Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
136/17.9YUSTR.L1-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: OPERADORES ECONÓMICOS
COLOCAÇÃO NO MERCADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO CONTRA-ORDENACIONAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. Ao abrigo da legislação em vigor à data dos factos - artº 26 do Dec. Lei nº 192/2000, em conjugação com os artºs 50, art. 2º nº 10) e art.s 10º a 13º) da Directiva 2014/53/EU - a obrigação de marcação dos equipamentos incumbia a quem procedia à sua primeira colocação no mercado, nesse conceito não cabendo os retalhistas.

II. O Dec. Lei nº 57/2017 transpôs já para a ordem jurídica interna portuguesa a Directiva 2014/53/EU, procedendo, no seu artº 52, à revogação do Dec. Lei nº 192/2000.

III. No seu artº 3º, o Dec. Lei 57/2017 define como «Operadores económicos», para efeitos da aplicação do regime aí consignado, o fabricante, o mandatário, o importador e o distribuidor (al. s) e «Colocação no mercado», como a primeira disponibilização de um equipamento de rádio no mercado da EU. (al. e).

IV. Assim, ao abrigo do regime presentemente em vigor, a lei expressamente determina que essa primeira colocação apenas pode ser assacada aos operadores económicos que o Dec. Lei nº 57/2017 enumera, no rol dos quais não se integram os retalhistas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

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I–Relatório:


1.Por sentença de 6 de Junho de 2017, foi julgado parcialmente procedente o recurso de impugnação interposto por w. EPL sa, da decisão proferida pela Autoridade Nacional de Comunicações (anacom), decidindo-se o seguinte:
I)Condeno a recorrente numa coima no montante de dois mil e oitocentos euros (€ 2.800,00), contra-ordenação prevista e punida pela alínea b) do artigo 8º e artigo 33.º, n.º 1, al c) e n.º 2, ambos do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, em conjugação com os artigos 9.º, n.º 2, e 18.º, n.º 3, ambos do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO), relativa aos aparelhos da marca NGS, TV FIGHTER;
II)Condeno a recorrente numa coima de dois mil e oitocentos euros (€2.800,00), para a contra-ordenação praticada em violação do preceituado na alínea b) do art. 8º e artigo 33.º, n.º 1, al c) e n.º 2, ambos do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, em conjugação com os artigos 9.º, n.º 2, e 18.º, n.º 3, ambos do RGCO, relativa aos aparelhos da marca CLEMENTONI, modelo TABLET EDUPAD 7” 4GB (COD: 67055) MY FIRST CLEMPAD;
III)Condeno a recorrente numa sanção de admoestação, para a contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 33.º, n.º 1, al j), e n.º 2, em conjugação com o nº 1 do art. 7º e com nº 1 do art. 27º, do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, relativa aos aparelhos da marca NGS, modelo TV FIGHTER;
IV)Numa sanção de admoestação, para a contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 33.º, n.º 1, al j), e n.º 2, em conjugação com nº 1 do art. 7º, em conjugação com o nº 2 do art. 27º, todos do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, relativa aos aparelhos da marca LENOVO, modelo 60043 (YOGA TABLET 8/);
V)Numa sanção de admoestação, para a contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 33.º, n.º 1, al j), e n.º 2, em conjugação com violação do preceituado no nº 1 do art. 7º, em conjugação com o nº 2 do art. 27º, todos do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, relativa aos aparelhos da marca BEATS, modelo 810-00012-00;
VI)Numa sanção de admoestação, para a contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 33.º, n.º 1, al j), e n.º 2, em conjugação com violação do preceituado no nº 1 do art. 7º, em conjugação com o nº 2 do art. 27º, todos do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, relativa aos aparelhos da marca LENOVO, modelo 60044/YOGA TABLET 8;
VII)Numa coima de dois mil e oitocentos euros (€2.800,00) para a contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 33.º, n.º 1, al s), e n.º 2, e nº 5 do Anexo III ao Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, a título negligente, relativa aos aparelhos da marca MITSAI, modelo RLP151;
VIII)Numa coima de dois mil e oitocentos euros (€ 2.800,00) para a contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 33.º, n.º 1, al q) e n.º 2, em violação do preceituado no nº 5 do Anexo II (aplicável ex vi do nº 1 do Anexo III) ao Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, a título negligente, relativa aos aparelhos da marca MITSAI, modelo RLP151;
IX)Numa coima única no montante de cinco mil e seiscentos euros (€ 5.600,00);
X)Na sanção acessória de perda a favor do Estado dos seguintes equipamentos - da marca NGS, modelo TV FIGHTER, com o número de série 130402092, descrito no Auto de Notícia nº 001/14/M, de 20 de fevereiro, pela prática do ilícito previsto na alínea b) do nº 1 do art. 33º do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, da marca LENOVO, modelo 60043 (YOGA TABLET 8/), com o número de série HB0927CB, descrito no Auto de Notícia nº 6/2014, de 4 de fevereiro, pela prática do ilícito previsto na alínea b) do nº 1 do art. 33º do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, da marca BEATS, modelo 810-00012-00, com os número de série 1CABA12FF0V e 1CABA012FFEJ, descritos no Auto de Notícia nº 89/2013, de 4 de outubro, pela prática do ilícito previsto na alínea b) do nº 1 do art. 33º do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, da marca LENOVO, modelo 60044/YOGA TABLET 8, com o número de série HB08JA2C, descrito no Auto de Notícia nº 27/2014, de 15 de Abril, pela prática do ilícito previsto na alínea b) do nº 1 do art. 33º do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto, caso, no prazo de 60 dias a contar da notificação da decisão final, não seja requerida a devolução dos mesmos selados ou desmantelados.

2.Inconformada, veio a arguida w. EPL sa interpor recurso, alegando em síntese o seguinte:
a)A sentença é parcialmente nula, atento o consignado nos arts 374 nº2 e 379 nº1 al. a) do C.P. Penal (ex vi artº 41 do RGCO);
b)Apenas um dos produtos elencados na matéria de facto dada como assente é de produção própria da recorrente, sendo a arguida apenas retalhista de todos os restantes.
Daqui retira que, no que se refere a todas as imputadas contra-ordenações relativas a produtos que não produz, a responsabilidade não lhe pode ser imputada, dada a sua qualidade de mera retalhista. Supletivamente, e a este título, entende que, ainda que se tenha diversa interpretação legal da que defende, sempre se teria de concluir que a arguida actuou com erro sobre a ilicitude não censurável.
No que se refere ao único produto de marca própria (MITSAI), entende que a documentação por si entregue à Anacom contemplava todos os itens legalmente exigidos. Entende que, em última ratio, a sanção a impor pela prática das condutas imputadas, se deveriam subsumir a admoestação.
Termina pedindo que a sentença seja revogada e declarada nula por falta de factualidade atinente ao elemento subjectivo do tipo legal;
Subsidiariamente, pede a sua absolvição, ficando a matéria relativa apenas ao artigo de marca Mitsai sob censura de admoestação.

3.Igualmente inconformado, veio o Mº Pº apresentar recurso, invocando, em síntese:
O tribunal “a quo” entendeu que, em relação às duas contra-ordenações relativas ao produto Mitsai, a recorrente agiu com dolo eventual e que colocou a possibilidade de a sua conduta ser proibida. Dessa dúvida que imputou à arguida quanto a saber se a sua conduta era proibida ou não, veio o tribunal “a quo” a concluir que aquela actuara sem consciência da ilicitude do facto, que o erro lhe era censurável e que a coima deveria ser especialmente atenuada.
Discorda o recorrente Mº Pº, por considerar que só pode agir sem consciência da ilicitude do facto quando se actua com a convicção, errónea, de que a sua conduta não é proibida.
Do exposto retira que o tribunal “a quo” interpretou e aplicou erradamente o artº 9 do RGCO, no que se refere à determinação dos montantes parcelares e único das coimas.

Termina pedindo que:
a)a sentença a quo seja revogada na parte em que considerou que a arguida agiu sem consciência da ilicitude;
b)Sejam aplicadas coimas parcelares de 5.200 € pelas duas infracções em causa; e,
c)Fixada uma coima única de 8.800 €.

4.Os recursos foram admitidos.
5.Ambos os recorrentes apresentaram respostas, pugnando pela procedência dos pedidos por cada um respectivamente formulados e a improcedência dos contrários. A Anacom acompanhou o recurso do Mº Pº, suscitando todavia a questão da aplicação à recorrente de lei mais favorável (Dec. Lei nº 57/2017, de 9.6), o que importaria na não responsabilização da recorrente por três das contra-ordenações em que foi condenada em pena de admoestação e na manutenção da sua condenação, quanto às restantes, nas sanções constantes na Lei nº 99/2009, por mais favoráveis do que as que resultam do agravamento operado pelo dito Dec. Lei nº 57/2017).
6.Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto acompanhou o seu colega de 1ª instância.
 
II–questões a decidir.
A.Absolvição da recorrente na parte relacionada com os equipamentos que não são de sua marca por, nesses casos, não ser a “pessoa responsável pela colocação do aparelho no mercado”.
B.Nulidades parciais da sentença e alteração da sanção imposta à arguida, no que se refere ao produto de marca Mitsai (desagravamento - arguida/agravamento – Mº Pº).

III.Questão prévia.
1.Na resposta ao recurso apresentado pela recorrente W., alega o Mº Pº que, relativamente a quatro das contra-ordenações imputadas à arguida, foram aplicadas sanções de admoestação. Por tal razão, no seu entendimento, resultará do art. 73.º do RGCO que não é admissível recurso da sentença ou do despacho judicial que apliquem admoestação, e, que se a sentença ou o despacho recorrido forem relativos a várias infracções e “se apenas quanto a alguma das infracções (…) se verificam os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites” (n.º 3 do referido artigo).

2.Apreciando.
i.-Determina o artº 73 do RGCO:
Decisões judiciais que admitem recurso
1- Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
a)- For aplicada ao arguido uma coima superior a (euro) 249,40;
b)- A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c)- O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a (euro) 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d)- A impugnação judicial for rejeitada;
e)- O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2- Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3- Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites.
ii.- Independentemente de outros argumentos que se poderiam invocar, a verdade é que a mera leitura da al. b) do nº 1 do dito artº 73 determina, claramente, a recorribilidade – in totum – do decidido, uma vez que a condenação da recorrente abrangeu a imposição de sanção acessória, no que se refere inclusive às contra-ordenações sancionadas, a título principal, com pena de admoestação.

3.Assim, não se verifica nenhum obstáculo legal à apreciação do recurso interposto pela arguida W., na sua íntegra.

iii–fundamentação.
A.- Absolvição da recorrente na parte relacionada com os equipamentos que não são de sua marca por, nesses casos, não ser a “pessoa responsável pela colocação do aparelho no mercado”.

1.A decisão alvo de recurso deu como provados os seguintes factos:
1)- Em 2014.02.04, foi constatado por Técnicos dos Serviços de Fiscalização da ANACOM que a arguida se encontrava a colocar no mercado, nas suas instalações sitas em Setúbal, 1 equipamento da marca LENOVO, modelo 60043 (YOGA TABLET 8/), com o número de série HB0927CB, que ali se encontrava à venda (cf. Auto de Notícia nº 6/2014, de 4 de Fevereiro, de fls. 13).
2)- Esse equipamento, que havia sido adquirido à C. –, SA, empresa com sede em Portugal, foi recolhido para a realização de análises laboratoriais e ensaios (cf. Factura nº 2013FN40024033, de 13 de Dezembro de 2013, de fls. 15).
3)- A realização de análise técnica e laboratorial daquele equipamento, para verificação dos requisitos técnicos exigidos, foi solicitada em 2014.03.31 (cf. pedidos de ensaios laboratoriais, de fls. 842 e 860).
4)- Analisado o equipamento da marca LENOVO, modelo 60043 (YOGA TABLET 8/), foi constatado que: os equipamentos dessa marca e modelo foram sujeitos ao procedimento de avaliação de conformidade controlo de produção interno e ensaios específicos dos aparelhos; a marcação CE constante da respectiva embalagem não se encontra acompanhada do número de identificação do organismo notificado contactado (cf. Auto de Notícia nº 89/2013, de 4 de Outubro, de fls. 919-920, e Factura nº 131026, de 24 de Julho de 2013, de fls. 931).
5)-  Em 2013.10.04, foi constatado por Técnicos dos Serviços de Fiscalização da ANACOM que a arguida se encontrava a colocar no mercado, nas suas instalações sitas em Almada, 2 equipamentos da marca BEATS, modelo 810-00012-00, com os números de série 1CABA12FF0V e 1CABA012FFEJ, que ali se encontravam à venda (cf. Auto de Notícia nº 89/2013, de 4 de Outubro, de fls. 919-920).
6)Esses equipamentos, que haviam sido adquiridos à M., SA, empresa com sede em Portugal, foram recolhidos para a realização de análises laboratoriais e ensaios (cf. Factura nº 131026, de 24 de Julho de 2013, de fls. 931).
7)A realização de análise técnica e laboratorial daqueles equipamentos, para verificação dos requisitos técnicos exigidos, foi solicitada em 2014.04.01 (cf. pedidos de ensaios laboratoriais, fls. 968 e 974).
8)Analisados os equipamentos da marca BEATS, modelo 810-00012-00, foi constatado que: os equipamentos dessa marca e modelo foram sujeitos ao procedimento de avaliação de conformidade dossier técnico de construção; a marcação CE constante da respectiva embalagem não se encontra acompanhada do número de identificação do organismo notificado contactado (cf. Relatórios nº 1125/2013, de 28 de Outubro, de fls. 917, nº 553/2014, de 20 de Novembro, de fls. 1022 e ss.,e nº 605/2015, de 19 de maio, de fls. 1064).
9)- Em 2014.02.20, foi constatado por Técnicos dos Serviços de Fiscalização da ANACOM que a arguida se encontrava a colocar no mercado, nas suas instalações sitas no Centro Comercial Madeira Shopping, loja 7, 1 equipamento da marca NGS, modelo TV FIGHTER, com o número de série 130402092, que ali se encontrava à venda sem que estivesse acompanhado da declaração de conformidade com os requisitos essenciais aplicáveis a fornecer ao utilizador (cf. Auto de Notícia nº 001/14/M, de 20 de Fevereiro, de fls. 1075).
10)- Esse equipamento, que havia sido adquirido à S., SA, empresa com sede em Espanha, foi assim apreendido (cf. Factura nº VFT7522/752340468, de 15 de Outubro de 2013, de fls. 2479).
11)- A realização de análise técnica e laboratorial daquele equipamento, para verificação dos requisitos técnicos exigidos, foi solicitada em 2014.05.22 (cf. pedido de ensaios laboratoriais, de fls. 1267).
12)- Analisado o equipamento da marca NGS, modelo TV FIGHTER, foi constatado que: os equipamentos dessa marca e modelo foram sujeitos ao procedimento de avaliação de conformidade controlo de produção interno e ensaios específicos dos aparelhos; não se encontra aposta a marcação CE na embalagem do equipamento; não se encontra acompanhado de declaração de conformidade com os requisitos essenciais aplicáveis a fornecer ao utilizador que seja válida, uma vez que aquela que o acompanha não menciona a Directiva 1999/5/CE (cf. Relatórios nº QUEST-DLM-002-14, de 20 de Fevereiro, de fls. 1074 e ss., e nº 283/2015, de 11 de Março, de fls. 1280 e ss.).
13)- Em 2014.02.07, foi constatado por Técnicos dos Serviços de Fiscalização da ANACOM que a arguida se encontrava a colocar no mercado, nas suas instalações sitas no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, 1 equipamento da marca CLEMENTONI, modelo TABLET EDUPAD 7” 4GB (COD: 67055) MY FIRST CLEMPAD, sem número de série visível, que ali se encontrava à venda sem estar acompanhado da declaração de conformidade com os requisitos essenciais aplicáveis a fornecer ao utilizador (cf. Auto de Notícia nº 21/2014, de 7 de Fevereiro, de fls. 1310).
14)- Esse equipamento, que havia sido adquirido à S., SA, empresa com sede em Espanha, foi assim apreendido (cf. Factura nº VFT7522/752348040, de 5 de Dezembro de 2013, de fls. 2480).
15)- A realização de análise técnica e laboratorial daquele equipamento, para verificação dos requisitos técnicos exigidos, foi solicitada em 2014.09.24 (cf. pedidos de ensaios laboratoriais, de fls. 1681 e 1689).
16)- Analisado o equipamento da marca CLEMENTONI, modelo TABLET EDUPAD 7” 4GB (COD: 67055) MY FIRST CLEMPAD, foi constatado que: os equipamentos dessa marca e modelo foram sujeitos ao procedimento de avaliação de conformidade dossier técnico de construção; não se encontra acompanhado da declaração de conformidade com os requisitos essenciais aplicáveis a fornecer ao utilizador (cf. Relatório nº 89/2014, de 13 de Fevereiro, de fls. 1312 e ss., e nº 110/2015, de 28 de maio, de fls. 1724).
17)- Em 2014.04.15, foi constatado por Técnicos dos Serviços de Fiscalização da ANACOM que a arguida se encontrava a colocar no mercado, nas suas instalações sitas no Montijo, 1 equipamento da marca LENOVO, modelo 60044/YOGA TABLET 8, com o número de série HB08JA2C, que ali se encontrava à venda (cf. Auto de Notícia nº 27/2014, de 15 de Abril, de fls. 1753).
18)- Esse equipamento, que havia sido adquirido à C. –, SA, empresa com sede em Portugal, foi recolhido para a realização de análises laboratoriais e ensaios (Factura nº 2013FN40024034, de 13 de Dezembro de 2013, de fls. 1756).
19)- A realização de análise técnica e laboratorial daqueles equipamentos, para verificação dos requisitos técnicos exigidos, foi solicitada em 2014.05.22 (cf. pedidos de ensaios laboratoriais, de fls. 1970 e 1978).
20)- Analisado o equipamento da marca LENOVO, modelo 60044/YOGA TABLET 8, foi constatado que: os equipamentos dessa marca e modelo foram sujeitos ao procedimento de avaliação de conformidade Dossier técnico de construção; a marcação CE constante da respectiva embalagem não se encontrava acompanhada do número de identificação do organismo notificado contactado (cf. Relatório nº 347/2014, de 21 de Abril, de fls. 1770 e ss., e nº 784/2014, de 14 de agosto, de fls. 2015).
21)- Em 2014.10.14, foi constatado por Técnicos dos Serviços de Fiscalização da ANACOM que a arguida se encontrava a colocar no mercado, nas suas instalações sitas no Bombarral, 1 equipamento da marca MITSAI, modelo RLP151, sem número de série visível, que ali se encontrava à venda (cf. Auto de Notícia nº 55/2014, de 14 de Outubro, de fls. 2056-2057).
22)- A MITSAI é uma marca própria da arguida.
23)- Esse equipamento, que havia sido adquirido à L. CO, empresa com sede em Taiwan, foi recolhido para a realização de análises laboratoriais e ensaios (Factura nº 26063887-WF-42460, de 10 de Abril de 2014, de fls. 2061).
24)- Em 2014.11.07 e 2015.07.28 foi solicitado à arguida o envio dos manuais de utilização e técnicos, bem como das declarações de conformidade CE e documentações técnicas, as quais foram enviadas a esta Autoridade em 2014.11.18 e 2015.08.2 (cf. Ofício ANACOM-S070375/2014, de 7 de Novembro, e respectivo aviso de recepção, de fls. 2070-2072, Ofício ANACOM-S051579/2015, de 28 de Julho, e respectivo aviso de recepção, de fls. 2281-2282, e informação enviada pela arguida, de fls. 2073 e ss. e 2283 e ss.).
25)- A realização de análise técnica e laboratorial daqueles equipamentos, para verificação dos requisitos técnicos exigidos, foi solicitada em 2014.11.20 (cf. pedidos de ensaios laboratoriais, de fls. 2193 e 2199).
26)- O fabrico dos equipamentos desta marca e modelo iniciou-se em data não anterior a 2014.03.03 (cf. elementos da documentação técnica enviados pela arguida, de fls. 2074, 2077, 2087, 2103, 2114 e 2149).
27)- Analisado o equipamento da marca MITSAI, modelo RLP151, foi constatado que: os equipamentos dessa marca e modelo foram sujeitos ao procedimento de avaliação de conformidade controlo de produção interno e ensaios específicos dos aparelhos.
28)- A documentação técnica remetida pela arguida à ANACOM relativa à descrição geral do equipamento não está completa, na medida em que respeita apenas à parte de radiofrequência, não incluindo outras informações, tais como a informação relacionada com a compatibilidade electromagnética e a segurança em alta voltagem, o que dificulta a realização de réplicas de testes em laboratório para verificar se o equipamento cumpre todos os requisitos essenciais exigidos pelo Decreto-Lei n.º 192/2000.
29)- O diagrama de blocos remetido pela recorrente à ANACOM não está completo, nomeadamente não relaciona as funções do equipamento, o que dificulta a verificação pela ANACOM se o equipamento cumpre todos os requisitos essenciais exigidos pelo Decreto-Lei n.º 192/2000.
30)- A declaração segundo a qual os ensaios foram efectuados e o aparelho satisfaz os requisitos essenciais aplicáveis, enviada pela arguida à ANACOM foi emitida pela empresa que efectuou o fabrico do equipamento, com sede na China, não tendo sido enviada qualquer declaração assinada pela recorrente.
31)- A falta da declaração de conformidade CE implica que os consumidores não possam ter a garantia de que a conformidade dos equipamentos foi avaliada.
32)- A não aposição da marcação CE em qualquer dos componentes onde ela deve obrigatoriamente estar aposta implica que os consumidores não possam ter a completa garantia de que os aparelhos correspondem aos níveis óptimos de segurança na utilização exigidos ao nível europeu.
33)- A falta da indicação do organismo notificado contactado junto à marcação CE implica que os consumidores não possam mais facilmente ter acesso ao responsável pela garantia da conformidade do aparelho se for verificada em concreto alguma desconformidade.
34)- A falta da documentação técnica legalmente exigida dificulta a fiscalização da conformidade dos equipamentos com as normas aplicáveis relativas à protecção da saúde e à compatibilidade electromagnética.
35)- A arguida conhecia as normas legais aplicáveis à colocação no mercado de equipamentos terminais e de rádio.
36)- A arguida representou como possível que vários equipamentos que comercializava não se encontravam acompanhados de declaração de conformidade com os requisitos essenciais aplicáveis, ou não estivessem devidamente marcados, e conformou se com essa possibilidade, colocando a possibilidade de ser proibido fazê-lo.
37)- A arguida ao enviar os documentos referidos nos pontos 28) a 30) agiu na convicção de que os mesmos eram suficientes e fê-lo, quanto aos documentos referidos em 28) e 29), porque não interpretou as normas legais aplicáveis da forma que mais garantia os interesses tutelados, designadamente no sentido dessas normas exigirem documentos o mais completos possíveis, cuidado esse de que era capaz e, quanto ao documento referido no ponto 30), porque, pelo menos, não leu de forma atenta a lei, designadamente o segmento que refere que quem emite a declaração tem de estar estabelecido na UE, cuidado esse de que era capaz.
38)- A recorrente, no ano de 2015, obteve um resultado líquido de € 5.533.345,51 e um lucro tributável de € 2.716.855,78.

39) A recorrente já sofreu as seguintes condenações:
a.- No processo n.º 700/13.5TBFLG, deste Tribunal, foi condenada por sentença transitada em julgado em 02.07.2014, conforme certidão de fls. 2659 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, numa admoestação, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 27.º, n.º 2, al b), e 33.º, n.º 1, al j), e n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18.08;
b.- No processo n.º 81/16.5YUSTR, deste Tribunal, foi condenada por sentença transitada em julgado em 30.09.2016, conforme certidão de fls.2670 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, numa coima única de € 15.500 pela violação de vários dispositivos legais do Decreto-Lei n.º 192/2000;
c.No processo n.º 132/15.0YUSTR, deste Tribunal, foi condenada por sentença transitada em julgado em 26.02.2016, conforme certidão de fls. 2732 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, numa coima única de € 12.500 pela violação de vários dispositivos legais do Decreto-Lei n.º 192/2000;
d.-  No processo n.º 280/16.0YUSTR, deste Tribunal, foi condenada por sentença transitada em julgado em 20.02.2017, conforme certidão de fls. 2802 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, numa coima única de € 9.000 pela violação de vários dispositivos legais do Decreto-Lei n.º 192/2000.
 
2. E fez a aplicação dos factos ao direito, com os seguintes fundamentos:
À arguida foi imputada a prática das seguintes contra-ordenações: (i)- duas pela violação do disposto no artigo 8.º, al b), do Decreto-Lei n.º 192/2000; (ii) uma contra-ordenação pela violação do artigo 7.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 27.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 192/2000; (iii) quatro pela violação do artigo 7.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 27.º, n.º 2, do mesmo diploma legal; (iv) uma pela violação do nº 5 do Anexo III ao Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto; e (v) e outra pela violação do preceituado no nº 5 do Anexo II (aplicável ex vi do nº 1 do Anexo III) ao Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto.

Analisemos cada uma das infracções:
Começando pela violação do disposto no artigo 8.º, al b), do Decreto-Lei n.º 192/2000:
Estipula o artigo 8.º, al b), do citado diploma, que constitui obrigação dos fabricantes de aparelhos ou dos responsáveis pela sua colocação no mercado: fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho.
A violação destas normas consubstancia a prática de contra-ordenações por força do artigo 33º/1, al c) e n.º 2, do DL nº 192/2000, punidas a título doloso, nos termos gerais (cf. artigo 8.º, n.º 1, do RGCO, e 14.º, do Código Penal, ex vi artigo 32.º, do RGCO) e a título negligente (cf. artigo 33.º, n.º 3).
A questão que se coloca, em face dos fundamentos de recurso invocados pela recorrente, é se as obrigações decorrentes das referidas normas legais impendiam sobre si, designadamente se a mesma era a responsável pela colocação dos produtos em causa no mercado, considerando que os adquiriu a empresas sedeadas no mercado comunitário e em território nacional.
Considera-se que sim, estando em causa a interpretação do conceito de responsável pela colocação do produto no mercado, que já tem sido objecto de entendimentos jurisprudenciais diferentes, não se concordando com a recorrente, mantendo-se a posição que sempre se tem defendido sobre a matéria, sendo certo que a jurisprudência não tem uma posição uniforme. Efectivamente, pelo menos, no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16.04.2013, processo nº 43/12.1YQSTR, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.02.2014 e no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no processo nº 137/16.4YUSTR, perfilhou-se entendimento diferente daquele que é sustentado pela recorrente.
Assim, é sabido que “[i]nterpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, págs. 21 a 26)” . Ou, por outras palavras, [i]nterpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais do Direito Civil, vol. 1º, 6ª ed., pág. 145)” . Isto significa que o texto da lei pode ter várias significações, mas apenas uma será a verdadeira e decisiva, designadamente aquela que se alcançar por via da interpretação legal.
É sabido igualmente que esta tarefa de determinação do verdadeiro e decisivo sentido da lei se faz mediante o recurso a “princípios doutrinários consagrados ao longo do tempo sobre a interpretação das leis, designadamente o apelo ao elemento literal, por um lado, e aos de origem lógica - mens legis ou fim da lei, histórico ou sistemático - por outro” , consagrados no art. 9º, do Código Civil (CC).
Tratando-se de um diploma que transpõe uma Directiva comunitária importa ainda considerar o princípio da interpretação conforme ao Direito Comunitário, sendo jurisprudência constante das instâncias jurisdicionais comunitárias, que “o princípio da interpretação conforme exige que os tribunais nacionais façam tudo o que couber na sua competência, tomando em consideração o conjunto do direito interno e fazendo aplicação dos métodos de interpretação por este reconhecidos, para garantir a plena eficácia da Directiva em causa e alcançar uma solução conforme com a finalidade por ela prosseguida (v., neste sentido, acórdãos Dominguez, já referido, n.° 27, e de 5 de Setembro de 2012, Lopes Da Silva Jorge, C 42/11, n.° 56)” .
Definidos os parâmetros gerais a considerar na tarefa de determinação do sentido da fórmula legal de “responsável pela colocação no mercado” prevista no DL nº 192/2000, verifica-se, em primeiro lugar, que o DL nº 192/2000 não contém nenhuma definição do conceito de mercado. Não refere designadamente se é nacional ou comunitário, se inclui apenas o primeiro interveniente na cadeia comercial ou todos os demais intervenientes até ao consumidor final. Face à ausência de qualquer especificação ou restrição, o elemento literal conduz-nos a um conceito amplo de “responsável pela colocação no mercado”, pois a expressão “mercado” inclui, por definição, todos os actos de transmissão da cadeia comercial desde o fabricante até ao consumidor final. Efectivamente, em todos esses momentos, designadamente fabrico, importação, distribuição e colocação do produto para venda ao consumidor final, há um acto de colocação do produto no mercado e, por isso, um responsável. Considera-se, assim, que o sentido com um acolhimento mais directo na letra da lei é o conceito que inclui não só o importador do produto para o mercado comunitário, mas também o importador/distribuidor para e dentro do território nacional e o retalhista que coloca o produto à venda ao consumidor final.
É este também o sentido que se retira do elemento teleológico. Efectivamente, a ratio legis do diploma está direccionada para o território nacional. Isto resulta, de forma inequívoca do art. 1º do diploma. O que é compreensível que assim seja, pois, como se salienta no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo n.º 137/16.4YUSTR, “muito embora seja uma disciplina de transposição de uma Directiva (Directiva n.º 1999/5/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março) dada a constrita abrangência territorial ao espaço jurídico português do complexo de normas contido no DL 192/2000, é evidente que o legislador português não podia nem estava a legislar para outros espaços soberanos de outros Estados-membros ou referindo-se a mercado de outros estados membros. Ao aludir a mercado ou colocação no mercado estava a indicar essencialmente o mercado nacional e não o mercado da União Europeia. Nem poderia ser de outra forma.” (fls. 687).
Acresce ainda que a conjugação do citado artigo 1.º com o art. 4º do DL nº 192/2000 torna evidente que a preocupação do legislador nacional foi garantir a livre circulação e colocação no mercado nacional do tipo de equipamentos em causa que respeitem determinados requisitos essenciais destinados a garantir a protecção da saúde e da segurança do consumidor. Significa isto que o cumprimento desses requisitos essenciais garante que os equipamentos objecto do diploma possam circular e ser colocados livremente dentro do território nacional, sem exigência de outros procedimentos para além daqueles que o diploma prevê. Ora, o alcance destes objectivos exige necessariamente o envolvimento de todos os operadores que intervêm na cadeia comercial. Efectivamente, considera-se evidente que a protecção da saúde e segurança do consumidor final apenas se consegue alcançar da forma mais eficaz possível se o fabricante, o importador, o distribuidor e o retalhista que coloca o produto à venda ao consumidor final estiverem comprometidos com o cumprimento dos requisitos exigidos pelo DL nº 192/2000. Com efeito, excluir o importador/distribuidor do equipamento para e dentro do território nacional e o retalhista que coloca o produto à venda ao consumidor final significa, num primeiro nível, colocar o consumidor que está em Portugal praticamente refém do controlo efectuado pelo Estado-Membro do fabricante ou do importador do equipamento para a União Europeia. Significa ainda, num segundo nível, que um controlo menos eficiente na origem, designadamente no fabricante ou no importador para o mercado comunitário através de Portugal, irá permitir que o equipamento passe a circular, com mais facilidade, nos demais actos da cadeia comercial de transmissão, pois, ultrapassada a primeira barreira, os demais intervenientes não terão qualquer sentido de dever quanto à necessidade de protecção da segurança e saúde do consumidor no que respeita ao cumprimento dos requisitos essenciais em causa. Ora, se o que se pretende é proteger aquele que está no fim da cadeia considera-se essencial que todos os que intervêm até esse momento derradeiro estejam envolvidos.
O preâmbulo do diploma demonstra que foi este o objectivo do legislador nacional, ao esclarecer que“[m]ais abrangente do que o anterior, o novo regime centra-se na responsabilização dos agentes intervenientes no mercado aos quais compete, através dos procedimentos de avaliação de conformidade e de marcação, garantir o cumprimento dos requisitos e condicionantes aplicáveis”.

Os elementos supra indicados levam-nos a concluir que o legislador nacional assumiu e pretendeu que a formulação de responsável pela colocação no mercado tivesse o sentido referido. E se “não é exigível que um importador [leia-se importador nacional] tenha todos os conhecimentos necessários à certificação técnica da qualidade do produto, é-lhe exigível que faça o mínimo pela defesa do consumidor: se certifique de que cada artigo por si adquirido tem as informações e os requisitos externos de salvaguarda da conformidade exigidos pela Directiva e legislação nacional citada. Desde que o produto tenha as referidas informações e requisitos externos, resultantes de imposição comunitária e não de exigência unilateral do Estado Português, poderá circular livremente no mercado português, em respeito total pelos princípios da livre circulação e da igualdade de tratamento no espaço europeu” .

Ora, este sentido não colide com o princípio da interpretação conforme com o Direito Comunitário, nem com a sua aplicação uniforme, conforme aliás resulta dos fundamentos do acórdão do Tribunal de Justiça, no processo C-40/04. Efectivamente, como resulta dos parâmetros supra enunciados, retirados da jurisprudência comunitária, o princípio da interpretação conforme não significa que o sentido dos conceitos utilizados pelo legislador nacional tenha de coincidir com o sentido adoptado pelo legislador comunitário. Por conseguinte, o conceito de responsável pela colocação no mercado adoptado pela Comissão no Guia relativo à aplicação das Directivas de harmonização técnica comunitária elaboradas com base nas disposições da nova abordagem e da abordagem global, não é, na nossa perspectiva, um elemento decisivo para a interpretação da lei nacional.

Efectivamente, o que importa é que o sentido da lei nacional permita “alcançar uma solução conforme com a finalidade por ela prosseguida”, sendo certo que o Estado Português não ofenderá os Tratados se, indo para além da Directiva, não comprometer as finalidades da mesma, nem ofender, em geral, o Direito Comunitário.

Ora, a interpretação que se considera correta, com respeito naturalmente por entendimento contrário, mostra-se conforme com as finalidades prosseguidas pela Directiva 1999/5/CE e não ofende o Direito Comunitário.

Assim, quanto ao objectivo da criação de um “mercado único aberto e concorrencial dos equipamentos de telecomunicações” (cfr. considerando 2 da Directiva) – um dos objectivos da Directiva 1999/5/CE –, considera-se cristalino que não esteve certamente na mente do legislador comunitário entender que este desiderato apenas se alcançaria se, após o primeiro ato de colocação no mercado comunitário, o produto, mesmo sem a declaração de conformidade a que alude o art. 8º/al d), do DL nº 192/2000, deveria poder circular sem qualquer tipo de controlo, sob pena de se pôr em causa o mercado único. É evidente que o objectivo do legislador comunitário não foi este, mas impedir que os Estados-Membros exigissem requisitos diferentes daqueles que resultam da Directiva. Acresce que é a existência dessa declaração de conformidade que, no âmbito da Directiva, permite a livre circulação do produto.

Quanto ao segundo objectivo, que consiste na protecção da segurança e da saúde dos utilizadores, um conceito de mercado e de responsável pela colocação do produto no mercado com o sentido referido é aquele que garante de forma mais eficaz o cumprimento desse desiderato. Efectivamente, ao proteger o consumidor que adquire o produto em território nacional, mediante o envolvimento de todos os intervenientes na cadeia comercial, o legislador nacional protege também, de forma mais eficaz, todos os consumidores dos demais Estados-Membros que venham a adquirir equipamentos abrangidos pela Directiva mediante a intervenção de um fabricante, importador ou distribuidor com sede em Portugal.

O facto de existirem Directivas comunitárias com um conceito de “colocação no mercado” diferente não afasta as asserções precedentes, pois está em causa a interpretação do conceito à luz do regime previsto no DL nº 192/2000, interpretação essa que, conforme resulta da explicação supra desenvolvida, não semostra desconforme com o direito comunitário.

A Directiva n.º 2014/53/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril de 2014, que ainda não foi transposta, só vem demonstrar como o pensamento do legislador nacional, ao adoptar um conceito de responsável pelo mercado não limitado ao fabricante ou ao importador para o espaço comunitário, está em plena consonância com as finalidades que o Direito Comunitário pretende prosseguir nesta matéria.

E não se invoque também o conceito de “colocação no mercado” que consta no Anteprojecto do Decreto-Lei que se destina a transpor a referida Directiva – cf. https://www.anacom.pt/streaming/DirectivaRED_ProjetoDLei2016.pdf?contentId=1388419&field=ATTACHED_FILE – uma vez que se trata de um documento sem valor vinculativo e que não visa qualquer desiderato de interpretação autêntica da legislação existente.

Por todo o exposto, conclui-se que a recorrente se inclui no conceito de “responsável pela colocação no mercado” pelo que, atentos os factos provados, violou os preceitos supra indicados, em relação aos equipamentos: de marca NGS, modelo TV FIGHTER; e da CLEMENTONI, modelo TABLET EDUPAD 7” 4GB (COD: 67055) MY FIRST CLEMPAD.

Estas contra-ordenações são punidas a título de dolo, nos termos gerais do artigo 8.º, n.º 1, do RGCO e 14.º, do Código Penal (CP), ex vi artigo 32.º, do RGCO, ou a título de negligência (cf. artigo 33.º, n.º 3).

No caso, ficou demonstrado que a recorrente agiu com dolo eventual.

Quanto à culpa, ficou demonstrado que a recorrente colocou a possibilidade da sua conduta ser proibida. Importa, nesta medida, verificar se há um erro sobre a consciência da ilicitude (asserções que são válidas para todas as infracções em relação às quais tal dúvida ficou demonstrada).

Assim, por “erro entende-se a ignorância ou má representação de uma realidade” , realidade essa que pode traduzir-se em elementos de um tipo de ilícito, em certas proibições, em elementos que constituem pressupostos de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa ou em valorações do sistema . O erro sobre elementos de um tipo de ilícito, de certas proibições ou de elementos que constituem os pressupostos de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa reconduz-se, em termos conceituais, por erro intelectual, cuja ignorância ou errada apreensão da realidade corresponde a um problema cognitivo. Este tipo de erro está previsto no art. 8º/2, do RGCO, e conduz à exclusão do dolo, sem prejuízo da punição a título negligente, se for o caso (cfr. art. 8º/3, do RGCO). O erro sobre as valorações do sistema, designado por erro de valoração ou erro moral, traduz-se num problema de natureza axiológica ou de valoração do agente sobre a realidade. Está previsto no art. 9º, do RGCO, e conduz à exclusão da culpa, se for não censurável.

Ora, no caso, não se verifica um erro sobre a proibição, na medida em que a dúvida da recorrente não tem origem num problema cognitivo, de desconhecimento das fontes de direito aplicáveis, pois tinha conhecimento da lei. O facto de existirem decisões dos tribunais que seguem a mesma linha de entendimento defendida pela recorrente não afasta estas asserções, porque as decisões dos tribunais não consubstanciam uma fonte imediata do direito, pelo que não podem corporizar um erro cognitivo sobre a proibição.

Trata-se, na verdade, de um erro de valoração, decorrente de uma interpretação da lei - que não é, com respeito por entendimento diverso, “a verdadeira e decisiva”- e, consequentemente, da licitude ou ilicitude da sua conduta.

Importa, por isso, analisar e decidir se esse erro é ou não censurável, pois a não censurabilidade afasta a culpa, conforme resulta do art. 9º/1, do RGCO.

Segundo Figueiredo Dias, o erro será censurável quando seja possível concluir, em face dos factos provados, que o mesmo teve origem numa “qualidade juridicamente desvaliosa e censurável da personalidade” .

Contudo, acrescenta o mesmo autor, que o facto de não ser “possível determinar positivamente a existência de uma qualidade pessoal censurável na origem da falta de consciência do ilícito não significa que, por isso, deva logo concluir-se pela negação da culpa” , pois a “ligação do dolo do tipo a uma falta de consciência do ilícito e, portanto, a um erro da consciência ética, indicia a existência de uma culpa material e, na verdade, de uma culpa dolosa” . Mais refere que “um tal valor indiciário pode ser invalidado se se lograr a comprovação de que, apesar daquela conexão, a atitude que fundamenta o facto é ainda determinada por pontos de vista de valor que a ordem jurídica reconhece e protege; de que, por outras palavras, apesar daquela conexão, no agente persistiu uma recta consciência ético-jurídica, fundada em uma atitude de fidelidade ou de correspondência a exigências ou pontos de vista de valor juridicamente reconhecidos” .

Paulo Pinto de Albuquerque considera que estes ensinamentos não são aplicáveis ao ilícito de mera ordenação social, salientando e propondo, sobre a questão, o seguinte: como a “culpa contra-ordenacional strictu sensu não se identifica com a culpa penal, pois não tem o mesmo substrato axiológico, ligado à personalidade e à atitude interna do agente, antes se baseia numa “adscrição social de uma responsabilidade” ” , a “censurabilidade da culpa do agente mede-se pela sua responsabilidade social pela evitação da conduta infractora e não pela sua atitude interna, ao invés do que sucede no âmbito do direito penal” .

Quer adoptando um critério, quer o outro, conclui-se que o erro da recorrente é censurável.

Efectivamente, fazendo aplicação dos critérios propostos por Figueiredo Dias, constata-se, no caso concreto, que não ficou demonstrado que a recorrente tenha adoptado o entendimento, contrário àquele que aqui se defende, em defesa ou fundada em exigências ou pontos de vista de valor juridicamente reconhecidos. Com efeito, a recorrente limitou-se a efectuar a interpretação da lei, tendo extraído da mesma um sentido possível que se considera não ser o decisivo. Acresce ainda não ter ficado demonstrado que tal dúvida se deveu aos concretos acórdãos invocados que sustentam a tese defendida pela recorrente.

Consequentemente e não se vislumbrando que no processo de interpretação da lei efectuado pela recorrente tenham interferido valorações que a ordem jurídica reconhece e protege e que a impediram de alcançar o sentido decisivo da mesma, a não ser uma leitura e interpretação diferentes, da responsabilidade plena da recorrente, ter-se-á de concluir que o erro é censurável.

Fazendo a aplicação do critério proposto por Paulo Pinto de Albuquerque conclui-se nos mesmos termos, porquanto o erro da recorrente radica apenas e tão-só numa ação própria de interpretação, pela qual é plenamente responsável. Consequentemente, conclui-se que a recorrente agiu com culpa.

Em face do exposto, conclui-se que a recorrente violou o disposto no art. 8º/al b), do DL nº 192/2000 e, em consequência e à luz do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, ex vi artigo 32.º, do RGCO, incorreu na prática, em concurso efectivo, de duas contra-ordenações previstas e punidas pelo art. 33º/1, al c) e 2, do DL nº 192/2000, não se verificando qualquer causa de justificação da ilicitude ou da culpa.

No que respeita à imputação dos factos à arguida, enquanto pessoa colectiva, não se apurou a pessoa física que praticou os factos. Contudo, atendendo à circunstância dos produtos se encontrarem expostos para venda, num estabelecimento comercial da arguida, não se pode deixar de concluir que os factos foram necessariamente praticados por uma pessoa funcionalmente ligada à arguida, no exercício das suas funções, não havendo qualquer evidência de que tenha agido contra ordens ou instruções daquela. Em consequência, a arguida é responsável pelas infracções referidas, à luz do disposto no artigo 3.º, n.ºs 2 e 3, da Lei nº 99/2009, ex vi artigo 1.º, n.º 3, al g), do mesmo diploma legal.

Destarte, a arguida praticou as duas contra-ordenações imputadas.
*

Quanto à violação do disposto nos artigos 7.º, n.º 1 e 27.º, n.º 1 ambos do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18.08:
Estipula o artigo 7.º, n.º 1, no que ao caso importa que, só podem ser colocados no mercado os aparelhos que estejam devidamente marcados, nos termos constantes do referido diploma.
Por sua vez, preceitua o artigo 27.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, que em todos os aparelhos que obedeçam aos requisitos essenciais aplicáveis deve ser aposta a marcação CE de conformidade com o anexo VI, a qual deve: a) ser visível, legível e indelével; b) ser aposta no produto ou na respectiva chapa de características, bem como na embalagem, caso exista, e nos documentos que acompanham o produto.
A violação de tais deveres consubstancia uma contra-ordenação por força do artigo 33.º, n.º 1, al j), e nº 2, do Decreto-Lei n.º 192/2000. Considera-se aplicável a al j) do n.º 1 do artigo 33º e não a al b), porquanto a al j) é mais específica.
Os sujeitos responsáveis por esta infracção são aqueles a quem, por força do artigo 26.º, compete a obrigação de proceder à marcação dos aparelhos, designadamente o fabricante, o representante legal na União Europeia ou a pessoa responsável pela colocação do aparelho no mercado.
No caso, são válidas as asserções tecidas sobre o conceito de responsável pela colocação no mercado, relativamente ao erro sobre a ilicitude e bem assim sobre a responsabilidade da recorrente enquanto pessoa colectiva, pelo que, face aos factos provados, se conclui que foram violados os citados preceitos legais em relação ao equipamento da marca NGS, modelo TV FIGHTER, tendo ficado demonstrado que a recorrente agiu com dolo eventual e não se verificando qualquer causa de justificação da ilicitude ou da culpa.
Por conseguinte, impõe-se a condenação da recorrente pela contra-ordenação imputada.
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Quanto à violação do disposto nos artigos 7.º, n.º 1 e 27.º, n.º 2 ambos do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18.08:
Preceitua o artigo 27.º, n.º 2, que sempre que forem realizados os procedimentos previstos nos anexos III, IV e V, a marcação deve ser acompanhada do número de identificação dos organismos notificados contactados.
A violação de tais deveres consubstancia uma contra-ordenação por força do artigo 33.º, n.º 1, al j), e nº 2, do Decreto-Lei n.º 192/2000. Considera-se aplicável a al j) do n.º 1 do artigo 33º e não a al b), porquanto a al j) é mais específica.
Os sujeitos responsáveis por esta infracção são aqueles a quem, por força do artigo 26.º, compete a obrigação de proceder à marcação dos aparelhos, designadamente o fabricante, o representante legal na União Europeia ou a pessoa responsável pela colocação do aparelho no mercado.
No caso, são válidas as asserções tecidas sobre o conceito de responsável pela colocação no mercado, relativamente ao erro sobre a ilicitude e bem assim sobre a responsabilidade da recorrente enquanto pessoa colectiva, pelo que, face aos provados, se conclui que a recorrente violou os normativos citados em relação aos equipamentos de: marca LENOVO, modelo 60043; marca BEATS, modelo 810-00012-00; e marca LENOVO, modelo 60044/YOGA TABLET 8. Mais ficou provado que agiu com dolo eventual, não se verificando qualquer causa de justificação da ilicitude ou da culpa.
Por conseguinte, impõe-se a condenação da recorrente pelas três contra-ordenações imputadas.
*

Quanto à violação do n.º 5, do Anexo III, ao Decreto-Lei n.º 192/2000:
Nos termos deste preceito legal, compete ao fabricante, ao seu representante legal ou ao importador, em qualquer dos casos estabelecido na UE, declarar que os ensaios foram efectuados, declarar que o aparelho satisfaz os requisitos essenciais aplicáveis e apor o número de identificação do organismo notificado durante o processo de fabrico. Só após a emissão de tal declaração é que os aparelhos podem ser colocados no mercado – cfr. art. 7º/1, do DL nº 192/2000.
A violação de tais deveres consubstancia uma contra-ordenação por força do artigo 33.º, n.º 1, al s), e nº 2, do Decreto-Lei n.º 192/2000.
No caso, a recorrente dispunha de uma declaração de conformidade emitida pela empresa que fabricou o aparelho de marca MITSAI, que é uma marca própria da recorrente. Contudo, esta empresa não está estabelecida na UE, pelo que, pelo menos por esta razão, deveria ter sido a recorrente a emitir a declaração de conformidade.
Mais ficou provado que a recorrente agiu com negligência, designadamente negligência inconsciente.
Assim, nos termos do art. 15º, do CP, ex vi art. 32º, do RGCO, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização (negligência consciente) ou não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto (negligência inconsciente) – art. 15º, do CP, ex vi art. 32º, do RGCO.
Retira-se desta definição legal que a negligência é constituída por um tipo de ilícito objectivo e por um tipo de culpa específico.
Quanto ao primeiro, traduz-se na violação de um dever de cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado, que conduz à realização integral do tipo e que era “previsível e evitável para um “homem médio” prudente, dotado das capacidades do homem médio pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente” .
Densificando estes elementos, importa salientar que o dever de cuidado não corresponde à “observância geral do cuidado com que toda a pessoa deve comportar-se no seu relacionamento interpessoal e comunitário” , mas ao cuidado devido no caso concreto. A individualização e concretização desse cuidado pode promanar de diversas fontes, designadamente: as normas jurídicas existentes; as normas escritas, profissionais e do tráfego, correntes em certos domínios de actividade; os costumes profissionais; a figura-padrão cabida ao caso, ou seja, o “cuidado imposto pelo concreto comportamento socialmente adequado no tráfico”; deveres de informação e omissão; e ponderação entre a utilidade e o risco.
Quanto ao tipo de culpa negligente, consiste na capacidade do agente concreto para observar esse dever. Para tanto, é necessário indagar se o agente concreto, tendo em conta as suas capacidades individuais e os seus recursos, podia ter cumprido ou não o dever objectivo de cuidado omitido.
No caso, a figura-padrão devida no caso impunha que a recorrente efectuasse uma leitura atenta da lei, o que não sucede, tendo ficado demonstrado que era capaz de o ter feito.
Mais são válidas as asserções supra tecidas a propósito da responsabilidade da recorrente enquanto pessoa colectiva, pelo que se conclui que praticou a contra-ordenação imputada.
*

Quanto à violação do nº 5 do Anexo II (aplicável ex vi do nº 1 do Anexo III) do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de agosto:
Este preceito impõe ao fabricante, o seu representante legal ou o responsável pela colocação no mercado a obrigação de manter e disponibilizar a documentação técnica para efeitos de inspecção e fiscalização, durante um período não inferior a 10 anos, contados da data de fabrico do último aparelho. Documentação técnica essa que se traduz na seguinte: “Descrição geral do aparelho; b) Desenhos de projecto e fabrico e esquemas de componentes, subconjuntos, circuitos, entre outros; c) Descrições e explicações necessárias à compreensão dos referidos desenhos e esquemas de funcionamento do aparelho; d) Lista das normas harmonizadas, aplicadas no todo ou em parte, bem como uma descrição e explicação das soluções adoptadas para dar cumprimento aos requisitos essenciais aplicáveis, nos casos em que tais normas não tenham sido aplicadas ou não existam; e) Resultados dos cálculos de projecto efectuados e dos exames realizados, entre outros; f) Relatórios dos ensaios” – cfr. nº 3, do anexo II.
A violação desta obrigação faz incorrer o infractor em responsabilidade contra-ordenacional por força do art. 33º/1, al q), do DL nº 192/2000.
No caso, considera-se demonstrado que a recorrente violou o preceito indicado em relação ao equipamento de marca MITSAI, porquanto, pese embora a lei não especifique o conteúdo exacto de tais documentos, retira-se da sua finalidade - a sua utilização para efeitos de inspecção e fiscalização de modo a permitir a verificação dos requisitos essenciais aplicáveis  – que devem ser o mais completos possíveis, o que não se verificava. E tal interpretação não é incompatível com a Directiva 2014/53/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO. De 16 de abril, uma vez que a Directiva refere, pelo menos, os documentos aí indicados.
Mais conclui-se que a recorrente agiu com negligência (inconsciente), porquanto a figura-padrão devida no caso impunha que efectuasse uma interpretação não minimalista, mas da forma que mais garantia os interesses tutelados, designadamente no sentido dessas normas exigirem documentos o mais completos possíveis, cuidado esse de que era capaz.
Mais são válidas as asserções supra tecidas a propósito da responsabilidade da recorrente enquanto pessoa colectiva, pelo que se conclui que praticou a contra-ordenação imputada.
 
3. O recorrente, em sede conclusiva, alega o seguinte:
(…)

III. Quanto ao mais, e como se alcança do elenco factológico dado como provado - cf “fundamentação de facto” -, apenas o produto indicado no ponto 21 é de marca própria, isto é, de marca que pertence à arguida W., posto que todos os demais equipamentos ali referenciados são aquilo a que vulgarmente se designa de produtos “marca de fornecedor”.
IV. De acordo com o art. 26º DL 192/2000, É da responsabilidade do fabricante, do seu representante legal na União Europeia ou da pessoa responsável pela colocação do aparelho no mercado proceder à marcação dos aparelhos.
V. A colocação no mercado, como sabido, é a disponibilização de um produto a terceiros, a título oneroso ou gratuito, incluindo a importação de países terceiros ou transacção intracomunitária para território nacional.
VI. Assim, relativamente aos produtos que foram adquiridos a fornecedores externos, a responsabilidade para efeitos do que estabelece a falada norma deve ser imputada aos ditos fornecedores - os responsáveis pela colocação dos aparelhos no mercado -, que não à sociedade aqui arguida, mera retalhista que é, e isso, a ser desse jeito, teria (terá) implicações nos sucessivos enquadramentos legais a realizar.
VII. Com acuidade ao caso, o recente acórdão desta Relação, aqui junto como Doc. 1, e ainda estoutro publicado em CJ 2015 tomo V, página 126, segundo o qual,
Sendo o conceito de “colocação no mercado” existente na Directiva 1999/5/CE idêntico ao consagrado no DL 192/2000 de 18 de Agosto, em particular nos seus artigos 8º e 26º (que estabelece o elenco dos responsáveis pelo cumprimento das obrigações), numa situação em que a recorrente não possa ser considerada responsável pela introdução dos equipamentos pela primeira vez num país do mercado comunitário, uma vez que os adquiriu a um operador económico que os adquiriu à sociedade fabricante sedeada na União Europeia, por força do princípio da unidade do sistema jurídico e da adopção de uma interpretação sistemática das nomas jurídicas, não pode ser responsabilizada nem pela falha de colocação da marca CE, nem pela falha ou falta de declaração de conformidade.
VIII. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Évora, disponível em dgsi.pt, e assim sumariado,
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora
Processo: 33/12.4YQSTR.E1           
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores:    PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
ADMOESTAÇÃO
RECURSO PARA A MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO
RESPONSÁVEL PELA COLOCAÇÃO NO MERCADO
Data do Acórdão: 10-09-2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual:RECURSO PARA MELHORIA DA JURISPRUDÊNCIA
Decisão: ADMITIDO E PROVIDO
Sumário:       
I.– A inadmissibilidade legal, decorrente do disposto no art.º 73.º do RGCO, de recurso da aplicação de uma sanção de admoestação, não é inconstitucional face ao disposto no art.º 32.º, n.º 1 e 10, da Constituição.
II.– Não é de receber um recurso interposto para melhoria da aplicação do direito (art.º 73.º, n.º 2, do RGCO) se o único argumento para tal for o de que o recorrente não concorda que em sede de apreciação pelo tribunal da 1.ª Instância do teor da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, aquele tribunal pode dar como provados factos constantes da decisão da autoridade administrativa só porque o impugnante na referida impugnação não os impugnou expressamente, não estando vedada ao tribunal "a quo" a possibilidade de decidir com recurso a prova indirecta, por tal não configurar uma violação do princípio "in dubio pro reo".
III.– Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão: na contra-ordenação prevista no art.º 8.° al.ª b), do Decreto-Lei n.º 192/2000, de 18-8, o conceito de responsável pela colocação no mercado é restrito às entidades que introduzem os produtos em causa pela primeira vez num país da UE: quando estão em causa produtos fabricados no espaço Geográfico da CE a obrigação de fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho, cabe ao fabricante; e quando estão em causa produtos fabricados no espaço geográfico exterior à CE, a obrigação de fornecer ao utilizador declaração de conformidade com os requisitos essenciais, a qual deve acompanhar o aparelho, cabe a quem introduzir o produto na área geográfica da CE.[1]
IX. Num outro vector, situado no enquadramento jurídico que se prende com a tipificação dos arts. 8º b) e 27º do DL 192/2010, o mesmo entendimento, que afasta a responsabilidade do retalhista, e que vem expresso no acórdão da Relação de Lisboa, assim sumariado,
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 47/12.4YUSTR.L1-3        
Relator: VASCO FREITAS
Descritores:    CONTRA-ORDENAÇÃO
DIREITO COMUNITÁRIO
 Nº do Documento: RL
Data do Acórdão: 15-01-2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- Para efeitos da norma do art. 8º, do DL 192/2000, de 18/08, que transpôs o art. 6º, nº 3, 1º período, da Diretiva 1999/5/CE, de 09/03/1999, a expressão “pessoa responsável pela colocação dos aparelhos no mercado comunitário”, deve ser interpretada de acordo com a doutrina europeia, de forma a considerar como responsável pela colocação no mercado dos aparelhos de rádio e de terminais de telecomunicações o agente económico que os introduz no mercado comunitário pela primeira vez.
II- Ao responsável pela colocação no mercado não lhe é exigível que elabore a declaração de conformidade e que verifique ele próprio a conformidade do aparelho com os requisitos essenciais. Trata-se apenas de lhe exigir que proporcione ao consumidor, juntamente com o aparelho, o recebimento efectivo da declaração de conformidade, fornecendo-a com a indicação dos requisitos essenciais (art. 8º, b), do DL 192/2000), os quais consistem na protecção da saúde e da segurança do utilizador (art. 4º, nº 1, a), deste diploma).
III- Para efeitos da contra-ordenação pp pelo art. 33º, nº 1, m) por violação do art. 28º, nº 3, do DL 192/2000, de 18/08, a exigência de versão em língua portuguesa para a documentação, manuais de informação e instruções não se aplica aos aparelhos de rádio e terminais de telecomunicações. E estando o direito das contra-ordenações, como direito sancionatório que é, sujeito ao princípio da legalidade (art. 2º do RGCO), não é legítimo que o intérprete recorra à interpretação e menos ainda à analogia, para suprir as lacunas do legislador, donde, a conduta imputada à arguida não é susceptível de ser sancionada, por falta de tipicidade
(…)

4. Apreciando.
i.- Como se constata pela leitura das conclusões acabadas de transcrever, a recorrente W. assenta os fundamentos da sua crítica essencialmente na interpretação dada pelo tribunal “a quo” a um segmento do texto do artº 26 do Dec. Lei nº 192/2000, designadamente o que se deve entender como “a pessoa responsável pela colocação do aparelho no mercado.”
No seu entendimento, no que concerne a todos os aparelhos que não sejam marca própria da recorrente (designadamente ngs, tv fighter, clementoni,  lenovo e beats), a ausência de cumprimento de requisitos legais deverá ser imputada a outros que não à arguida, precisamente por defender que o segmento acima transcrito do mencionado artigo não pode ser interpretado como assacador da sua responsabilidade nessa matéria, ao inverso do que foi interpretado e decidido pelo tribunal “a quo”. Restaria assim apenas apurar, na economia dos presentes autos, a sua responsabilidade relativamente ao aparelho que é sua marca própria (mitsai).

ii.- Assim, neste segmento decisório, caber-nos-á tomar partido na disputa jurisprudencial no que concerne à interpretação a dar ao vertido no dito artº 26 do Dec. Lei nº 192/2000.

iii.- Avançamos, a este propósito, que a relatora do presente acórdão teve já de tomar posição quanto a tal questão, no acórdão nº 280/16.0YUSTR.L1, de 8 de Fevereiro de 2017, relatado pelo Exº Sr. Desembargador Jorge Raposo, de que foi adjunta, decisão esta, aliás, junta aos autos pela recorrente.
E tal posição não sofrerá qualquer alteração, atendendo, inclusive, às alterações legislativas entretanto operadas (quer a nível de Directivas, quer a nível de direito interno), como adiante melhor se explicará.
 
5. Vejamos então.
i.- Dispunha o citado artigo 26 do Dec. Lei nº 192/2000 o seguinte:
É da responsabilidade do fabricante, do seu representante legal na União Europeia ou da pessoa responsável pela colocação do aparelho no mercado proceder à marcação dos aparelhos.

ii.- O Dec. Lei nº 192/2000, no qual se integrava tal norma, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna, das normas da Directiva n.º 1999/5/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de Março, relativa aos equipamentos de rádio e equipamentos terminais de telecomunicações e ao reconhecimento mútuo da sua conformidade.
Pretendeu-se, como se realça no artº 1 desse normativo, estabelecer o regime de livre circulação, colocação no mercado e colocação em serviço no território nacional dos equipamentos de rádio e equipamentos terminais de telecomunicações, bem como o regime da respectiva avaliação de conformidade e marcação.
Como igualmente consta no seu preâmbulo, o novo regime centra-se na responsabilização dos agentes intervenientes no mercado aos quais compete, através dos procedimentos de avaliação de conformidade e de marcação, garantir o cumprimento dos requisitos e condicionantes aplicáveis. Procedendo a uma distinção clara entre colocação no mercado e colocação em serviço dos aparelhos - e considerando que os equipamentos de rádio e equipamentos terminais de telecomunicações que estejam em conformidade com os requisitos essenciais pertinentes devem ser autorizados a circular livremente -, admite-se o estabelecimento de condicionantes à colocação em serviço dos equipamentos de rádio, em consonância com o regime aplicável às radiocomunicações recentemente publicado.

iii.- As normas aí consignadas surgem na sequência de uma Directiva europeia, sendo o seu propósito a harmonização, dentro do espaço de comércio europeu, das normas portuguesas ao fim último que é o da livre circulação desses equipamentos.
Temos, assim, que o objectivo de tal Dec. Lei não se restringe a uma posição unilateral portuguesa, no que se refere aos condicionalismos de mercado meramente nacional relativo a tais aparelhos, mas antes à sua adequação à livre circulação comercial europeia.

iv.- Nesse âmbito, as necessidades de marcação – a que o artº 26 fazia referência – têm em vista, essencialmente, que se mostrem assegurados os cumprimentos dos requisitos impostos no seu artº 4º, que têm o propósito de protecção essencialmente dos seguintes bens jurídicos:
A protecção da saúde e da segurança do utilizador ou de qualquer outra pessoa;
A protecção contra interferências radioeléctricas, de modo a evitar que se produzam interferências nocivas.   

v.- Tendo em vista esses fins, determina tal norma que a responsabilidade na verificação do cumprimento destes requisitos e sua respectiva marcação incumbe, no que se refere aos aparelhos que sejam disponibilizados em Portugal (isto é, aqui colocados no mercado):
- ao fabricante (se proveniente do espaço europeu);
- ao seu representante legal na União Europeia (se proveniente de fora do espaço europeu);
- ou à pessoa responsável pela colocação do aparelho no mercado.

6. No caso que ora nos ocupa, constata-se que os equipamentos das marcas ngs, tv fighter, clementoni, lenovo e beats foram adquiridos pela recorrente W. a empresas importadoras, na sua qualidade de retalhista. Assim, só haveria lugar à sua eventual responsabilização por falta de cumprimento dos requisitos de marcação, caso se entendesse que esta qualidade se mostrava incluída na definição ampla de “pessoa responsável pela colocação no mercado”.

i.- O tribunal “a quo” entende que tal é o caso, nos termos que acima se transcreveram, embora reconhecendo que a sua interpretação extravasa a que decorre da actual Directiva 2014/53/EU referindo que o que importa é que o sentido da lei nacional permita “alcançar uma solução conforme com a finalidade por ela prosseguida”, sendo certo que o Estado Português não ofenderá os Tratados se, indo para além da Directiva, não comprometer as finalidades da mesma, nem ofender, em geral, o Direito Comunitário.

ii.- Mas não lhe assiste razão.
Na verdade, o artigo 50 da Directiva 2014/53/EU determina que a Directiva 1999/5/CE é revogada com efeitos a partir de 13 de Junho de 2016, bem como que “as referências à directiva revogada devem entender-se como sendo feitas à presente directiva e devem ser lidas de acordo com a tabela de correspondência constante do anexo VIII.”
Por seu turno, o Dec. Lei nº 57/2017, transpôs já para a ordem jurídica interna portuguesa a Directiva 2014/53/EU, procedendo, no seu artº 52, à revogação do Dec. Lei nº 192/2000.
Este novo Dec. Lei entrou em vigor no dia 10 de Junho de 2017, ou seja, 4 dias após a prolação da sentença em apreciação nos autos.

iii.- Consignamos, não obstante, que no caso presente, atenta a interpretação já por nós sufragada ao abrigo do anterior regime legal, entendemos que quer se aplique o anterior ou o novo regime, a solução a dar à questão aqui proposta será similar, pelo que não haverá necessidade de proceder à aplicação retroactiva da nova lei.

7. Prosseguindo.
No que se refere à lei vigente à data da prática dos factos:

i.- O Dec. Lei nº 192/2000 (onde se mostra inserido o dito artigo 26 que o tribunal “a quo” invoca) transpôs as normas ínsitas na Directiva revogada (a de 1995). Ora, à data em que os factos ocorreram, já havia sido emitida a Directiva 2014/53/EU, pelo que não poderia o tribunal “a quo” ignorar o que aí se mostrava vertido, pelo menos para efeitos interpretativos, pois o próprio texto do artº 50 da nova Directiva impõe que a interpretação a realizar terá de ser conforme com o que aí se mostra vertido.

ii.- E o que sucede é que, no âmbito desta nova Directiva, aí se mostra definido que:
a.- “colocação no mercado” corresponde “à primeira disponibilização de um equipamento de rádio no mercado da União” (art. 2º nº 10);
b.- os “operadores económicos” sujeitos aos deveres aqui em apreciação são os fabricantes, os importadores e os distribuidores (art.s 10º a 13º).

iii.- Se assim é, daqui decorre que nessa expressão – e de acordo com a Directiva emanada pela União Europeia, que pretende uniformizar o entendimento, a este propósito, no território europeu – não se mostra incluída a actividade prosseguida pela Recorrente, em relação aos equipamentos de marca ngs, tv fighter, clementoni,  lenovo e beats.
Efectivamente, a recorrente não foi a primeira entidade a disponibilizar os equipamentos no mercado (pois quem teve tal actividade foram as empresas importadoras), nem a sua actuação se engloba no conceito de operador económico, uma vez que actuou na qualidade de retalhista (e não de fabricante, importadora ou distribuidora).

iv.- Cremos, pois, que a posição assumida pelo tribunal “a quo” se revela desapoiada pela legislação aplicável, pois pretende englobar no conceito de introdutor no mercado quem, em termos da globalidade europeia, não terá essa responsabilidade em nenhum outro dos países que formam o mercado livre, já que a Directiva 2014/53/EU se aplica a todos os países da União Europeia.
Não se vê, assim, como uma interpretação desconforme com o que taxativamente se refere naquela Directiva, não vai para além da mesma, nem ofende os seus princípios. É que se o seu fim é de harmonização legislativa a propósito de uma determinada questão no espaço europeu, a interpretação que o tribunal “a quo” propugna invalida, desde logo, esse escopo…

v.- Para além do mais, o modo como interpreta tal expressão constitui uma verdadeira violação ao princípio da legalidade e da tipicidade pois, na óptica do julgador “a quo” todos – fabricantes, importadores, distribuidores e retalhistas - serão responsáveis pelo cumprimento dos imperativos fixados no acima mencionado Dec. Lei nº 192/2000.
De tal interpretação resultaria que todas estas entidades seriam responsáveis cumulativa ou sucessivamente (ignoramos qual a resposta que seria dada a tal questão), solução que desde logo se mostra excluída pela própria letra da lei, pois o artº 26 utiliza a conjunção alternativa ou e não a conjunção coordenativa e.
Diga-se, aliás, que levando-se esta interpretação ao limite, se alguém – uma empresa, por exemplo – adquirir algum destes equipamentos para os oferecer, também na óptica da solução defendida pelo tribunal “a quo”, poderá ser responsável ao abrigo do vertido no mencionado artigo, pois através dessa aquisição e oferta pôs no mercado um bem abrangido pela norma.

vi.- Por seu turno, o Mº Pº, na sua resposta, propõe uma interpretação mais restritiva, reduzindo-a à primeira colocação no mercado – no caso ao importador – considerando que todos os posteriores intervenientes deverão apenas realizar procedimentos básicos de verificação e “Sempre que um qualquer interveniente na cadeia de transmissão do produto constate que um desses requisitos formais/externos/básicos não se verifica, não deverá colocar o produto no mercado e deverá devolver o produto ao seu fornecedor ou exigir-lhe que efectue os procedimentos necessários para o cumprimento dos requisitos formais. A ausência de requisitos formais poderá ser um sinal de alerta de que o produto não respeita os requisitos essenciais.“

vii.- Todavia, dir-se-á, ainda que tal comportamento possa ser exigível, a verdade é que esse tipo de actividade ou omissão não é comportamento que se mostre integrado no artº 26, pois não é o que aí se previne e tipifica.

viii.- E tanto assim é que, no caso dos autos, o Mº Pº defende que a responsabilidade da recorrente decorre do facto de ser a importadora dos equipamentos, o que, salvo o devido respeito, não é o que se mostra dado como provado na matéria factual apurada pelo tribunal “a quo” (vide ponto 2, 6, 10, 14 e 18); ou seja, interpretando-se – como não se pode deixar de fazer, face ao teor da Directiva 2014/53/EU – que a expressão “colocação no mercado” se refere à primeira disponibilização de um equipamento, para o mercado nacional, teremos de concluir que a responsabilidade vertida no artº 26 do Dec. Lei nº 192/2000 recairá ou sobre o fabricante, ou sobre o seu representante na União Europeia ou sobre o importador de tal equipamento, pois é através desta operação que, pela primeira vez, tal bem ficou acessível para ser comercializado em espaço nacional.
 
8. Mantemos assim o nosso acordo ao que se mostra vertido no acórdão nº280/16 acima referido, transcrevendo-se um segmento do mesmo, por conter uma síntese feliz de todos os argumentos que nos levavam a defender o que acabámos de afirmar (no que se refere à interpretação legislativa a realizar antes da entrada em vigor do Dec. Lei nº 57/2017):
O relator subscreveu como adjunto um dos acórdãos que sustenta que o responsável pela colocação dos aparelhos de rádio é apenas o que procede à colocação destes pela primeira vez no mercado interno da União Europeia (proc. 173/15.8 YUSTR.L1).
Salvo o devido respeito por posições opostas é esta a única posição que respeita os princípios da legalidade e da tipicidade, delimitando claramente os responsáveis pela colocação dos aparelhos no mercado e, respeitando os critérios da doutrina europeia, evita as tentações de ampliar o conceito com uma abrangência claramente não pretendida (até ao pequeno retalhista de bairro ou de aldeia).
Efectivamente, como sustenta a jurisprudência citada pela ANACOM, existem valores importantes que não são tutelados com a interpretação que sufragamos. Porém não é propósito do diploma em causa a imputação a todos os retalhistas de novos ilícitos de mera ordenação social para defesa do consumidor.
Aliás, a Directiva 2014/53/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril de 2014, relativa à harmonização da legislação dos Estados-Membros respeitante à disponibilização de equipamentos de rádio no mercado e que revoga a Directiva 1999/5/CE e já está em vigor (art. 50º) é clarificadora da limitação da responsabilidade pretendida, ao definir “colocação no mercado” como “a primeira disponibilização de um equipamento de rádio no mercado da União” (art. 2º nº 10) e ao determinar que são “operadores económicos” sujeitos a deveres, os fabricantes, os importadores e os distribuidores (art.s 10º a 13º) mas não incluindo os retalhistas, como a Recorrente. 
Ou seja, as questões que se colocavam relativamente ao que devia ser considerado como “colocação no mercado” e sobre quais os operadores económicos responsabilizáveis estão esclarecidas no sentido oposto ao sustentado pela sentença recorrida e pretendido pela ANACOM.
Bem andou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.1.2014 supra referido ao sustentar antes da publicação da Directiva 2014/53/EU o que veio a ser consagrado:
«…a expressão “pessoa responsável pela colocação dos aparelhos no mercado comunitário”, deve ser interpretada de acordo com a doutrina europeia, de forma a considerar como responsável pela colocação no mercado dos aparelhos de rádio e de terminais de telecomunicações o agente económico que os introduz no mercado comunitário pela primeira vez».

9. Cumpre então agora apreciar a questão à luz da nova lei interna, designadamente ao abrigo do disposto no Dec. Lei nº 57/2017, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva 2014/53/EU.

i.- No seu artº 3º, o referido Dec. Lei define, para efeitos da aplicação do regime aí consignado, como «Operadores económicos», o fabricante, o mandatário, o importador e o distribuidor (al. s) e «Colocação no mercado», como a primeira disponibilização de um equipamento de rádio no mercado da EU. (al. e).
                                                              
ii.- Ora, como se constata pela leitura de tal dispositivo legal, a obrigação de marcação do equipamento, a que aludia o artº 26 do revogado Dec. Lei nº 197/2000, incumbe, consoante as circunstâncias, a um daqueles operadores económicos (vide artºs 11, 12, 13 e 14).

iii.- O que daqui se retira é simples – essa obrigação não recai sobre o retalhista.

10. Cumpre pois retirar as devidas consequências do que se deixa exarado.

i.- Entende-se, quer ao abrigo da legislação em vigor à data dos factos, quer no que se refere à que se mostra presentemente vigente, que a obrigação de marcação dos equipamentos incumbe a quem procede à sua primeira colocação no mercado, sendo certo que, actualmente, essa primeira colocação apenas pode ser assacada aos operadores económicos que o Dec. Lei nº 57/2017 enumera, no rol dos quais não se integram os retalhistas.
 
ii.- Uma vez que a recorrente W. não é a fabricante nem foi a importadora dos equipamentos de marca ngs, tv fighter, clementoni,  lenovo e beats, tem de ser absolvida da prática das contra-ordenações a que correspondem as coimas aplicadas nos nºs I, II, III, IV, V, VI,  pois não foi aquela quem primeiro disponibilizou aqueles equipamentos de rádio, não sendo a operadora económica sobre a qual recaem os deveres em causa. De igual modo terá de ser revogada a sanção acessória respectiva, relativa aos equipamentos acima mencionados.

11. O conhecimento das restantes questões subsidiariamente propostas fica prejudicado.

12. Restará apenas analisar a responsabilidade da Recorrente pelas infracções relativas ao produto Mitsai, que é de marca própria (facto provado 22), o que será realizado no segmento que segue.

B. Nulidades parciais da sentença e alteração da sanção imposta à arguida, no que se refere ao produto de marca Mitsai (desagravamento - arguida/agravamento – Mº Pº).
1.- Invoca a recorrente W. a este título o seguinte:                                             
I. Questão prévia:
No ponto 37 do acervo factual provado a douta sentença acrescentou o seguinte em parcela relacionada com o chamado elemento subjectivo do ilícito, a culpa (transcrição),
……porquanto não interpretou as normas legais aplicáveis da forma que mais garantia os interesses tutelados, designadamente no sentido dessas normas exigirem documentos o mais completos possíveis….porque pelo menos não leu de forma atenta a lei….”
II O excerto transcrito constitui um juízo conclusivo, representando meras considerações e não propriamente factos, daí que neste particular, que se atém ao elemento subjectivo do tipo legal em apreço, haverá que concluir que existe uma omissão reveladora de nulidade por aporte ao consignado nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a), ambos do CPP, aqui aplicáveis ex vi art. 41º nº1 do RGCO, nulidade que ora aqui se argui.
III. Quanto ao mais, e como se alcança do elenco factológico dado como provado - cf “fundamentação de facto” -, apenas o produto indicado no ponto 21 é de marca própria, isto é, de marca que pertence à arguida W., posto que todos os demais equipamentos ali referenciados são aquilo a que vulgarmente se designa de produtos “marca de fornecedor”.
(…)X. Já no tocante ao artigo Mitsai, que é marca da arguida, a instância entendeu alterar a factualidade a situar em sede de factos provados, usando para tanto o mecanismo previsto no art. 358º nº 1 do CPP.
XI. Na parte que aqui releva a directiva 2014/53/EU estabelece o seguinte quanto à descrição técnica, e mormente quanto à descrição geral do equipamento:
“A documentação técnica deve conter, se aplicável, pelo menos os seguintes elementos:
a)- Uma descrição geral do equipamento de rádio, incluindo:
i)- fotografias ou ilustrações que apresentem as características externas, a marcação e a disposição interna;
ii)- versões do software ou do firmware susceptíveis de afectar a conformidade com os requisitos essenciais;
iii)- informações destinadas aos utilizadores e instruções de instalação;
XII. Ora, e desde logo, não se vê como a descrição geral do equipamento Mitsai ínsita na documentação que foi entregue pela arguida possa colidir com a apontada exigência normativa, pois que os três itens transcritos supra estão contemplados na tal documentação.
XIII. A ANACOM sempre poderia aceder aos respectivos relatórios de compatibilidade electromagnética e segurança de baixa voltagem, então juntos pela arguida, os quais continham todas as informações relativas aos testes realizados, testes esses que poderiam ser replicados com base nos tais relatórios.
XIV. A directiva 2014/53/EU que revogou a anterior directiva 1999/5/CE – conforme informação constante no site da ANACOM, que transcrevemos, Directiva 2014/53/UE relativa à harmonização da legislação dos Estados-Membros respeitante à disponibilização de equipamentos de rádio no mercado e que revoga a Directiva 1999/5/CE. http://eur-lex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/?uri=uriserv:OJ.L_.2014.153.01.0062.01.POR – não faz qualquer referência àquilo que se designa por diagrama de blocos propriamente dito, nem correspondentemente alude ao hipotético seu nível de detalhe. 
XV. De resto, é a própria instância que reconhece isso na pág. 18 da douta sentença, ao dizer que (transcrição), …apesar da lei não especificar o grau de detalhe dos documentos técnicos…
XVI. A declaração CE do equipamento marca Mitsai foi emitida pelo fabricante Chinês, a W., enquanto aqui responsável pela colocação do produto no mercado, fez acompanhar o dito equipamento de uma sua declaração de conformidade em formato “simplificado”, a qual estava inserida no manual de instruções do equipamento (também já nos autos).
XVII. A instância ao considerar insuficientes os documentos juntos pela arguida nesta parte, e punindo-a, violou os princípios da legalidade e da tipicidade, pois que em jeito de interpretação extensiva, que sempre lhe estaria vedada nesta sede, acabou por lançar mão de uma espécie de alongamento do tipo legal, nele inserindo o que nele não está inserido, e quando foi a própria instância a reconhecer, como acima se enfatizou, que a lei não especifica o grau de detalhe dos documentos técnicos (sic).
XVIII. Mesmo que a arguida fosse a responsável pela colocação dos produtos no mercado – e já se viu que assim não é, ou não pode ser, pelo menos no tocante a artigos que não sejam de sua marca – curial seria reconhecer que a mesma, face à manifesta divergência detectada na jurisprudência, teria actuado em erro sobre a ilicitude não censurável, o que afastaria a culpa – cf. Art. 9º nº 1 do RGCO.
XIX. Como se exarou no acórdão da Relação de Lisboa publicado na CJ 2014, tomo V, pág. 141 …essa falta de consenso existe quanto a um elemento normativo manifestamente desprovido de um sentido axiológico-social eticamente relevante não podendo ser assacada à arguida um consistente e persistente “contrariedade ao dever” de se informar.
XX. Por fim, estando a douta sentença recorrida endereçada em moldes de atribuir, pelo menos em certa parte, a comissão dos imputados ilícitos a título de negligência inconsciente, modalidade culposa consabidamente menos grave, haveria motivo aí, isto a sobressair matéria capaz de integrar a comissão dos apregoados ilícitos, e expurgados os produtos que são de “fornecedor”, para chamar à colação o nº 1 do art. 51º do RGCO, de acordo com o qual,
Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
XXI. Violados foram os arts. 7º, 8º, 9º, 27º e art. 33º, todos do DL 192/2000, bem como o art. 51º nº 1 do RGCO.
XXII. Deve, pois, a presente (e douta) sentença ser revogada e declarada nula por falta de factualidade atinente ao elemento subjectivo do invocado tipo legal, e substituída por outra que absolva a recorrente das imputadas práticas contra-ordenacionais, ficando a matéria relativa ao artigo Mitsai no limite sob a censura de uma admoestação, isto sem prejuízo de a final se entender que em face das divergências conhecidas e que se projectam em distintas decisões dos Tribunais no domínio desta temática – colocação do produto no mercado – se concluir que a arguida agiu em erro sobre a ilicitude não censurável, fazendo daí retirar as devidas consequências.

2. Invoca o recorrente Mº Pº o seguinte:
I.- O Tribunal a quo deu como provado que “35) A arguida conhecia as normas legais aplicáveis à colocação no mercado de equipamentos terminais e de rádio. 6) A arguida representou como possível que vários equipamentos que comercializava não se encontravam acompanhados de declaração de conformidade com os requisitos essenciais aplicáveis, (…), e conformou-se com essa possibilidade, colocando a possibilidade de ser proibido fazê-lo” (o sublinhado é da signatária).
II.-  Na motivação de facto dos factos provados supra transcritos, o Tribunal a quo fez constar que: “Relativamente aos pontos 35) e 36), não se duvida, de acordo com parâmetros de normalidade e razoabilidade que a recorrente tivesse conhecimento do regime legal aplicável, tendo em conta a sua dimensão e o facto de já ter sido alvo de acusações sobre normas previstas no diploma em causa à data dos factos – cf. fls. 2893 a 2928. Pelas mesmas razões, não se duvida de que tivesse colocado a possibilidade dos aparelhos em causa não cumprirem alguns dos requisitos legais exigidos e se tivesse conformado com a mesma, admitindo-se, contudo, quanto ao conceito de “responsável pela colocação no mercado”, a existência de dúvida quanto à ilicitude dos factos, tendo em conta a defesa apresentada e porque não resultou da prova produzida nada em sentido contrário. No entanto, impõe-se assinalar que da defesa da recorrente não resulta que a jurisprudência concretamente invocada tenha influído, em concreto, no juízo efectuado, concluindo-se, por isso, que se tratou de um entendimento firmado pela própria recorrente em face da análise do regime legal” (o sublinhado é da signatária).
III.-  Em 27/10/2011, a arguida foi notificada de uma acusação proferida pela ANACOM, na qual lhe eram imputados factos ocorridos em 2008 e 2009 e, além do mais, integrantes da contra-ordenação aqui em apreço; na verdade, aí foram-lhe imputadas 2 violações ao art. 8.º al. b) do Decreto-Lei n.º 192/2000. E, em 17/08/2012, a arguida foi notificada de uma outra acusação proferida pela ANACOM, na qual lhe eram imputados factos ocorridos em 2010 e, além do mais, integrantes de 9 violações ao mesmo art. 8.º al. b) do Decreto-Lei n.º 192/2000.
IV.-  O Tribunal a quo considerou que, relativamente às duas infracções em apreço, a recorrente “agiu com dolo eventual. Quanto à culpa, ficou demonstrado que a recorrente colocou a possibilidade da sua conduta ser proibida”. E, tendo dado por assente que a arguida tinha dúvidas sobre se a sua conduta era ou não proibida, o Tribunal a quo veio a concluir que a mesma actuara sem consciência da ilicitude do facto, que o erro lhe era censurável e que a coima deveria ser especialmente atenuada; e, nessa sequência, fixou duas coimas parcelares inferiores às aplicadas pela ANACOM.
V.-  Fê-lo contudo erradamente. Com o devido respeito, parece muito evidente que agir sem consciência da ilicitude do facto é actuar, erroneamente, com a convicção de que a sua conduta não é proibida.
VI.- Se o agente representa como possível que a sua conduta possa ser proibida por lei (ou seja, ilícita), é manifesto que não se está perante um caso de erro sobre a ilicitude.
VII.- Ter dúvidas sobre se a conduta é lícita ou ilícita é coisa diversa de estar convicto de que a conduta não é ilícita.
VIII.- Acresce que, considerando que a arguida (i) se dedica ao comércio de aparelhos vários, em que se incluem equipamentos de rádio e os equipamentos terminais de telecomunicações, (ii) é uma empresa de grande dimensão [no ano de 2014, o seu volume de negócios foi de 661.969.487,60 € e teve um resultado líquido de 8.006.446,78 €], e, (iii) em datas anteriores aos factos aqui em apreço, já tinha sido acusada pela ANACOM por 11 violações ao art. 8.º al. b) do Decreto-Lei n.º 192/2000, julga-se tarefa impossível sustentar que a mesma agiu sem consciência da ilicitude da sua conduta.
IX.Ao considerar que a arguida agiu sem consciência da ilicitude, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erroneamente o art. 9.º do RGCO.
X.- Deverão fixar-se duas coimas parcelares idênticas às aplicadas pela ANACOM pelas violações do art. art. 8.º al. b) do Decreto-Lei n.º 192/2000 – ambas no valor de 5.200 € -, as quais são justas, adequadas, proporcionais e necessárias.
XI.- A coima única deverá ser fixada em 8.800 €.
 
3. Apreciando.
Pese embora as questões de nulidade propostas em ambos os recursos, opta-se por se proceder previamente a uma outra apreciação, designadamente a questão de saber quais as obrigações que a lei impõe, a este título, ao fabricante, tendo em atenção a alteração legislativa a que supra fizemos referência.
Efectivamente, ocorre uma sucessão de leis no tempo, sendo aplicável às contra-ordenações o disposto no artº 2º do C. Penal - ex-vi artº 32 do RGCO-, donde decorre que se terá de apreciar se a nova lei se mostra mais favorável à arguida e, caso a resposta seja afirmativa, proceder à sua aplicação retroactiva, pois o artigo 50 da Directiva 2014/53/EU determina que a Directiva 1999/5/CE é revogada com efeitos a partir de 13 de Junho de 2016, bem como que “as referências à directiva revogada devem entender-se como sendo feitas à presente directiva e devem ser lidas de acordo com a tabela de correspondência constante do anexo VIII.” E, por seu turno, o Dec. Lei nº 57/2017, transpôs já para a ordem jurídica interna portuguesa a Directiva 2014/53/EU, procedendo, no seu artº 52, à revogação do Dec. Lei nº 192/2000, que entrou em vigor no dia 10 de Junho de 2017, ou seja, 4 dias após a prolação da sentença em apreciação nos autos.

4. Vejamos então.
O tribunal “a quo” entendeu que a conduta da recorrente, no que se refere ao equipamento Mitsai, era merecedora de censura, por integrar a seguinte factualidade:
a.- A declaração de conformidade do equipamento ter sido emitida pela empresa fabricante, que não se situa na EU, devendo antes ter sido realizada pela recorrente W.;
b.- A recorrente W. não ter disponibilizado informação sobre compatibilidade electromagnética e segurança de alta voltagem, apresentando um diagrama de blocos incompleto.

5. Determina o artº 11 do Dec. Lei nº 57/2017 o seguinte:
Deveres do fabricante

1 O fabricante tem os seguintes deveres:
a)- Assegurar que os equipamentos de rádio que coloca no mercado são concebidos e fabricados em conformidade com os requisitos essenciais estabelecidos no artigo 4.º;
b)- Assegurar que os equipamentos de rádio são fabricados de forma a poderem ser utilizados em, pelo menos, um Estado-Membro sem infringir as condições de utilização do espectro radioeléctrico em vigor;
c)- Reunir a documentação técnica referida no artigo 21.º;
d)- Efectuar, ou mandar efectuar, o procedimento de avaliação da conformidade adequado nos termos previstos no artigo 17.º;
e)- Elaborar uma declaração UE de conformidade e apor a marcação CE, de acordo com o disposto no artigo 19.º e no n.º 1 do artigo 20.º, nos casos em que a conformidade dos equipamentos de rádio seja demonstrada através do procedimento de avaliação referido na alínea anterior;
f)- Conservar a documentação técnica e a declaração UE de conformidade durante 10 anos a contar da data de colocação do equipamento de rádio no mercado;
g)- Assegurar a existência de procedimentos que mantenham a conformidade da produção em série dos equipamentos de rádio com os requisitos essenciais estabelecidos no artigo 4.º;
h)- Assegurar que as alterações efectuadas no projecto ou nas características dos equipamentos de rádio, as alterações das normas harmonizadas ou de outras especificações técnicas que constituíram a referência para a comprovação da conformidade dos equipamentos de rádio são devidamente tidas em conta;
i)- Quando considerar apropriado, e em função do risco que um equipamento de rádio apresenta e tendo em vista proteger a saúde e a segurança dos utilizadores finais, realizar ensaios por amostragem dos equipamentos de rádio disponibilizados no mercado, investigar e, se necessário, conservar um registo das reclamações dos equipamentos de rádio não conformes e dos equipamentos de rádio recolhidos, informando os distribuidores de todas estas acções de controlo;
j)- Assegurar que, nos equipamentos de rádio colocados no mercado, figura o tipo, o número do lote ou da série, ou quaisquer outros elementos que permitam a respectiva identificação, ou, caso a natureza dos equipamentos de rádio ou as suas dimensões não o permitam, que as informações exigidas constem da embalagem ou de um documento que o acompanha;
k)- Indicar no equipamento de rádio, em língua facilmente compreensível pelos utilizadores finais e pela autoridade de fiscalização do mercado, o seu nome, o nome comercial registado ou a marca registada e o endereço postal de contacto, indicando um ponto de contacto único, ou, caso a natureza dos equipamentos ou as dimensões não o permitam, na embalagem ou no documento que o acompanhe;
l)- Assegurar que o equipamento de rádio é acompanhado de instruções e de informações de segurança, redigidas em língua portuguesa, de forma clara, compreensível e inteligível;
m)- Assegurar que as instruções incluem as informações necessárias para a utilização dos equipamentos de rádio de acordo com os fins previstos e, quando aplicável, a descrição dos acessórios e componentes, incluindo o software, que permitem ao equipamento de rádio funcionar como previsto;
n)- Assegurar que o equipamento de rádio que emite intencionalmente ondas hertzianas está acompanhado de informações sobre as faixas de frequência e a potência máxima de radiofrequência transmitida nas faixas de frequência em que funciona;
o)- Garantir que todas as unidades de um equipamento de rádio são acompanhadas de uma cópia da declaração UE de conformidade ou da declaração UE de conformidade simplificada, de acordo com os requisitos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 18.º;
p)- Garantir que, quando existam restrições de colocação em serviço, ou requisitos de autorização de utilização, as instruções que acompanham o equipamento de rádio e a respectiva embalagem contêm informações que permitem identificar os Estados-Membros ou a área geográfica de um Estado-Membro abrangidos por essas restrições ou requisitos;
q)- Tomar imediatamente as medidas correctivas necessárias para pôr o equipamento de rádio colocado no mercado em conformidade, para o retirar ou para recolher, se adequado, quando considere ou tenha motivos para crer que o mesmo não está conforme com o presente decreto-lei;
r)- Se o equipamento representar um risco, informar imediatamente as autoridades de fiscalização do mercado do Estado-Membro em cujo mercado disponibilizaram o equipamento de rádio fornecendo-lhes as informações relevantes, especialmente no que se refere à não conformidade, às medidas correctivas aplicadas e aos resultados destas;
s)- Facultar, em língua facilmente compreensível pelas autoridades de fiscalização do mercado, mediante pedido fundamentado destas, toda a informação e documentação necessárias, em papel ou, preferencialmente, em suporte electrónico, de modo a demonstrar a conformidade do equipamento de rádio com o presente decreto-lei;
t)- Cooperar com as autoridades de fiscalização do mercado, a pedido destas, em qualquer acção de eliminação dos riscos decorrentes de equipamentos de rádio por si colocados no mercado.
2 Para efeitos do presente decreto-lei, os importadores ou os distribuidores são considerados fabricantes, ficando sujeitos aos mesmos deveres que estes, sempre que:
a)- Coloquem no mercado equipamentos de rádio em seu nome ou ao abrigo de uma marca sua; ou
b)- Alterem os equipamentos de rádio já colocados no mercado em desconformidade com a actual legislação.
 
6. O modo como o cumprimento desses deveres será realizado mostra-se consignado nos vários anexos ao Dec. Lei nº 57/2007, em particular e no caso que ora nos ocupa, no seu Anexo V, que tem o seguinte conteúdo:
Conteúdo da Documentação Técnica
A documentação técnica deve conter, quando aplicável, pelo menos os seguintes elementos:
a)- Uma descrição geral do equipamento de rádio, incluindo:
i)- Fotografias ou ilustrações que apresentem as características externas, a marcação e a disposição interna;
ii)- Versões do software ou do firmware susceptíveis de afectar a conformidade com os requisitos essenciais;
iii)- Informações destinadas aos utilizadores e instruções de instalação.
b)- Os desenhos de projecto e de fabrico, bem como os esquemas dos componentes, subconjuntos, circuitos, e outros elementos semelhantes pertinentes;
c)- Descrições e explicações necessárias para a compreensão dos referidos desenhos, esquemas e funcionamento do equipamento de rádio;
d)- Uma lista das normas harmonizadas, aplicadas total ou parcialmente, cujas referências tenham sido publicadas no Jornal Oficial da UE e, nos casos em que essas normas harmonizadas não tenham sido aplicadas, uma descrição das soluções adoptadas para dar cumprimento aos requisitos essenciais previstos no artigo 4.º, incluindo uma lista de outras especificações técnicas pertinentes aplicadas. Caso tenham sido parcialmente aplicadas normas harmonizadas, a documentação técnica deve especificar as partes que foram aplicadas;
e)- Uma cópia da declaração UE de conformidade;
f)- Caso o módulo de avaliação da conformidade do anexo III tenha sido aplicado, uma cópia do certificado de exame UE de tipo e dos seus anexos, tal como fornecida pelo organismo notificado envolvido;
g)- Os resultados dos cálculos de projecto efectuados, dos exames efectuados e outros elementos semelhantes pertinentes;
h)- Os relatórios de ensaio;
i)- Uma explicação da conformidade com o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º e da inclusão ou não de informações na embalagem, nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 11.º

7. Salvo o devido respeito, não se vislumbra, atentos os princípios da tipicidade e da legalidade que se aplicam no âmbito do direito contra-ordenacional, como as alegadas omissões que a sentença refere se integram em qualquer um destes quadros legais. Lidos e relidos os mesmos, não se mostram aí enunciados os mesmos.

8. Na verdade, potencialmente aplicáveis à situação em questão nos autos seriam apenas as seguintes normas:

i.- No que se refere à declaração de conformidade emitida pelo fabricante chinês, o disposto no artº 11 al. e), que determinaria a aplicação do artº 44.º nº2 al. b) A colocação no mercado de equipamento de rádio sem que lhe tenha sido aposta a marcação CE, ou quando a marcação aposta não cumpra o disposto na alínea e) do n.º 1 artigo 11.º;).
Sucede, todavia, que aí não se exige que seja a W. a emitir tal declaração, sendo que a mesma se mostra feita pelo fabricante.

ii.- No que se refere às restantes omissões, o disposto no nº1 al. s) do artº 11, que determinaria a aplicação do artº 44 nº3 al. f) (…ou não fornecer essa documentação às autoridades de fiscalização do mercado bem como toda a restante informação e documentação necessárias para demonstrar a conformidade do equipamento de rádio com o presente decreto-lei, quando solicitada, em papel ou, preferencialmente, em suporte electrónico e numa língua facilmente compreensível pelas autoridades, ou a respectiva tradução, conforme previsto na alínea s) do n.º 1 do artigo 11.º e no n.º 3 do artigo 5.º, no n.º 4.2 do anexo II, no n.º 20 do Módulo B do anexo III, no n.º 6 do anexo IV e no anexo V;).

Sucede, todavia, que por demonstrar se mostra que a documentação que a sentença invoca ter sido pedida tivesse por objectivo demonstrar a conformidade do equipamento de rádio com o presente decreto-lei.

Na verdade, quando a autoridade de supervisão pede o fornecimento de determinada documentação não expressamente prevista no diploma que analisamos, cabe-lhe fazê-lo através de despacho fundamentado, sendo que o propósito desse pedido de documentação se terá de reportar sempre aos fins que a lei enumera e tipifica. No caso dos autos, essa materialidade não se mostra dada como provada, pelo que não nos é possível concluir que a actuação da recorrente W. se enquadre em alguma das situações que o diploma legal (Dec. Lei nº 57/2017) enumera como normativamente violadoras, em termos contra-ordenacionais.

9. E se assim é, conclui-se que os actos pelos quais o tribunal “a quo” entendeu ser de punir a actividade da recorrente W. não se mostram elencados na actual legislação, razão pela qual, por força do disposto no artº 2º do C. Penal, se deverá proceder à aplicação retroactiva do mesmo, determinando-se a absolvição da recorrente no que se refere aos actos relativos ao equipamento Mitsai.

10. Todas as demais questões suscitadas neste recurso ficam assim prejudicadas.
Por seu turno, o recurso interposto pelo Mº Pº terá de ser julgado, consequentemente, improcedente.

iv decisão.
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto pela arguida w. EPL sa e, em consequência, revoga-se a decisão alvo de recurso e absolve-se a mesma da prática de todas as contra-ordenações que lhe eram imputadas, revogando-se, igualmente, a sanção acessória imposta.
Julga-se consequentemente improcedente o recurso interposto pelo Mº Pº.
Sem tributação.

                     
Lisboa, 25 de Outubro de 2017

(Margarida Ramos de Almeida-relatora
(Ana Paramés)