Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3095/08.5YXLSB.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO
ACÇÃO INIBITÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE/PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - As cláusulas de fidelização que garantem a estabilidade económica do predisponente têm de conferir, em contrapartida, também vantagens de ordem comercial ao aderente, pelo que não resultando comprovadas quais sejam essas específicas vantagens no caso em apreço seja de considerar uma tal cláusula proibida à luz do art. 22, nº 1, al. a), do DL nº 446/85;
II - Ainda que comprovada a adopção de um novo modelo do contrato por parte do predisponente, em que foram alteradas ou eliminadas cláusulas cuja validade se discute em acção inibitória, daí não resulta a inutilidade superveniente da lide, pois esse novo modelo apenas respeita a contratos futuros, mantendo-se, porventura, tais cláusulas noutros ainda vigentes, nada impedindo, por outro lado, o predisponente de os alterar, uma vez mais, para a versão anterior ou equiparada, caso não haja decisão quanto a tal matéria;
III - A estipulação contratual sobre o foro competente apenas se justifica quando, mesmo envolvendo graves inconvenientes para uma das partes, se mostre, ainda assim, suficientemente justificada pela necessidade de protecção dos interesses da outra;
IV - A publicitação da decisão judicial que determina a proibição do uso de certas cláusulas contratuais não visa punir o predisponente, mas antes dissuadir a utilização de cláusulas nulas e informar os aderentes, dando ainda a conhecer aos outros tribunais a orientação adoptada quanto a cada cláusula pelo tribunal encarregado da acção.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:

Veio o Ministério Público, ao abrigo do disposto nos arts. 25 e 26, nº 1, al. c), do DL nº 446/85, de 25.10, instaurar contra B…, S.A., acção declarativa sob a forma sumária, invocando, em síntese, que celebrando a Ré, no âmbito do seu objecto social, contratos de disponibilização de instalações e equipamentos para a prática desportiva de lazer, para o que apresenta aos interessados um contrato de adesão sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, a mesma inclui nesse contrato-tipo cláusulas cujo uso é proibido por lei. Assim, e pelas razões que enuncia, pede que sejam declaradas nulas as seguintes cláusulas: 5ª, nº 1, alíneas c) e e), 6ª quanto ao prazo inicial de vigência do contrato, 7ª, nº 2, na parte respeitante à não restituição das quantias pagas, 7ª, nº 5, ponto 1, na parte em que é exigida a aceitação pelo clube, 7ª, nº 5, ponto 2, quanto à menção “Caso a direcção do clube não delibere sobre o pedido ou, em qualquer caso, não comunique a sua deliberação ao sócio no prazo de 30 dias, considera-se o mesmo tacitamente não aceite” e quanto à clausula penal fixada, 9ª, nº 1, e 12ª, condenando-se a Ré a abster-se de as utilizar nos contratos que de futuro venha a celebrar. Pede, ainda, a condenação da mesma Ré a dar publicidade a tal proibição e a comprová-lo nos autos, em prazo a determinar, devendo aquela ser efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a 1/4 de página.
Contestou a Ré, impugnando a alegação constante da p.i. e defendendo a validade de cada uma das cláusulas assinaladas. Pede a improcedência da acção.
Foi elaborado despacho saneador, dispensando-se a selecção da matéria de facto.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, e após fixada a matéria assente, foi proferida a seguinte sentença: “(...) decido julgar a presente acção provada e parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declaro proibidas as seguintes cláusulas, ínsitas no contrato designado “… Health Club, Contrato de Adesão – Cláusulas Gerais”, elaborado por L…. SA, condenando a ré a abster-se de as utilizar:
• “5.1, alínea e), na parte em que determina que: O clube reserva-se o direito de alterar as instalações e actividades disponibilizadas continuando o sócio responsável pelo pagamento das quotas.”;
• “ 6., na parte em que estipula que: O presente contrato vigora pelo período mínimo de 12 meses, a partir da data de início identificada no contrato de adesão”;
• “7.2, na parte em que estipula que: sem que lhe assista (ao sócio) o direito de reaver quaisquer quantias pagas.”;
• “7.5.2, na parte em que estipula: Caso a Direcção do clube não delibere sobre o pedido ou, em qualquer caso, não comunique a sua deliberação ao sócio no prazo de 30 dias, considera-se o mesmo tacitamente não aceite. Se o pedido for aceite, o sócio ficará apenas obrigado a pagar 50% do remanescente da quota anual.”;
• “9.1 – O Clube poderá transmitir a sua posição contratual, nomeadamente, em resultado de fusão, cisão, qualquer outra alteração do seu contrato de sociedade ou outra forma de transmissão de estabelecimento.”;
• “12. - Para todas as questões emergentes ou relacionadas com o presente contrato é competente o foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, sendo a opção realizada por aquela que se situe mais próximo do domicilio relevante do sócio, por forma a que não resultam graves inconvenientes para o mesmo”, absolvendo-se do demais peticionado quanto a esta matéria.
b) Condeno a ré a dar publicidade à proibição determinada, em anúncio, de tamanho não inferior a 1/4 de página, a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem, no País, durante três dias consecutivos, comprovando no autos essa publicidade, em 10 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença.
c) Condeno autor e ré nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 2/9 e 7/9, respectivamente, encontrando-se o autor isento do pagamento de custas – art. 446º do C. Processo Civil.”
Inconformados interpuseram recurso da sentença proferida o A. e a Ré.
O Ministério Público/A. culmina as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem:
 “
1- Na interpretação da cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c) do “Contrato de Adesão – Cláusulas Gerais” celebrado pela Ré há que atender ao princípio geral contido no art. 10.º da LCCG.
2- O objectivo desse princípio “é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.”.
3- Irreleva, portanto, a intenção da predisponente, o sentido que a aqui Recorrida afirma ter pretendido dar à cláusula, coincidente com a decisão tomada pela Mm.ª Juíza.
4- No caso, decerto o declaratário normal, colocado perante as cláusulas 5.ª, n.º 1, alínea c) e 6.ª do contrato em questão, lendo-as em simultâneo, iria entender que durante o período que, de modo peremptório, é definido como a Ré como “período mínimo de 12 meses” (sublinhado nosso) não há lugar à rescisão da adesão admitida pela cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c): seria isso que aquele razoavelmente poderia inferir da conduta deste.
5- E é assim, em simultâneo, que esta leitura tem de ser feita. Só desta forma se coaduna com o elemento “contexto de cada contrato singular” a que alude o art. 10.º da LCCG.
6- Atender à realidade contratual em que a cláusula se inclui significa ter presente que se trata de um contrato de prestação de serviços com uma cláusula de fidelização que impõe uma duração mínima do contrato.
7- Ao efectuar uma leitura isolada da cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c), considerando-a, consequentemente, válida na redacção que apresenta, a Mm.ª Juíza a quo manteve a possibilidade que a Ré tem de alterar livremente o valor da quota anual no decurso do período mínimo de duração do contrato, invocando depois esse decurso para obstar à rescisão.
8- Da conjugação dos textos das cláusulas 5.ª, n.º 1, alínea c) e 6.ª resulta, pois, claro que, no decurso do período inicial de doze meses, o aderente está vinculado a qualquer alteração livre do valor da quota anual efectuada pela Ré.
9- Lendo-se na cláusula 5.ª, n.º 2, alínea c) do contrato que “os montantes e datas dos débitos são os estipulados no contrato de adesão”, a alteração do valor da quota anual corresponde a uma alteração dos termos do contrato.
10- Atribuindo, assim, a cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c) à Ré “o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato”, sem que exista qualquer motivo atendível que as partes tenham acordado.
11- Pelo que, por força do art. 22.º, n.º 1, alínea c) da LCCG, é relativamente proibida.
12- Esta total liberdade – sem possibilidade de manifestação de oposição por parte do aderente –  que a cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c) concede à Ré quer em termos temporais quer em termos quantitativos quanto à mudança do valor da quota anual leva a concluir que a mesma permite elevações de preços, num contrato de sucessivas prestações, em prazos notoriamente breves, ou, para além desse limite, elevações exageradas. E que impede a imediata denúncia do contrato quando as elevações dos preços a justificam.
13- Constituindo por isso, também devido ao preceituado pelas alíneas e) e f) do mesmo art. 22.º, n.º 1 da LCCG, uma cláusula relativamente proibida.
14- Do mesmo modo, a focada liberdade em termos quantitativos significa que a cláusula consagra, a favor da Ré, a possibilidade de alterar as prestações, sem compensação equivalente às modificações de valor ocorridas.
15- O que conduz ao preenchimento da alínea h) do art. 19.º da LCCG e, de novo, à sua qualificação como cláusula relativamente proibida.
16- Perante o enunciado, deveria, pois, a Mm.ª Juíza a quo ter considerado proibida a cláusula 5.ª, n.º 1, alínea c) por força do disposto nos arts. 22.º, n.º 1, alínea c), e) e f) e 19.º, alínea h), todos da LCCG. Tendo, deste modo, com a decisão tomada no sentido da respectiva validade, violado estes normativos legais, assim como o art. 10.º da LCCG.
17- Quanto à cláusula 7.ª, n.º 5, ponto 1, a aí utilizada expressão “após aceitação do clube e nos seguintes casos” (sublinhado nosso) contém inequivocamente uma exigência cumulativa: a aceitação do clube e a verificação de uma das situações que de seguida são enumeradas.
18- É claríssima a redacção da mesma no sentido de que só verificados os dois aludidos pressupostos é que o sócio pode rescindir o contrato.
19- É este, sem dúvida, o significado “que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário” pode extrair do comportamento do declarante, da redacção por ele dada à cláusula em apreço, em obediência à regra contida no art. 10.º da LCCG.
20- Acresce e no que concerne ao “contexto de cada contrato singular” mencionado pelo art. 10.º da LCCG que, se a falta de aceitação pela Ré fosse tão inócua e inconsequente como consta da decisão sob recurso, não faria sentido a estipulação presente na também citada cláusula 7.ª, n.º 5, ponto 2 de que “caso a Direcção do clube não delibere sobre o pedido ou, em qualquer caso, não comunique a sua deliberação ao sócio no prazo de 30 dias, considera-se o mesmo tacitamente não aceite”. Para quê a Ré consignar tal efeito se entendesse não ter esta não aceitação tácita qualquer consequência?
21- Ainda que se entendesse, à semelhança da Mm.ª Juíza a quo, que à Ré, na sequência da resolução do contrato, apenas restava “interpor a respectiva acção judicial”, não vislumbramos como negar que a cláusula permite a invocação pela Ré de que a rescisão se encontra dependente da sua aceitação.
22- Na verdade, a apreciação a fazer no âmbito das cláusulas contratuais gerais tem de ser necessariamente endógena, passar pela indagação do que elas permitem à sua utilizadora fazer.
23- Há que olhar para a cláusula de per si e com a consciência de que tem de ser nela que a protecção do consumidor se firma. Não negando, perante a evidência na situação em apreço, que a mesma faz depender a rescisão do contrato da prévia aceitação da Ré.
24- A posição aqui adoptada pela Mm.ª Juíza, generalizada, facilmente conduziria à validação de todas as cláusulas, independentemente do respectivo teor, por possibilidade de os tribunais, nos casos concretos, as corrigirem. E, em última ratio, à destituição de sentido do vigente regime das cláusulas contratuais gerais.
25- Exemplificando, se transpusessemos o raciocínio judicial para uma cláusula que vedasse o acesso aos tribunais havendo litígio entre os contratantes, em nítida contrariedade ao art. 21.º, alínea h) da LCCG, forçoso seria considerar válida a ficcionada cláusula porque se o aderente interpusesse uma acção (desconsiderando o que diz a cláusula que é precisamente o que a Mm.ª Juíza pretende que se faça no presente caso quando diz que ele resolve o contrato baseando-se numa cláusula que lho veda), à proponente restaria contestá-la.
26- Ao nível do regime geral, o fundamento da resolução dos contratos é a denominada alteração das circunstâncias, regulada nos arts. 437.º a 439.º do Código Civil, que apresenta cinco requisitos.
27- Aplicando tais requisitos às quatro situações previstas na cláusula 7.ª, n.º 5, ponto 1, é de concluir, quanto à verificação do requisito da alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar, que da própria definição que a Ré faz das circunstâncias enumeradas se retira o carácter de imprevisibilidade de todas elas no momento de contratar.
28- Assim, em relação à primeira, esse carácter é extraído do inviabilizar da prática da actividade física; no que concerne à segunda, de ser involuntário o despedimento; no respeitante à terceira, do excesso de onerosidade que imprime à deslocação ao clube; e, relativamente à última, da eliminação da modalidade de desporto quanto à qual foi celebrado o contrato.
29- Igualmente é de considerar preenchidos os requisitos de lesão de uma das partes de modo a que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte com gravidade os princípios da boa fé, uma vez que todas as situações se revelam danosas para o consumidor, traduzindo-se a sua vinculação ao contrato após as ocorrências em questão num sacrifício injustificado para o mesmo.
30- Por último, é de afirmar o requisito da não cobertura pelos riscos próprios do contrato.
31- Para além, portanto, da obrigatoriedade de vinculação ao contrato celebrado perante situações como as enumeradas, que é a posição do associado, tendo tais situações por comprovadas, contraria flagrantemente a boa fé a possibilidade conferida à Ré de total arbitrariedade na não aceitação do pedido de rescisão.
32- Sendo, pois, sintomática de profundo desequilíbrio entre as partes a vigência desta cláusula nos seus presentes termos.
33- E esse desequilíbrio é desde logo patente no efectuado confronto com a disciplina extraída do sistema legal. Isto porque “Quando se fala, pois, dos limites do conteúdo impostos pela boa fé (…). É de um nexo de supra-ordenação entre duas regulamentações (a legal, ou inferível do sistema, e a unilateralmente preformulada), não do afastamento desta por factores particulares, que resultam verdadeiramente os limites cuja observância é objecto de controlo”.
34- A possibilidade de não aceitação pela proponente que não seja fundamentada em falta ou insuficiência de prova é, assim, desrespeitadora do princípio contido no art. 15.º da LCCG.
35- Na sentença ora recorrida deveria, pois, a cláusula 7.ª, n.º 5, ponto 1 no que respeita à exigência de aceitação pelo clube ter sido declarada nula por ofensiva dos valores fundamentais do direito propugnados pelo princípio da boa fé, consoante o estabelecido no art. 15.º da LCCG. Preceito esse que, deste modo, a par com o art. 10.º da LCCG e com o art. 437.º do Código Civil, foi violado com a mencionada decisão.
36- Especificamente quanto à situação prevista na alínea d) da cláusula 7.ª, n.º 5, ponto 1 –  eliminação definitiva da única modalidade desportiva que o sócio comprovadamente praticava no clube – acresce que é impedido o exercício legítimo do direito de resolução pelos aderentes quando a Ré tornou, ela própria, impossível a sua prestação consistente no fornecimento daquela modalidade desportiva.
37- Com efeito e apelando de novo aqui ao regime geral, prevê o art. 801.º, n.º 2 do Código Civil que, sendo impossível a prestação por causa imputável ao devedor num contrato bilateral como o presente, “o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.”.
38- Assiste-se, pois, ao preenchimento da alínea f) do art. 18.º da LCCG, que define como cláusulas absolutamente proibidas as que excluem a resolução por incumprimento.
39- Deste modo, sendo a cláusula 7.ª, n.º 5, ponto 1, alínea d) ainda nula devido ao art. 18.º, alínea f) da LCCG, como tal deveria ter sido declarada pela Mm.ª Juíza a quo que, não o fazendo, violou o referido normativo legal, bem como o art. 801.º, n.º 2 do Código Civil.”
Pede que seja dado provimento ao recurso, revogando-se parcialmente a sentença recorrida e declarando-se nulas todas as cláusulas contratuais conforme peticionado.
Por seu turno a Ré, que não responde ao recurso do M.P., culmina as alegações daquele por si apresentado com as seguintes conclusões que também se transcrevem:

a) Do estipulado na Cláusula 5.1, alínea e), do Contrato de Adesão dos autos resulta a possibilidade da Recorrente alterar uma actividade, mas não a de a eliminar. Ora, a possibilidade de alterar as actividades disponibilizadas aos sócios corresponde a uma vantagem concedida aos próprios sócios, e por eles desejada. Consequentemente, tal cláusula não afecta a correspondência entre as prestações a efectuar pela mesma e as especificações constantes do Contrato de Adesão), nem prevê – como se referiu – a supressão de actividades, mas tão só a sua alteração, sendo que tais alterações são expectáveis pelos sócios, os quais não ignoram, ao assinar o contrato, que se trata duma prática habitual nos Clubes/ginásios.
b) Do mesmo modo, também a faculdade conferida à Recorrente, pela mencionada cláusula, de alterar as instalações, não se afigura proibida, porquanto é do senso comum que existem alterações cuja realização se afigura ser do interesse dos sócios da Recorrente. Tal como é do senso comum que tais alterações não devem – nem podem – ficar na dependência da autorização dos sócios. Sendo certo que muitas outras alterações são, em boa verdade, de todo o ponto irrelevantes para os sócios.
c) Um negócio como o da Recorrente necessita de estabilidade, não só para ser rentável, mas também para permitir uma mais eficaz gestão dos recursos técnicos e humanos disponibilizados. Ora, é do conhecimento público que, neste tipo de prestação de serviços, só a celebração de contratos com período de fidelização permite a estipulação de preços reduzidos. Assim, a estipulação de uma cláusula contratual de fidelização como aquela que consta da Cláusula 6. do Contrato de Adesão dos autos não contende com os princípios da boa fé, porquanto existe uma contrapartida para essa fidelização: a estipulação de um preço inferior àquele que, doutro modo, teria de ser praticado.
d) Discordando-se, ademais, que um prazo de 12 meses possa ser considerado excessivo para a vigência de um contrato direccionado à prática desportiva de lazer: não só a realidade demonstra que tal corresponde ao período de tempo de fidelização mais reduzido que se pratica no mercado (usualmente de 18 ou até mesmo de 24 meses), como não é necessariamente verdade que durante o período de férias os sócios não procurem os ginásios para fazer desporto. E sendo certo que, nos meses em que os sócios utilizam mais os serviços do Clube, tão pouco lhes é exigido um pagamento adicional.
e) O direito de revogação no período de reflexão só constitui um instrumento legal de tutela do consumidor em sede de venda directa e de crédito ao consumo, não existindo qualquer fonte legal que preveja a aplicação, a um contrato do tipo do contrato dos autos, desta fonte específica de resolução. Donde, não estava a Recorrente sequer obrigada a prever um tal período de reflexão. Entende, ademais, a Recorrente, que a Cláusula 7.2 do Contrato de Adesão não viola os princípios da boa-fé, na medida em que o direito da Recorrente de não devolver ao sócio as quantias por ele pagas assenta no facto de ao mesmo estar a ser concedido um prazo de 30 dias para que – sem necessidade de invocação de qualquer justificação – resolva um contrato cuja legítima expectativa da Recorrente era que durasse por um período (mínimo) de 12 meses, sendo certo que, até à resolução, o sócio pode utilizar os serviços prestados pela Recorrente.
f) Contrariamente ao sustentado pelo Tribunal a quo, entende a Recorrente que a Cláusula 7.5.2., não contém uma qualquer desigualdade no tratamento entre as partes: a comunicação exigida ao sócio visa apenas levar ao conhecimento da Recorrente a verificação da situação que justifica a resolução do contrato sob pena de, doutro modo, a Recorrente dela não ter sequer conhecimento. Sendo certo, ademais, que o artigo 218º do Código Civil não impede as partes de atribuírem ao silêncio de uma delas um determinado valor.
g) O artigo 810º do Código Civil prevê, por outra parte, a possibilidade de serem estipuladas cláusulas penais, as quais – como o próprio nome indica – contêm uma penalização aplicada à parte contrária. Crê, ademais, a Recorrente, que, seja qual for o valor em concreto devido pelo sócio nos casos abrangidos pela Cláusula em apreço, tal valor não poderá jamais ser tido como excessivo, na medida em que, ainda que o sócio se encontre no período de fidelização, não faria sentido fazer incidir exclusivamente sobre a Recorrente todos os riscos do contrato, ainda para mais quando os factos que determinam a cessação do contrato não consubstanciam qualquer violação contratual imputável à Recorrente.
h) No firme entendimento da Recorrente, da cessão da posição contratual não resulta qualquer limitação de responsabilidade, mas tão só uma mera sucessão jurídica, não se vendo – por conseguinte – de que modo o sócio possa ser prejudicado, tanto mais que – pelo menos no período posterior ao período de fidelização – o sócio – se estiver “descontente” com a nova entidade prestadora do serviço – poderá sempre fazer cessar o contrato ao abrigo do disposto na Cláusula 5. do mesmo. Donde, conclui a Recorrente não ser nula a Cláusula 9.1 do Contrato de Adesão.
i) Por força do actualmente disposto nos artigos 74º, nº 1 e 110º nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil e, bem assim, do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2007, nas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e ainda nas acções de resolução do contrato por falta de pagamento, em que seja ré uma pessoa singular, aderente de um contrato de adesão, o tribunal imperativamente competente para a causa é o do domicílio do réu. Donde, nestes casos, será sempre esse o Tribunal competente, independentemente do teor da Cláusula 12..
j) Subsistem, contudo, outras acções em que tal não sucede, entendendo a Recorrente justificarem as mesmas a existência de um interesse sério da Recorrente em manter – ainda que apenas para tais acções “remanescentes” – a estipulação do foro da comarca de Lisboa, por forma a centralizar o maior número possível de acções num mesmo tribunal, que é, ademais, o correspondente à sua sede.
k) Donde, e ressalvada melhor opinião, conclui a Recorrente não serem proibidas as cláusulas 5.1, alínea e), 6., 7.2, 7.5.2, 9.1 e 12 do Contrato de Adesão dos autos.
l) Por outra parte, e ainda que o Venerando Tribunal ad quem venha – contra o que se espera e se deseja – a manter a douta decisão revidenda quanto ao carácter proibidos das mencionadas cláusulas, crê a Recorrente ser desproporcionada a sua condenação a dar publicidade à proibição determinada, maxime no que respeita à Cláusula 7.2 e à Cláusula 7.5.2..
m) Com efeito, e como a Recorrente expressamente referiu na sua contestação, o único objectivo da cláusula 7.2 é garantir o direito da Recorrente a ser compensada pela disponibilidade de utilização dos seus serviços. Assim, sem prejuízo da Recorrente não considerar proibida a cláusula em apreço, mas admitindo, à cautela, que a sua actual redacção possa permitir uma interpretação contrária àquela que a Recorrente dela faz – e mesmo ao modo como a vem aplicando… –, manifestou a Recorrente, logo na contestação, a sua disponibilidade – aqui reiterada – para proceder à alteração do nº 2 da cláusula 7ª do Contrato de Adesão, nos seguintes termos: “O sócio pode resolver livremente o contrato de adesão até 30 dias após a data de início definida neste contrato, assistindo, contudo, ao Clube, o direito a fazer suas as quantias pagas pelo sócio e correspondentes à disponibilização, ao mesmo, durante o período de reflexão, dos serviços do Clube”.
n) Assim, é entendimento da Recorrente que perante a disponibilidade de imediato pela mesma manifestada para proceder à sobredita alteração é desnecessária – ou, no mínimo, desproporcional – a necessidade de publicitar a referida proibição.
o) Por outra parte, e como consta dos autos, a Recorrente já procedeu à alteração da Cláusula 7.5.2.. Uma vez que do novo texto da mencionada cláusula já não resulta ser necessária a aceitação do pedido de rescisão formulado pelo sócio; dado que o silêncio da Recorrente já não equivale a recusa, e atendendo ainda ao facto da cláusula penal ter sido eliminada, crê, uma vez mais, a Recorrente ser desnecessária – ou, no mínimo, desproporcional – a necessidade de publicitar o carácter proibido da anterior versão da cláusula em apreço.
p) No firme entendimento da Recorrente a douta sentença sob recurso violou, pois, o disposto nos artigos 15º, 16º, 18º, alínea l), 19º, alíneas c) e g), 21º, alíneas a), b) e c), e 22º, nº 1, alínea a), todos do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações que lhe foram introduzidas posteriormente) e os artigos 218º e 810º, ambos do Código Civil”.
Pede a procedência do recurso, revogando-se parcialmente a sentença proferida, não se declarando a proibição das cláusulas contratuais indicadas e absolvendo-se a Ré/recorrente de dar publicidade à decisão de proibição.
O Ministério Público contra-alegou, pugnando, no essencial, pela decisão recorrida na parte impugnada pela Ré.
Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida imediata nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                                                                        ***
II- Fundamentos de Facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:

A)  A Ré é uma sociedade anónima matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o NIPC …(cfr. doc. a fls. 21 a 26 – certidão da matricula da sociedade ré no registo comercial).
B) A Ré tem por objecto social: “gestão de health clubs; exploração, consultoria e gestão dentro das áreas de instalações desportivas e de lazer; aquisição de imóveis para revenda; construção civil e obras públicas; administração de imóveis” (cfr. doc. a fls. 21 a 26 – certidão da matricula da sociedade ré no registo comercial).
C) A Ré gere os clubes “… Health Clubs”.
D) Através dos mesmos, a Ré celebra contratos que têm por objecto a disponibilização de instalações e equipamentos para a prática desportiva de lazer (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
E) Para tanto, apresenta aos interessados que com ela pretendam contratar um clausulado já impresso, previamente elaborado, com o título “Contrato de Adesão – Cláusulas Gerais” (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
F) O referido clausulado não contém quaisquer espaços em branco para serem preenchidos, nomeadamente pelos contratantes que em concreto se apresentem, com excepção dos reservados à assinatura do sócio e à assinatura do representante da Ré (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
G) E estabelece a cláusula 1.ª, sob a epígrafe “Objecto do Contrato”: “O presente contrato tem por objecto a disponibilização de instalações e equipamentos para a prática desportiva de lazer por parte do … Health Clubs (propriedade da L… S.A. que passará a ser designado por clube) aos sócios, dentro das condições acordadas” (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
H) Consta das cláusulas 5.ª, n.º 1, alínea c) e 6.ª do referido contrato:
“5 - Prestações devidas pelo Sócio
5.1 – Quota Anual
c) Fora dos casos previstos no parágrafo anterior, o valor da quota anual poderá ser livremente alterado pelo clube, após comunicação aos sócios com 45 dias de antecedência; em caso de não concordância o sócio poderá rescindir a sua adesão;”
“6 – Duração do Contrato
O presente contrato vigora pelo período mínimo de 12 meses, a partir da data de início identificada no contrato de adesão, renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de um mês, salvo se for denunciado por qualquer das partes mediante comunicação escrita à outra, com a antecedência mínima de 30 dias relativamente ao fim do prazo inicial ou de qualquer renovação em curso.” (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
I) Segundo a cláusula 5.ª, n.º 2, alínea c) do contrato, “os montantes e datas dos débitos são os estipulados no contrato de adesão” (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
J) Por sua vez, lê-se na cláusula 5.ª, n.º 1, alínea e) do contrato constante do impresso:
“5 - Prestações devidas pelo Sócio
5.1 – Quota Anual
e) O clube reserva-se o direito de alterar as instalações e actividades disponibilizadas, bem como de suprimir o acesso a determinadas áreas para realização de trabalhos de manutenção ou melhorias, continuando o sócio responsável pelo pagamento das quotas.” (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
L) Lê-se na já citada cláusula 6.ª do contrato em apreço:
“6 – Duração do Contrato
O presente contrato vigora pelo período mínimo de 12 meses, a partir da data de início identificada no contrato de adesão, renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de um mês, salvo se for denunciado por qualquer das partes mediante comunicação escrita à outra, com a antecedência mínima de 30 dias relativamente ao fim do prazo inicial ou de qualquer renovação em curso.” (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
M) Preceitua a cláusula 7.ª, n.º 2 do contrato em questão:
“7 – Cessação da Adesão
7.2 – Período de Reflexão do Sócio
O sócio pode resolver livremente o contrato de adesão até 30 dias após a data de início definida neste contrato, sem que lhe assista o direito de reaver quaisquer quantias pagas.” (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
N) Consta da cláusula 7.ª, n.º 5 do contrato impresso:
“7 – Cessação da Adesão
7.5 – Rescisão fora do Período de Renovação
7.5.1 - O sócio só poderá rescindir o contrato após aceitação do clube e nos seguintes casos: a) doença grave ou outro motivo de saúde que inviabilize a prática de actividade física disponibilizada pelo clube; b) despedimento involuntário; c) comprovada transferência de local de trabalho ou residência que torne excessivamente onerosa a deslocação ao clube; d) eliminação definitiva da única modalidade desportiva que o sócio comprovadamente praticava no clube.
7.5.2 – O pedido de rescisão deverá ser feito por escrito com 30 dias de antecedência à data que produzirá efeito, dirigido à Direcção do clube e acompanhado do respectivo comprovativo. Caso a Direcção do clube não delibere sobre o pedido ou, em qualquer caso, não comunique a sua deliberação ao sócio no prazo de 30 dias, considera-se o mesmo tacitamente não aceite. Se o pedido for aceite, o sócio ficará apenas obrigado a pagar 50% do remanescente da quota anual.” (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
O) Estabelece a cláusula 9.ª, n.º 1 do mencionado contrato:
“9 – Cessão da Posição Contratual
9.1 – O Clube poderá transmitir a sua posição contratual, nomeadamente, em resultado de fusão, cisão, qualquer outra alteração do seu contrato de sociedade ou outra forma de transmissão de estabelecimento.” (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
P) Refere a cláusula 12.ª do contrato em causa:
“12 – Foro Convencionado
Para todas as questões emergentes ou relacionadas com o presente contrato é competente o foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, sendo a opção realizada por aquela que se situe mais próximo do domicilio relevante do sócio, por forma a que não resultam graves inconvenientes para o mesmo” (cfr. doc. fls. 27 – “contrato de adesão – clausulas gerais”).
Q) Presentemente existem em Portugal três ginásios pertencentes à Ré: um situado nas …, outro no … e um terceiro em ….
R) A Ré é uma empresa nacional, tendo um poder económico muito superior ao da generalidade dos consumidores, pessoas singulares, que correspondem aos prováveis destinatários do contrato em análise.
S) Na verdade, é – e sempre foi – entendimento da Ré que o disposto na mencionada alínea c) do nº 1 da cláusula 5ª é aplicável a todos os sócios, sem qualquer limitação.
T) Até à data, a Ré não procedeu a qualquer alteração unilateral da quota anual ao abrigo da alínea c) do nº 1 da citada cláusula 5ª.
U) A realização de trabalhos de manutenção preventiva das instalações e dos equipamentos – e, quando necessário, a reparação dos mesmos (ex.: reparação de passadeiras e bicicletas; manutenção da piscina; encerramento temporário de uma sala, para sua limpeza aprofundada, etc…) – é efectuada, em último termo, para benefício dos sócios.
V) Uma boa gestão do Clube passará pela realização de tais trabalhos com o menor prejuízo possível para os sócios, tentando manter a normalidade no funcionamento do Clube.
X) Por detrás de um Clube desta natureza encontra-se um investimento de muitos milhões de euros em imobiliário, equipamento, marketing e recursos humanos.
Z) Constitui uma boa prática oferecer mais aulas nos meses de maior utilização (como é caso do mês de Janeiro), e reduzi-las nos meses de menor utilização (como, por exemplo, no mês de Agosto).
AA) A actividade desportiva está em constante evolução, sendo frequente o aparecimento de novas modalidades, o que muitas vezes suscita uma redução da procura de determinada modalidade e a crescente procura de outra.
BB) O contrato, em causa, é celebrado presencialmente, nas instalações da Ré,
CC) Nas situações previstas nas alíneas a), b) e c) da cláusula 7ª, nº 5.1, o sócio terá de comunicar à Ré a verificação de tais situações, sob pena de, doutro modo, a Ré desconhecer a sua ocorrência.

                                                                        ***
III- Fundamentos de Direito:


Cumpre apreciar do objecto do recurso.
À luz do novo regime aplicável aos recursos (aprovado pelo DL nº 303/07, de 24.8), tal como antes sucedia, são as conclusões que delimitam o respectivo âmbito (cfr. arts. 684, nº 3, e 685-A, do C.P.C.). Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art. 660, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo C.P.C.).
Compulsadas as conclusões de ambos os recursos, verificamos que são as seguintes as questões a apreciar:
No recurso do M.P.:
- da nulidade das cláusulas 5ª, nº 1, al. c), e 7ª, nº 5, ponto 1;
      No recurso da Ré:
- da validade das cláusulas 5ª, nº 1, al. e), 6ª, 7ª, nº 2, 7ª, nº 5, ponto 2, 9ª, nº 1, e 12ª;
- da desnecessidade, ou desproporção, na publicitação da proibição.

Do mérito de ambos os recursos:
Conforme resulta das conclusões de ambos os recursos, cada uma das partes recorre da sentença no segmento que lhe foi desfavorável, pelo que em causa estão aqui, por discordância de cada uma delas, todas as cláusulas que o Ministério Público na acção reputou como proibidas, para além da determinada publicidade da proibição do seu uso pela Ré.
Nessa medida, apreciam-se nos dois recursos, e no essencial, as mesmas questões de direito, pelo que optámos por abordar conjuntamente, e por ordem cronológica, todas as cláusulas em questão, sem prejuízo dessa análise ser suscitada por um ou outro dos recorrentes.
É o que passamos a considerar.
A presente acção foi instaurada pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto nos arts. 25 e 26, nº 1, al. c), do DL nº 446/85, de 25.10, que, alterado pelo DL nº 220/95, de 31.10, e depois pelo DL nº 249/99, de 7.7, instituiu em Portugal o regime a que estão sujeitas as cláusulas contratuais gerais.
O presente contrato está, indiscutivelmente, sujeito ao indicado Diploma e suas alterações.
Como se refere no preâmbulo do dito DL nº 446/85, “a criação de instrumentos legislativos apropriados à matéria (das cláusulas contratuais gerais) reconduz-se à observância dos imperativos constitucionais de combate aos abusos do poder económico e de defesa do consumidor.” No fundo, aceitando-se o fenómeno das cláusulas contratuais gerais “como algo necessário, que resulta das características e amplitude das sociedades modernas” e favorece o tráfico jurídico, beneficiando o consumidor, não se esqueceu “que o predisponente pode derivar do sistema certas vantagens que signifiquem restrições, despesas ou encargos menos razoáveis ou iníquos para os particulares.” (cfr. mesmo preâmbulo). É, afinal, a filosofia da protecção da parte mais fraca, o particular contratante, dado que a liberdade deste fica, na prática, limitada a aceitar ou a rejeitar o conteúdo negocial proposto, a aderir a um modelo pré-fixado.
A regulamentação estabelecida sobre a matéria viabiliza, assim, a possibilidade de uma fiscalização judicial destinada a garantir, nestes casos, a cabal igualdade formal e material das partes, defendendo os particulares de estipulações contratuais abusivas e inconvenientes.
Na situação em análise estão em causa várias cláusulas do contrato de adesão oferecido pela Ré que o M.P. pretende proibidas à luz do Diploma citado, as quais passamos a analisar uma a uma.

A) Cláusula 5ª, nº 1, al. c), conjugada com a 6ª:
Reclamou o Ministério Público, na petição inicial, a proibição da cláusula 5ª, nº 1, al. c), conjugada com a 6ª, por força dos arts. 22, nº 1, als. c), e) e f), e 19, h), do DL nº 446/85. Defende, em súmula, que daqueles dispositivos resulta a possibilidade unilateral de alteração do contrato por parte da Ré no período inicial de 12 meses, permitindo o aumento discricionário do valor da quota, sem que o particular possa pôr termo ao contrato.
A Ré opôs que a dita cláusula 5ª, nº 1, al. c), é aplicável a todos os sócios sem qualquer limitação.
Na sentença entendeu-se que tal cláusula não era proibida, posto que a referida alínea c) se aplica a todos os sócios, independentemente de terem ou não completado o período de vinculação inicial de 12 meses.
No seu recurso o M.P. insiste na pretensão inicial, defendendo que é irrelevante qual a intenção do predisponente.
Conforme consta do ponto H) supra:
“Consta das cláusulas 5.ª, n.º 1, alínea c) e 6.ª do referido contrato:
“5 - Prestações devidas pelo Sócio
5.1 – Quota Anual
c) Fora dos casos previstos no parágrafo anterior, o valor da quota anual poderá ser livremente alterado pelo clube, após comunicação aos sócios com 45 dias de antecedência; em caso de não concordância o sócio poderá rescindir a sua adesão;”
“6 – Duração do Contrato
O presente contrato vigora pelo período mínimo de 12 meses, a partir da data de início identificada no contrato de adesão, renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de um mês, salvo se for denunciado por qualquer das partes mediante comunicação escrita à outra, com a antecedência mínima de 30 dias relativamente ao fim do prazo inicial ou de qualquer renovação em curso.”
A interpretação e integração da declaração negocial remete-nos para os arts. 236 e ss. do C.C..
Dispõe o art. 236 do C.C. que: “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”
Por outro lado, e no que aos contratos formais respeita, dispõe o art. 238 do C.C. que: “1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.”
No caso, estamos perante um contrato formal, reduzido a escrito, mas também sujeito, como dissemos, ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais previsto pelo DL nº 446/85. Nessa medida, a interpretação e integração das cláusulas contratuais tem especial tratamento nos arts. 10º e 11º do aludido diploma. O art. 10º remete para as normas gerais de interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam. O art. 11º, a propósito da cláusulas ambíguas, manda atender “ao sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real” e, na dúvida, manda atender à interpretação mais favorável ao aderente.
Em todo o caso, conforme se decidiu no acórdão do STJ de 4.6.02 (Proc. 02A1442, em www.dgsi.pt), a interpretação das cláusulas contratuais envolve matéria de facto quando importa a reconstituição da vontade real das partes, constituindo matéria de direito quando, no desconhecimento de tal vontade, se deve proceder de harmonia com o art. 236, nº 1, do C.C..
Quanto à concreta previsão da al. c) do nº 1 da cláusula 5ª do contrato, apurou-se que a Ré sempre entendeu que a mesma era aplicável a todos os sócios, sem qualquer limitação (ver ponto S) supra dos factos assentes). Parece-nos evidente que o aludido “entendimento” só fará sentido se se reportar à sua vontade real, ainda que, porventura, incorrectamente expressa.
Mas ainda que se compreenda o referido “entendimento” como não exactamente correspondente à vontade efectiva que presidiu à elaboração da norma, e uma vez colocados na posição do “contratante indeterminado normal” que se limita a subscrevê-la ou a aceitá-la, “quando colocado na posição de aderente real” (art. 11 do DL 446/85), temos de concluir que a leitura concertada das cláusulas 5ª, nº 1, al. c), e 6ª do contrato (ver ponto H) supra), no contexto de todo o contrato, não impõe que a fidelização prevista nesta última cláusula exclua a aplicação da primeira.
De resto, se lermos integral e atentamente a cláusula 5ª, nº 1, verificamos que esta é, ao invés e sem dúvida, compatível com a 6ª, pois na primeira se acentua (e consta da respectiva epígrafe) que a quota é anual (e não mensal, por ex.), estabelecendo a al. d) da mesma cláusula que “A quota anual poderá ser cumprida num só pagamento ou dividido em 12 prestações mensais”. Quer isto significar que, sendo a quota anual e podendo ser paga de uma vez, eventual alteração no seu valor nos termos da dita al. c) do nº 1 da cláusula 5ª, ainda que no período inicial de 12 meses, sempre se reportará ao ano subsequente (e não ao do período de fidelização), podendo, por isso, também o novo sócio, mesmo na interpretação mais desfavorável ao particular que o M.P. lhe imprime, rescindir a sua adesão ao abrigo da parte final daquela alínea – ainda que para o termo daquele prazo inicial de 12 meses.
Mas, para além do raciocínio exposto, também não nos parece que essa leitura conjugada possa suscitar dúvidas ao aderente. A cláusula 5ª, nº 1, al. c), refere-se a uma hipótese de rescisão do contrato pelo sócio, enquanto a 6ª se reporta à duração do contrato e forma da denúncia (ou oposição à sua renovação). A circunstância do particular não poder denunciar o contrato nos primeiros 12 meses (sem prejuízo do que adiante diremos a tal propósito) não invalida que lhe possa pôr termo por motivo bastante, legal ou contratual, como aquele previsto na cláusula 5ª, nº 1, al. c).
Por conseguinte, não pode afirmar-se, como faz o recorrente M.P. que, perante as indicadas cláusulas 5ª, nº 1, al. c), e 6ª, no período inicial de 12 meses do contrato o sócio fique sujeito a qualquer livre alteração do valor da quota anual determinada pela Ré, sem poder rescindir tal contrato, caso não concorde com essa alteração.
Não se vislumbra, assim, quanto à cláusula 5ª, nº 1, al. c), do contrato dos autos, a violação dos citados arts. 22, nº 1, als. c), e) e f), e 19, h), do DL nº 446/85.
É de manter o decidido, improcedendo, neste ponto, o recurso do Ministério Público/A..

B) Cláusula 5ª, nº 1, al. e):
Reclamara também o Ministério Público, na petição inicial, a proibição da cláusula 5ª, nº 1, al. e), (ponto J) supra dos factos assentes), por esta permitir que a Ré altere as instalações e actividades disponibilizadas, em violação do art. 21, als. b) e c), do DL nº 446/85.
A Ré opôs que a dita cláusula 5ª, nº 1, al. e), se encontra elaborada, em última análise, em benefício do aderente e para melhoramento do seu conforto, e que tais intervenções da Ré não podem estar sujeitas à aquiescência dos sócios, sob pena de comprometerem toda a actividade por si prosseguida.
Na sentença entendeu-se que tal cláusula contratual era em absoluto proibida em face da cláusula 3ª do mesmo contrato, por força do art. 21, al. a), do DL nº 446/85, em virtude de permitir à Ré limitar ou alterar as obrigações por si assumidas na contratação, declarando-se a mesma proibida “na parte em que determina que: O clube reserva-se o direito de alterar as instalações e actividades disponibilizadas continuando o sócio responsável pelo pagamento das quotas.”
A Ré, inconformada, sustenta no seu recurso o já defendido na contestação, concluindo que a cláusula não compromete as obrigações assumidas pois não há supressão de actividades mas apenas a sua alteração, o que é previsível porque se trata de uma prática habitual dos ginásios.
Conforme consta do ponto J) supra:
“Lê-se na cláusula 5.ª, n.º 1, alínea e) do contrato constante do impresso:
“5 - Prestações devidas pelo Sócio
5.1 – Quota Anual
e) O clube reserva-se o direito de alterar as instalações e actividades disponibilizadas, bem como de suprimir o acesso a determinadas áreas para realização de trabalhos de manutenção ou melhorias, continuando o sócio responsável pelo pagamento das quotas.”
Por seu turno, dispõe a cláusula 3ª do contrato que constitui direito do sócio a “Utilização das instalações, serviços e actividades disponibilizados no clube, nomeadamente, piscina livre, ginásio livre, aulas de grupo, sauna, banho turco e jacuzzi dentro dos horários acordados, com excepção de quaisquer serviços personalizados e instalações especiais”.
Estabelece o art. 21 do DL 446/85, que são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que “Limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante” (al. a)) “Confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou serviços fornecidos” (al. b)), e as que “Permitam a não correspondência entre as prestações a efectuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas na contratação” (al. c)).
As proibições constantes das referidas als. a), b) e c) deste art. 21 visam, segundo Almeida e Costa e Menezes Cordeiro citados por Ana Prata([1]), assegurar que os bens e serviços pretendidos pelo consumidor final são, de facto, aqueles que ele vai alcançar através do contrato.
Na norma em questão conferem-se duas possibilidades à Ré, continuando o sócio responsável pelo pagamento das quotas: a de alterar as instalações e actividades disponibilizadas; a de suprimir o acesso a determinadas áreas para realização de trabalhos de manutenção ou melhorias. Este último ponto não é de considerar no recurso, posto que, como referimos, na sentença apenas se determinou a proibição da cláusula “na parte em que determina que: O clube reserva-se o direito de alterar as instalações e actividades disponibilizadas continuando o sócio responsável pelo pagamento das quotas” mantendo-se, no mais, a dita cláusula sem qualquer reparo do Ministério Público A..
Restringidos, pois, a este ponto, temos que a Ré argumenta que alterar a actividade não é o mesmo que eliminá-la mas antes, por exemplo, substituir uma aula de grupo por outra, e que alterar uma actividade por outra, mais procurada, corresponde a uma vantagem dos próprios sócios, por estes desejada, pelo que “obrigar a Recorrente a manter, p. ex., uma determinada aula de grupo que os sócios deixaram de frequentar apenas porque um sócio – seja por que razão for – se opõe à sua eliminação, seria certamente permitir um grave factor gerador de desequilíbrio contratual, capaz de conduzir à «ruína» da Recorrente, ou de qualquer outro prestador do mesmo tipo de serviço!”.
Com o devido respeito, a apelante/Ré escamoteia o verdadeiro óbice à validade da norma. Independentemente de, como se provou, constituir boa prática oferecer mais aulas nos meses de maior utilização e reduzi-las nos meses de menor utilização ou de ser frequente o aparecimento de novas modalidades desportivas que geram uma crescente procura em detrimento de outras praticadas (ver pontos Z) e AA) supra), o desajuste que, a nosso ver, ressalta da previsão do dito segmento da al. e) do nº 1 da cláusula 5ª é, face à prerrogativa da Ré, a inexorável vinculação do sócio ao contrato e ao pagamento da quota, sem qualquer compensação. Com efeito, neste domínio, só está prevista a possibilidade de rescisão do contrato pelo aderente em caso de “eliminação definitiva da única modalidade desportiva que o sócio comprovadamente praticava no clube” (cláusula 7.5.1, al. d), do contrato – al. N) supra).
Por conseguinte, o enfoque não pode colocar-se, como faz a recorrente, na inviável “negociação” com os sócios das soluções previstas na primeira parte da al. e) do nº 1 da cláusula 5ª, mas antes no desequilíbrio das prestações potencialmente gerado pelas alterações introduzidas pela Ré contra a vontade e interesse de um concreto utente. Na prática, o aderente pode ver-se confrontado com um serviço que não era, afinal, o que buscava quando subscreveu o contrato.
Com efeito, considerada a amplitude da cláusula em análise, poderá a Ré, ao abrigo da mesma, e por tempo indeterminado (ainda que não a título definitivo – ver cláus. 7.5.1, al. d), do contrato), alterar as actividades por si disponibilizadas e/ou o respectivo horário, ou modificar as instalações e, com isso, os serviços inicialmente fornecidos (como os mencionados na cláus. 3ª), mantendo-se, no entanto, o sócio (sem prejuízo da dita cláus. 7.5.1, al. d)) adstrito ao escrupuloso cumprimento do contrato e pagando a quota estipulada, ainda que as alterações introduzidas lhe não convenham.
Nessa medida, entendemos que a referida cláusula 5ª, nº 1, al. e), permite à Ré alterar as obrigações assumidas na contratação e a não correspondência entre as prestações a efectuar e as contratadas, sendo proibida nos termos do art. 21, als. a) e c), do DL nº 446/85.
É de manter o decidido, improcedendo, neste ponto, o recurso da apelante Ré.

C) Cláusula 6ª:
Pedira o Ministério Público, igualmente, a proibição da cláusula 6ª (pontos H) e L) supra dos factos assentes) por esta, ao prever a vinculação mínima do aderente por um ano, contender com o princípio da boa fé previsto no art. 15 do DL nº 446/85, sendo proibida à luz do art. 22, nº 1, al. a), do mesmo Diploma.
A Ré opôs que o prazo estipulado não é excessivo, e que o investimento numa actividade como a por si prosseguida impõe estabilidade, de modo a garantir a gestão eficaz dos recursos técnicos e humanos, sendo que só a celebração de contratos com período de fidelização permite a estipulação de preços reduzidos. Contesta que haja qualquer violação dos princípios da boa fé.
Na sentença entendeu-se ser “excessivo o prazo de 12 meses estabelecido para a vigência inicial de contrato destinado à prática desportiva de lazer, nos termos do art. 22º, n.º 1, al. a) do mencionado diploma legal, sendo a mesma cláusula proibida”, declarando-se a mesma proibida “na parte em que estipula que: O presente contrato vigora pelo período mínimo de 12 meses, a partir da data de início identificada no contrato de adesão”.”
A Ré, inconformada, reedita no seu recurso o já defendido na contestação, concluindo que a compensação da fidelização é, como se sabe, o preço mais baixo do que aquele que, de outro modo, seria praticado e que um prazo de 12 meses não pode ser considerado excessivo na vigência de um contrato direccionado à prática desportiva de lazer.
Conforme consta do ponto L) supra:
“Lê-se na já citada cláusula 6.ª do contrato em apreço:
“6 – Duração do Contrato
O presente contrato vigora pelo período mínimo de 12 meses, a partir da data de início identificada no contrato de adesão, renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de um mês, salvo se for denunciado por qualquer das partes mediante comunicação escrita à outra, com a antecedência mínima de 30 dias relativamente ao fim do prazo inicial ou de qualquer renovação em curso.”
Os motivos da decisão são os da violação do princípio da boa fé consagrados no art. 15 e na al. a) do nº 1 do art. 22 do DL nº 446/85.
De acordo com o art. 15, são, em geral, proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé, sendo proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 22, as que prevejam prazos excessivos para a vigência do contrato ou para a sua denúncia.
A questão relativa à duração do contrato não significa que o seu prazo haja de ser necessariamente curto. São frequentes as denominadas cláusulas de fidelização por parte de operadores económicos, as quais garantem ao predisponente o desenvolvimento da actividade que prossegue, mas compreende-se que o consumidor só se apercebe verdadeiramente das condições e qualidade dos bens ou serviços prestados após o início da prestação, podendo passar, então, a pretender pôr termo àquele contrato para celebrar outro em melhores condições.
Em todo o caso, como a norma ínsita na al. a) do nº 1 do art. 22 do DL nº 446/85 sugere, tem de procurar-se um equilíbrio na posição dos contraentes, não podendo os contratos, como os de prestação de serviços ou fornecimento de bens, ter prazos tão breves “que os tornem instrumentos inapropriados para os fornecimentos das empresas que prestam os serviços ou os bens. Quer-se apenas, através de situações exemplificativas, dar conta de que a situação dos consumidores impõe que a apreciação judicial de um prazo de duração contratual, para o qualificar (ou não) como «excessivo», tem de tomar em consideração, à luz da boa fé, o tipo de contrato e, dentro deste, o seu objecto, de forma a – sem inviabilizar a actividade económica das empresas que os celebram – acautelar as deficiências de informação e outras debilidades da posição dos consumidores.”([2])
Daí que, como se observou no Ac. do STJ de 21.3.2006([3]): “O juízo valorativo sobre a proibição da cláusula tem de se operar em função das cláusulas tomadas na sua globalidade e de acordo com a generalidade dos padrões considerados, na sua «compatibilidade e adequação ao ramo ou sector da actividade negocial a que pertencem», excluindo-se uma justiça do caso concreto, como resulta da aludida referência ao «quadro negocial padronizado» (vide Pinto Monteiro, «Cláusula Penal e Indemnização», 594).”
Por outra banda, como se afirmou no Ac. desta RL de 6.12.2011([4]), também subscrito pela aqui relatora, as cláusulas de fidelização supõem, em geral, “a prévia concessão de um certo número de vantagens de ordem comercial ao aderente em troca da sua específica vinculação ao período contratual estabelecido.
As facilidades e benefícios económicos assim proporcionados, assentam, logicamente, numa legítima expectativa de ganho para a prestadora que se encontra indissociavelmente associada à manutenção da prestação do serviço pelo tempo antecipadamente previsto.
É pelo facto da proponente ter a segurança de que contará com a manutenção do pagamento dos serviços, a pagar pelo cliente, até ao fim do prazo estabelecido, que a mesma se dispõe a cativá-lo com uma série de benesses que tornam os termos contratuais igualmente vantajosos para o aderente.”
No caso, entendeu-se que a concreta cláusula 6ª do contrato protege apenas o interesse da Ré, sem qualquer vantagem para o sócio, que fica vinculado a um período contratual de 12 meses “desadequado à prática desportiva de lazer, por contender com períodos, designadamente o de gozo de férias, em que geralmente os aderentes não procuram os ginásios para efectuar desporto.” Daí ser excessivo o prazo de fidelização contemplado.
Provou-se que por detrás de um Clube desta natureza se encontra um investimento de muitos milhões de euros em imobiliário, equipamento, marketing e recursos humanos (ponto X) supra), o que intuitivamente aponta para a necessária estabilidade da actividade desenvolvida pela Ré. Mas já vimos, que as cláusulas de fidelização que garantem essa estabilidade têm de conferir, em contrapartida, também vantagens de ordem comercial ao aderente. Só assim se assegura o equilíbrio na posição dos contraentes e salvaguarda a justa composição dos interesses em prol do princípio da boa fé([5]).
No entanto, do contrato dos autos não resultam quais sejam essas específicas vantagens e também nada se provou em concreto a tal propósito. Assim, apesar da Ré ter esgrimido, na contestação, em favor da dita cláusula a circunstância daquela fidelização permitir a estipulação de preços reduzidos – afirmando até que se “celebrasse contratos sem período inicial de fidelização, o preço mensal da quota teria de ser superior em não menos de € 50,00, por comparação com o preço actualmente praticado” (art. 50º da contestação) – tal não veio a constar do elenco dos factos assentes, não tendo a mesma Ré impugnado a resposta dada pelo Tribunal à matéria de facto.
Por outro lado, não estaremos, salvo melhor opinião e contra o que se insinua, perante factualidade que seja do conhecimento geral e que, por isso, não tivesse de ser alegada e provada (cfr. art. 514 do C.P.C.).
Pelo que, mesmo não concordando inteiramente com a conclusão constante da sentença quanto à desadequação do prazo de 12 meses à prática desportiva de lazer([6]), temos que não se vislumbram as vantagens conferidas ao sócio com a concreta fidelização por 12 meses. Isto é, se bem se compreendem as razões da Ré, no quadro negocial padronizado, quanto à previsão duma tal medida, já não se descortinam as concretas contrapartidas emergentes daquele específico prazo de fidelização para o aderente, em garantia do equilíbrio do negócio.
E, assim sendo, tem de concluir-se que é excessivo o prazo de 12 meses fixado para manter vinculado o aderente, sem qualquer vantagem aparente para este, estando o mesmo porventura insatisfeito com a prestação e impedido, na prática, de celebrar outro contrato (do mesmo tipo e com outra entidade) em melhores condições.
Nessa medida, entendemos que a referida cláusula 6ª, ao prever a vinculação mínima do aderente por um ano, é proibida à luz do art. 22, nº 1, al. a), do DL nº 446/85.
É de manter o decidido, improcedendo, também neste ponto, o recurso da apelante Ré.

D) Cláusula 7ª, nº 2:
Foi também requerida a proibição da cláusula 7ª, nº 2, (ponto M) supra dos factos assentes), por esta, ao prever a não restituição das quantias pagas em caso de resolução do contrato no termo do período de reflexão de 30 dias, contender com o princípio da boa fé previsto no art. 15 do DL nº 446/85.
A Ré opõe, na contestação, que não está em causa a venda directa ou o crédito ao consumo, pelo que não estava sequer obrigada a contemplar um período de reflexão, e que apenas nessas condições retém as quantias pagas pelo aderente correspondentes à disponibilização, no referido período, dos seus serviços. Contesta que haja qualquer violação dos princípios da boa fé e propõe-se alterar a redacção da cláusula no sentido da prática seguida.
Na sentença entendeu-se que a formulação da cláusula confere ao predisponente uma vantagem injustificada, declarando-se a mesma proibida “na parte em que estipula que: sem que lhe assista (ao sócio) o direito de reaver quaisquer quantias pagas.”
A Ré insiste, no seu recurso, nos argumentos avançados contestação, concluindo não há violação do princípio da boa fé.
Conforme consta do ponto M) supra:
“Preceitua a cláusula 7.ª, n.º 2 do contrato em questão:
“7 – Cessação da Adesão
7.2 – Período de Reflexão do Sócio
O sócio pode resolver livremente o contrato de adesão até 30 dias após a data de início definida neste contrato, sem que lhe assista o direito de reaver quaisquer quantias pagas.”
Vejamos.
Tem inteira razão a Ré quando refere que não estamos no domínio de um contrato de crédito ao consumo em que é forçoso estabelecer-se um período de reflexão([7]).
Todavia, é um facto que a Ré estabeleceu a possibilidade do aderente resolver livremente o contrato até 30 dias após a data do seu início. No entanto, ao mesmo tempo estabelece que se reserva, ainda assim, o direito de fazer suas quaisquer quantias pagas pelo aderente, embora admita na contestação que só vem retendo, de facto, as quantias correspondentes à disponibilização, no referido período, dos seus serviços, devolvendo as restantes eventualmente pagas. De resto, propõe até a alteração da redacção da cláusula nos seguintes termos: “O sócio pode resolver livremente o contrato de adesão até 30 dias após a data de início definida neste contrato, assistindo, contudo, ao Clube, o direito de fazer suas as quantias pagas pelo sócio e correspondentes à disponibilização, ao mesmo, durante o período de reflexão, dos serviços do Clube.”
Daqui se retira que a própria Ré reconhece o excesso quanto à retenção de quaisquer quantias pagas, em caso de resolução do contrato naquelas condições, o que nos dispensa de maiores considerações.
Com efeito, a possibilidade de livre resolução no prazo de 30 dias contende com a perda, pelo aderente, dos valores já por si pagos para além dos que remuneram os serviços disponibilizados pela Ré no período respectivo. Daí o desequilíbrio contratual reconhecido na sentença que, afinal, a própria Ré não contesta, adoptando, segundo refere, diverso procedimento e propondo até nova redacção para a norma contratual.
Nessa medida, é de concluir que a formulação da cláusula 7ª, nº 2, é proibida à luz do art. 15 do DL nº 446/85.
É de manter o decidido, improcedendo, também neste ponto, o recurso da apelante Ré.

E) Cláusula 7ª, nº 5, ponto 1:
Quanto a esta cláusula e à seguinte, cumpre fazer um esclarecimento prévio.
O Ministério Público requereu a proibição da cláusula 7ª, nº 5, nsº 1 e 2.
Já em audiência de Julgamento, a Ré juntou aos autos o documento de fls. 86/86 verso, denominado “Contrato de Adesão 12 meses”, que corresponderá, segundo diz, ao novo contrato-tipo por si adoptado e do qual consta, designadamente, nova redacção atribuída à dita cláusula 7.5.1 e 7.5.2. Com tal junção requereu a Ré fosse julgada extinta a instância com relação aos pedidos formulados de proibição daqueles números 1 e 2 da referida cláusula 7ª. Ouvido, o M.P. limitou-se a requerer o prosseguimento da audiência, por estarem em causa outras cláusulas do contrato, e o Tribunal a quo remeteu a decisão sobre a questão para a sentença final (ver Acta de fls. 87). No entanto, não chegou a apreciar-se tal pretensão nem se averiguou da efectiva substituição do modelo do contrato. Nenhum dos recorrentes suscitou a questão em sede de recurso, apesar de cada um deles recorrer da decisão sobre a proibição (ou não) das duas normas contratuais.
Uma tal circunstância, conjugada com o inexistente esclarecimento quanto à efectiva substituição do modelo contratual na matéria de facto – esta sem qualquer reclamação ou impugnação em recurso, como referimos – sempre obstariam a que se julgasse prejudicada a apreciação da questão. Mas, ainda que assim não fosse, não poderia retirar-se por linear que haveria inutilidade superveniente da lide, e extinção da instância, quanto à apreciação de tais cláusulas.
Assim, ainda que comprovada a alteração do modelo do contrato, a verdade é que esse novo modelo respeitaria apenas a contratos futuros, mantendo-se, porventura, tais cláusulas noutros ainda vigentes, nada impedindo, por outro lado, a Ré de os alterar, uma vez mais, para a versão anterior ou equiparada. Remetemos para o que a propósito se sustentou no Ac. do STJ de 19.9.1006([8]), apoiado em anteriores decisões jurisprudenciais, “(...) apesar de se haver provado que desde 7/04/94 a recorrente já não celebra contratos com conteúdo idêntico ao aqui em causa e que já não existiam contratos celebrados com aquele conteúdo ainda por cumprir, à data da propositura da presente acção, tal não obsta teoricamente a que a ré possa voltar a celebrar contratos com aquele conteúdo, se a presente instância se extinguir, pois sem a condenação desta acção, nada a inibe legalmente a fazê-lo.
É que só com a decisão judicial decretadora da inibição, transitada em julgado, é que é possível garantir que a ré não voltará a inserir tais cláusulas em contratos futuros.
Daí que a presente acção mantenha interesse, não se tendo desaparecido o interesse da pretensão do autor, de modo a fazer extinguir a instância nos termos do art. 287º al. e).”
Deste modo, apreciaremos da requerida proibição quanto a ambos os pontos 1 e 2 do nº 5 da cláusula 7ª.
Assim, o Ministério Público pedira a proibição da cláusula 7ª, nº 5, nº 1, (ponto N) supra dos factos assentes), na parte em que exige a aceitação do Clube, por ser contrária ao princípio da boa fé previsto no art. 15 do DL nº 446/85 e em conformidade com a al. f) do art. 18 do mesmo Diploma.
A Ré defendeu a validade da cláusula face, designadamente, à necessidade de comprovação do fundamento invocado e mesmo enquanto comunicação à Ré dos motivos da rescisão. Em todo o caso logo propôs, na contestação, alteração da redacção da cláusula.
Na sentença entendeu-se que a cláusula, embora não sendo clara, não era proibida posto que não impedia a resolução do contrato por parte do aderente. Assim, justifica-se, se a Ré não aceitasse esse pedido de resolução sempre o aderente poderia solicitar o seu reconhecimento judicial.
O Ministério Público recorre desta decisão, desenvolvendo extensa argumentação no sentido da proibição da cláusula
Conforme consta do ponto N) supra:
“Consta da cláusula 7.ª, n.º 5 do contrato impresso:
“7 – Cessação da Adesão
7.5 – Rescisão fora do Período de Renovação
7.5.1 - O sócio só poderá rescindir o contrato após aceitação do clube e nos seguintes casos: a) doença grave ou outro motivo de saúde que inviabilize a prática de actividade física disponibilizada pelo clube; b) despedimento involuntário; c) comprovada transferência de local de trabalho ou residência que torne excessivamente onerosa a deslocação ao clube; d) eliminação definitiva da única modalidade desportiva que o sócio comprovadamente praticava no clube.”
Analisando.
Convocando as já acima indicadas normas relativas à interpretação dos contratos – arts. 236 e 238 do C.C. e 10 e 11 do DL nº 446/85 – e uma vez colocados na posição do “contratante indeterminado normal” que se limita a subscrever a cláusula ou a aceitá-la, “quando colocado na posição de aderente real” (art. 11 do DL nº 446/85), temos de concluir que aquele ponto 7.5.1 do contrato não aponta para a limitação do direito de rescisão por parte do aderente.
Existe, com efeito, uma deficiente redacção no texto respectivo mas, com o devido respeito, a referência à “aceitação do clube” só pode entender-se enquanto dirigida aos motivos invocados pelo sócio. Isto é, como em qualquer caso de resolução, nos termos da lei ou do contrato, pode a contraparte invocar que não se verifica, em concreto, uma justa causa de resolução, opondo-se, por isso, à mesma.
Tal como se deu como provado no ponto CC) supra dos factos assentes, concretamente no que respeita às als. a), b) e c) do ponto 7.5.1, o sócio tem de comunicar à Ré a verificação das respectivas situações para que a mesma delas possa ter conhecimento, sendo intuitivo que, para o efeito, as deve comprovar de modo que a Ré “aceite” a ocorrência dos motivos como justa causa de resolução. Até quanto à al. d) a questão da aceitação se coloca nos mesmos termos, pois ao sócio competirá demonstrar que apenas praticava a modalidade definitivamente eliminada pela Ré para justificar a rescisão ao abrigo daquela norma contratual.
Por conseguinte, não pode entender-se que a aceitação referida na cláusula, à luz dos acima mencionados preceitos legais, possa justificar-se nos moldes pretendidos pelo M.P., ora recorrente, como possibilidade arbitrária do predisponente em recusar a resolução do contrato uma vez verificado e concretamente reconhecido qualquer dos fundamentos ali referidos.
De resto nem outra poderia ser a interpretação daquele ponto 7.5.1, pois o art. 11 do DL nº 446/85, como vimos, a propósito das cláusulas ambíguas, manda atender “ao sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real” e, na dúvida, manda atender à interpretação mais favorável ao aderente.
Não se vislumbra, assim, quanto à cláusula 7ª, nº 5, ponto 1, do contrato de fls. 27, a previsão dos citados arts. 15 e 18, al. f), do DL nº 446/85.
É de manter o decidido, improcedendo, também neste ponto, o recurso do Ministério Público/A..

F) Cláusula 7ª, nº 5, ponto 2:
Como vimos, sem prejuízo do já acima referido quanto a este ponto e o requerido pela Ré a fls. 87 dos autos, o Ministério Público pedira também a proibição da cláusula 7ª, nº 5, nº 2, (ponto N) supra dos factos assentes), na parte em que menciona “Caso a Direcção do clube não delibere sobre o pedido ou, em qualquer caso, não comunique a sua deliberação ao sócio no prazo de 30 dias, considera-se o mesmo tacitamente não aceite” e no segmento “Se o pedido for aceite, o sócio ficará apenas obrigado a pagar 50% do remanescente da quota anual”, tendo em vista os arts. 15, 18, al. f), e 19, al. c), do DL nº 446/85.
Defendeu a Ré a validade da cláusula, pois as partes podem atribuir ao silêncio de uma delas determinado valor e que não é proibida a estipulação de uma cláusula penal, disponibilizando-se, todavia, para alterar a redacção. Mais defende que o pagamento de 50% do remanescente da quota anual não é excessivo porquanto não só o sócio contratou o período de fidelização como não seria justo fazer recair sobre a Ré todos os riscos do contrato, quando os factos que determinam a sua cessação não lhe são imputáveis.
Na sentença entendeu-se que a primeira parte da cláusula viola o princípio da boa fé, pois se o sócio tem de comprovar o motivo da resolução a Ré não poderá considerar o mesmo tacitamente não aceite, sem qualquer explicação, mediante o valor atribuído ao seu silêncio no contrato. Quanto à segunda parte da cláusula, entendeu-se que a mesma era desproporcionada, dado corresponder ao pagamento de um serviço que não vai ser prestado, pelo que proibida nos termos do art. 19, al. c), do DL nº 446/85.
A Ré recorre desta decisão, renovando as razões adiantadas na contestação.
Relembrando o ponto N) supra:
“Consta da cláusula 7.ª, n.º 5 do contrato impresso:
“7 – Cessação da Adesão
7.5 – Rescisão fora do Período de Renovação
7.5.1 – (...).”
7.5.2 – O pedido de rescisão deverá ser feito por escrito com 30 dias de antecedência à data que produzirá efeito, dirigido à Direcção do clube e acompanhado do respectivo comprovativo. Caso a Direcção do clube não delibere sobre o pedido ou, em qualquer caso, não comunique a sua deliberação ao sócio no prazo de 30 dias, considera-se o mesmo tacitamente não aceite. Se o pedido for aceite, o sócio ficará apenas obrigado a pagar 50% do remanescente da quota anual.”
Vejamos.
No que respeita ao contratado valor do silêncio, tendo em vista o que acima dissemos quanto ao ponto 7.5.1 sobre a “aceitação do clube” (como dirigida aos motivos invocados pelo sócio), temos de concluir que, conforme sentenciado, admitir uma não aceitação tácita dos motivos apresentados, sem necessidade de maior justificação é, uma vez mais, desequilibrar o contrato. Isto é, estando o sócio obrigado a invocar e a comprovar o motivo da justa causa do contrato, não será conforme à boa fé que o predisponente possa limitar-se a não aceitar esse motivo, de consequências gravosas para o sócio, sem qualquer explicação.
Nessa medida, sufraga-se, sem mais, o entendimento seguido na sentença de que a cláusula é proibida, na parte indicada, por força do art. 15 do DL nº 446/85.
Já quanto ao segundo segmento, trata-se de uma cláusula penal, sendo que o art. 19, al. c), do DL nº 446/85, proíbe cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
Como se mencionou no Ac. do STJ de 21.3.2006 acima já citado, “estaremos perante danos decorrentes do interesse contratual negativo ou «dano de confiança», visando proporcionar ao credor a situação em que se encontraria se o contrato não tivesse sido celebrado (art. 801º-2 do Cód. Civil).”
A questão está, pois, em saber se a indemnização correspondente a 50% do remanescente da quota anual é desproporcionada aos prejuízos que, pela violação desse interesse, a Ré deva ver reparados.
Há que compreender que, como salienta a Ré, o recurso à rescisão prevista na cláusula 7.5 só se justificaria durante o período de fidelização, pois para além disso o contrato renova-se por períodos, iguais e sucessivos, de um mês, podendo o sócio simplesmente denunciar o mesmo com a antecedência de 30 dias relativamente à renovação em curso, sem qualquer penalização (cláusula 6ª - ponto L) supra). Nessa medida, a questão estaria até prejudicada, face ao decidido quanto á cláusula 6ª.
Mas, em nosso entender, o que ressalta na concreta cláusula em análise é que a mesma se encontra estipulada não para um qualquer incumprimento do aderente, mas para a alteração das circunstâncias em que se fundou o contrato, três respeitantes ao sócio (als. a), b) e c)) mas uma quarta respeitante à própria Ré (al. d) – “eliminação definitiva da única modalidade desportiva que o sócio comprovadamente praticava no clube”).
Neste último caso não pode falar-se em incumprimento do sócio pois é a Ré quem dá verdadeiramente causa à resolução, eliminando, em definitivo, a única modalidade desportiva que o aderente praticava no clube. Ora, a fixação antecipada do montante indemnizatório, que dispensa a prova dos prejuízos e os fixa “a forfait”, há-de estar conexionada com o incumprimento do devedor e a responsabilidade que tal incumprimento gera (art. 810 do C.C.)([9]). A alteração das circunstâncias não significa a inexistência de um incumprimento, mas simplesmente confere ao devedor, com esse fundamento, o direito à resolução ou à modificação do contrato (art. 437 do C.C.).
Pelo menos nesta situação (da al. d) da cláus. 7.5.1) a fixação de uma cláusula penal a cargo do sócio e a favor do predisponente é, a nosso ver, inviável e flagrantemente violadora dos princípios da boa fé, pelo que proibida e nula por imposição directa do art. 15 do DL nº 446/85.
Mas já quanto às restantes situações não poderemos falar sequer em desproporção da penalização relativamente aos danos a ressarcir. Com efeito, o argumento avançado na sentença de que se trataria do pagamento de um serviço que não vai ser prestado, não faz, salvo o devido respeito, qualquer sentido, se tivermos em conta os prejuízos causados à Ré com o termo antecipado do contrato e que esta deve ver reparados, visto o seu incumprimento ser imputável ao aderente.
Na verdade, a cláusula prevê que o sócio que nestas circunstâncias resolva o contrato ficará obrigado a pagar 50% do remanescente da quota anual. Reportando ao quadro legal padronizado a que faz apelo o art. 19 do DL nº 446/85, e como ficou provado, por detrás de um Clube da natureza daquele aqui em causa, encontra-se um investimento de muitos milhões de euros em imobiliário, equipamento, marketing e recursos humanos.
A circunstância da Ré prever, na sua gestão normal, um rendimento certo que a resolução nestas condições não garante, traduz-se num evidente prejuízo que a mesma terá, ainda assim, de suportar. Se a Ré não chegasse a celebrar com aquele específico sócio o contrato que veio a ser resolvido nestas circunstâncias, teria porventura assegurado o cumprimento de um outro contrato, celebrado com outro interessado, e o pagamento integral da quota.
Deste modo, contabilizar em 50% do remanescente da quota anual a indemnização devida pelo sócio devedor, nos casos das als. a), b) e c) do ponto 1 da cláus. 7.5, não se traduz, contra o que foi entendido na sentença, em qualquer medida ofensiva do equilíbrio da composição de interesses dos contraentes. O prejuízo da Ré com a resolução antecipada seria, com certeza, sempre superior ao valor da cláusula penal estabelecida.
Por conseguinte, entendemos que não se verifica quanto à cláusula 7ª, nº 5, ponto 2, do contrato de fls. 27, no que respeita ao último segmento relativo às als. a), b) e c) do ponto 1, a previsão do citado art. 19, al. c), do DL nº 446/85.
Donde, em conclusão, procede, neste ponto, o recurso da Ré, sendo de revogar a sentença na parte em que declarou proibida a cláusula 7.5.2, último parágrafo, quando reportada às situações previstas nas als. a), b) e c) do ponto 7.5.1, e mantendo-se a mesma na parte em que declarou proibida a cláusula 7.5.2, último parágrafo, quando reportada à situação prevista na al. d) do mesmo ponto 7.5.1.
Observando o nº 1 do art. 30 do DL nº 446/85, que manda especificar o âmbito da proibição, deve especificar-se esta última ressalva.

G) Cláusula 9ª, nº 1:
Pedira, igualmente, o Ministério Público a proibição da cláusula 9ª, nº 1, (ponto O) supra dos factos assentes), na parte em que permite a possibilidade da Ré ceder a sua posição contratual sem a concordância do sócio, tendo em vista o art. 18, al. l), do DL nº 446/85.
Defendeu a Ré a validade da cláusula, referindo que da cessão da posição contratual não resulta qualquer limitação da responsabilidade.
Na sentença concluiu-se que a prevista possibilidade de cessão contratual ou transmissão do estabelecimento, sem o acordo do aderente, integra cláusula proibida nos termos peticionados.
A Ré recorre desta decisão, salientando que não se vislumbra o prejuízo do sócio que sempre poderá fazer cessar o contrato à luz da cláusula 5ª do mesmo, caso fique descontente com a nova entidade prestadora do serviço.
Relembrando o ponto O) supra:
“Estabelece a cláusula 9.ª, n.º 1 do mencionado contrato:
“9 – Cessão da Posição Contratual
9.1 – O Clube poderá transmitir a sua posição contratual, nomeadamente, em resultado de fusão, cisão, qualquer outra alteração do seu contrato de sociedade ou outra forma de transmissão de estabelecimento.”
Vejamos.
A proibição consagrada na al. l) do art. 18 do DL nº 446/85 pretende evitar que se, antes da cessão da posição contratual, esta for autorizada, venha o aderente a confrontar-se no contrato com quem não conhece, e/ou que venha, por essa via, a limitar-se a responsabilidade do predisponente([10]).
É, num primeiro momento, convincente o argumento da Ré no sentido de que não advirá qualquer prejuízo para o sócio face à possibilidade de que este dispõe de denunciar o contrato ao abrigo da cláusula 6ª (na parte mantida, e não 5ª). Mas a verdade é que se tal possibilidade lhe estaria vedada no período inicial de fidelização previsto, também é certo que sempre poderia a Ré ter assumido perante o sócio responsabilidades que a entidade terceira não tenha capacidade de cumprir. Como explica Menezes Cordeiro, citado por Ana Prata([11]), a transmissão poderia servir para limitar, de facto, a responsabilidade do obrigado, pois “bastaria, na verdade, transferir a posição para uma entidade que não tenha adequada cobertura patrimonial para, na prática, esvaziar o conteúdo de qualquer imputação de danos.”
Nessa medida, é de concluir que a formulação da referida cláusula 9ª, nº 1, é proibida à luz da al. l) do art. 18 do DL nº 446/85.
É de manter o decidido, improcedendo, também neste ponto, o recurso da apelante Ré.

H) Cláusula 12ª:
Requereu o Ministério Público, em último lugar, a proibição da cláusula 12ª (ponto P) supra dos factos assentes), na parte em que convenciona que “Para todas as questões emergentes ou relacionadas com o presente contrato é competente o foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro”, tendo em vista o art. 19, al. g), do DL 446/85.
Defende que a Ré tem três ginásios em Portugal, nas …., no … e em …, tendo prevista a abertura de outros quatro no …, no …, em …, em … e em …, pelo que a referida cláusula prejudica gravemente desde já os sócios que praticam desporto em … e virá a afectar os que venham a fazê-lo no … ou em … sem ter a Ré, em contrapartida, um interesse relevante na atribuição da competência exclusiva à comarca de Lisboa que justifique os sacrifícios daí resultantes para os associados, pois subsistem acções que extrapolam a previsão do renovado art. 74, nº 1, do C.P.C., e às quais se manteria aplicável a mencionada cláusula.
Opõe a Ré que apesar da estipulação do foro de Lisboa não ser a mais conveniente para os sócios que moram longe desta comarca, uma tal estipulação não representa grave inconveniente para os mesmos, dado que se podem fazer representar por advogado que não seja da zona de Lisboa. Defende que se justifica manter a convenção de foro nas acções não previstas no art. 74 do C.P.C., por ser em Lisboa que a Ré tem a sua sede, não sendo a cláusula 12ª proibida.
Na sentença concluiu-se pela proibição daquela cláusula, tendo em vista a desproporção entre o interesse da Ré e o do aderente em acções de resolução que se não fundem na falta de cumprimento, e nas acções de anulação ou declaração de nulidade do contrato, que não estão abrangidas na previsão do “novo” art. 74 do C.P.C..
A Ré recorre desta decisão, renovando os motivos por si adiantados na contestação.
Relembrando o ponto O) supra:
“Refere a cláusula 12.ª do contrato em causa:
“12 – Foro Convencionado
Para todas as questões emergentes ou relacionadas com o presente contrato é competente o foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, sendo a opção realizada por aquela que se situe mais próximo do domicilio relevante do sócio, por forma a que não resultam graves inconvenientes para o mesmo”  
Analisando.
Tal como se reconheceu na sentença sob recurso, a referida cláusula tem actualmente um âmbito muito reduzido, tendo em vista a redacção dos arts. 74, nº 1, e 110, nº 1, al. a), do C.P.C., introduzida pela Lei nº 14/2006, de 26.4, e o teor do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 12/2007, de 18.10.2007([12]). Assim, a mesma será residualmente aplicável a situações em que a resolução se fundamenta na alteração das circunstâncias ou nas acções de anulação ou de declaração de nulidade, reconhecendo-se que as causas abrangidas pela actual redacção do art. 74 do C.P.C., em que o foro competente não será o do domicílio da Ré, constituirão a esmagadora maioria dos casos.
Ainda assim, a proibição prevista na al. g) do art. 19 do DL nº 446/85 visa, uma vez mais, garantir o equilíbrio do contrato apenas justificando uma cláusula contratual relativa ao foro competente que, mesmo envolvendo graves inconvenientes para uma das partes, se mostre justificada pela protecção dos interesses da outra. No essencial, e sendo tais cláusulas de atribuição de competência vantajosas para os predisponentes, por melhor garantirem a gestão dos respectivos recursos, pretende-se proteger o consumidor, impedindo, designadamente, que este tenha de pleitear longe do seu domicílio, suportando os acrescidos encargos, pessoais e patrimoniais, que uma maior distância do tribunal sempre importarão, não obstante a argumentação da Ré.
É, pois, o princípio da proporcionalidade que está em causa.
Conforme assinalado no Ac. da RL de 10.4.2008([13]) citado na sentença, para as acções excluídas do âmbito do art. 74 do C.P.C., regem as disposições dos arts. 85, nº 1, e 86, nº 2, do mesmo Código. No caso de aplicação desta última norma, as acções propostas pelo aderente terão como foro competente o da sede da sociedade predisponente (art. 86, nº 2), e as acções propostas por esta contra o aderente terão, em princípio, como foro competente o do domicílio do réu (art. 85, nº 1).
A cláusula 12ª do contrato sub judice afastaria justamente a aplicação da regra geral em acção (excluída do âmbito do art. 74, nº 1) deduzida pela Ré contra o sócio, com manifesto prejuízo deste caso resida em …, onde a Ré também explora um ginásio, ou em qualquer outro lugar do país, fora da zona metropolitana de Lisboa, onde a Ré venha a instalar outro estabelecimento.
A circunstância de ser residual, no quadro negocial padronizado a que temos de apelar – ou seja, no ramo ou sector negocial em que se insere a actividade da Ré – o número de acções instauradas fora do quadro do aludido art. 74, nº 1, do C.P.C., é justamente esse facto que nos dará, no confronto do interesse do sócio, a noção da vantagem concedida ao predisponente.
Se terá já pouca expressão o número de causas em que a Ré retiraria vantagem da estipulação do foro, já para o concreto sócio demandado o inconveniente é manifesto. Como se salientou no dito Ac. da RL de 10.4.2008, a predisponente, pela necessidade de se adaptar às alterações introduzidas nos arts. 74, nº 1, e 110, nº 1, al. a), do C.P.C., na maioria das acções que acompanhe em juízo, teve de reorganizar “os seus serviços de contencioso, ou imaginar novos instrumentos ao serviço dos seus interesses empresariais, nessa área da litigância”.
Ora, assim sendo, não se justifica impor ao sócio, neste residual tipo de acções fora do quadro do art. 74, nº 1, do C.P.C., o grave inconveniente de ter de deslocar-se a Lisboa e/ou custear as deslocações de mandatário à capital, sempre que aí não resida, para defender os seus interesses em tribunal.
Estaríamos, aceitando tal cláusula, a desconsiderar o grave inconveniente do consumidor sem que o interesse da entidade predisponente o justificasse de forma bastante, criando um desequilíbrio entre ambos e afectando o princípio da proporcionalidade.
Assim, é de concluir que a formulação da referida cláusula 12ª é proibida à luz da al. g) do art. 19 do DL nº 446/85.
É de manter o decidido, improcedendo, também neste ponto, o recurso da apelante Ré.

I) Da desnecessidade, ou desproporção, na publicitação da proibição:
Por fim, a apelante Ré defende ser desproporcionada a sua condenação a dar publicidade à proibição determinada, em particular no que respeita à cláusula 7.2 e à cláusula 7.5.2. Quanto à primeira, argumenta, sempre fez dela diferente aplicação e propôs-se logo, na contestação, a alterar a respectiva redacção. Quanto à segunda, já procedeu à alteração correspondente.
Como dissemos, em consonância com o requerido pelo Ministério Público, a Ré foi condenada a “dar publicidade à proibição determinada, em anúncio, de tamanho não inferior a 1/4 de página, a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem, no País, durante três dias consecutivos, comprovando no autos essa publicidade, em 10 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença”.
Dispõe o art. 30, nº 2, do DL nº 446/85, que “A pedido do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine.”
A publicitação da decisão judicial não visa punir o predisponente e, apesar de não ser determinada oficiosamente, tem, como explica Ana Prata([14]) “grande impacte no mercado, quer na sua função dissuasora da utilização de cláusulas nulas, quer na vertente pedagógica e de informação dos sujeitos que recorrem a empresas para satisfação de necessidades. G. Alfa (...) acrescenta outra vantagem: a de dar a conhecer aos outros tribunais a orientação adoptada quanto a cada cláusula pelo tribunal encarregado da acção, o que promoverá a uniformização jurisprudencial, em princípio em sentido mais favorável ao aderente (...)”.
Por isso, em última análise, o fim prosseguido com a prevista publicitação da decisão judicial que declare proibidas certas cláusulas, compagina-se mal com o facto de depender do pedido do autor e da pretensão poder não ser atendida pelo tribunal([15]).
Dentro desta lógica, afigura-se-nos cabalmente justificada a sentença proferida, designadamente no que respeita à publicitação da proibição do uso das duas cláusulas referidas que a Ré se propôs alterar e/ou terá mesmo já alterado. Como acima vimos, tais alterações apenas se reportarão a novos contratos, mantendo-se, com elevada probabilidade, com relação a outros ainda em curso, pelo que são idênticas as razões que presidem, quanto às mesmas, no que se refere à publicidade da sua proibição.
Improcede, pois, também aqui o recurso da Ré.

                                                                          ***
IV- Decisão:
 
Termos em que e face do exposto, acorda-se em julgar:
- improcedente a apelação do Ministério Público/A.;
- parcialmente procedente a apelação da Sociedade Ré, revogando-se a sentença na parte em que declarou proibida a cláusula 7.5.2, último parágrafo (“o sócio ficará apenas obrigado a pagar 50% do remanescente da quota anual”), quando reportada à rescisão fundada nas als. a), b) e c) do ponto 7.5.1;
- Mantendo-se, em tudo o mais, a sentença recorrida.
Custas pela apelante Ré, na proporção de 7/9, estando delas isento o apelante M.P..
Notifique.

Lisboa, 5.6.2012

Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho
Maria João Areias
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[1] Da autora, “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, 2010, pág. 478.
[2] Cfr. Ana Prata, ob. cit., págs. 520/521.
[3] Ver CJ/STJ, Ano XIV, T. I, 2006, págs. 145 e ss..
[4] Proc. 2881/08.0YXLSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Ver Ana Prata, citando Sousa Ribeiro, ob. cit., págs. 326 e 327.
[6] O argumento de que contende com períodos, como o de férias, em que os aderentes não procuram os ginásios para fazer desporto parece-nos insuficiente. Nem a generalidade das pessoas deixa de frequentar o ginásio durante as férias (que não serão, necessariamente, passadas fora da área do ginásio durante um mês), nem, por outro lado, a estabilidade económica do predisponente, na gestão dos recursos disponibilizados, pode ficar à mercê da falta de assiduidade do novo aderente.
[7] Cfr. art. 8 do DL nº 359/91, de 21.9, e art. 17 do DL nº 133/2009, de 2.6, Diplomas que sucessivamente vieram regular os denominados contratos de crédito ao consumo.
[8] Proc. 06A2616, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Ver Ana Prata, loc. cit., pág. 413.
[10] Cfr. Ana Prata, ob. cit., págs. 407/408.
[11] Ob. cit., pág. 408.
[12] DR nº 235, 1ª Série, de 6.12.2007.
[13] Proc. 1373/2008-2, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Ob. cit, pág. 627.
[15] Ana Prata, ob. cit., loc. cit.