf. fls. 69;
2.231.- O Réu sabia que as intervenções do lado direito do maxilar inferior da Autora iriam causar dores à autora
2.232.- A A. sentia dores intensas há, pelo menos, um ano antes de consultar o R.;
2.233.- Em Julho de 2003, outro dentista tinha realizado à A. uma curetagem por infecção e feito antibioterapia, sem qualquer melhoria;
2.234.- O Professor Doutor ……seguiu a A. durante o mês de Setembro de 2003, sob medicação antibiótica, por considerar que a doente apresentava um processo infeccioso crónico do ramo horizontal direito da mandíbula, originado ao nível do alvéolo do dente primeiro molar inferior direito (dente 46), extraído 5 meses antes, apresentando o alvéolo aberto sem sinais de cicatrização, com exposição do osso mandibular ao meio bucal;
2.235.- Esta situação resultou da progressão de uma infecção ao nível do osso esponjoso da mandíbula com os meses de evolução referidos;
2.236.- O referido médico encaminhou a A. para o R., que, após a primeira consulta, inteirando-se de todos os factos, constatou a clara existência de uma infecção óssea, ao nível do ramo horizontal direito da mandíbula, com exposição ao meio bucal da região do osso mandibular, correspondente à localização do dente 46, o que o levou a fazer diversos exames para efectuar um correcto diagnóstico;
2.237.- Devido à resistência aos sucessivos tratamentos antibióticos, de complexidade crescente desde Julho de 2003, foi feito o diagnóstico clínico de osteomielite da mandíbula, consequente a uma infecção crónica de origem odontogénica;
2.238.- Secundária a uma patologia dentária com mais de um ano de evolução, tornando-se imprescindível a realização de uma curetagem do local envolvido e a realização do exame anatomopatológico do osso removido;
2.239.- O diagnóstico do R. foi explicado à A. quanto à existência da patologia óssea infecciosa;
2.240. -Na presença de toda a história clínica e exames, estava indicado a realização de uma "ostectomia" da região do dente 46, feita em 27 de Outubro de 2003 e também referida a 28 e 218., da mandíbula" e que se demonstrou relevante para a análise anatomopatológica de uma amostra do osso;
2.241.- Na intervenção cirúrgica referida, procedeu-se à ostectomia ("remoção do osso") da tábua externa da zona do dente 46 e da zona óssea afectada ao nível do osso esponjoso ( também chamado "trabecular" ou "medular" ), por curetagem entre os dentes 45 e 47, até à cortical interna da mandíbula que se preservou, tendo o osso corticoesponjoso removido sido enviado para exame anatomopatológico;
2.242.- O referido exame foi avaliado inicialmente pela Sra. Dra. ……, especialista em Anatomia Patológica, a quem foi confiado no Hospital da Cruz Vermelha e que, perante a hipótese da existência de um tumor ósseo;
2.243.- Foi de seguida solicitado ao Senhor Professor Doutor ……, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de ……, especialista em Anatomia Patológica e reconhecida autoridade mundial no campo da Histopatologia Oral e Maxilofacial, auxílio no esclarecimento da situação;
2.244.- No seu relatório foram identificados "hemorragias focais com infiltrado inflamatório de polimorfonucleares, aspectos de necrose ao nível da transição corticoesponjosa e múltiplos focos de infecção bacteriana (provavelmente estafilocócica)" que confirmam o diagnóstico clínico de "osteomielite".
2.245.- Verificou-se também: "ao nível do osso esponjoso que as trabéculas ósseas são mais densas sem atipias, aspecto sugestivo de osteoma trabecular", isto é, constatou-se a inexistência de doença maligna do osso, e a presença de um tumor benigno ao nível trabecular;
2.246.- A patologia diagnosticada, ao nível do osso trabecular do ramo horizontal direito da mandíbula, provocou um terreno desfavorável a uma normal evolução desde o início;
2.247.- A avaliação histopatológica definitiva do caso foi realizada pelo Senhor Professor Doutor ……, sendo muito relevantes os achados microscópicos, quer ao nível do tecido ósseo corticoesponjoso removido, que R. ao nível dos três dentes extraídos (45, 47 e 48), pois "todos os aspectos descritos concordam com uma infecção crónica em actividade" (vd. relatório do Professor Santinho Cunha), quer ao nível ósseo, quer dentário;
2.248.- O tratamento endodôntico, iniciado em Junho de 2002, alguns meses após a fractura, no início de 2002 "enquanto comia uma torrada" e o insucesso do mesmo ao longo de muitos meses, que terminou com a extracção dentária em Abril de 2003, indicia a existência de um processo insidioso profundo, em evolução ao nível ósseo, com agravamento marcado após a extracção;
2.249.- O R. marcou uma cirurgia, para o dia 29 de Janeiro de 2004, com a plena aquiescência da A., a quem foi toda a sua situação clínica devidamente explicitada;
2.250.- Esta foi realizada pelo R., tendo como ajudantes o Senhor Dr. ……, Chefe de Serviço de Cirurgia Maxilofacial e o Senhor Dr. ……, Assistente Hospitalar de Cirurgia Maxilofacial do Hospital de ……;
2.251.- Na referida intervenção cirúrgica procedeu-se à abordagem da região em causa realizando inicialmente a abertura do osso na localização do dente 46;
2.252.- Ao aceder ao nervo dentário inferior e visualizar o seu estado, foi perceptível que a maioria das queixas dolorosas eram originadas pela compressão do nervo por espículas ósseas abundantes, ao longo do trajecto nervoso desde o buraco mentoniano, ao nível do dente 45 até ao dente 48, havendo ausência marcada do osso cortical superior a canal dentário;
2.253.- Pela extensão da afecção, evidente durante a intervenção cirúrgica, tornou-se imprescindível a remoção do osso e dos dentes adjacentes;
2.254.- Foi, assim, criada uma descontinuidade óssea ao nível da cortical óssea externa e do osso esponjoso adjacente, tendo sido preservada apenas a continuidade óssea ao nível da cortical interna da mandíbula, incapaz de, por si só, garantir a integridade morfofuncional da mandíbula, sem se fracturar;
2.255.- Para assegurar essa estabilidade procedeu-se à colocação de uma placa de titânio na face externa da mandíbula;
2.256.- O nervo dentário encontrava-se com sinais de intenso sofrimento, tendo entre os intervenientes sido equacionado a sua viabilidade ou não;
2.257.- Na tentativa de preservar o nervo e conseguir uma regeneração nervosa, optou-se por colocar uma endoprótese tubular de teflon, aberta longitudinalmente com o intuito de proteger o nervo dos tecidos envolventes e possibilitar a sua recuperação;
2.258.- O R. procedeu à remoção da protecção envolvente do nervo, na tentativa, ainda, de poder preservá-lo;
2.259.- Mais tarde, devido à dor que a A. sentia, ficou acordado a desinervação, uma vez que, como já se havia verificado da primeira intervenção de 29 de Janeiro de 2004, o nervo estava em "sofrimento";
2.260.- Em 14 de Outubro de 2004, procedeu-se à reconstrução do ramo horizontal direito com enxerto ósseo da crista ilíaca, estando presente a mesma equipa cirúrgica e a mesma anestesista da cirurgia de 29 de Janeiro de 2004;
2.261.- A 12 de Novembro de 2004 desenvolveu-se uma infecção ao nível da mandíbula da qual resultou a perda da parte cortical do enxerto ósseo;
2.262.- Com a recente patologia infecciosa da mandíbula, estaria a A. muito mais sujeita a infecções do que o normal e com a resistência aumentada a vários antibióticos e por essa situação e para segurança da doente, foi decidido o novo internamento para tratamento;
2.263. -A 22 de Abril de 2005 a A. foi submetida a uma nova intervenção, agora de glândula submandibular direita;
2.264.- A 24 de Outubro de 2003 foi feita uma TAC, que mostra a existência de patologia óssea da região posterior do ramo horizontal direito da mandíbula e observa-se que no ramo horizontal direito da mandíbula, ocupando parte da zona posterior ao dente 45, existe um processo patológico do osso mandibular, com radiopacidade óssea da esponjosa óssea;
2.265.- A A. encontrava-se à data da última consulta do R. já numa situação de perfeita estabilização, para avaliação do estado do osso mandibular;
2.266.- A autora teve perfeita percepção de que a sua vida esteve em perigo aquando da infecção do enxerto e viveu momentos de pânico por força dessa circunstância.
B) NÃO PROVADA
2.267. - Considerando os exames realizados à Autora, o Réu nunca podia ter diagnosticado a existência de um extenso osteoma no lado direito do maxilar inferior da Autora
2.268.- E não podia ter optado pela ressecção do lado direito do maxilar inferior da Autora;
2.269.- Com esta conduta, o Réu colocou a Autora em perigo de vida ( além de ser conclusivo, pois qualquer intervenção cirúrgica envolve perigo de vida, mas dá-se como não provado por estar associado à conduta alegadamente indevida referida no art° 6º da base instrutória);
2.270.- Cerca de um mês depois da data referida em 2.59., o Réu, face à difícil adaptação da Autora àquelas lentes e à ausência de qualquer melhoria, acabou por aconselhar a mesma a desistir do uso dos óculos - resulta apenas o que já consta quanto à data sem resultar em concreto se foi ou não o réu a aconselhar a autora;
2.271.- Face à extensão da ressecção realizada na operação de 29 de Janeiro de 2004, o lado direito do maxilar inferior da Autora ficou sem osso - a resposta é apenas a constante dos pontos 2.39. e 2.212;
2.272.- A operação referida em 2.69. que teve uma duração de cerca de 7:00 horas;
2.273.- Na consulta referida em 2.74., o Réu não conseguiu apurar a origem do pus ;
2.274.- A Autora não deixou de sentir, embora com menor intensidade, dores no lado direito do maxilar inferior, as quais, aliás, ainda hoje perduram - provado o que já resultou da matéria de facto assente, nomeadamente o ponto 2.111;
2.275.- Este esforço adicional do lado esquerdo, referido em 2.88., acabou por danificar os dentes do lado esquerdo dos maxilares, inferior superior - provado o que consta do ponto 2.118, 2.88 e 2.89;
2.276.- Na sequência do que se descreve em 2.92, o R não deu qualquer resposta às queixas da Autora e mostrou-se totalmente indisponível para uma consulta e só através de uma marcação feita em nome da mãe da Autora é que esta logrou obter uma consulta com o Réu;
2.277.- Foi nessa altura, em conversa com o Réu, que a Autora se apercebeu, pela primeira vez, que o tratamento clínico indicado pelo Réu podia não ter sido o mais adequado;
2.278.- De acordo com a opinião unânime de todos os médicos especialistas que a Autora consultou durante o ano de 2006, as intervenções cirúrgicas, tratamentos, infecções e todos os danos físicos que a Autora sofreu, e que ainda vai ter de sofrer, foram absolutamente desnecessários e injustificados ( além de conter matéria conclusiva na parte final);
2.279.- De todos os exames imagiológicos realizados, antes e depois da biopsia cirúrgica, resulta claro que a Autora tinha tão somente um minúsculo foco inflamatório ;
2.280.- Para um diagnóstico completo e para se determinar a terapia adequada à Autora, bastaria uma análise cuidada dos exames imagiológicos realizados antes da biopsia cirúrgica.
2.281.- Em face dos exames imagiológicos realizados até à biopsia cirúrgica, designadamente, ortopantomografia realizada em 3 de Setembro de 2003, ortopantomografia realizada em 23 de Outubro de 2003 e TAC realizada em 24 de Outubro de 2003 não era necessário, sequer, a realização da mesma;
2.282.- A intervenção cirúrgica de 29 de Janeiro de 2004, foi injustificada e desnecessária e foi consequência directa de todas as demais intervenções cirúrgicas e tratamentos de que a Autora foi objecto;
2.283.- Não obstante o teor do relatório assinado pela médica patologista do Laboratório de Anatomia Patológica do HCVP Sra. Dra. ……, todos os dados clínicos e exames imagiológicos entretanto realizados confirmaram, inequivocamente, que a lesão detectada consistia apenas num minúsculo e inespecífico foco inflamatório
2.284.- A ortopantomografia realizada após a biopsia cirúrgica revelou, uma vez mais, que a Autora tinha apenas uma minúscula lesão localizada no lado direito do maxilar inferior;
2.285.- Também, da TAC à mandíbula realizada no IMI - Imagens Médicas Integradas em 25 de Novembro de 2003, pelo Senhor Dr. ……, resulta que a Autora sofria apenas de um minúsculo foco inflamatório inespecífico - provado o que resulta dos pontos 2.93. e 2.94;
2.286.- Em face dos exames de diagnóstico realizados, o tratamento adequado passava, quanto muito, por uma mera e pequena raspagem no local em que se detectou o minúsculo foco inflamatório (sem anestesia geral) e nunca, como fez o Réu, pela ressecção do lado direito do maxilar inferior
2.287.- Ainda que se tratasse de osteoma o que, como se viu, não era, o tratamento indicado passava igualmente por uma mera raspagem local.
2.288.- O tratamento de osteomas, tumores benignos, não deve ser invasivo e antes de controlo clínico-radiográfico - conclusivo e não circunscrito ao caso em concreto;
2.289.- Sempre que se justifique uma excisão cirúrgica, o que nem sequer se justificava no caso em apreço, esta deve ser feita efectuada de forma totalmente conservadora e com a extracção limitada à lesão, já que não há qualquer possibilidade de recidiva ou de malignização;
2.290.- Apesar da sua formação e da experiência profissional, o Réu menosprezou os inequívocos resultados dos exames realizados à Autora;
2.291. - Caso o Réu não tivesse optado por proceder à ressecção do lado direito do maxilar inferior direita da Autora — como era a sua obrigação — esta nunca teria sofrido as intervenções cirúrgicas e os tratamentos já descritos;
2.292.- Nem teria sofrido a gravíssima infecção que determinou o seu internamento por 23 dias no HCVP e que a colocou em perigo de vida.
2.293.- Não tivesse o Réu optado, sem qualquer fundamento ou justificação, pela ressecção do lado direito do maxilar inferior da Autora, nunca a mesma teria sofrido quaisquer danos e prejuízos;
2.294.- Em consequência da biopsia cirúrgica realizada em 27 de Outubro de 2003, a Autora esteve internada no HCVP durante 4 dias e teve uma incapacidade total para o trabalho de 19 dias - provado o que consta dos pontos 2.28. a 2.30. dos factos assentes/provados;
2.295.- Com a intervenção cirúrgica de 29 de Janeiro de 2004, o lado direito do maxilar inferior da Autora foi mutilado e, em seu lugar, colocada uma placa de titânio de grande dimensão - provado o que consta do ponto 3.39 dos factos provados;
2.296.- Em consequência desta cirurgia, a Autora ficou com a cara inchada e deformada e suportou uma alimentação apenas de líquidos durante 3 semanas - provado o que consta dos pontos 2.37 a 2.41;
2.297.- As dores que a Autora sofreu em consequência da manga de protecção do nervo dentário, excessivamente apertada pelo Réu, foram tão violentas que lhe provocaram acessos de choro compulsivo e a impediram de dormir noites seguidas;
2.298.- Em consequência da intervenção cirúrgica realizada no dia 23 de Fevereiro de 2004, para remoção da manga protectora do nervo mentoniano, a Autora esteve internada durante 2 dias e sofreu uma ITT de 5 dias - provado o que consta dos pontos 2.49 a 2.52 dos factos provados;
2.299.- Não obstante a adaptação à nova circunstância referida em 100. a 102., a Autora continua a padecer, e continuará a sofrer para o resto da sua vida, de grande limitação - provado o que consta dos pontos 2.100 a 2.102 e 2.180 dos factos provados;
2.300.- O enxerto referido em 2.103. provocou uma infecção colocou a Autora em efectivo perigo de vida e obrigou ao seu internamento com carácter de urgência - provado o que consta dos pontos 2.103. a 2.109 dos factos provados;
2.301.- Todo o enxerto realizado se desfez e se perdeu - provado o que consta do ponto 2.206;
2.302.- Em consequência da actuação do Réu, a A Autora sofre, irreversivelmente, de uma assimetria mandibular secundária;
2.303.- A circunstância descrita em 2.202. além de obrigar a Autora a processar toda a mastigação pelo lado esquerdo, com a consequente deterioração de toda a dentição desse lado, provoca-lhe grande sensação de vergonha - provado o que consta dos pontos 2.197 a 2.205 dos factos assentes/provados;
2.304.- Em consequência da cirurgia para drenagem de pus, a Autora ficou marcada na papada com uma cicatriz com um diâmetro de 2,5 cm;
2.305.- O Réu tinha de saber, em face dos resultados dos exames realizados, que a Autora tinha apenas um minúsculo foco inflamatório e não um extenso osteoma;
2.306.- O R. advertiu a A. para a necessidade de controlo prolongado da infecção e da dor, com recurso a antibióticos e analgésicos e não a cirurgia;
2.307.- O Dr. ……, Chefe de Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, do Instituto Português de Oncologia de Lisboa gratuitamente, consultou a A. para fazer uma análise cuidada do caso, a pedido do R., na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de ……;
2.308.- Realizou-se uma nova TAC, a 13 de Julho de 2005, que demonstrou que o enxerto esponjoso colocado na reconstrução fora eficaz;
2.309.- Toda a terapêutica foi seguida com a mais cuidada e conscienciosa conduta profissional conclusivo;
2.310.- A A. manteve enorme insistência em ser operada o mais rapidamente possível ao invés de ter aguardado até à Páscoa, uma vez que alegadamente, sofria de "dores terebrantes" há muito tempo;
2.311.- Uma vez que a infecção mandibular não regredia e essas dores se tornavam cada vez mais intensas, produzindo profundo sofrimento à A., não esquecendo também a cintigrafia de 8 de Janeiro em que parecia não haver qualquer melhoria - conclusivo e já resulta da resposta positiva na parte meramente factual;
2.312.- Foi explicado à A. que para o tratamento da osteomielite da mandíbula, haveria necessidade de estender a remoção óssea até se encontrar osso são, o osso esponjoso afectado pelo osteoma trabecular remanescente à anterior intervenção cirúrgica encontrar-se-ia incluído nesta segunda ostectomia, mais alargada - provado o que consta do ponto 2.248;
2.313.- A avaliação intra-operatória forneceu o esclarecimento definitivo ao caso concreto -conclusivo;
2.314.- O R. sempre se mostrou totalmente disponível (mesmo nas raras situações que não esteve presente), reencaminhando-a sempre para um outro distinto colega e estando o R. sempre disponível para receber a A. onde quer que estivesse e atender o telefone a qualquer hora do dia ou da noite, em Portugal ou no estrangeiro e ainda que o R. acompanhou de muito perto toda a situação clínica até aqui verificada, tendo um contacto quase diário, quer com a doente, quer com a sua mãe - conclusivos e irrelevantes;
2.315.- Inúmeras vezes o R. esperou até horas tardias para dar uma consulta a pedido da A., que várias vezes lha pedia, nunca nada lhe sendo negado - conclusivo;
2.316.- O zelo e preocupação que guiam e sempre guiaram o R. no tratamento dos seus doentes teve plena aplicação no caso da A. - conclusivo

3.- Da obrigatoriedade do Tribunal de recurso sindicar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, aferindo da pertinência de na mesma se introduzirem alterações em razão da impugnação da apelante A.
Compulsadas as alegações ( stricto sensu ) recursórias da recorrente A, incontroverso é que revelam as mesmas que a apelante discorda do julgamento de facto efectuado pela primeira instância, considerando que existe um erro de julgamento da parte do tribunal a quo , razão porque, no entender da apelante , importa que o ad quem analise a prova produzida, pericial e testemunhal gravada, maxime os depoimentos de testemunhas das testemunhas que indica .
Ainda em sede de alegações recursórias, e com referência a diversos depoimentos que terão sido prestados em audiência de discussão e julgamento e que, para a apelante, são reveladores do erro de julgamento de facto do tribunal a quo, procede a recorrente/impugnante à transcrição parcial e sintética de pretensos e diversos pequenos excertos dos mesmos, e com a indicação do exacto minuto da respectiva gravação áudio, o que faz com o intuito de justificar e comprovar que a respectiva apreciação e uma melhor e diferente valoração/julgamento, antes obrigava ao um diverso julgamento de facto da parte do tribunal a quo .
Do mesmo modo, e de alguma forma “amalgamados” nas alegações recursórias da apelante, de quando em vez indica a recorrente alguns pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, aduzindo designadamente que a convicção subjacente do tribunal a quo não se mostra correctamente alinhavada e explicada.
Porém, ainda assim, também nas alegações recursórias, e no meio da intricada e até desarranjada ( com todo o respeito ) censura que passo a passo dirige a apelante para a convicção formada pela Exmª julgadora da primeira instância, considerando-a incorrecta [ porque alegadamente confere credibilidade a testemunhos que não o merecem e, por outra banda, não atende a outros depoimentos considerando-os não credíveis, quando em rigor o são ] , certo é que não é a apelante precisa e concreta em indicar qual a decisão que, no seu entender, deve este tribunal de 2ª instância conferir a específicos pontos de facto impugnados [ se “ Não Provado”, se “ Provado” , ou se provado apenas - resposta restritiva ].
Já no âmbito das conclusões recursórias , insistindo a apelante por um erro de julgamento de facto do tribunal a quo [ no seu entender, a primeira instância fez uma incorrecta apreciação da prova documental, uma vez que o Tribunal "ad quo" fez tábua rasa de todos os exames imagiológicos bem como dos relatórios técnicos dos médicos que os efectuaram e ainda das explicações que os médicos presentes ,nomeadamente o Dr. ……., fez dos mesmos ] , e quando em razão do disposto no nº1, do artº 639º, do CPC, se exigia que a recorrente [ em face do teor algo desorganizado e prolixo das precedentes alegações, em sede de cumprimento dos ónus do nº1, do artº 640º, do CPC e, porque a não observância dos ónus exigidos em sede de impugnação da decisão de facto, produz consequências negativas sérias para a parte ] viesse a clarificar/deslindar/concretizar qual o objecto da apelação em sede de impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, tal não veio a suceder.
É assim que [ como decorre o respectivo conteúdo transcrito no item 1.6. do presente Acórdão ] , conseguindo-se descortinar - nas conclusões - que a apelante volta a dar nota da sua discordância do julgamento de facto efectuado pelo tribunal a quo, e , bem assim, a mencionar que concretos meios de prova não foram devidamente sopesados e avaliados pelo julgador, já não indica porém a apelante, quais os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados [ com referência aos factos julgados provados e não provados na sentença, e que são , recorda-se, cerca de 315 ] e, bem assim, quais as concretas decisões que deve o ad quem proferir em relação a cada um dos pontos de facto impugnados, e em sede de aferição do mérito da impugnação deduzida pela apelante .
Designadamente, não refere a recorrente e v.g. que, no tocante a concreto ponto de facto impugnado, ao invés de “Não Provado” e tal como o decidido pelo tribunal a quo, deve antes responder-se “Provado”, ou , pelo menos, deve responder-se restritivamente, ou seja, “Provado apenas que (…) ”.
Feita esta breve resenha direccionada para a forma como a apelante manifesta e exprime a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto efectuado pela primeira instância, importa de imediato aferir se in casu se impõe ao ad quem conhecer da pertinência/mérito da impugnação que a recorrente dirige para a decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto.
Vejamos
Como é consabido, pretendendo o recorrente que a 2ª instância aprecie e conheça da bondade/acerto da decisão da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, carece porém o mesmo de observar/cumprir determinadas regras/ónus processuais, a que acresce ( para que a modificação da matéria de facto seja possível ) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.
Assim [ cfr. artº 640º, nº1, alíneas a) a c), do CPC ] e em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar , sob pena de rejeição, quais :
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas .
Depois, caso os meios probatórios invocados pelo recorrente para sustentar o alegado erro – do a quo - na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe-lhe ainda, e sob pena de imediata rejeição do recurso na referida parte , indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda ( cfr. nº2, alínea a) , do artº 640º, do CPC ), e sem prejuízo de poder – querendo - proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes .
Por fim, exigível é , outrossim, e agora para que o Tribunal da Relação deva alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, imponham uma decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo ( cfr. artº 662º, nº1, do CPC).
Tendo presentes tais regras e pressupostos orientadores e exigíveis, para que ao tribunal da Relação seja lícito sindicar da pertinência de a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto dever ser modificada/alterada, e tal como bem nota Abrantes Geraldes (1), dir-se-á que o legislador ( maxime e desde logo com as alterações introduzidas na lei adjectiva com o DL nº 303/2007, de 24 de Agosto ) veio introduzir mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto, com a indicação exacta dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na acta “.
E, já em douto Ac. do STJ (2) , do qual foi Relator, insiste Abrantes Geraldes que, “ sem dúvida que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme em mera manifestação de inconsequente inconformismo “.
Ainda em razão das supra indicadas regras/ónus, certo é que não é de todo admissível uma impugnação genérica e global da matéria de facto julgada em primeira instância, estando portanto vedado ao apelante impetrar, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida, manifestando uma genérica discordância com a decisão da 1ª instância. (3)
É que, não cabendo ao ad quem - aquando do julgamento da impugnação do recorrente da decisão do a quo relativa à matéria de facto - proceder a um segundo julgamento (4) [ como ninguém questiona, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto não conduz necessariamente à realização de um segundo julgamento pelo ad quem, antes incumbe tão só à segunda instância, e ainda que necessariamente formando a sua própria convicção, aferir da existência de erros do a quo no âmbito da valoração/apreciação dos meios probatórios colocados à sua disposição ] , importa que o recorrente alegue e especifique o porquê da discordância, isto é, como e porque razão é que determinados meios probatórios indicados e especificados contrariam/infirmam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras (5), importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele, ou seja, obrigado está o recorrente a concretizar e a apreciar criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa. (6)
Ou seja, como o considera - e bem - o STJ, ao impor-se/exigir-se que o recorrente-impugnante indique (concretamente) quais os depoimentos em que se funda, não basta “indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado a facto ( mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decido e o que consta do depoimento ou parte dele.” (7)
A propósito ainda do modo e forma correcta/adequada de se observarem os diversos ónus a que alude o acima indicado artº 640º, nºs 1 e 2, do CPC, importa também recordar que , e de resto por diversas vezes, já o mesmo STJ (8) veio decidir que, em sede do respectivo cumprimento, não é de exigir que o recorrente, nas conclusões do recurso, deva reproduzir tudo o que alegou anteriormente, sob pena de, ao assim proceder, transformar as conclusões, não numa síntese ( como o refere o nº1, do artº 639º, do CPC), como se exige que o sejam, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório.
Mas, o mesmo recorrente, o que não está de todo dispensado, e caso pretenda efectivamente impugnar a decisão do a quo relativa à matéria de facto, é , nas conclusões recursórias, de deixar bem claro que tem a apelação interposta por objecto a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nelas - nas conclusões - indicando quais os concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados (9) , e , outrossim , quais as respectivas e diferentes respostas [ ou a decisão alternativa que propõe (10) ] que o recorrente pretende que sejam pelo ad quem proferidas no tocante a cada uma das questões de facto impugnadas ou concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados ( cfr. alínea c), do nº1, do artº 640º, do CPC ).
É que, neste conspecto, recorda-se , são precisamente as conclusões [ porque é nelas que o recorrente delimita objectivamente o recurso, precisando quais as exactas questões a decidir e indicando, de forma clara e concludente, quais as questões de facto e/ou de direito que pretende suscitar na impugnação que deduz e as quais o tribunal superior obrigado está a solucionar (11) ], o local apropriado e adequado para os recorrentes procederam às indicações supra apontadas. (12)
Não o fazendo, ou seja, não observando o recorrente todos os ónus a seu cargo, aquando da impugnação da decisão do tribunal a quo relativa à matéria de facto, outra alternativa não restará ao ad quem que não seja a da sua rejeição, e isto porque, como bem avisa Abrantes Geraldes (13), “a observação dos antecedentes legislativos leva a concluir que não existe, relativamente ao recurso da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento”, entendimento este último que de resto tem também o STJ [ além da doutrina (14) ] vindo a perfilhar de forma praticamente consensual e manifestamente maioritária . (15)
De resto, insiste-se/recorda-se que, como salienta Abrantes Geraldes (16), todas as apontadas exigências “ devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…), e isto porque, “Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Em suma, e a despeito de prima facie não deixar de repugnar/chocar [ tal como bem se refere em Ac. do STJ (17) importa “interpretar o preceito com grande cuidado, mas também com suficiente abertura, em ordem a não se frustrar, na prática, em muitos casos, o recurso sob a matéria de facto que a lei quis proporcionar aos recorrentes“ ] não poder conhecer-se de parte ( em sede de impugnação da matéria de facto ) do objecto de um recurso por o recorrente não ter cumprido os subjacentes ónus processuais, não há forma de o evitar, para tanto não se justificando enveredar por interpretações mais amplas e salvíficas, desvalorizando-se deste modo a função pedagógica da jurisprudência para quem deve alegar e concluir de harmonia com as prescrições legais impositivas da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais. (18)
Ademais, importa não olvidar, todos os diversos ónus a que alude o artº 640º, do CPC ( em sede de impugnação da matéria de facto ), direccionados no essencial para a consagração de um especial ónus de alegação e conclusão dos recorrentes no que tange à definição do objecto do recurso, além de naturalmente facilitarem o múnus/missão do ad quem em sede de delimitação das questões a resolver ( cfr. artº 608º, ex vi, do artº 663º,nº2, do CPC actualmente em vigor ) , são sobretudo relevantes na decorrência dos princípios da cooperação, lealdade e boa fé processuais, porque contribuem com relevância para assegurar o principio do contraditório [ dificuldade que prima facie terão in casu sentido os apelados, tal como alegaram em sede de contra-alegações ].
Isto dito e recapitulando, em razão de tudo o supra exposto, dir-se-á que in casu , e em complemento de uma manifestação genérica de discordância do julgamento de facto da primeira instância, apenas se descortina nas conclusões recursórias da apelante a indicação pela recorrente dos meios probatórios que no seu entender serão reveladores do erro na apreciação das provas pelo tribunal a quo, ou seja, limita-se a apelante a observar em termos sintéticos ( e bem, porque em sede de conclusões ) o ónus da alínea a), do nº2, do artº 640º, do CPC.
Porém, já os indicados nas alíneas a) e c), do nº1 , do artº 640º, do CPC , ficaram in totum por observar, não constando eles das conclusões recursórias, precisamente o local - como vimos supra - adequado para efeitos de observância dos ónus adjectivos indicados na referida disposição legal do CPC.
Ora, em razão de tudo o acima por nós exposto, e como recentemente concluiu o STJ (19) , porque “ para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC , sendo que, “ Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre “, inevitável se impõe in casu a rejeição da impugnação da apelante.
O referido entendimento, aliás, vem merecendo da parte do nosso mais Alto Tribunal alguma uniformidade de Julgamento , o que se comprova, designadamente, e de entre outros , dos seguintes e respectivos Acs :
A ) Os de 19/2/2015 (20), 1/10/2015 (21), 21/4/2016 (22) , 31/5/2016 (23) , 27/10/2016 (24) e 7/7/2016 (25) , concluindo-se v.g. em 3 deles que ;
I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso
Em suma, impondo-se concluir , porque em razão de tudo o supra exposto , temos como inevitável ( malgré tout ) a aplicação in casu da sanção a que alude o nº1, do artº 640º, do CPC, impondo-se portanto a rejeição [ o que se decreta ] do recurso da apelante no tocante à almejada impugnação da decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto, impedido está portanto este tribunal de alterar/ modificar tal decisão.

4. - Da Motivação de Direito.
4.1. - Se deve a sentença apelada ser alterada, maxime porque incorre a primeira instância em errada aplicação das normas jurídicas aos factos.
No essencial, a causa petendi da acção interposta pela apelante assenta em invocado erro de diagnóstico da parte do Réu/Médico, pois que, contrariamente ao pelo referido médico considerado, nada justificava ( maxime em face dos exames médicos realizados e aos quais teve o Réu/Médico acesso ) concluir que a autora padecia de um osteoma, nem de osteomielite , logo, a decisão de sujeitar a apelante a uma intervenção cirúrgica revelou-se ser uma decisão/opção manifestamente errada, assente em pressupostos inexistentes e contra a legis artis , e da qual resultaram graves danos para a Autora.
Assim, para a autora, em face de todos os sinais e sintomas que apresentava, do histórico clínico, do exame físico e dos exames complementares realizados, exigia-se tão só que tivesse sido sujeita a uma terapia antibiótica mais prolongada, que não de todo a uma intervenção cirúrgica, com consequências graves e devastadoras .
Discutida a causa, e perante a factualidade fixada, veio porém a primeira instância a considerar não permitir/possibilitar o grosso dos factos provados concluir que incorreu o Réu/Médico na violação de qualquer norma ou orientação médica adequada, antes tomou as decisões que no caso se revelavam ser as mais adequadas, e , ademais, a intervenção cirúrgica realizada teve por desiderato debelar uma infecção ou foco infeccioso existente e este foi o resultado obtido.
Em suma, concluindo a primeira instância que o quadro fáctico fixado obrigava a concluir que o réu actuou de acordo com a legis artis, inexistindo qualquer incumprimento do mesmo, inevitável era - para o tribunal a quo - a sua absolvição, não se verificando portanto os pressupostos da responsabilidade civil.
Ora, divergindo a apelante do julgamento da primeira instância, quer de facto, quer de direito, mas , mostrando-se as razões da discordância no essencial alicerçadas em pressupostos de facto cuja alteração/modificação incumbia porém ao ad quem determinar [ nos termos do artº 662º,nº1, do Cód. de Proc. Civil ] , é óbvio que a decisão - identificada no item 3 do presente Ac. - deste tribunal de rejeitar a impugnação pela recorrente da decisão de facto, como que obriga necessariamente ( por arrastamento ) à confirmação da sentença apelada.
É que, em rigor, não integra o objecto da apelação - em face do conteúdo das conclusões recursórias - quaisquer questões relacionadas v.g. com uma eventual e pretensa interpretação e aplicação erradas das regras de direito pertinentes à matéria de facto [ em sede portanto da subsunção dos factos às normas legais aplicáveis ] fixada pelo tribunal a quo no âmbito da decisão a que alude a primeira parte do nº3, do artº 607º, do CPC.
Ainda assim, sempre se acrescenta que , tendo presente a factualidade PROVADA e NÃO PROVADA fixada pela primeira instância, não se alcança que diverso deveria de ser, forçosamente, o desfecho final da acção.
Desde logo, não é a sentença apelada merecedora de qualquer reparo ao colocar o thema decidendum sob a alçada do instituto da responsabilidade civil contratual, e no pressuposto - que é incontroverso - de que no âmbito da responsabilidade civil médica não estabelece/consagra a nossa lei casos de responsabilidade civil objectiva ou de responsabilidade por factos lícitos danosos, antes se admite tão só que a resolução de questão relacionada com um erro médico seja apreciada no âmbito da responsabilidade contratual e da extracontratual ou aquiliana.
Do mesmo modo, ao optar pela subsunção da causa petendi ao instituto da responsabilidade civil contratual , também enveredou a primeira instância pelo entendimento que melhor protege/salvaguarda os interesses do paciente no seu relacionamento com o “seu “ médico .
É que, como vem entendendo de forma praticamente unânime o S.T.J. (26), podendo a responsabilidade civil médica ter, “ simultaneamente, natureza extracontratual e contratual, pois o mesmo facto pode constituir, a um tempo, uma violação do contrato e um facto ilícito lesivo do direito absoluto à vida ou à integridade física“, em “regra, a jurisprudência aplica o princípio da consunção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual, solução mais ajustada aos interesses do lesado (27) e mais conforme ao princípio geral da autonomia privada”.
De resto, como salienta João Álvaro Dias (28), a verdade é que no comum das situações, “a responsabilidade médica tem, em princípio, natureza contratual”, pois que, “Médico e doente estão, no comum dos casos, ligados por um contrato marcadamente pessoal, de execução continuada e, por via de regra, sinalagmático e oneroso.
Seja como for, certo é que in casu aponta também e com evidência a factualidade provada ( v.g. nos itens 2.5. e 2.21 e segs.) para que entre autora e 1º Réu ( respectivamente, paciente e médico ) tenha sido estabelecido um vínculo de natureza contratual e que, podendo/devendo ser juridicamente qualificável como contrato de prestação de serviços, no âmbito do mesmo obrigou-se o 1º Réu/apelado a proporcionar à Autora/apelante certo resultado do seu trabalho manual e com retribuição ( cfr. art.º 1154.º do CC), sendo que , porque em regra o médico não se obriga a curar o doente - apenas se compromete a proporcionar­-lhe cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais -, a obrigação do Réu médico consubstancia tão só uma mera obrigação de meios, que não de resultado. (29)
Ou seja, in casu, e no âmbito do vínculo contratual estabelecido entre apelante/paciente e apelado/médico, obrigou-se o último, como devedor, tão só “a desenvolver, prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza , e em contraposição com a obrigação de resultado , que se verifica quando se conclua da lei ou do negócio jurídico que o devedor está vinculado a obter um certo efeito útil “ (30)
Isto dito, e como é reconhecido pela generalidade da doutrina, em sede de não cumprimento, incumprimento ou inadimplemento de uma obrigação, e no tocante ao critério baseado no efeito ou estado de facto que pode o mesmo desencadear, é “norma” distinguir-se o inadimplemento definitivo [ também designado por inadimplemento propriamente dito ou impossibilidade definitiva ], do simples retardamento no cumprimento [ mora solvendi ou mora accipiendi ], ou do cumprimento imperfeito e/ou defeituoso. (31)
De igual modo, pacífico é outrossim que, em sede de responsabilidade civil contratual ( tal como, de resto, também na extracontratual ), a obrigação que da mesma emerge pressupõe , enquanto factos constitutivos, a prova da verificação dos seguintes pressupostos : a) a existência de um facto objectivo (acção ou omissão); b) a sua ilicitude; c) a culpa ; d) o dano/prejuízo e [ e) ] o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Todos os referidos pressupostos, à excepção do atinente à culpa [ em face da presunção de culpa a que alude o artº 799º, do CC ] , é ao credor que incumbe o ónus de alegação e prova , designadamente e também o da ilicitude do não cumprimento (32), e o qual, no âmbito da responsabilidade obrigacional, corresponderá no essencial a uma relação de desconformidade entre a prestação debitória devida e o comportamento observado.
Ou seja, em sede de relacionamento obrigacional entre paciente/doente e médico, não está assim o primeiro, na qualidade de “lesado”, dispensado de alegar a factualidade integrante e caracterizadora da acção ou omissão médica , beneficiando tão só da presunção de culpa a que alude o artº 799º, do CC , isto é, do ónus que incide sobre o médico de provar que agiu com diligência ou de acordo com a leges artis, que o mesmo é dizer, que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
O acabado de explanar/concluir integra entendimento que, além de defendido pela generalidade da doutrina especializada (33), é também aquele que, o nosso mais Alto Tribunal, tem vindo a seguir/perfilhar, recordando-se de entre vários v.g. o douto Ac. de 15-12-2011 (34) , e no qual se concluiu designadamente que (SIC) :
III- Se é inquestionável que a execução de um contrato de prestação de serviços médicos pode implicar para o médico uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado, o corrente na prática é o acto médico envolver da parte do médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e ciência profissionais, a assunção de obrigação de meios. Em regra, o médico a só isto se obriga, apenas se compromete a proporcionar cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistência mediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar.
(…)
VI - Sempre que se trate de uma mera obrigação de meios, que não de uma obrigação de resultado, incumbe ao doente o ónus de provar a falta de diligência do médico.
VII - Tem o paciente/lesado de provar o defeito de cumprimento, porque o não cumprimento da obrigação do médico assume, por via de regra, a forma de cumprimento defeituoso, e depois tem ainda de demonstrar que o médico não praticou todos os actos normalmente tidos por necessários para alcançar a finalidade desejada.
VIII - Feita essa prova, então, funciona a presunção de culpa, que o médico pode ilidir demonstrando que agiu correctamente, provando que a desconformidade não se deveu a culpa sua por ter utilizado as técnicas e regras de arte adequadas ou por não ter podido empregar os meios adequados.
IX - Em termos gerais, ponto comum à responsabilidade contratual e à responsabilidade extracontratual, ter o médico agido culposamente significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada, pois em face das circunstâncias concretas do caso, o médico devia e podia ter actuado de modo diferente.
Já mais recentemente, também o STJ, em Ac. de 26-04-2016 - acima já citado (35) - , e alinhando por semelhante interpretação [ em consonância de resto com o disposto no artº 8º, nº3, do CCivil ], veio mais uma vez pronunciar-se nos seguintes termos (sic) :
“ (…) considerando-se a obrigação do médico uma obrigação de meios, sobre ele recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, e portanto sem culpa, se se quiser eximir à sua responsabilidade decorrente de incumprimento, o que pressupõe que se demonstre que, previamente ao funcionamento da presunção, tenha havido e ficado provado o incumprimento.
A responsabilidade no âmbito do contrato de prestação de serviços depende da prova duma situação que traduza incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação. E, tratando-se, como é o caso, de prestação de serviços médicos, a responsabilidade médica, por negligência, por violação das leges artis, tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção.
Na sua maioria, os contratos de prestação de serviços médicos integram, como se referiu, uma obrigação de meios, não implicando, assim, a não obtenção do resultado final visado com os tratamentos e intervenções, a inadimplência contratual, cabendo por isso ao paciente provar a falta de diligência do médico, a falta de utilização de meios adequados de harmonia com as leges artis, o defeito do cumprimento, ou que o médico não praticou todos os actos normalmente considerados necessários para alcançar a finalidade desejada: é essa falta que integra erro médico e constitui incumprimento ou cumprimento defeituoso. E só depois dessa prova funcionará, no domínio da responsabilidade contratual, a dita presunção de culpa.”
Em conclusão, porque a obrigação do médico perante o doente não é uma obrigação de resultado - caso em que, “ a simples constatação de que certa finalidade não foi alcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta do devedor ( podendo este, todavia, provar o contrário ) - , mas de meios, “ caberá ao credor/doente fazer a demonstração em juízo de que a conduta do devedor/médico não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a produção do resultado almejado” . (36)
Dito de uma outra forma [ cfr. Carla Gonçalves (37) ], perante , portanto, uma intervenção médica que não produza o resultado terapêutico esperado/desejado, o paciente não poderá exigir um compensação pelos prejuízos sofridos , a não ser que, o êxito pretendido se tenha frustrado “ por força de um comportamento negligente ou, mesmo, doloso” caso em que tem já o lesado a possibilidade de pleitear um ressarcimento .
Postas estas breves considerações, e descendo de seguida ao mundo dos factos, maxime os mais pertinentes e cujo ónus da prova sobre a Autora/apelante recaia, porque relacionados com a pretensa ilicitude da prestação obrigacional a cargo do Réu apelado [ alegadamente comprovativos da falta de utilização pelo Réu/apelado de meios adequados de harmonia com as leges artis, com o defeito do cumprimento, ou não execução dos actos médicos normalmente considerados necessários para alcançar a finalidade desejada ], constata-se que foram reconduzidos ao rol dos factos “ NÃO PROVADOS “ os seguintes :
2.267. - Considerando os exames realizados à Autora, o Réu nunca podia ter diagnosticado a existência de um extenso osteoma no lado direito do maxilar inferior da Autora ;
2.268.- E não podia ter optado pela ressecção do lado direito do maxilar inferior da Autora ;
(…)
2.278.- De acordo com a opinião unânime de todos os médicos especialistas que a Autora consultou durante o ano de 2006, as intervenções cirúrgicas, tratamentos (…)foram absolutamente desnecessários
2.279.- De todos os exames imagiológicos realizados, antes e depois da biopsia cirúrgica, resulta claro que a Autora tinha tão somente um minúsculo foco inflamatório ;
2.280.- Para um diagnóstico completo e para se determinar a terapia adequada à Autora, bastaria uma análise cuidada dos exames imagiológicos realizados antes da biopsia cirúrgica.
2.281.- Em face dos exames imagiológicos realizados até à biopsia cirúrgica, designadamente, ortopantomografia realizada em 3 de Setembro de 2003, ortopantomografia realizada em 23 de Outubro de 2003 e TAC realizada em 24 de Outubro de 2003 não era necessário, sequer, a realização da mesma;
2.282.- A intervenção cirúrgica de 29 de Janeiro de 2004, foi injustificada e desnecessária e foi consequência directa de todas as demais intervenções cirúrgicas e tratamentos de que a Autora foi objecto;
2.283.- Não obstante o teor do relatório assinado pela médica patologista do Laboratório de Anatomia Patológica do HCVP Sra. Dra……., todos os dados clínicos e exames imagiológicos entretanto realizados confirmaram, inequivocamente, que a lesão detectada consistia apenas num minúsculo e inespecífico foco inflamatório ;
2.284.- A ortopantomografia realizada após a biopsia cirúrgica revelou, uma vez mais, que a Autora tinha apenas uma minúscula lesão localizada no lado direito do maxilar inferior;
2.285.- Também, da TAC à mandíbula realizada no IMI - Imagens Médicas Integradas em 25 de Novembro de 2003, pelo Senhor Dr. ……., resulta que a Autora sofria apenas de um minúsculo foco inflamatório inespecífico ;
2.286.- Em face dos exames de diagnóstico realizados, o tratamento adequado passava, quanto muito, por uma mera e pequena raspagem no local em que se detectou o minúsculo foco inflamatório (sem anestesia geral) e nunca, como fez o Réu, pela ressecção do lado direito do maxilar inferior ;
2.287.- Ainda que se tratasse de osteoma o que, como se viu, não era, o tratamento indicado passava igualmente por uma mera raspagem local ;
(…)
2.289.- Sempre que se justifique uma excisão cirúrgica, o que nem sequer se justificava no caso em apreço, esta deve ser feita efectuada de forma totalmente conservadora e com a extracção limitada à lesão, já que não há qualquer possibilidade de recidiva ou de malignização;
2.290.- Apesar da sua formação e da experiência profissional, o Réu menosprezou os inequívocos resultados dos exames realizados à Autora;
2.291. - Caso o Réu não tivesse optado por proceder à ressecção do lado direito do maxilar inferior direita da Autora — como era a sua obrigação — esta nunca teria sofrido as intervenções cirúrgicas e os tratamentos já descritos;
2.292.- Nem teria sofrido a gravíssima infecção que determinou o seu internamento por 23 dias no HCVP e que a colocou em perigo de vida.
2.293.- Não tivesse o Réu optado, sem qualquer fundamento ou justificação, pela ressecção do lado direito do maxilar inferior da Autora, nunca a mesma teria sofrido quaisquer danos e prejuízos;
(…)
2.305.- O Réu tinha de saber, em face dos resultados dos exames realizados, que a Autora tinha apenas um minúsculo foco inflamatório e não um extenso osteoma.
Por sua vez, já ao rol dos Factos Provados , e como que a infirmar o alegado - pela autora/apelante - erro de diagnóstico da parte do Réu/apelado, foram reconduzidos os seguintes ( de entre outros ) :
(…)
2.2.- Na sequência e em consequência da operação de 29 de Janeiro de 2004, a Autora foi submetida a mais 6 intervenções cirúrgicas todas realizadas com anestesia geral e, bem assim, a vários outros tratamentos ambulatórios ;
2.3. - Em consequência da cirurgia de 29 de Janeiro de 2004, a Autora sofreu uma infecção, que a colocou em perigo de vida e que determinou o seu internamento no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa (doravante HCVP) por 23 dias ;
2.209.- A autora recorreu aos serviços médicos do 1º réu devido a uma persistente dor sentida após extracção do dente, o n° 46 e após outras consultas com outros médicos;
2.210.- O Réu diagnosticou um osteoma (tumor benigno) bem como uma osteomielite na mandíbula do lado direito do maxilar inferior da Autora;
2.211.- Em consequência do que face deste diagnóstico, o Réu entendeu que a Autora tinha de ser submetida a uma intervenção cirúrgica ;
2.212.- Em 29 de Janeiro de 2004, o Réu procedeu à intervenção cirúrgica referida nos pontos 2.38. e 2.39, com extracção dos dentes 45, 47 e 48;
2.213.- Na consulta referida em 20., o Senhor Dr. ……., examinou o resultado da ortopantomografia;
2.214.- Na consulta referida em 2.26., o Réu informou a Autora de que a mesma sofria de uma osteomielite e que, em face deste diagnóstico, teria de realizar, com urgência, uma biopsia cirúrgica ;
2.215.- Face à urgência manifestada pelo Réu, o HCVP procedeu à marcação do internamento da Autora e à marcação da intervenção cirúrgica ( biopsia ) logo para o dia 27 de Outubro de 2003;
2.216.- Antes disso, a Autora realizou por indicação do Réu, mais uma ortopantomografia no dia 23 de Outubro de 2003;
2.217. - A Autora entregou ao Réu os resultados dos exames imagiológicos, tendo-os analisado nessa altura;
2.218. - No dia do internamento referido em 2.28., a Autora foi objecto da biopsia cirúrgica, realizada pelo Réu, na qual lhe foram extraídas peças para análise;
2.219.- No dia 17 de Novembro de 2003, o Laboratório de Anatomia Patológica do HCVP emitiu o relatório do exame às peças retiradas na biopsia cirúrgica realizada pelo Réu em 27 de Outubro de 2003, relatório esse assinado pela Médica Patologista, Senhora Dra. …….,, onde consta « Fragmento de tecido ósseo lamelar maduro e denso e fragmentos de tecido fibroso - Osteoma » - cf. fls. 67;
2.220. - Após ter recebido o resultado do exame anotomopatológico, o Réu telefonou à Autora e informou-a que a mesma tinha um osteoma;
2.222.- O Réu assumiu a posição de que a Autora tinha de ser operada;
2.240. -Na presença de toda a história clínica e exames, estava indicado a realização de uma "ostectomia" da região do dente 46, feita em 27 de Outubro de 2003 e também referida a 28 e 218., da mandíbula" e que se demonstrou relevante para a análise anatomopatológica de uma amostra do osso;
2.241.- Na intervenção cirúrgica referida, procedeu-se à ostectomia ("remoção do osso") da tábua externa da zona do dente 46 e da zona óssea afectada ao nível do osso esponjoso ( também chamado "trabecular" ou "medular" ), por curetagem entre os dentes 45 e 47, até à cortical interna da mandíbula que se preservou, tendo o osso corticoesponjoso removido sido enviado para exame anatomopatológico;
2.243.- Foi de seguida solicitado ao Senhor Professor Doutor …….,, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de …….,, especialista em Anatomia Patológica e reconhecida autoridade mundial no campo da Histopatologia Oral e Maxilofacial, auxílio no esclarecimento da situação;
2.244.- No seu relatório foram identificados "hemorragias focais com infiltrado inflamatório de polimorfonucleares, aspectos de necrose ao nível da transição corticoesponjosa e múltiplos focos de infecção bacteriana (provavelmente estafilocócica)" que confirmam o diagnóstico clínico de "osteomielite".
2.245.- Verificou-se também: "ao nível do osso esponjoso que as trabéculas ósseas são mais densas sem atipias, aspecto sugestivo de osteoma trabecular", isto é, constatou-se a inexistência de doença maligna do osso, e a presença de um tumor benigno ao nível trabecular;
2.246.- A patologia diagnosticada, ao nível do osso trabecular do ramo horizontal direito da mandíbula, provocou um terreno desfavorável a uma normal evolução desde o início;
2.247.- A avaliação histopatológica definitiva do caso foi realizada pelo Senhor Professor Doutor …….,, sendo muito relevantes os achados microscópicos, quer ao nível do tecido ósseo corticoesponjoso removido, que R. ao nível dos três dentes extraídos (45, 47 e 48), pois "todos os aspectos descritos concordam com uma infecção crónica em actividade" (vd. relatório do Professor ……., ), quer ao nível ósseo, quer dentário;
2.249.- O R. marcou uma cirurgia, para o dia 29 de Janeiro de 2004, com a plena aquiescência da A., a quem foi toda a sua situação clínica devidamente explicitada;
2.250.- Esta foi realizada pelo R., tendo como ajudantes o Senhor Dr. …….,, Chefe de Serviço de Cirurgia Maxilofacial e o Senhor Dr. ……., Assistente Hospitalar de Cirurgia Maxilofacial do Hospital de …….,;
2.251.- Na referida intervenção cirúrgica procedeu-se à abordagem da região em causa realizando inicialmente a abertura do osso na localização do dente 46;
2.252.- Ao aceder ao nervo dentário inferior e visualizar o seu estado, foi perceptível que a maioria das queixas dolorosas eram originadas pela compressão do nervo por espículas ósseas abundantes, ao longo do trajecto nervoso desde o buraco mentoniano, ao nível do dente 45 até ao dente 48, havendo ausência marcada do osso cortical superior a canal dentário.
Importando de seguida, em face da conjugação da factualidade provada e não provada fixada pelo tribunal a quo, e acabada de transcrever parcialmente, extrair conclusões , a primeira que nos ocorre desde logo sublinhar é a de que, com a mínima segurança, não permitem de todo os referidos elementos considerar que, perante os dados clínicos recolhidos [ v.g. através da observação da paciente, da leitura/análise dos resultados dos exames médicos realizados e do historial clínico da doente ] pelo Réu/apelado, incorreu o mesmo em inequívoco erro de diagnóstico relativamente à enfermidade e/ou patologia que afectava o bem estar da autora, e que a levou inicialmente a - em 26 de Junho de 2002 - consultar o Dr. …….,, médico-dentista.
De igual modo, após a autora não ter visto o seu mau estado de saúde resolvido com a intervenção de 3 médicos [ Dr. …….,; ……., e Dr. …….,] , o que por si só revela não se estar na presença de enfermidade de fácil diagnóstico e de tratamento não complicado/complexo , e de ter sido encaminhada para o Réu, não nos demonstra também toda a factualidade provada que o 1º Réu, por pretensa ligeireza na recolha, abordagem e estudo das causas dos “padecimentos da autora [ v.g. sem a realização de pertinentes exames médicos ] , a tenha de imediato encaminhado para o bloco operatório.
Não se olvidando que a autora, após uma primeira intervenção cirúrgica, submeteu-se depois a várias outras , certo é que não é a factualidade assente outrossim elucidativa a ponto de se poder concluir que o número (6) de cirurgias apenas se justificou em razão de erros de procedimento ou deficientes técnicas utilizadas em intervenções cirúrgicas anteriores, tendo as mesmas ( as posteriores ) sido necessárias para recompor malefícios provocados por cirurgias anteriores realizadas de forma deficiente, v.g. por omissão de actos e/ou práticas habituais e rotineiras, e de todo não desprezáveis pelas mais elementares regras da arte médica ( leges artis ).
No essencial, temos assim que, no âmbito dos cinco momentos capitais que caracterizam a actividade médica [ a anamnese - reportada ao historial clinico da doente - ; o diagnóstico - direccionado para a recolha dos dados amnésicos, interpretação dos sintomas clínicos da doente, uso de meios auxiliares de diagnóstico e adequada valoração dos resultados obtidos ; o prognóstico - relacionado com a antevisão sobre o decurso e desenlace futuro da doença ; a execução do tratamento - relacionado com a aplicação concreta da terapia eleita, com perícia e cuidados necessários a alcançar o fim médico visado ; a fase pós operatória - fase eventual e especifica da actividade medico cirúrgica, de controlo e vigilância do processo subsequente ao acto cirúrgico (38) ] , não nos revela a factualidade provada que tenha a Autora sido vítima de um ERRO médico , que o mesmo é dizer, de uma indevida configuração da realidade subjacente à patologia/enfermidade da doente.
Neste conspecto, importa sublinhar que , não apenas não permite a factualidade assente concluir que foi a Autora vítima de um diagnóstico errado [ maxime porque contrariamente ao veredicto precipitado do Réu/Médico , não padecia a autora de um osteoma no lado direito do maxilar inferior , antes a sua enfermidade resumia-se a um minúsculo e inespecífico foco inflamatório ] como, do mesmo modo, nada justifica concluir que, não fora o referido erro de diagnóstico ( imputável ao 1º Réu ) , todas as intervenções cirúrgicas infligidas à Autora/paciente teriam sido evitadas, porque de todo absolutamente desnecessárias .
Em suma, prima facie, nada permite concluir que enveredou o 1º Réu, no âmbito do tratamento médico ministrado à Autora, por um comportamento nada consentâneo com os mais elementares conhecimentos técnico-científicos que a um médico são exigíveis no exercício da respectiva profissão.
Contribuindo para contrariar/infirmar a conclusão que antecede, recorda-se, certo é que viu-se a autora sujeita a um “calvário “ de intervenções cirúrgicas, umas seguidas de outras, o que , segundo as regras/máximas da experiência técnica [ da ciência médica ] , justifica conjecturar que algo não correu bem, ou que algum procedimento médico terá sido realizado à margem das mais elementares leges artis médicas ou regras técnicas aplicáveis, assim se explicando o referido número “anormal” de actos médicos consecutivos .
A referida interrogação, no nosso entendimento, é perfeitamente compreensível , mas, como adverte J.A. Esperança Pina (39) , não podendo os tribunais basear-se em hipóteses, mas explicar claramente a relação ente a falta e o dano , para tanto necessário é que existam factos subjacentes provados que demonstrem qual a falta médica , e pressupondo a mesma a imperícia ( v.g. utilizando a técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais ) , a imprudência, a desatenção, a negligência ( cumprindo defeituosa­mente a sua obrigação ) e a inobservância dos regulamentos .
Dito de uma outra forma, pressuposto da responsabilização do médico é sempre a existência de um erro médico, qual conduta (40) profissional inadequada resultante de utilização de uma técnica medica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida do doente, e o qual abrange também o erro de diagnóstico, pois que, nesta fase, deve também o médico recorrer à técnica adequada para se abalizar a emitir tal juízo, a par, naturalmente, da observância das regras de cuidado (41).
Ora, com todo o respeito pelo entendimento em contrário da apelante, ainda que claro está com base em pressupostos de facto não provados, o referido juízo não assenta em factualidade concreta que se mostre assente/provada.
Ademais, como bem chama à atenção o STJ no douto Ac. de 15-12-2011 ( acima já citado e o qual integra a nota 34 do presente Ac. ) Não pode ser esquecido que não existe procedimento médico livre de riscos, e sobretudo os actos cirúrgicos comportam uma margem aleatória que pode contender com o resultado. Há sempre uma dose de imprevisibilidade em qualquer intervenção cirúrgica, por mais simples que seja, pois cada patologia tem a sua especificidade, e cada doente reage de modo diverso à enfermidade”.
É que, como salienta também Álvaro Cunha Rodrigues (42), e citando Hans Luttgernão há tratamento cirúrgico curativo no qual, por via de regra, não haja risco; esta é uma realidade que tanto a medicina como o direito devem conhecer”.
Impondo-se concluir, não apontando a matéria de facto provada,com segurança, para que subjacente ao “calvário” sofrido pela Autora apelante esteve um erro médico, ou seja, um acto ilícito e negligente da responsabilidade do 1º Réu , que ao mesmo deu origem, maxime a realização de intervenções cirúrgicas em absoluto não necessárias, temos assim que a decisão absolutória da primeira instância não merece censura.
Consequentemente, a apelação só pode improceder, como improcede.

5. - Em conclusão ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC)
I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente, nas conclusões, concretizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e , bem assim, especificar quais as decisões diversas a proferir pelo ad quem relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados .
II - Em sede de responsabilidade civil médica, porque por regra a obrigação ( contratual ) do médico é de meios, que não de uma obrigação de resultado, incumbe ao doente o ónus de provar a falta de diligência do médico;
III - Ou seja, ao paciente incumbirá a prova de que foi vitima de erro médico , provando v.g. um cumprimento defeituoso do médico, porque vítima de imperícia ( v.g. utilizando a técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais ), de imprudência, de desatenção, de negligência ( cumprindo defeituosa­mente a sua obrigação ) e/ou de inobservância dos regulamentos ;
IV - Feita a prova indicada em III, então sim, tem lugar a presunção de culpa do médico , podendo esta última ser ilidida caso demonstre o médico que agiu correctamente, maxime provando que a desconformidade não se deveu a culpa sua por ter utilizado as técnicas e regras de arte adequadas .

6.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa , em
6.1.- Não conhecer do mérito da impugnação - deduzida pela recorrente A - da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo;
6.2.- Não conceder provimento ao recurso de apelação apresentado por A e, consequentemente :
a) - Manter e confirmar in totum a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

(1) In Recursos em Processo Civil, Almedina, Novo Regime, 2010, Pág. 152.
(2) Ac. de 28/4/2016, proc. nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, e disponível in www.dgsi.pt
(3) Cfr. Ac. do STJ de 18/11/2008, proc. nº 08A3406 e disponível in www.dgsi.pt
(4) Cfr. Ac. do STJ de 1/10/2015, proc. nº 6626/09.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt
(5) Cfr. Ac. do STJ de 15/9/2011, proc. nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(6) Cfr. Ana Luísa de Passos Martins da Silva Geraldes, in Trabalho de Agosto de 2012, publicado na Obra realizada em Homenagem ao Professor Lebre de Freitas.
(7) Cfr. Ac. do STJ de 15/09/2011, Proc. nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1 , in www.dgsi.pt.
(8) Vide os Acs de 23/2/2010 e de 21/4/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt .
(9) Conforme v.g. os Acórdãos do STJ de 13/11/2012, Proc. nº 10/08.0TBVVD.G1.S1, de 4/7/2013, proc. nº 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1, e de 2/12/2013, Proc. nº 34/11.0TBPNI.L1.S1 , todos eles acessíveis in www.dgsi.pt.
(10) Cfr. Ac. do STJ de 1/10/2015, Proc. nº 824/11.3TTLRS.L1.S1 e in www.dgsi.pt.
(11) Cfr. Ac. do STJ de 18/6/2013, Proc. nº 483/08.0TBLNH.L1.S1 e in www.dgsi.pt.
(12) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3/12/2013, Proc. nº 6830/09.0YIPRT.L1-1, e os Acs. do STJ de 2/6/2016, Proc. nº 781/07.0TYLSB.L1.S1, e de 31/5/2016, Proc. nº 1572/12.2TBABT.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.
(13) Ibidem, pág.158/159
(14) Vide v.g. Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, II, pág. 462.
(15) Neste sentido vide de entre muitos outros os Acs. do STJ de 9/12/2012, Proc. nº 1858/06.5TBMFR.L1.S1, de 7 de Julho de 2016, processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, e de 14/7/2016, Proc. nº 111/12.0TBAVV.G1.S1, todos eles in www.dgsi.pt.
(16) Ibidem, pág.159
(17) Cfr. Ac. de 25/6/2014, in Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. Gabriel Catarino e in www.dgsi.pt.
(18) Cfr. João Aveiro Pereira, inO ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil“, www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf‎.
(19) In Acórdão de 7/7/2016, Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1,in www.dgsi.pt.
(20) In Proc. nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, in www.dgsi.pt
(21) In Proc. nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt.
(22) In Proc. nº 449/10.0TTVFR.P2.S1, in www.dgsi.pt.
(23) In Proc. nº 1184/10.5TTMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt
(24) In Procs. nº 3176/11.8TBBCL.G1.S1, e 220/13.8TTBCL.G1.S1, ambos in www.dgsi.pt
(25) In Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt.
(26) Cfr. Acs. de 7/3/2017 [ in Proc. nº 6669/11.3TBVNG.S1 , sendo Relator o Exmº Cons. Gabriel Catarino ] e de 26/4/2016 [ in Proc. nº 6844/03.4TBCSC.L1.S1 , sendo Relator o Exmº Cons. SILVA SALAZAR ] , ambos in www.dgsi.pt.
(27) Como bem chama à atenção o STJ no seu douto Ac. de 7/10/2010 [ In Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. FERREIRA DE ALMEIDA in www.dgsi.pt.] , a tutela contratual é a que mais favorece o lesado na sua pretensão indemnizatória [ face às regras legais em matéria de ónus da prova da culpa - cfr. art.ºs 799.º, n.º 1 e 487.º, n.º 1, ambos do CC ] , e a que, “ sem dúvida, melhor protege o lesado contra eventuais “conspirações do silêncio” em sede probatória”, muito comuns neste tipo de situações!...”.
(28) In “Procriação Assistida e Responsabilidade Médica”, Stvdia Ivridica, n° 21 - BFDC - Coimbra, 1996, págs. 221/222.
(29) Cfr. v.g. J. C. Moutinho de Almeida, in "A Responsabilidade do Médico e o seu Seguro, in "Scientia Jurídica", Tomo XXI, 16/117, pág. 337, e J.A. Esperança Pina, in A Responsabilidade dos Médicos, 3ª Edição, Lidel, pág.114/115.
(30) Cfr. Prof. Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 9ª edição, pág. 971.
(31) Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, ibidem, págs. 754 e segs., e João de Matos Antunes Varela, in Direito das Obrigações, Almedina, 3ª edição, Vol. II, págs. 62 e segs..
(32) Cfr. Prof. João de Matos Antunes Varela, ibidem, pág. 97.
(33) Cfr. v.g. Álvaro Rodrigues, in “Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos “, Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Volume XIV, 2000, Tomo 3, pág. 182, e J. C. Moutinho de Almeida, ibidem, pág. 337.
(34) In Proc. nº 209/06.3TVPRT.P1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. GREGÓRIO SILVA JESUS, e in www.dgsi.pt
(35) Indicado na nota 26 que antecede .
(36) Cfr. João Álvaro Dias, ibidem, pág. 225.
(37) In Responsabilidade Civil Médica ; Um Problema para Além Da Culpa, Coimbra Editora,2008, pág. 29.
(38) Cfr. Maria de Fátima Galhardas , apud Manuel Rosário Nunes, in “O Ónus Da Prova Nas Acções De Responsabilidade Civil Por Actos Médicos”, 2ª Edição, Almedina, pág. 10, nota 5.
(39) Ibidem, pág. 117 e 126
(40) Cfr. J. Germano de Sousa in Negligência e erro Médico, in Boletim da Ordem dos Advogados,nº6, págs. 12-14.
(41) Cfr. Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues , inNa “Responsabilidade Médica em Direito Penal”, ( Estudos dos Pressupostos Sistemáticos ), Almedina, 2007, pág. 291.
(42) InNa “Responsabilidade Médica em Direito Penal”,
( Estudos dos Pressupostos Sistemáticos) , Almedina, 2007, pág. 271.

LISBOA , 29/6/2017


António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator )


Francisca da Mata Mendes ( 1ª Adjunta)


Eduardo Petersen Silva ( 2º Adjunto)