Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
177/10.7TYLSB-AV.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
CRÉDITO LABORAL
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A propósito da abrangência do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho de 2009, partilha-se a orientação, mais lata, no sentido de que esse privilégio incide sobre qualquer imóvel que integre o património do empregador, desde que afeto à sua atividade empresarial, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, e não apenas sobre o(s) prédio(s) onde, em concreto, o trabalhador exerce funções e correspondente, especificamente, ao seu “local de trabalho” (art.º 193.º do Código do Trabalho); efetivamente, o que releva para essa aferição é que o trabalhador está inserido numa estrutura ou organização económica em que os recursos humanos e materiais se conexionam tendo em vista a realização do objeto social, não relevando de forma significativa que o local de trabalho esteja centrado nos escritórios da empresa, na fábrica, no estaleiro ou nos prédios onde se situam os armazéns… , enfim, a enunciação pode ser variadíssima consoante as caraterísticas da empresa e o respetivo escopo social, por um lado, e as funções exercidas pelo trabalhador, por outro, sendo, aliás, em função das especificidades do caso que se apresenta ao julgador que a questão deve ser equacionada.

2. A afirmação de que um imóvel pertencente à devedora e apreendido no processo de insolvência estava afeto à atividade da insolvente é um juízo valorativo-conclusivo que deve resultar de um conjunto de factos, sendo proibida a formulação, em sede de julgamento de facto, de juízos conclusivos e com conteúdo estritamente técnico-jurídico, particularmente quando a matéria se integra no thema decidendum; consequentemente, deve considerar-se juridicamente irrelevante a matéria que o tribunal assim considerou provada, em violação do apontado comando.
 
3. A conclusão de que determinado imóvel está afeto à atividade da empresa tem de estar suportada em elementos objetivos, não sendo suficiente para assim concluir a mera constatação da titularidade do direito de propriedade sobre tal imóvel

4. Apurando-se que:
- A insolvente tem como objeto social a construção civil e obras públicas, compra e venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e comércio de materiais de construção;
- O imóvel em causa, pertencente à insolvente, é constituído por um lote para construção urbana, com a área total e descoberta de 800 m2, tendo sido emitido o Alvará de Loteamento;
- Os apelados, eram, todos, trabalhadores da devedora, exercendo as funções respetivas, de natureza variada: à exceção de um trabalhador que tinha a categoria profissional de escriturário de 1ª, os demais exerciam funções especificamente associadas à construção, a saber, encarregado de 1ª, servente, engenheiro civil, pedreiro de 1ª, engenheiro técnico e medidor orçamentista;
- À data da apreensão a devedora não tinha procedido a qualquer edificação/construção nesse imóvel;
Conclui-se que está suficientemente suportada a conclusão de que o prédio estava afeto à atividade empresarial da insolvente, à qual todos os trabalhadores/apelados estão funcionalmente ligados – assim se efetuando a transposição desse juízo valorativo da matéria de facto, para a matéria de direito – e, como tal, os créditos respetivos gozam do aludido privilégio imobiliário especial.

5. Suscitando a apelante, nas alegações de recurso para a Relação, questão de inconstitucionalidade, concluindo que “[a] norma do art. 333º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da protecção da confiança”, impende sobre a parte o ónus de suscitação, que configura, aliás, pressuposto do recurso a que alude o art. 70º, nº1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15-11 e que se concretiza pela oportuna e adequada alegação, no processo, da questão de constitucionalidade que pretende seja apreciada e conhecida.

6. A expetativa da apelante, enquanto titular de uma garantia real (constituída em 2008), de concretizar o pagamento do seu crédito pelo produto da liquidação do bem (imóvel) sobre o qual incide a garantia, com prevalência sobre outros credores, deve ceder quando estamos perante créditos laborais – ao menos em determinados casos –, em face do manifesto interesse público na proteção desses créditos, interesse que foi assinalado no acórdão do TC de 19-06-2008, tendo aí por referência o art.º 377.º, nº1, alínea b) do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, acórdão que mantém atualidade em face do referido art.º 333.º, nº2, alínea b) do CT aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12-02, aplicável no caso ora em apreço.

7. Sendo evidente o desiderato do legislador ordinário de conferir uma especial proteção aos créditos salariais, não se vislumbra no aludido normativo (alínea b) do nº 2 do art.º 333.º do Código do Trabalho), interpretado nos moldes que se apontou, qualquer violação dos princípios evocados pela apelante, entendendo-se razoável a conformação dada pelo legislador à exigência constitucional de especial proteção da retribuição (art.º 59.º, nº 3 da CRP).

8. Acresce que o legislador ordinário dispõe de alguma margem de conformação na concretização dos direitos fundamentais, o que é particularmente evidente no caso, em que a remissão para a lei, expressa no art.º 59.º, nº 3 da CRP confere uma palavra decisiva ao legislador ordinário na concreta conformação de tutela dos salários, sem prejuízo dessa proteção especial não justificar à partida a previsão de privilégios creditórios absolutos que, aliás, no caso, inexistem, como decorre da interpretação feita quanto ao âmbito do privilégio aludido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  
1. RELATÓRIO
Ação
Reclamação Créditos (apenso E).

Insolvente
SC S.A. [ [1] ] [ [2] ]

Apelante
Caixa de Crédito, CRL (CC).

Apelados
AB;
AR;
FR;
JG;
JM;
PG;
RC e
SS.

Reclamação de créditos
Os apelados apresentaram reclamações de créditos dirigidas ao administrador da insolvência [ [3] ], invocando a qualidade de trabalhadores da insolvente e arrogando-se a titularidade de créditos sobre a insolvente, quer provenientes do contrato de trabalho, quer da sua cessação ou violação.
Mais invocam que:
“16.º
Tais créditos emergem, todos eles, de contrato individual de trabalho e correspondente cessação. pelo que,
17.º
gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário especial, nos termos do disposto no art.º 333.º do Código do Trabalho. 
18.º
Sendo certo que todos os imóveis pertencentes à insolvente estavam afectos à sua actividade e neles prestava trabalho o reclamante, o que se invoca, nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) do nº1 do referido preceito” [ [4] ]. 
Os credores arrolaram prova documental e “testemunhal (Para o caso dos créditos serem impugnados” [ [5] ]  

Lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos
Em 28-06-2010 o administrador da insolvência apresentou a lista a que alude o art.º 129.º do CIRE [ [6] ].
Credor impugnante
A CEMG, apresentou impugnação quanto aos créditos reconhecidos pelo administrador da insolvência relativamente aos trabalhadores aludidos, invocando, nomeadamente, que estão registadas, a seu favor, hipotecas sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de (…), onde foi edificado um edifício destinado a habitação, constituído em propriedade horizontal, prédio descrito na CRP de(…), prédio descrito na CRP de (…), prédio descrito na CRP de (…), prédio descrito na CRP de (…) e sob o prédio descrito na CRP de (…).
Na relação de créditos reconhecidos como sendo créditos de natureza laboral, reconheceram-se os créditos dos trabalhadores supra identificados como sendo privilegiados, com o que a impugnante não se conforma.

Resposta à impugnação
Os trabalhadores cujos créditos foram impugnados, apresentaram resposta à impugnação deduzida pelo credor CEMG.
Invocam que, como já alegado nas reclamações de créditos, todos os imóveis apreendidos estavam a afetos à atividade da insolvente e neles prestaram o seu trabalho [ [7] ].
Defendem ainda que a indemnização que peticionaram se encontra calculada de acordo com os critérios legais, pelo que devem ser admitidas.

Administrador da insolvência
Na sequência do despacho de 26-05-2021, a que já se aludiu, veio o administrador da insolvência, por requerimento de 21-12-2021, informar que:
- Resulta do processo que a insolvente construiu frações para habitação que se destinavam à venda (descrições 2184 - B, C, D, E; 1670 - A, B, C, D, F e 1669-B), bem como garagens (descrições 1685, 1686, 1687, 1688, 1690, 1671, 1672, 1681, 1682, 1683 e 1684);
- Os terrenos com a descrição 3884, 3885, 3886 e 3887 foram adquiridos com a finalidade de ser construído o estaleiro, o que não chegou suceder, mas a insolvente mantinha nestes imóveis o local onde armazenava materiais e equipamentos para construção;
- Não consegue precisar em que imóveis, para além do estaleiro, os trabalhadores exerciam as suas funções.

E, por requerimento de 10.02.2022, o administrador da insolvência informou que:
- Os imóveis 17468 e 17469 são terrenos rústicos, constituídos por pinhal, pelo que julga que os trabalhadores não exerciam atividade nestes terrenos.
- O imóvel 7197 (…) não é mencionado como fazendo parte do leque de terrenos usados para construção e posterior venda pela insolvente e o administrador da insolvência, com os elementos que dispõe não consegue assegurar que os trabalhadores não exercessem atividade neste local.
 *
Os trabalhadores pronunciaram-se por requerimento de 22.03.2022, de 29.03.2022 e de 18-04-2022 e, no que ao presente recurso importa, alegam naquele primeiro requerimento como segue:
“7º Quanto ao imóvel com a descrição 7197 (…), pese embora todos os esforços desenvolvidos pelos ora requerentes, os mesmo não conseguiram apurar a sua efetiva localização;
 8º Não tendo, por isso, elementos que lhes permitam confirmar se prestaram ou não a sua atividade no mesmo;
 9º solicitando, em consequência, a prorrogação pelo prazo de 5 dias para confirmarem se exerceram ou não atividade nesse local.
Prova:
Documental: os 2 documentos juntos;
Testemunhal: a já indicada na Oposição junta aos autos em 03.05.2012, com a ref. 10053885”.
*
Por requerimento de 01.04.2022 e 07.04.2022, o credor CEMG respondeu ao requerimento dos credores, impugnando o alegado, bem como os documentos juntos.

Decisão recorrida
Em 02-05-2022 proferiu-se decisão em que se considerou, nos termos do artigo 136º, n.º l do CIRE, ponderando a impugnação deduzida pelo credor CEMG e relativamente aos prédios identificados pela impugnante como abrangidos pela garantia hipotecária, que “a apreciação da natureza e graduação dos créditos objecto de impugnação se encontra ainda dependente de produção de prova.
Porém, quanto ao demais cabe proferir de imediato sentença, conforme previsto no supra mencionado normativo”.
Em conformidade, no mais, e apreciando-se ainda da referida impugnação no que concerne ao montante dos créditos dos trabalhadores referidos, proferiu-se decisão com o seguinte segmento dispositivo:
“IV- Decisão
Por todo o exposto:
A) Considero não reconhecidos os créditos reclamados por CEMG, nos montantes de €40.319,12 e de €9.584,45, face à desistência do pedido.
B) Considero reconhecidos os créditos não impugnados constantes da lista de créditos junta pelo AI, constante de fls. 24 a 81. a qual se dá por integralmente reproduzida, sendo que quanto aos trabalhadores constantes dos mapas de créditos juntos pelo FGS, reconhece-se o crédito correspondente ao remanescente, após dedução do valor pago pelo FGS ao valor reconhecido na lista de créditos;
C) Considero reconhecidos os créditos julgados verificados nas acções de verificação ulterior de créditos processadas como apensos AC, AE, AF, AL, AM, AN, AO, AP, J, M, V, W, Z.
D) Considero reconhecidos os créditos do Fundo de Garantia Salarial, no montante global pago aos trabalhadores;
E) Julgo procedentes as impugnações apresentadas por:
- E Lda.. e em consequência reconheço o seu crédito pelo valor total de €19.550,93;
- M SA. e em consequência reconheço o seu crédito pelo valor total de €4.951,85.
- S S.A., e em consequência reconheço o seu crédito pelo valor total de €21.274,69.
- M S.A.. e em consequência reconheço o seu crédito pelo valor total de €4.068,53;
- R S.A. e em consequência reconheço o seu crédito pelo valor total de €1.061,54.
- EF e em consequência reconheço o seu crédito pelo valor total €42.397,83, com natureza privilegiada.
- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado I. e em consequência reconheço o seu crédito pelo valor total de €761.500,26.
- Os N Lda.. e em consequência reconheço o seu crédito pelo valor total de €994.404,38.
F) Julgo parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo credor CEMG e em consequência:
i) reconheço os créditos dos trabalhadores:
- AB no montante de €14.915,36,
- AR, no montante de €52.885,79,
- FR, no montante de €6.329,41,
- JG, no montante de €47.810,17,
- JM no montante de €10.266,99,
- PG, no montante de €32.977,70,
- RC, no montante de €68.810,62,
- SS, no montante de €9.946,97.
ii) Considero que os créditos reconhecidos não detêm privilégio imobiliário especial sobre os imóveis:
- descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 2184-B, C, D, E (apreendidos sob as verbas n.ºs 3 a 6 do auto de apreensão de fls. 11),
- descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 1670 (apreendidos sob as verbas n.ºs 7 a 12 do auto de apreensão de fls. 12),
- descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 1685, 1686, 1687, 1688, 1689, 1690 e 1671, 1672, 1681, 1682, 1683 e 1684 (apreendidos sob as verbas n.ºs 1 a 6 do auto de apreensão de fls. 75 e verbas n.ºs 1 a 6 do auto de apreensão fls. 19).
iii) Considero que os créditos reconhecidos detêm privilégio imobiliário especial sobre os imóveis:
- descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de fls.7),
- descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 20069 e 22515 (apreendidos sob as verbas n.ºs 1 e 2 do auto de apreensão de fls. 248).
*
G) Graduam-se os créditos reconhecidos, da seguinte forma:
- Pelo produto da venda dos bens móveis apreendidos (equipamentos, veículos e outros):
1º. Os créditos privilegiados reconhecidos aos trabalhadores e ao Fundo de Garantia Salarial, em igualdade;
2º. Os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária, no valor de €8.335,82;
3º. Os créditos privilegiados reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, no valor de €308466,33;
4º. Os créditos comuns, rateadamente;
5º. Os créditos subordinados referentes a juros constituídos após a declaração de insolvência;
6º. Os créditos subordinados por suprimentos.
*
- Pelo produto da venda do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de fls.7):
1º. Os créditos privilegiados reconhecidos aos trabalhadores e ao Fundo de Garantia Salarial, em igualdade;
2º. Os créditos garantidos reconhecidos ao credor CCAM de (…), CRL, até ao montante de €126.400,00, montante máximo garantido pela hipoteca genérica registada sobre estes imóveis;
3º. Os créditos privilegiados reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, no valor de €308466,33;
4º. Os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária, no valor de €8.335,82;
5º. Os créditos comuns, rateadamente;
6º. Os créditos subordinados referentes a juros constituídos após a declaração de insolvência;
7. Os créditos subordinados por suprimentos.
*
- Pelo produto da venda dos bens imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 2184-B, C, D, E (apreendidos sob as verbas n.ºs 3 a 6 do auto de apreensão de fls. 11):
1º. Os créditos garantidos reconhecidos ao credor CEMG, no montante de €321.773,44, garantido pela hipoteca genérica registada sobre estes imóveis;
3º. Os créditos privilegiados reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, no valor de €308.466,33;
4º. Os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária, no valor de €8.335,82;
5º. Os créditos comuns, rateadamente;
6º. Os créditos subordinados referentes a juros constituídos após a declaração de insolvência;
7. Os créditos subordinados por suprimentos.
*
- Pelo produto da venda dos bens imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 1670 (apreendidos sob as verbas n.ºs 7 a 12 do auto de apreensão de fls. 12):
1º. Os créditos garantidos reconhecidos ao credor CEMG, no montante de €203.422,41, garantido pela hipoteca genérica registada sobre estes imóveis;
3º. Os créditos privilegiados reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, no valor de €308466,33;
4º. Os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária, no valor de €8.335,82;
5º. Os créditos comuns, rateadamente;
6º. Os créditos subordinados referentes a juros constituídos após a declaração de insolvência;
7º. Os créditos subordinados por suprimentos.
*
- Pelo produto da venda dos bens imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 1685, 1686, 1687, 1688, 1689, 1690 e 1671,1672,1681, 1682, 1683 e 1684 (apreendidos sob as verbas n.ºs 1 a 6 do auto de apreensão de fls. 75 e verbas n.ºs 1 a 6 do auto de apreensão fls. 19):
1.º Os créditos privilegiados reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, no valor de €308466,33;
2.º Os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária, no valor de €8.335,82;
3.º Os créditos comuns, rateadamente;
4.º Os créditos subordinados referentes a juros constituídos após a declaração de insolvência;
5.º Os créditos subordinados por suprimentos.
*
- Pelo produto da venda dos bens imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 20069 e 22515 (apreendidos sob as verbas n.ºs 1 e 2 do auto de apreensão de fls. 248):
1.º Os créditos privilegiados reconhecidos aos trabalhadores e ao Fundo de Garantia Salarial, em igualdade;
3.º Os créditos privilegiados reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, no valor de €308466,33;
4.º Os créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária, no valor de €8.335,82;
5.º. Os créditos comuns, rateadamente;
6.º. Os créditos subordinados referentes a juros constituídos após a declaração de insolvência;
7.º Os créditos subordinados por suprimentos
*
H) Determino o prosseguimento dos autos para apreciação da impugnação deduzida pelo credor CEMG quanto à existência de privilégio imobiliário especial relativamente aos imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 3885, 3884, 3887 e 3886 (apreendidos sob as verbas n.ºs 1 a 4 do auto de apreensão de fls. 6) e descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 17468 e 17469 (apreendidos sob as verbas n.ºs 5 e 6 do auto de apreensão de fls. 6/7).
*
As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda de cada bem (artigo 172o-1 e 2 do CIRE)
Custas pela massa insolvente (artigo 304º do CIRE)
Registe e Notifique” (sublinhado nosso) [ [8] ].

Em 16-12-2022 e na sequência de pedido formulado por determinados credores, foi proferida a seguinte decisão:
“Ref. 32663308:
Vieram os credores AR e outros requerer a rectificação da sentença proferida, por ter ocorrido manifesto lapso:
-ao não ter considerado o seu crédito referente a juros;
- em relação aos trabalhadores JG, PG e RC por ter ocorrido erro de cálculo, uma vez que na soma dos seus créditos não foram tomados em consideração os valores referentes a despesas adiantadas.
Os interessados, notificados, não responderam.
*
Analisada a sentença, verifica-se assistir razão aos credores. Por manifesto lapso, no cálculo do valor dos créditos não se tomou em consideração os juros peticionados e quanto aos trabalhadores identificados o valor das despesas adiantadas e consideradas provadas.
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 614º do CPC, rectifico a sentença proferida quanto ao valor dos créditos, nos seguintes termos:
a) os créditos do trabalhador JG ascendem a 53.510,43€, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento, computando-se os vencidos a 31.03.2010 em 1.990,38€. 
b) os créditos do trabalhador PG ascendem a 33.327,48€, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento, computando-se os vencidos a 31.03.2010 em 602,37€. 
c) os créditos do trabalhador RC ascendem a 70.768,46€, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento, computando-se os vencidos a 31.03.2010 em 1.774,77€.
d) aos créditos do trabalhador AR, no montante de 52.885,79€, acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento, computando-se os vencidos a 31.03.2010 em 372,37€; 
e) aos créditos do trabalhador FR, no montante de 6.329,41€, acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento, computando-se os vencidos a 31.03.2010 em 29,96€; 
f) aos créditos do trabalhador JM, no montante de 10.266,99€, acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento, computando-se os vencidos a 31.03.2010 em 55,94€; 
g) aos créditos do trabalhador SS, no montante de 9.946,97€, acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento, computando-se os vencidos a 31.03.2010 em 53,17€.
Notifique. D.N.”
 
Recurso
Não se conformando, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, CRL apelou, formulando as seguintes conclusões:
“1. A alegação pelos trabalhadores que todos os imóveis se encontravam afectos à actividade da insolvente e que desenvolviam as funções em todos, ademais tratando-se de uma empresa de construção civil e obras públicas como era a insolvente, não satisfaz a exigência de alegação mínima, para efeito de subsunção à previsão da na al. b) do nº 1, do artigo 333º do Código do Trabalho.
2. Não sendo possível extrair do conjunto das alegações provas trazidas ao processo de insolvência, independentemente de alegação, que os trabalhadores exerciam a sua actividade (também) em determinado imóvel, quando sequer conheciam a sua localização.
3. Concluindo-se, como o faz a douta sentença recorrida, que os trabalhadores exerciam a sua actividade, também, no imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de fls.7), com base numa espécie de presunção de facto, genérica, não corroborada por qualquer posterior concretização ou esclarecimento concludente do administrador, viola os mais elementares princípios do dispositivo e do contraditório, estabelecendo um autêntico ónus aos demais credores, de virem impugnar tal facto presuntivo, que nem a letra nem o espírito da al. b) do nº 1, do artigo 333º do Código do Trabalho permitem extrair.
4. O privilégio previsto na al. b) do nº 1, do artigo 333º do Código do Trabalho é especial, sobre os prédios da insolvente nos quais os trabalhadores prestem a sua actividade; não geral sobre “todos” os prédios da insolvente. Exigindo-se um mínimo de concretização (identificação) do ou dos prédios onerados.
5. A norma do art.º 333º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da protecção da confiança.
6. Não se devendo ter por adquirido nos autos que os trabalhadores reclamantes prestavam a sua actividade no imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de fls.7), não gozam os mesmo do privilégio imobiliário especial previsto art.º 333º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho.
7. Norma que, assim, se mostra violada, por deficiente interpretação e aplicação.
8. Devendo, na procedência do recurso, revogar-se parcialmente a douta decisão, substituindo-se por outra que, pelo produto da venda do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de fls.7), gradue:
1º. Os créditos garantidos reconhecidos ao credor CCAM de (…), CRL, até ao montante de €126.400,00, montante máximo garantido pela hipoteca genérica registada sobre estes imóveis;
2º. Os créditos privilegiados reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, no valor de €308.466,33;
3º. Os  créditos privilegiados reconhecidos à Autoridade Tributária, no valor de €8.335,82;
4º. Os créditos comuns, rateadamente;
5º. Os créditos subordinados referentes a juros constituídos após a declaração de insolvência;
6º. Os créditos subordinados por suprimentos.
Justiça!”.

Os apelados apresentaram contra-alegações, com as seguintes conclusões:
“1. Inconformada com a decisão proferida a fls… dos autos, veio a credora reclamante CCAMP recorrer do mesmo;
2. são as conclusões que delimitam o objeto do recurso. De tais conclusões retira-se que a Recorrente põe em causa a decisão proferida, em síntese, quanto aos seguintes aspetos:
o Que a alegação pelos trabalhadores de que todos os imóveis se encontravam afetos à atividade da insolvente e que desenvolviam as suas funções em todos, não satisfaz a exigência de alegação mínima, para efeitos de subsunção á previsão da alínea b) do nº 1 do art.º 333º do Código de Trabalho, exigindo-se um mínimo de concretização do ou dos prédios onerados;
o Que não é possível extrair dos autos que os trabalhadores exerciam a sua atividade no imóvel descrito na Conservatória do Registo predial de Pombal sob o nº 7197;
o Que o Tribunal a quo violou o princípio do dispositivo e do contraditório, uma vez que, na versão da recorrente a conclusão de que os trabalhadores exerciam atividade no imóvel supra identificado resulta de espécie de presunção de facto e que impõe o ónus aos demais credores de virem impugnar tal facto presuntivo;
o Que a norma do art.º 333º, nº 1, al. b) do CT é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da proteção da confiança;
o Que a norma do art.º 333º, nº 1, al. b) do CT se mostra violado, por deficiente interpretação e aplicação.
3. Porém, sem qualquer razão ou fundamento.
4. A recorrente, que tinha e tem pleno acesso a todas as reclamações de créditos de todos os credores, onde se incluem as dos trabalhadores, tinha e tem a obrigação de conhecer que os trabalhadores entendem que o seu privilégio imobiliário especial, abrange TODOS os imóveis da insolvente, por se entender que, TODOS estavam afetos à sua atividade e neles prestaram trabalho os trabalhadores.
5. De acordo com a jurisprudência maioritária dos nossos mais altos Tribunais, o privilégio imobiliário especial previsto no art.º 333º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. b), do Código do Trabalho e art.º 751º do Código Civil abrange todos os bens imóveis de que o empregador seja proprietário e que estejam afetos à sua organização empresarial facultando-se ao tribunal a hipótese de adquirir factos na sequência da sua atividade e dos contributos trazidos pelos intervenientes (art.º 11.º do CIRE)
6. Neste sentido veja-se, a título meramente exemplificativo o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 06.11.2018 e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 16.10.2007.
7. Pelo que, ainda que nenhuma referencia se tivesse efetuado nas reclamações de créditos – que se fez, como das mesmas resulta – o certo é que “O benefício do privilégio imobiliário especial dos trabalhadores da insolvente não depende da identificação, por banda destes, dos imóveis cujo produto da venda deva responder pelos seus créditos.”, atento o disposto no art.º 13º do CIRE.
8. Sem prescindir, cumpre realçar que a recorrente não impugnou os créditos dos trabalhadores ou sequer a sua qualificação como privilegiado sobre o produto da venda do imóvel aqui em causa.
9. o Exmo. Administrador de Insolvência, no seu requerimento de 21.12.2021 (ref. 31179534), juntou o email dos trabalhadores, onde não é apenas referido o transcrito pela recorrente nas suas alegações, mas também que “(…) todos os imóveis pertencentes à Insolvente estavam afetos à sua atividade e neles prestavam trabalho todos os trabalhadores, designadamente os que representamos (…)”.
10. Acresce que, a recorrente sempre foi notificada de todos os requerimentos juntos aos autos pelos trabalhadores (cfr req. 41706683 de 21.03.2022; 41794572 de 29.03.2022; 41967880 de 18.04.2022) uma vez que em todos eles foi notificado por via eletrónica o seu mandatário, tendo o mesmo, inclusive, sido notificado para a tentativa de conciliação que se realizou no dia 22.03.2022 (cfr. ref. 413747564 de 07.03.3022).
11. Pese embora a recorrente tenha sido notificada para a tentativa de conciliação e do teor dos requerimentos apresentados pelos trabalhadores, nada veio dizer aos autos!
12. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao ter considerado como assente a factualidade invocada pelos trabalhadores na sua reclamação de créditos e não impugnada, no sentido de que, designadamente, o imóvel aqui em causa se encontrava afeto à atividade da insolvente e nele desempenham funções os trabalhadores.
13. Decisão que não resulta de qualquer presunção genérica, mas é antes consequência processual da falta de impugnação e de ação processual da recorrente.
14. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao ter graduado pelo produto da venda do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) com o nº 7197 (apreendido sob a verba n. 7 do auto de apreensão de fls. 7), em primeiro lugar os créditos privilegiados reconhecidos aos trabalhadores e ao Fundo de Garantia Salarial, em igualdade, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente, o que se requer.
15. Alega ainda a recorrente que a norma do art.º 333º, nº 1, al. b) do CT é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da proteção da confiança.
16. O princípio da igualdade implica “que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais».
17. considerar que os trabalhadores dos fornecedores da insolvente ou os trabalhadores dos credores hipotecários estão em pé de igualdade com os trabalhadores da própria insolvente é argumento que, na falta de melhor expressão, não colhe, porque, naturalmente, tais trabalhadores não se encontram em igualdade de circunstâncias com os trabalhadores da insolvente e os mesmos beneficiarão dos mecanismos de proteção próprios em caso de insolvência das respetivas entidades patronais.
18. Por outro lado, não podemos ignorar que, estamos perante um direito constitucionalmente consagrado no art.º 59º da CRP, onde se refere no seu nº 4 que “os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei”.
19. Sendo certo que estamos perante um direito à retribuição do trabalho, que visa “garantir uma existência condigna”, conforme preceitua o artigo 59º, n.º 1, alínea a), da CRP, que se encontra constitucionalmente incluído entre os direitos fundamentais dos trabalhadores e que o Tribunal Constitucional já expressamente considerou como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (cfr. Acórdão n.º 373/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 20, p. 111 e segs. e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, ed., Coimbra, p. 152, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 318, João Caupers, Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Coimbra, 1985, p. 141, nota 215 e João Leal Amado, ob. cit., p. 32, nota 44).
20. De facto, como vem sendo entendimento do Tribunal Constitucional, a “limitação” à confiança resultante do registo é um meio adequado e necessário à salvaguarda do direito dos trabalhadores à retribuição, uma vez que esse será a derradeiro meio, numa situação de insolvência da entidade empregadora, de assegurar a efetivação de um direito fundamental dos trabalhadores que visa a respetiva “sobrevivência condigna”.
21. Nesta conformidade, deve entender-se que a restrição do princípio da confiança operada pela norma aqui em causa não encontra obstáculo constitucional, mas antes sustentação constitucional.
22. Em face do exposto, é manifesto que a norma do art.º 333º nº 1, al. a) e b) do Código de Trabalho não padece de qualquer inconstitucionalidade, não violando a mesma os princípios da igualdade, proporcionalidade e da proteção da confiança, o que se requer seja declarado com as legais consequências.
23. Assim, é manifesto que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação e aplicação da norma do art.º 333º, nº 1 al. b) do Código do Trabalho, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao ter graduado, pelo produto da venda do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) com o nº 7197 (apreendido sob a verba n. 7 do auto de apreensão de fls. 7), em primeiro lugar os créditos privilegiados reconhecidos aos trabalhadores e ao Fundo de Garantia Salarial, em igualdade, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente, o que se requer.
Assim decidindo, faram V. Exa, venerandos Desembargadores, sempre com mui douto suprimento de V. Exas.
Justiça!”

Cumpre apreciar.

FUNDAMENTOS DE FACTO
Quanto ao “montante e classificação/natureza dos créditos impugnados” o tribunal de primeira instância consignou que, “[c]om relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos”:
AB
1. AB foi admitido para trabalhar por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da insolvente em 01.01.2002, por contrato de trabalho verbal sem prazo, passando a estar integrado na organização empresarial.
2. No momento da cessação das relações de trabalho o reclamante tinha a categoria profissional de escriturário de 1ª, desempenhando as funções correspondentes.
3. Auferia a retribuição base mensal ilíquida de €900,00 acrescida de um subsídio de refeição no valor de €6,41, por cada dia de trabalho efetivo.
4. Para além do vencimento base, a insolvente pagava, mensalmente, uma denominada "despesa de deslocação", no montante de €150,00, de forma regular, que se não destinava a pagar quaisquer despesas efetuadas em serviço ou por causa deste, mas que era efetiva contraprestação do trabalho prestado.
5. Em 02.03.2010, por carta registada com AR, dirigida ao Administrador de Insolvência, o trabalhador comunicou a resolução do contrato de trabalho, por falta de pagamento pontual das retribuições, a qual que veio a operar efeitos a partir de 03.03.2010.
6. À dada encontravam-se em falta a retribuição do mês de dezembro de 2009, acrescida do subsídio de alimentação, o subsídio de Natal de 2009, as retribuições de janeiro e fevereiro de 2010, acrescidas do subsídio de alimentação, a retribuição dos dias de trabalho prestado em março de 2010, acrescido de subsídio de alimentação, retribuição das férias vencidas e não gozadas de 2009, e as vencidas em 01.01.2010.
AR
7. AR foi admitido para trabalhar por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da insolvente em julho de 1986, por contrato de trabalho verbal sem prazo, passando a estar integrado na organização empresarial.
8. No momento da cessação das relações de trabalho o reclamante tinha a categoria profissional de encarregado de 1ª, desempenhando as funções correspondentes.
9. Auferia a retribuição base mensal ilíquida de €1371,70 acrescida de um subsídio de refeição no valor de €6,41, por cada dia de trabalho efetivo.
10. Para além do vencimento base, a insolvente pagava, mensalmente, uma denominada "ajuda de custo", no montante de €274,34, de forma regular, que se não destinava a pagar quaisquer despesas efetuadas em serviço ou por causa deste, mas que era efetiva contraprestação do trabalho prestado.
11. Em 02.03.2010, por carta registada com AR, dirigida ao administrador da insolvência, o trabalhador comunicou a resolução do contrato de trabalho, por falta de pagamento pontual das retribuições, a qual que veio a operar efeitos a partir de 03.03.2010.
12. À dada encontravam-se em falta a retribuição do mês de maio, julho e dezembro de 2009, acrescida do subsídio de alimentação, o subsídio de Natal de 2009, as retribuições de janeiro e fevereiro de 2010, acrescidas do subsídio de alimentação, a retribuição dos dias de trabalho prestado em março de 2010, acrescido de subsídio de alimentação, retribuição das férias vencidas e não gozadas de 2009, e as vencidas em 01.01.2010.
13. O trabalhador adiantou dinheiro para suportar despesas exigidas pelo normal funcionamento das obras, no montante de €83,30, que nunca lhe foram pagas.
FR
14. FR foi admitido para trabalhar por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da insolvente, em 05.10.2008, por contrato de trabalho a termo incerto, o qual nunca veio a caducar.
15. No momento da cessação das relações de trabalho o reclamante tinha a categoria profissional de servente, desempenhando as funções correspondentes.
16. Auferia a retribuição base mensal ilíquida de €475,00, acrescida de um subsídio de refeição no valor de €6,41, por cada dia de trabalho efetivo.
17. Em 02.03.2010, por carta registada com AR, dirigida ao administrador da insolvência, o trabalhador comunicou a resolução do contrato de trabalho, por falta de pagamento pontual das retribuições, a qual que veio a operar efeitos a partir de 03.03.2010.
18. À data encontravam-se em falta a retribuição do mês de dezembro de 2009, acrescida do subsídio de alimentação, o subsídio de Natal de 2009, as retribuições de janeiro de fevereiro de 2010, acrescidas do subsídio de alimentação, a retribuição dos dias de trabalho prestado em março de 2010, acrescido de subsídio de alimentação, retribuição das férias vencidas e não gozadas, vencidas em 01.01.2010.
19. O trabalhador, desde há algum tempo, que se encontrava a fazer funções relativas à orçamentação de várias obras, designadamente, as das Escolas EB 1, 2, 3, de Gouveia e da Lousa; funções essas que, no mínimo, durariam mais 6 meses. Ou seja, o termo do seu contrato nunca ocorreria antes do decurso de 6 meses.
JG
20. JG foi admitido para trabalhar por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da insolvente em 08.05.2003, por contrato de trabalho a termo incerto, o qual nunca veio a caducar.
21. No momento da cessação das relações de trabalho o reclamante tinha a categoria profissional de engenheiro civil, desempenhando as funções correspondentes.
22. Auferia a retribuição base mensal ilíquida de €1.840,64, acrescida de um subsídio de refeição no valor de €6,41, por cada dia de trabalho efetivo.
23. Para além do vencimento base, a insolvente pagava, mensalmente, uma denominada "ajuda de custo", no montante de €593,64, de forma regular, que se não destinava a pagar quaisquer despesas efetuadas em serviço ou por causa deste, mas que era efetiva contraprestação do trabalho prestado.
24. Em 04.03.2010, por carta registada com AR, dirigida ao administrador da insolvência, o trabalhador comunicou a resolução do contrato de trabalho, por falta de pagamento pontual das retribuições, a qual que veio a operar efeitos a partir de 08.03.2010.
25. À dada encontravam-se em falta a retribuição dos meses de maio, julho e dezembro de 2009, acrescida do subsídio de alimentação, o subsídio de Natal de 2009, as retribuições de janeiro de fevereiro de 2010, acrescidas do subsídio de alimentação, a retribuição dos dias de trabalho prestado em março de 2010, acrescido de subsídio de alimentação, retribuição das férias vencidas e não gozadas de 2003 a 2009, e as vencidas em 01.01.2010.
26. O trabalhador adiantou dinheiro para suportar despesas exigidas pelo normal funcionamento das obras, no montante de €5.700,26, as quais foram apresentadas à insolvente e aceites e que nunca lhe foram pagas
JM
27. JM foi admitido para trabalhar por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da insolvente em 01.03.2006, por contrato de trabalho a termo incerto, o qual nunca veio a caducar.
28. No momento da cessação das relações de trabalho o reclamante tinha a categoria profissional de pedreiro de 1ª, desempenhando as funções correspondentes.
29. Auferia a retribuição base mensal ilíquida de €773,14, acrescida de um subsídio de refeição no valor de €6,41, por cada dia de trabalho efetivo.
30. Para além do vencimento base, a insolvente pagava, mensalmente, uma denominada "ajuda de custo", no montante de €224,46, de forma regular, que se não destinava a pagar quaisquer despesas efetuadas em serviço ou por causa deste, mas que era efetiva contraprestação do trabalho prestado.
31. Em 02.03.2010, por carta registada com AR, dirigida ao administrador da insolvência, o trabalhador comunicou a resolução do contrato de trabalho, por falta de pagamento pontual das retribuições, a qual que veio a operar efeitos a partir de 03.03.2010.
32. À dada encontravam-se em falta a retribuição do mês de dezembro de 2009, acrescida do subsídio de alimentação, o subsídio de férias e de Natal de 2009, as retribuições de janeiro de fevereiro de 2010, acrescidas do subsídio de alimentação, a retribuição dos dias de trabalho prestado em março de 2010, acrescido de subsídio de alimentação, retribuição das férias vencidas e não gozadas, vencidas em 01.01.2010
PG
33. PG foi admitido para trabalhar por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da insolvente em outubro de 2002, por contrato de trabalho a prazo, passando a estar integrado na organização empresarial.
34. No momento da cessação das relações de trabalho o reclamante tinha a categoria profissional de engenheiro técnico civil, desempenhando as funções correspondentes.
35. Auferia a retribuição base mensal ilíquida de €1.700,96, acrescida de um subsídio de refeição no valor de €6,41, por cada dia de trabalho efetivo.
36. Para além do vencimento base, a insolvente pagava, mensalmente, uma denominada "ajuda de custo", no montante de €453,96, de forma regular, que se não destinava a pagar quaisquer despesas efetuadas em serviço ou por causa deste, mas que era efetiva contraprestação do trabalho prestado.
37. Em 02.03.2010, por carta registada com AR, dirigida ao administrador da insolvência, o trabalhador comunicou a resolução do contrato de trabalho, por falta de pagamento pontual das retribuições, a qual que veio a operar efeitos a partir de 03.03.2010.
38. À dada encontravam-se em falta a retribuição do mês de dezembro de 2009, acrescida do subsídio de alimentação, o subsídio de Natal de 2009, as retribuições de janeiro e fevereiro de 2010, acrescidas do subsídio de alimentação, a retribuição dos dias de trabalho prestado em março de 2010, acrescido de subsídio de alimentação, retribuição das férias vencidas e não gozadas de 2006 a 2009, e as vencidas em 01.01.2010.
39. O trabalhador adiantou dinheiro para suportar despesas exigidas pelo normal funcionamento das obras, no montante de €349,88, que nunca lhe foram pagas.
RC
40. RC foi admitido para trabalhar por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da insolvente em 11.01.1999, por contrato de trabalho sem prazo, passando a estar integrado na organização empresarial.
41. No momento da cessação das relações de trabalho o reclamante tinha a categoria profissional de engenheiro técnico civil, desempenhando as funções correspondentes.
42. Auferia a retribuição base mensal ilíquida de €2.628,77.
43. Para além do vencimento base, a insolvente pagava, mensalmente, uma denominada "ajuda de custo", no montante de €733,32, de forma regular, que se não destinava a pagar quaisquer despesas efetuadas em serviço ou por causa deste, mas que era efetiva contraprestação do trabalho prestado.
44. Em 02.03.2010, por carta registada com AR, dirigida ao administrador da insolvência, o trabalhador comunicou a resolução do contrato de trabalho, por falta de pagamento pontual das retribuições, a qual que veio a operar efeitos a partir de 03.03.2010.
45. À data encontravam-se em falta a retribuição dos meses de julho e dezembro de 2009, o subsídio de Natal de 2009, as retribuições de janeiro e fevereiro de 2010, a retribuição dos dias de trabalho prestado em março de 2010, acrescido de subsídio de alimentação, retribuição das férias vencidas e não gozadas de 2003 a 2009, e as vencidas em 01.01.2010.
46. O trabalhador adiantou dinheiro para suportar despesas exigidas pelo normal funcionamento das obras, no montante de €1.957,84, que nunca lhe foram pagas.
SS
47. SS foi admitido para trabalhar por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da insolvente em 01.03.2009, por contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 6 meses, que se renovou automaticamente em 01.03.2010.
48. No momento da cessação das relações de trabalho o reclamante tinha a categoria profissional de medidor orçamentista, desempenhando as funções correspondentes.
49. Auferia a retribuição base mensal ilíquida de €702,50, acrescida de subsídio de refeição no valor de €6,41, por cada dia de trabalho efetivo.
50. Em 02.03.2010, por carta registada com AR, dirigida ao administrador da insolvência, o trabalhador comunicou a resolução do contrato de trabalho, por falta de pagamento pontual das retribuições, a qual que veio a operar efeitos a partir de 03.03.2010.
51. À dada encontravam-se em falta a retribuição dos meses de dezembro de 2009, acrescida de subsídio de alimentação, o subsídio de férias e de Natal de 2009, as retribuições de janeiro e fevereiro de 2010, a retribuição dos dias de trabalho prestado em março de 2010, acrescido de subsídio de alimentação, retribuição das férias vencidas em 01.01.2010.
52. Para a massa insolvente foram apreendidos os imóveis:
- Descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 3885, 3884, 3887 e 3886 (apreendidos sob as verbas n.ºs 1 a 4 do auto de apreensão de fls. 6), sobre os quais se encontra registada hipoteca a favor o credor CRMG;
- Descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 17468 e 17469 (apreendidos sob as verbas n.ºs 5 e 6 do auto de apreensão de fls. 6/7), sobre os quais se encontra registada hipoteca a favor o credor CEMG;
- Descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de fls.7), sobre os quais se encontra registada hipoteca a favor o credor CCAM de (…);
- Descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 2184-B, C, D, E (apreendido sob as verbas n.ºs 3 a 6 do auto de apreensão de fls. 11), sobre os quais se encontra registada hipoteca a favor o credor CEMG;
- Descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 1670 (apreendido sob as verbas n.ºs 7 a 12 do auto de apreensão de fls. 12), sobre os quais se encontra registada hipoteca a favor o credor CEMG;
- Descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 1685, 1686, 1687, 1688, 1689, 1690 e 1671, 1672, 1681, 1682, 1683 e 1684 (apreendidos sob as verbas n.ºs 1 a 6 do auto de apreensão de fls. 75 e verbas n.ºs 1 a 6 do auto de apreensão fls. 19),
- Descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 20069 e 22515 (apreendidos sob as verbas n.ºs 1 e 2 do auto de apreensão de fls. 248).
53. Os imóveis:
- Descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 2184-B, C, D, E (apreendidos sob as verbas n.ºs 3 a 6 do auto de apreensão de fls. 11),
- Descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 1670 (apreendidos sob as verbas n.ºs 7 a 12 do auto de apreensão de fls. 12),
- Descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 1685, 1686, 1687, 1688, 1689, 1690 e 1671, 1672, 1681, 1682, 1683 e 1684 (apreendidos sob as verbas n.ºs 1 a 6 do auto de apreensão de fls. 75 e verbas n.ºs 1 a 6 do auto de apreensão fls. 19), foram construídos pela insolvente e destinavam-se a ser vendidos no âmbito da sua atividade.
54. Os imóveis:
- Descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de fls.7),
- Descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 20069 e 22515 (apreendidos sob as verbas n.ºs 1 e 2 do auto de apreensão de fls. 248), estavam afetos à atividade da insolvente e os trabalhadores desenvolveram neles a sua atividade [ [9] ].
*
Esta Relação dá ainda por assente, ao abrigo do disposto nos art.ºs 607.º, nº4, 2ª parte, ex vi do disposto no art.º 663.º nº2 e 662.º nº1 do CPC, o circunstancialismo que a seguir se indica, ponderando os elementos de natureza documental que constam do processo de insolvência e apensos respetivos e que não foram impugnados, no que à presente matéria respeita, por qualquer interveniente processual, salientando-se que a apelante, que nem sequer apresentou qualquer impugnação à lista apresentada pelo administrador da insolvência, não questionou os documentos que titulam os contratos de trabalho juntos por alguns reclamantes com as reclamações respetivas [ [10] ], omitindo qualquer pronúncia quanto a esses documentos e, especificamente, quanto aos factos neles reportados relativamente ao acordo feito quanto ao “local de trabalho”:
55. A insolvente tinha a sede na Rua (…) e encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (…), tendo como objeto social a construção civil e obras públicas, compra e venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e comércio de materiais de construção.
56. O imóvel em causa, identificado sob a verba nº7 do auto de apreensão junto (apenso A) em 08-03-2010, é descrito nos seguintes moldes:
“Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) na ficha 7197 que se compõe de lote para construção urbana, sito na freguesia de (…), com o valor de setenta e cinco mil euros”.
57. O imóvel está descrito na Conservatória do Registo Predial do (…), sob a ficha 7197/19930323, estando inscrito na matriz sob o nº …, daí constando que tem a área total e descoberta de 800 m2.
Mais consta, conforme certidão junta em 05-11-2010 no mesmo apenso, sob o documento 9, que:
- Quanto à composição e confrontações: “Lote 117- terreno destinado a construção urbana – Norte MM; Sul e Poente Rua; Nascente Lote 118, Desanexado do 2730”
 - Por AP 26 de 1993/03/23 a emissão de Alvará de Loteamento;
- Mostra-se registada a favor da apelante uma hipoteca voluntária, por AP. 3 de 2008/02/19, na sequência de “abertura de crédito” de 80.000,00€, sendo o montante máximo assegurado de 126.000,00€, conforme o mesmo documento, abrangendo juros e despesas;
- Por AP. 3532 de 2010/09/27 foi registada a declaração de insolvência proferida nos presentes autos.
58. Em 2 de março de 2011 a comissão de credores deliberou que “relativamente ao prédio com a descrição 7197 de (…) foi conhecida a oposição do credor garantido, CCA do (…), à aceitação da proposta obtida de 54.000,00€ foi deliberado permitir ao credor garantido o benefício de um prazo suplementar de 30 dias para melhoria de proposta”, conforme informação de 11-05-2011 no apenso de liquidação (apenso AA) e ata aí junta.   
59. O prédio referido foi vendido em 07-04-2017, pelo preço de 54.000,00€, a MS, conforme informação prestada pelo administrador da insolvência em 19-06-2020. 
60. Em 07-01-2022 foi proferido despacho a declarar encerrada a liquidação.
61. Conforme cláusula 3ª do acordo celebrado entre a devedora e FR, reduzido a escrito, tal contrato “é celebrado” “a fim de serem realizados trabalhos de construção civil inerentes à categoria profissional do trabalhador na seguinte obre pública adjudicada à Primeira Outorgante:
Empreitada de construção civil, instalação elétrica interior, campo de jogos, arranjos exteriores, redes exteriores, aquecimento central, para ampliação da Escola Básica do 2º e 3º ciclos (…), freguesia e concelho de (…)”.
62. Mais estipularam que “[o] local de trabalho será no local da obra referida na Cláusula 3ª” - cláusula 9ª.
63. Conforme acordo celebrado entre a devedora e SS, reduzido a escrito, este “exercerá as suas funções em diversos locais atenta a natureza da actividade a desempenhar”.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.ºs 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº 3 do CPC.
No caso, impõe-se apreciar:
- Da “nulidade” reclamada pela apelante por violação do princípio do contraditório; 
- Da correção da graduação dos créditos dos trabalhadores da devedora, ora apelados, tendo por referência, exclusivamente, o imóvel inscrito na matriz sob o artigo nº 8.605 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o número 7197, considerando que a primeira instância entendeu que os créditos dos referidos trabalhadores gozam de privilégio imobiliário especial, graduando-os em primeiro lugar, para serem pagos pelo produto da venda desse imóvel, a par do crédito do Fundo de Garantia Salarial, contra o que se insurge a apelante.
- Se “[a] norma do art.º 333º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da protecção da confiança”.

2. A apelante inicia as suas alegações de recurso indicando como segue:
“NULIDADE
A reclamante não teve conhecimento, por nunca ter sido notificada, de qualquer alegação dos trabalhadores que incluísse o imóvel composto de terreno destinado à construção urbana, designado pelo lote cento e dezassete, inscrito na respectiva matriz sob o artigo nº 8.605, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o número sete mil cento e noventa e sete /(…), no leque dos que, pertencendo à insolvente, se neles prestassem a sua actividade. Dando-lhe, assim, a possibilidade de exercer o contraditório.
O que configura nulidade (falta de notificação para o contraditório em questão essencial relevância para a decisão da causa), que expressamente se argui.
Ademais, a circunstância de, como parece ser o caso, os trabalhadores vierem aos autos, a espaços, pronunciarem-se sobre os imóveis onde, eventualmente, exerciam actividade, viola o princípio da concentração processual”.
Trata-se de reclamação de nulidade por preterição de formalidade legal no decurso do processado, que a reclamante, como resulta do processo, também formulou ao tribunal recorrido, no mesmo articulado em que apresentou o recurso e previamente ao mesmo  [ [11]  ], que o tribunal recorrido apreciou, julgando a mesma improcedente [ [12] ] e que a apelante nunca alegou refletir-se na sentença recorrida de forma a inquinar a mesma, reconduzindo o vício apontado a alguns dos tipificados no art.º 615.º do CPC como constituindo hipóteses em que a sentença é nula, sendo o regime processual civil aplicável subsidiariamente em sede de insolvência nos termos do art.º 17.º, nº1 do CIRE.
No entanto, e ultrapassando esse patamar de análise, sempre se dirá que a apelante, em clara violação do disposto no art.º 639.º do CPC, nem sequer fez refletir essa alegação nas conclusões de recurso, que, nessa medida, pecam por deficiência, o que porventura motivaria a prolação de convite ao aperfeiçoamento (art.º 639.º, nº3 do CPC), se entendêssemos que o mesmo revestia utilidade, o que no caso não acontece (art.º 130.º do CPC).
É que a apelante não indica, em concreto e especificamente, quais os atos que foram, indevidamente, omitidos; lendo as alegações de recurso verifica-se que a apelante se limita a alegar de forma genérica e ampla, nunca individualizando os requerimentos que deviam ter sido notificados ao reclamante e que, indevidamente, não o foram assim dando cumprimento ao ónus de substanciação. Não o tendo feito, seria o bastante para se concluir pela improcedência da arguição.
De qualquer forma, do regime alusivo à verificação do passivo, previsto nos art.ºs 128.º a 140.º do CIRE decorre que as reclamações de créditos são apresentadas ao administrador da insolvência e não são reciprocamente notificadas aos demais credores, sendo que, no caso, a apelante não impugnou a lista apresentada nos termos do art.º 129.º do CIRE, não se vislumbrando que se justificasse a realização de qualquer notificação, como a primeira instância cuidou de indicar no despacho que proferiu.
Por último, os requerimentos apresentados pelos trabalhadores em 22-03-2022, em 29-03-2022 e em 18-04-2022 foram notificados ao Dr. RC, mandatário da apelante (art.ºs 221.º e 255.º do CPC), como alegam os apelados e resulta do processo pelo que a invocação da apelante se aproxima do limiar da má-fé, sendo certo que pelo menos com tais notificações, estava a apelante mais do que apetrechada para, nesse momento, reclamar no processo, perante o juiz, de eventuais irregularidades, o que não fez, pelo que sempre as mesmas estariam sanadas (art.º 199.º do CPC).
Tudo em ordem a concluir pela improcedência da arguição.

3. A apelante questiona a decisão da primeira instância, no sentido de que o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão) estava afeto à atividade da insolvente e os trabalhadores desenvolveram neles a sua atividade, asserção vertida no número 54 do circunstancialismo dado por assente [ [13] ].
Trata-se de alegação que traduz, em bom rigor, impugnação do julgamento de facto feito pela primeira instância, ainda que a apelante não o refira expressa e formalmente nesses termos, nas conclusões de recurso, intuindo-se, no entanto, a impugnação, se corretamente interpretado esse articulado, como se impõe [ [14] ], sem prejuízo, também, da sua abordagem no campo da impugnação do julgamento de direito.
O certo é que decorre à evidência das alegações de recurso que a apelante entende que essa matéria foi indevidamente considerada “assente”, explicitando o seu percurso de avaliação, reportando-se, aliás, à motivação do julgamento de facto feita pela primeira instância, questionando a mesma e contrariando-a, ou seja, dando cumprimento aos ónus a que alude o art.º 640.º do CPC, ainda que, insiste-se, essa alegação não tenha sido refletida nesses precisos termos nas conclusões de recurso.
Acresce que, independentemente do ângulo de análise em que nos situemos, sempre esta Relação teria de apreciar dessa matéria, atenta a questão suscitada no recurso e aqui objeto de apreciação, procedendo à delimitação entre o que é matéria de facto e o que configura matéria de direito, sendo que, pese embora essa separação ou distinção seja “um dos problemas mais embaraçosos do direito processual” [ [15] ], não se justifica aqui uma larga indagação conceptual, pela relativa linearidade da aplicação dessa distinção no caso em apreço.
Na formulação de Alberto dos Reis, quando enuncia os critérios gerais de orientação, temos que:
“a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei” [ [16] ].
Ainda que se possa partir dessa perspetiva tradicional, concorda-se com Mariana França Gouveia quando refere que em processo civil, não existem factos naturais ou brutos [ [17] ] e, citando Karl Larenz, que “[a] situação de facto (definitiva) é assim o resultado de uma elaboração mental, em que a apreciação jurídica foi já antecipada” [ [18] ] [ [19] ].
Configurando a presente lide uma ação tendente a fazer valer o crédito que os reclamantes/apelados se arrogam titulares, enquanto trabalhadores da insolvente, com vista ao seu pagamento (coercivo), em concurso com os demais credores da insolvente e não discutindo a apelante, em sede de recurso, nem a titularidade dos créditos, nem o seu montante, mas, tão somente, se os credores/apelados gozam, ou não, do privilégio imobiliário especial a que alude o art.º 333º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, nos termos do qual os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador “no qual o trabalhador presta a sua actividade”, entendemos inadmissível que a 1ª instância, na fixação da factualidade que decidiu dar como provada, tenha utilizado a primeira expressão aludida, nesses precisos termos.
Assim, a afirmação que o imóvel em causa estava afeto à atividade da insolvente é um juízo valorativo-conclusivo que deve resultar de um conjunto de factos, sendo evidente que a expressão nos remete para discussão que há muito a jurisprudência encetou a propósito da matéria em causa, sendo relativamente consensual, atualmente, a adoção de uma interpretação ampla da referida alínea b) do número 1 do referido art.º 333º, no sentido de que o privilégio aludido “abrange todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à sua actividade empresarial e, à qual, os trabalhadores estejam funcionalmente ligados, independentemente da localização do seu posto de trabalho” [ [20] ].
Como se sabe, é proibida a formulação, em sede de julgamento de facto, de juízos conclusivos e com conteúdo estritamente técnico-jurídico, particularmente quando a matéria se integra no thema decidendum, como é o caso; a matéria em causa, assim integrada na factualidade dada por assente, resolveria imediatamente a questão de direito colocada no processo e atrás apontada, parecendo desnecessária qualquer outra acrescida fundamentação, de facto e/ou de direito.
Consequentemente e pese embora não se encontre atualmente dispositivo coincidente com o anterior art.º 646º, nº 4 do CPC – que cominava o vício aludido dispondo que se têm por “não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito” –, tendo até em conta o disposto no art.º 607º, nº3 do novo diploma, deve considerar-se juridicamente irrelevante a matéria que o tribunal considerar como provada, em violação do apontado comando.
No caso, impõe-se, pois, alterar a redação do número 54 da fundamentação de facto, alteração limitada ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de fls.7), o que, insiste-se, oficiosamente, sempre se imporia, pelas razões apontadas, o que não significa que, agora em sede de direito, esta Relação não possa chegar, juridicamente, à mesma conclusão, como adiante melhor se analisará.
Quanto à afirmação que os trabalhadores desenvolveram no imóvel a sua atividade, correspondendo rigorosamente ao texto da lei [ [21] ] – significando a mesma que se trata de local onde o trabalhador exerce a prestação a que está vinculado nos termos do contrato de trabalho celebrado com o empregador –, trata-se de matéria essencial à apreciação da causa pelo que carecia de ser melhor substanciada, tanto mais que, no caso, os próprios trabalhadores, sobre quem recai o ónus de alegação e prova da factualidade pertinente (art.º 342.º, nº1 do CPC), assumiram expressamente que, relativamente ao imóvel em causa, não tinham elementos para afirmar se aí prestaram atividade, ou não.
Efetivamente, como se referiu supra, na sequência da informação prestada pelo administrador da insolvência em 10-02-2022 – e salientando-se que o mesmo indicou que o “imóvel 7197 de (…) não é mencionado como fazendo parte do leque de terrenos usados para construção e posterior venda pela insolvente e o administrador da insolvência, com os elementos que dispõe não consegue assegurar que os trabalhadores não exercessem atividade neste local” – os trabalhadores exerceram o contraditório e, relativamente ao imóvel em causa, em 22-03-2022, indicaram que “pese embora todos os esforços desenvolvidos pelos ora requerentes, os mesmo não conseguiram apurar a sua efetiva localização” “[n]ão tendo, por isso, elementos que lhes permitam confirmar se prestaram ou não a sua atividade no mesmo”, “solicitando, em consequência, a prorrogação pelo prazo de 5 dias para confirmarem se exerceram ou não atividade nesse local”; acrescente-se que, a propósito desse imóvel e pese embora o tempo decorrido os trabalhadores nada mais disseram ou requereram, como a apelante indica nas alegações de recurso. Nesse contexto, não se alcança, relativamente ao imóvel aludido, como pode o tribunal dar como assente a matéria aludida, não tendo a motivação do julgamento de facto apresentada pela primeira instância, com referência a este imóvel, qualquer suporte na realidade que o processo evidencia.
Consequentemente impõe-se, igualmente, alterar a redação do número 54 da fundamentação de facto, na parte em que se alude que os trabalhadores indicados, com referência a tal imóvel, desenvolveram no mesmo a sua atividade.
Em suma, determina-se a alteração da factualidade dada por assente, em ordem a eliminar do número 54 a referência ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de fls.7).

4. A alteração a que se procedeu não tem, no entanto, e como já se alertou, a virtualidade de alterar a solução jurídica sufragada pela primeira instância, que se afigura correta.
Não está em discussão que se trate de imóvel que constitui património da devedora, partilhando-se a orientação, que atualmente temos por pacífica, a propósito da abrangência ou amplitude do privilégio imobiliário especial [ [22] ] previsto no artigo 333.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho de 2009 [ [23] ], diploma em vigor à data da declaração de insolvência (11-02-2010), no sentido de que esse privilégio incide sobre qualquer imóvel que integre o património do empregador, desde que afeto à sua atividade empresarial, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, e não apenas sobre o(s) prédio(s) onde, em concreto, o trabalhador exerce funções e correspondente, especificamente, ao seu “local de trabalho” [ [24] ] [ [25]] [ [26] ]; efetivamente, o que releva para essa aferição é que o trabalhador está inserido numa estrutura ou organização económica em que os recursos humanos e materiais se conexionam tendo em vista a realização do escopo social, não relevando de forma significativa que o local de trabalho esteja centrado nos escritórios da empresa, na fábrica, no estaleiro ou nos prédios onde se situam os armazéns… , enfim, a enunciação pode ser variadíssima consoante as caraterísticas da empresa e o respetivo objeto, por um lado, e as funções exercidas pelo trabalhador, por outro, sendo, aliás, em função das especificidades do caso que se apresenta ao julgador que a questão deve ser equacionada [ [27] ].
A interpretação segundo a qual o reconhecimento do aludido privilégio imobiliário só tem fundamento nos casos em que se constata que é nesse imóvel que o trabalhador realiza a sua prestação laboral não é consentânea com a teleologia da norma contida no referido art.º 333.º, nº1, alínea b) do Cod. do Trabalho e atentaria afrontosamente contra o princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP), potenciando situações de tratamento desigual entre trabalhadores da mesma entidade empregadora e que se encontram em situação similar, num contexto de tutela da retribuição (art.º 59.º, nº3 da CRP). Como se concluiu no aludido acórdão do STJ de 27-11-2019 “[a] da norma do nº1, al. b), do art.º 333º do CT, pretendendo atribuir uma especial proteção aos créditos salariais, não se concilia com um injustificado tratamento diferenciado dos trabalhadores de uma mesma empresa, em função da atividade profissional de cada um e do local onde a exercem. Por outras palavras, quando a lei diz que o privilégio imobiliário incide sobre o “imóvel do empregador” no qual o trabalhador preste a sua atividade, está a referir-se à ligação funcional do trabalhador a determinado estabelecimento ou unidade produtiva e não propriamente à localização física do seu posto de trabalho”.
Essa conclusão ressalta com particular evidência quando estamos, como aqui acontece, perante empresas que se dedicam à construção civil, em que, inúmeras vezes, os trabalhadores têm o seu posto de trabalho, exercendo as suas funções, em imóveis que nem sequer pertencem à entidade patronal [ [28] ], não sendo razoável que, por essa razão, deixem de beneficiar da tutela que o legislador especialmente conferiu aos salários, assim sendo colocados à margem da estrutura produtiva do empregador em que, no entanto, se inserem.
Posto isto, no caso em apreço, considera-se que a factualidade dada por provada suporta a conclusão de que o prédio em causa, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197     estava afeto à atividade empresarial da insolvente, à qual todos os trabalhadores/apelados estão funcionalmente ligados – assim se efetuando a transposição desse juízo valorativo da matéria de facto, para a matéria de direito – e, como tal, os créditos respetivos gozam do aludido privilégio imobiliário especial, considerando que se retira da mesma que:
- A insolvente tem como objeto social a construção civil e obras públicas, compra e venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e comércio de materiais de construção;
- O imóvel em causa, pertencente à insolvente, é constituído por um lote para construção urbana, com a área total e descoberta de 800 m2, tendo sido emitido o Alvará de Loteamento [ [29] ];
- Mostra-se registada a favor da entidade bancária/apelante uma hipoteca voluntária, por AP. 3 de 2008/02/19, para assegurar o pagamento de um crédito concedido à devedora;
- Os apelados, eram, todos, trabalhadores da devedora, exercendo as funções respetivas, de natureza variada: à exceção de um trabalhador que tinha a categoria profissional de escriturário de 1ª, os demais exerciam funções especificamente associadas à construção, a saber, encarregado de 1ª, servente, engenheiro civil, pedreiro de 1ª, engenheiro técnico e medidor orçamentista.
- À data da apreensão a devedora não tinha procedido a qualquer edificação/construção nesse imóvel.
Saliente-se que, no caso, não se coloca sequer em apreciação a aplicação da orientação firmada no AUJ do STJ de 23-02-2016 (processo: 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1-A, Relator: Pinto de Almeida)  [ [30] ], não tendo qualquer interveniente aludido a essa questão, sendo que o prédio configura um terreno para construção e foi nesses termos que foi vendido.
Por último e noutro contexto, afigura-se-nos que a apelante confunde entre a formulação pelo tribunal de juízos presuntivos e a mera fundamentação jurídica da decisão, no que à atividade subsuntiva respeita, quando o tribunal procede ao julgamento jurídico da situação de facto [ [31] ].
Assim, refere a apelante que o aludido entendimento amplo, partilhado pela primeira instância – e por esta Relação, pelo que a crítica será extensível – “tem subjacente uma presunção de facto que não resulta da lei nem da natureza das coisas e do normal acontecer. Não se justifica, aliás, traduzindo-se num injustificável benefício processual à parte (beneficiário do privilégio), podendo mesmo traduzir-se num resultado, mais do que injusto, não querido pelo próprio beneficiário)” – cfr. a correspondente conclusão 3ª.
As presunções, sejam de direito, sejam judiciais, são ilações que se extraem de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 349.º do Cód. Civil).
As presunções de direito (presunções legais) relevam em sede de análise jurídica sobre quem impende o ónus de alegação e prova dos factos juridicamente relevantes, quer perspetivados no âmbito do demandante, enquanto estruturantes da causa de pedir, quer no âmbito da defesa, enquanto factos integradores da exceção; assim, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art.º 350.º, nº1 do Cód. Civil), isto é, tem apenas que provar o facto-base da presunção, podendo a parte contrária, em princípio, ilidir a presunção mediante prova em contrário (art.º 350.º, nº2 do Cód. Civil).
As presunções judiciais são admitidas apenas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351.º do Cód. Civil) e operam aquando da fixação, pelo juiz, da matéria factual relevante para a solução do litígio, não estando tipificadas na lei. “As presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através de observação (empírica) dos factos. É nesse saber de experiência feito que mergulham as suas raízes as presunções continuamente usadas pelo juiz na apreciação de muitas situações de facto” [ [32] ] [ [33] ].
Ora, no caso, como se retira da fundamentação exposta por esta Relação, não se assinalou a existência de qualquer presunção legal em benefício dos trabalhadores/apelados, com base na norma aludida (ou qualquer outra), e também não se fez operar qualquer presunção judicial, ao invés, até se entendeu que a matéria em causa não podia ser levada aos factos provados nos moldes em que a primeira instância o fez, tudo se resumindo, insiste-se, à seriação dos factos juridicamente relevantes para a aplicação do regime legal pertinente ao caso, segundo a interpretação desse regime que ora se propugna [  [34]  ].
Em suma, aceitando-se que, para o efeito aludido, a conclusão de que determinado  imóvel está afeto à atividade da empresa, tem de estar suportada em elementos objetivos, não sendo suficiente para assim concluir a mera constatação da titularidade do direito de propriedade sobre tal imóvel [ [35] ] e que incumbe aos credores, trabalhadores, o ónus de alegação e prova da factualidade pertinente, suporte da subsunção jurídica pretendida (art.º 342.º, nº1 do CPC) e não aos demais intervenientes processuais, nomeadamente a ora credora apelante, o ónus de prova do facto contrário, temos que, no caso, pelas razões apontadas, entendemos suficientemente demonstrada aquela asserção; é certo que as reclamações de créditos apresentadas não primam pela concretização de todos os factos pertinentes, mas essa constatação não é agora relevante porquanto, ainda assim, os factos que se apuraram e que estão adquiridos para o processo (art.º 413.º do CPC) [ [36] ]  [ [37] ] são de molde a colmatar eventuais lacunas no ónus de alegação dos trabalhadores/apelados. Como se referiu no acórdão do STJ de 06-11-2018, “[a] participação alargada de credores, do devedor e do administrador de insolvência (e, eventualmente, da comissão de credores) no processo especial de insolvência afasta a bilateralidade que caracteriza a acção declarativa e permite mitigar os efeitos usualmente associados ao incumprimento dos ónus de alegação e de prova, facultando-se ao tribunal a hipótese de adquirir factos na sequência da sua actividade e dos contributos trazidos pelos intervenientes (art.º 11.º do CIRE)”. Sublinhe-se que esse défice é também da apelante que, em tempo devido, não apresentou qualquer impugnação à lista apresentada pelo administrador da insolvência nos termos do art.º 129.º do CIRE, aproveitando-se agora a apelante da alegação posterior dos trabalhadores/apelados, feita na sequência da impugnação apresentada por outro credor, a CEMG e de intervenção oficiosa do tribunal.
Com a fundamentação ora apontada, ainda que não inteiramente coincidente com a da primeira instância, concluiu-se pela improcedência das conclusões de recurso.

5. Por último, suscita a apelante, nas alegações de recurso, questão de inconstitucionalidade, concluindo que “[a] norma do art.º 333º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho, é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da protecção da confiança” (5ª conclusão).
No corpo das alegações refere como segue:
“A reclamante não desconhece a moderna e maioritária jurisprudência que tende a considerar que o privilégio consagrado na al. b) do nº 1, do artigo 333º do Código do Trabalho abrange, relativamente a cada trabalhador, não o(s) preciso(s) ou concreto(s) imóvel(s) onde o mesmo vinha desenvolvendo o seu múnus laboral, mas sim todos os imóveis afectos à organização empresarial, delimitados por uma formulação negativa: só não estarão afectos a essa organização os bens de uso pessoal.
Tal entendimento tem subjacente uma presunção de facto que não resulta da lei nem da natureza das coisas e do normal acontecer. Não se justifica, aliás, traduzindo-se num injustificável benefício processual à parte (beneficiário do privilégio), podendo mesmo traduzir-se num resultado, mais do que injusto, não querido pelo próprio beneficiário.
Não se cansará a reclamante de «pregar no deserto», também pela modesta pena do subscritor, no que lhe parece ser de gritante inconstitucionalidade as normas do art.º 333º, nº 1, als. a) e b) do Código do Trabalho, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da protecção da confiança; este último tão evocado ultimamente em outros contextos, mais populares, por certo.
Seria bem interessante discorrer sobre a relevância de tais princípios em situações tão concretas como comuns, nas insolvências que enchem os nossos tribunais:
. Onde está a justiça quando os trabalhadores de uma empresa de venda de bens móveis satisfazem os seus créditos à custa do produto da venda dos bens fornecidos e não pagos aos fornecedores!?
. E os trabalhadores dos fornecedores, não têm eles também direito à intangibilidade dos seus créditos laborais!?
. Onde está a justiça quando se acha natural e justo que os trabalhadores de uma empresa satisfaçam, sem qualquer limitação (quantitativa ou qualitativa) os seus direitos laborais à custa do produto da venda de um imóvel, tantas vezes adquirido, como foi o caso, com financiamento bancário, não pago, «garantido» por hipoteca!?
. Não têm os trabalhadores da instituição bancária (já nem vale a pena falar nos depositantes), também eles direito à intangibilidade dos seus direitos laborais!? (uma instituição de crédito não é uma abstracção – é composta por trabalhadores. Aliás, é quase só, trabalhadores…)
. Não é o esvaziamento da garantia hipotecária, pelo avolumar de créditos laborais sobre os quais o credor hipotecário não tem qualquer controlo, uma violação gritante do princípio da protecção da confiança!?
. Esta violação é tanto mais gritante quanto mais ampla, extensiva e abrangente se vai admitindo a interpretação da sobredita norma do art.º 333º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho, no que concerne aos bens abrangidos pelo privilégio.
Tem clamado e clamará, sempre, contar tal entendimento, o que vem fazendo, por enquanto sem grande sucesso, reconhece”.
Impõe-se, antes de mais, em nótula, referência ao mecanismo de fiscalização de constitucionalidade previsto na Constituição da República Portuguesa, nos art.ºs 277º e 280º: a fiscalização sucessiva, concreta, por via da qual os tribunais podem apreciar e decidir sobre se quaisquer atos normativos são, ou não, inconstitucionais. O que desde logo significa que o que é objeto de análise é a conformidade de normas jurídicas com a Constituição e/ou a conformidade de determinada interpretação normativa com a Constituição [ [38] ] e não a conformidade constitucional de decisões judiciais, e muito menos de negócios jurídicos celebrados entre sujeitos [ [39] ].
A questão da (in)constitucionalidade pode ser apreciada oficiosamente pelo tribunal e/ou ser suscitada pelas partes; neste caso, impende sobre a parte o ónus de suscitação, que configura, aliás, pressuposto do recurso a que alude o art.º 70º, nº1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15-11 (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, com sucessivas alterações) e que se concretiza pela oportuna e adequada alegação, no processo, da questão de constitucionalidade que pretende seja apreciada e conhecida – cfr. ainda o art.º 72º da mesma lei.
Como se referiu no acórdão do TC de 12-04-2005, incidindo sobre questão alusiva à admissibilidade de recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, “seria necessário, para que se pudesse tomar conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade tivesse sido suscitada durante o processo. O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo. Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995)” [ [40] ] [ [41] ].
No caso, afigura-se que não se mostra suficientemente densificada e concretizada a invocada violação de parâmetros de constitucionalidade, limitando-se a apelante a alegar, em sede de recurso para a Relação, conforme consta da 5ª conclusão.
De qualquer modo sempre se dirá que a expetativa da apelante, enquanto titular de uma garantia real (constituída em 2008), de concretizar o pagamento do seu crédito pelo produto da liquidação do bem (imóvel) sobre o qual incide a garantia, com prevalência sobre outros credores, deve ceder quando estamos perante créditos laborais – ao menos em determinados casos –, em face do manifesto interesse público na proteção desses créditos.
Esse interesse foi assinalado no acórdão do TC de 19-06-2008, com o nº 335/2008, processo n.º 74/08, da 2ª Secção (Relator: João Cura Mariano), acessível no site respetivo, tendo aí por referência o art.º 377.º, nº1, alínea b) do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto [ [42] ] [ [43] ], que estabelecia um privilégio imobiliário especial “sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade” [ [44] ], acórdão que mantém atualidade em face do referido art.º 333.º, nº2, alínea b) do CT, aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12-02, aplicável no caso ora em apreço. Assim, lê-se nesse aresto:
“Ora, os salários devem gozar expressamente de garantias especiais segundo a Constituição pelo que o legislador ordinário está constitucionalmente credenciado para limitar ou restringir os direitos patrimoniais dos demais credores para assegurar aquele desiderato (artigo 59.º, n.º 3 da C.R.P.).
Aliás, com o objectivo de reforçar a ténue tutela do salário inicialmente prevista no art.º 737.º, n.º 1, al. d), do Código Civil de 1966, tem sido o que tem acontecido sucessivamente com as intervenções legislativas consubstanciadas na aprovação do regime constante do art.º 12.º da Lei 17/86 e das suas ulteriores alterações, entre as quais se conta o próprio regime previsto no art.º 377.º do Código do Trabalho.
Esta última intervenção do legislador procurou sobretudo evitar que, numa situação de falência da entidade empregadora, os créditos laborais não obtivessem pagamento pelos bens da falida, face a uma preferência dos créditos garantidos por hipoteca, os quais, muito frequentemente, pelo seu valor elevado, exaurem a massa falida, colocando a sobrevivência condigna dos trabalhadores e seus agregados familiares em risco.
“A protecção especial de que beneficiam os créditos salariais advém – como refere NUNES DE CARVALHO – da consideração de que a retribuição do trabalhador, para além de representar a contrapartida do trabalho por este realizado, constitui o suporte da sua existência e, bem assim, da subsistência dos que integram a respectiva família. Fala-se, para designar esta vertente da retribuição, como a dimensão social ou alimentar do salário” (em “Reflexos laborais do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência”, na R.D.E.S., Ano XXXVII (X da 2ª Série), nº 1 – 2 – 3, pág. 67).
Ou como se disse em recente acórdão deste Tribunal “a retribuição da prestação laboral, quer na sua causa, que na sua destinação típica, está intimamente ligada à pessoa do trabalhador. Ela é a contrapartida da disponibilização da sua energia laborativa, posta ao serviço da entidade patronal. Ela é também, por outro lado, o único ou principal meio de subsistência do trabalhador, que se encontra numa situação de dependência da retribuição auferida na execução do contrato para satisfazer as suas necessidades vivenciais.
É esta dimensão pessoal e existencial que qualifica diferenciadamente os créditos laborais, justificando a tutela constitucional reforçada de que gozam, para além da conferida, em geral, às posições patrimoniais activas.” (acórdão n.º 257/08, acessível no site www.tribunalconstitucional.pt)”.
Sendo evidente o desiderato do legislador ordinário de conferir uma especial proteção aos créditos salariais [ [45] ], não se vislumbra no aludido normativo (alínea b) do nº 2 do art.º 333.º do Código do Trabalho), interpretado nos moldes que se apontou, qualquer violação dos princípios evocados pela apelante (“princípios da igualdade, proporcionalidade e da protecção da confiança”), entendendo-se razoável a conformação dada pelo legislador à exigência constitucional de especial proteção da retribuição (art.º 59.º, nº 3 da CRP). Sendo certo que a interpretação feita quer pela primeira instância, quer por esta Relação, não altera a fisionomia do privilégio aludido, enquanto privilégio imobiliário especial, não consubstanciando o retomar do privilégio imobiliário sobre a generalidade dos imóveis que integram o património do devedor/insolvente que já vigorou em Leis avulsas (art.º 12.º, nº 1, alínea b) Lei 17/86 de 14-06 e art.º 4.º, nº1, alínea b) da Lei 96/01 de 20-08) e que deu azo a divergência na jurisprudência quanto à questão de saber se os créditos laborais dos trabalhadores deviam ser graduados à frente dos créditos hipotecários, não se justificando, no atual contexto, voltar a essa discussão [ [46] ].
Acresce que o legislador ordinário dispõe de alguma margem de conformação na concretização dos direitos fundamentais, podendo “em princípio, fixar-se a si mesmo o objectivo de alcançar um nível de protecção superior ao mínimo correspondente aos direitos fundamentais – como por exemplo, maior protecção da maternidade, dos trabalhadores ou dos inquilinos do que a exigida pela Constituição. Neste caso, o parâmetro para a aferição da necessidade é, logicamente, este mesmo objectivo, e não apenas, por exemplo, a protecção mínima de direitos fundamentais. Pode, mesmo, partir-se do pressuposto de que a realização de imperativos de tutela pelo direito ordinário – que pertence às tarefas elementares e “quotidianas” do legislador – em regra se não limita à concretização do mínimo de protecção jurídico-constitucionalmente exigido. Porque (e na medida em que) a ultrapassagem deste é jurídico-constitucionalmente legítima, o legislador pode prosseguir correspondentes fins sem, de modo algum, com isso enredar nas malhas da proibição de excesso” [ [47] ].
O que é particularmente evidente no caso, em que a remissão para a lei, expressa no art.º 59.º, nº 3 da CRP “confere uma palavra decisiva ao legislador ordinário na concreta conformação de tutela dos salários” [ [48] ], sem prejuízo dessa proteção especial não justificar à partida a previsão de privilégios creditórios absolutos que, aliás, no caso, insiste-se, inexistem, o que já se salientou aquando da explicitação da interpretação feita.  
Improcede, pois, a arguição.
*
Pelo exposto, julgando a apelação improcedente, mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante (art.º 527.º, nº 1 do CPC).
Notifique.
Lisboa, 28-02-2023
Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo

_______________________________________________________
[1] A devedora foi declarada insolvente por sentença proferida em 11-02-2010, transitada em julgado em 19-07-2010 conforme certificado no processo de insolvência (cfr. certidão de 13-09-2010).

[2] A insolvente tinha, anteriormente, a designação JC SA

[3] Que este juntou aos autos em 07-06-2021, na sequência de determinação do tribunal nesse sentido.  

[4] Cfr. a reclamação de SS, credor nº 134-B da lista apresentada pelo administrador da insolvência; a alegação é idêntica nas reclamações dos demais trabalhadores, que são representados pelo mesmo mandatário judicial; assim, cfr.
- AB (credor nº 8 da lista), os art.ºs 15.º a 17.º;
- AR (credor nº 14 da lista), os art.ºs 17.º a 19.º;
- FR (credor nº 62 da lista), os art.ºs 16.º a 18.º;
- JG (credor nº 81 da lista), os art.ºs 19.º a 21.º;
- JM (credor nº 89 da lista), os art.ºs 15.º a 17.º;
- PG (credor nº 125-A da lista), os art.ºs 17.º a 19.º;
- RC (credor nº 132-A da lista), os art.ºs 17.º a 19.º.

[5] Cfr. a reclamação do mesmo SS, sendo que todos os demais formulam pedido de produção de prova, documental e testemunhal, sendo esta exatamente com a mesma formulação – isto é “Testemunhal (Para o caso dos créditos serem impugnados)” –, variando apenas a identificação das testemunhas indicadas, que, em todo o caso, são, na sua quase totalidade, os aludidos trabalhadores. Assim:
- (…).

[6] Posteriormente, foi apresentada outra lista, em 19-05-2020, tendo o tribunal proferido o seguinte despacho, em 26-05-2021, despacho transitado em julgado:
“I.
Compulsados os autos, verifica-se que na sequência do despacho proferido em 16.04.2020, o AI juntou nova lista de créditos, a qual notificou a todos os credores.
Porém, o despacho proferido não determinou a junção de nova lista de créditos (mas antes a junção da lista original em versão editável), nem determinou a sua notificação aos credores.
Ora, resulta dos artigos 129º e 130º do CIRE que o AI junta lista definitiva de créditos, na qual inclui os créditos reconhecidos e não reconhecidos, reclamados ou de que tenha conhecimento por outra forma, dando cumprimento ao disposto no artigo 129º, n.º4 do CIRE.
E que as impugnações à lista de créditos são realizadas nos prazos previstos no artigo 130º, os quais são contados desde a data da notificação do artigo 129º, n.º4 ou desde a data de junção da lista.
A lista inicialmente junta pelo AI em 28.06.2010 e constante de fls. 24 a 81 cumpre os formalismos previstos no artigo 129º do CIRE, tendo o AI dado cumprimento às comunicações previstas no artigo 129º, 4 do CIRE, pelo que é esta a lista a considerar.
É certo que não foi o AI actualmente em funções que juntou a lista original, contudo inexiste qualquer fundamento para juntar neste momento uma lista nova (e que difere da que foi inicialmente junta), ou para proceder à sua notificação aos credores.
A junção de nova lista acabou por gerar novas impugnações e repetição de impugnações ainda não decididas de forma totalmente irregular e intempestiva.
Em face do exposto, determino que se desentranhe e devolva:
- a lista de créditos junta pelo AI a 19.05.2020;
- todas as impugnações e respostas subsequentes (ref. 26236092, 26280266, 26291866, 26305170, 26312022, 26312441, 26360075, 26393180, 26413378, 26426584).
Notifique.
 **
 II.
A fim de melhor apreciar a impugnação deduzida pelo credor “CEMG” (única que foi objecto de resposta), antes de mais, notifique o AI para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos a reclamação de créditos do Montepio e reclamação de créditos dos trabalhadores cujos créditos foram impugnados: AB, AR, FR, JG, JM, PG, RC e SS.
**
III.
Notifique ainda o AI para, no prazo de 10 dias, prestar informação sobre:
i. quais os imóveis apreendidos que se destinavam a venda pela insolvente; ii. quais os imóveis apreendidos afectos à actividade da insolvente (ex. estaleiros, escritórios, sede); iii. quais os imóveis apreendidos nos quais os trabalhadores prestavam actividade, de acordo com o que tiverem alegado nas respectivas reclamações.
Para além da informação que constar das reclamações de créditos (ponto iii.), o AI deverá, se necessário, solicitar informação de que não disponha (relativa aos pontos i. e ii.) ao gerente da insolvente e aos próprios trabalhadores.
**
IV.
Por se tratar de documento essencial à decisão a proferir o AI deverá ainda, no prazo de 10 dias, juntar certidão predial geral relativa aos imóveis descritos sob os n.ºs 2184, 1670 e 1669, uma vez que da descrição por fracção não é possível verificar o titular ou o montante máximo das hipotecas registadas em momento anterior à constituição da propriedade horizontal”.
               
[7] Com interesse no que ao recurso importa, lê-se na resposta:
“13º
conforme se pode retirar do teor da impugnação a que ora se responde,  a Impugnante parece querer por em causa os créditos dos Respondentes, quanto ao facto de beneficiarem  de privilégio creditório imobiliário especial, conforme previsto na al.ª b) do n.º 1 do art. 333º do Código do Trabalho, quanto aos imóveis referidos no seu articulado. Acontece que,
 14º
de acordo com o que os Respondentes alegaram nas suas reclamações de créditos, todos os imóveis pertencentes à insolvente e que os mesmos conheciam como sendo propriedade da mesma naquela data, estavam afectos à sua actividade e neles os mesmos prestaram trabalho, (…)
17º
salvo o devido respeito, não pode deixar de se considerar que os créditos dos Respondentes gozam de privilégios creditórios, designadamente de privilégio imobiliário especial sobre todos os bens imóveis referidos e melhor descritos no art.º 2º da impugnação a que ora se responde.
 18º
O que se requer seja declarado, com as legais consequências”.
E arrolam prova, como segue:
“Prova:
1 - Documental: Requer-se a notificação do Sr. Administrador de Insolvência nomeado, para vir juntar aos presentes autos cópia da reclamação de créditos da Impugnante, que se encontra na sua posse, para prova da matéria alegada nos art.ºs 1º a 5º desta resposta.
1- Testemunhal: 
a) (…)
b) (…);
c) (…);
d) (…);
e) (…)”.
[8] No mais, a primeira instância:
- Dispensou a realização de audiência prévia;
- Fixou o objeto do litígio, nos seguintes termos:
“Determinar a qualificação dos créditos impugnados, concretamente se devem ser reconhecidos como créditos com privilégio imobiliário especial sobre os imóveis:
- descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 3884, 3885, 3886, 3887 (apreendidos sob as verbas n.°s 1 a 4 do auto de apreensão de fls. 6/7) e
- descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 17468 e 17469 (aprendidos sob as verbas n.°s 5 e 6 do auto de apreensão de fls. 6/7)”.
- Enunciou os temas da prova, como segue:
“- saber se a insolvente tinha instalado, nos imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 3884, 3885, 3886, 3887, um estaleiro onde guardava materiais de construção e alguns equipamentos, para utilização nas obras que tinha a seu cargo;
- saber os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de (…) sob os n.ºs 17468 e 17469 são contíguos entre si, encontram-se murados e dotados de portão metálico;
- saber se a insolvente instalou nestes imóveis um segundo um estaleiro onde guardava materiais de construção e alguns equipamentos, para utilização nas obras que tinha a seu cargo,
- saber se os trabalhadores desempenharam actividade e prestaram o seu trabalho nos imóveis supra referidos”.
- Admitiu os meios de prova apresentados.

[9] Em sede de motivação do julgamento de facto, o tribunal de primeira instância indicou como segue:
“Os factos referentes aos contratos de trabalho, funções exercidas, vencimentos auferidos, retribuições e subsídios em dívida, e cessação do contrato não foram impugnados e são confirmados pela documentação junta aos autos.
De facto, o credor CEMG contesta o valor das indemnizações peticionadas pelos trabalhadores mas não impugna os factos por estes alegados, pelo que tais factos foram considerados provados.
Quanto aos imóveis, compulsadas as posições expressas pelas partes, bem com os elementos fornecidos pelo AI, verifica-se que os trabalhadores alegam que todos os imóveis se encontravam afectos à actividade da insolvente e que desenvolviam as funções em todos.
Por outro lado, o CEMG é o único credor que impugna tal circunstância, mas fá-lo apenas em relação aos imóveis sobre os quais detém hipoteca.
Assim, em relação aos imóveis sobre os quais não se encontra registada hipoteca a favor do Montepio há que considerar assente a factualidade invocada pelos trabalhadores e não impugnada, no sentido de que se encontravam afectos à actividade da insolvente e neles desempenhavam funções.
Já no que diz respeito aos imóveis destinados a venda pela insolvente, tal informação foi trazida aos autos pelo AI.
Trata-se, além do mais, de informação que resulta dos autos, de que o mesmo teve conhecimento pelo exercício das suas funções e que não foi impugnada por qualquer das partes, pelo que se considera a mesma assente”.

[10] Alguns trabalhadores referem especificamente que o contrato celebrado foi “verbal”. 
[11] A apelante inicia o articulado de recurso indicando como segue:
“Caso se entenda esgotado o poder jurisdicional, não se apreciando e decidindo o supra requerido, a credora reclamante deixa desde já expresso, que deseja interpor recurso da supra identificada decisão; recurso que, salvo melhor entendimento, é para o Tribunal da Relação de Lisboa, sobre imediatamente, com efeito suspensivo.
Para o que apresenta a seguinte motivação”.
 
[12] Lê-se na decisão proferida em 16-10-2022
 (…)
Ref. 32571997:
Veio o credor CCAM de (…) invocar a nulidade da sentença por preterição do contraditório e erro de julgamento e interpor recurso.
Quanto à nulidade invocada, entende-se que a mesma não se verifica considerando as regras previstas no CIRE para tramitação do incidente de verificação e graduação de créditos.
Os trabalhadores nas reclamações de créditos que remeteram ao AI alegaram que todos os imóveis estavam afectos à actividade da insolvente e que neles prestaram atividade. O credor não impugnou os créditos reconhecidos aos trabalhadores ou os respectivos privilégios. Assim, entende-se que não cabia proceder a novas notificações, nem se justificava exercício do contraditório para além daquele que resulta da previsão do artigo 129º do CIRE.
No demais, entende-se que a rectificação pretendida pelo credor não configura mero lapso material, de escrita ou de cálculo, pelo que inexiste fundamento para a rectificação da sentença nos termos previstos no artigo 614º do CPC.
Em face do exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade e indefere-se a rectificação da sentença, nos termos requeridos.
Notifique”.

[13] Lê-se no corpo das alegações:
“Assim, dando por assente que:
“- descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º 7197 (apreendido sob a verba n.º 7 do auto de apreensão de fls. 7) (...) estavam  afectos  à actividade da insolvente e os trabalhadores desenvolveram neles a sua actividade.”
Enferma de erro manifesto de julgamento, porquanto:
.os trabalhadores reclamantes não alegam que exerciam a sua actividade no sobredito imóvel;
.sequer lograram identificá-lo na sua localização;
.não consta, quer das informações do administrador da insolvência, quer dos trabalhadores, como imóvel onde este tivesse exercido a sua actividade por conta da empresa;
.O imóvel é identificado na constituição da garantia (escritura e registo,) como sendo terreno destinado à construção urbana (objecto social da insolvente).
E nem se diga, como se faz constar da sentença, que:
“Quanto aos imóveis, compulsadas as posições expressas pelas partes, bem com os elementos fornecidos pelo AI, verifica-se que os trabalhadores alegam que todos os imóveis se encontravam afectos à actividade da insolvente e que desenvolviam as funções em todos.”
Com efeito, tal facto não resulta, como mínimo de clareza, do alegado pelos trabalhadores, que o não alegaram nas suas reclamações; nem resulta dos esclarecimentos posteriores, quer deles trabalhadores quer do administrador de insolvência.
Carece, assim, de fundamento, factual e jurídico, a graduação especial relativamente ao mesmo, que reconhece um privilégio que, sequer foi alegado e, de todo, não se encontra demonstrado nos autos”.

[14] “Os articulados/requerimentos das partes, enquanto actos jurídicos, devem ser objecto de interpretação (art.º 295º do Cód. Civil), o que significa, por um lado, que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº1 do Cód. Civil) e, por outro, que essa declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º, nº1 do mesmo diploma” (acórdão do TRC de 09-12-2008, processo 1449/07.3TBACB-F.C1, Relator: Isabel Fonseca), acessível in www.dgsi.pr, como todos os demais arestos a que aqui se fizer referência.

[15] Alberto dos Reis, 1985, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Coimbra: Coimbra Editora, p. 206.


[16] Obr. cit. pp. 206-207

[17] “O mundo dos factos, mais ou menos controlado pela decisão humana, existe. Não se pretende colocar esta afirmação em causa, ou sequer discutir o seu alcance filosófico.
O que me parede adequado defender é simplesmente que a importação deste mundo dos factos para o processo, nomeadamente o civil (onde é prevalecente o contributo das partes), é condicionada. Condicionada por um fim específico: o pedido ou a razão jurídica desse pedido. Esta finalidade está presente desde o primeiro momento processual: a alegação dos factos. E, em consequência, está presente na produção da prova e está presente na sentença, ou seja, em todas as fases do percurso processual dos factos. Daí que tal importação, que passa necessariamente pela verbalização, não seja inocente, não seja uma cópia nua e crua do real, mas antes um retrato condicionado por fins e termos jurídicos.
Os factos em processo civil não são, pois, naturais. São seleccionados, qualificados, instrumentalizados para o processo” (A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2019, Coimbra: Almedina, pp. 70-71). 
 
[18] Obr. cit., p. 72.

[19] Ainda assim e a propósito da distinção entre a “questão de facto” e a “questão de direito”, refere Karl Larenz, in Metodologia da Ciência do Direito (tradução da 2ª edição, 1969), novembro de 1978, Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, p. 303:
“A possibilidade de uma distinção entre a questão de facto e a de direito também não desaparece lá porque toda a formação da situação de facto está orientada para a resposta duma questão jurídica fundamental (acerca das possíveis consequências jurídicas). A antecipação mental da apreciação jurídica dos acontecimentos não impede em regra o julgador de apreender e transmitir verbalmente primeiro esses acontecimentos, independentemente ainda de como devem ser apreciados juridicamente, com o mero recurso da experiência natural do homem no seu modo de ser particular. É certo que, numa situação de facto complicada, o julgador, precisamente enquanto «balança o olhar», passará muitas vezes da questão de facto para a de direito e vice-versa, até que possa responder definitivamente tanto a uma como a outra. Embora assim a formação da situação de facto seja determinada em parte, de modo decisivo, pela apreciação jurídica, que deve tornar possível, sobretudo no que toca à escolha e reunião dos factos, podem uma e outra distinguir-se com nitidez, na maior parte dos casos, como dois processos mentais contrapostos, apesar de se substituírem mutuamente várias vezes no processo de aplicação do Direito. No princípio está a «situação de facto em bruto» e a «questão fundamental» suscitada por ela, no fim está a apreciação jurídica da situação de facto definitiva e o conhecimento das consequências jurídicas que dela resultam”.                

[20]Acórdão do STJ de 30-05-2017, processo: 4118/15.7T8CBR-B.C1.S1 (Relator: Ana Paula Boularot), acessível in www.dgsi.pt, concluindo-se ainda no referido aresto:
“II. Ficam afastados de tal privilégio todos os imóveis pertencentes ao empregador, que estejam arrendados e/ou que tenham sido afectados a quaisquer outros fins, diversos da sua específica actividade económico/empresarial.
III. Esta interpretação lata do normativo em tela, arreda, a se, qualquer ligação naturalística, atendo-se apenas e tão só à relação laboral existente, fonte do crédito, e os bens imóveis afectos à actividade prosseguida, que constituem a garantia daquele crédito”.
               

[21] “Por vezes, no entanto, uma situação de facto não pode descrever-se senão com as expressões da ordem jurídica”, reconhecendo-se, nestes casos, a inseparabilidade das questões de facto e de direito (Karl Larenz, obr. cit. p. 299 e nota 32).
[22] Nos termos do art.º 751.º do Cód. Civil os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que tais garantias sejam anteriores.

[23] Nos termos do número 1, alínea a) tais créditos gozam ainda de privilégio mobiliário geral.
Nos termos do número 2, “[a] graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social”.

[24] O conceito é-nos dado pelo art.º 193.º do Código do Trabalho (“[n]oção de local de trabalho) como segue:
“1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2 - O trabalhador encontra-se adstrito a deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional”.

[25] Para além do acórdão do STJ de 30-05-2017 a que se aludiu, cfr. ainda os acórdãos do STJ de 27-11-2019, processo 7553/15.7T8VIS-G.C1. S2 (Relator: Assunção Raimundo) e de 05-04-2022, processo: 850/13.8TBTVD-F. L1.S1 (Relator: Graça Amaral);
É também essa a solução preconizada em inúmeros arestos dos tribunais da Relação. Cfr., a título exemplificativo, os seguintes acórdãos do TRL:
- 14-04-2016, processo: 5327/11.3TBFUN-A.L1-8 (Relator: Lima Gonçalves);
- 19-01-2017, processo: 1436/14.5T8PDL-C.L1-2 (Relator: Ezagüy Martins);
- 23-11-2017, processo: 227/16.3T8VFC-G.L1-6 (Relator: António Santos);
- 18-01-2018, processo: 942/11.8TYLSB-B.L1-2 (Relator: Teresa Albuquerque);
- 18-09-2018, processo: 25785/13.0T2SNT-B.L1-7 (Relator: Carlos Oliveira);
- 07-02-2019, processo: 551/13.7T2SNT-A.L1-2 (Relator: Arlindo Crua);
- 11-12-2019, processo: 1732/16.7T8VFX-B.L1-1 (Relator: Amélia Rebelo);
- 09-03-2021, processo: 1098/15.2T8FNC-F.L1-1 (Relator: Teresa Sousa Henriques);
- 09-03-2021, processo: 158/13.9TYLSB-U.L1-1 (Relator: Fátima Reis Silva);
- 11-05-2021, processo: 157/08.2TYLSB.L1-1 (Relator: Manuela Espadaneira Lopes);
- 24-01-2023, processo: 1451/13.6TYLSB-G.L1-1 (Relator: Paula Cardoso).

[26] Acrescente-se que a conclusão de que o imóvel sobre o qual recai o privilégio em causa está afeto à atividade empresarial da devedora, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados é colocada pela jurisprudência apontada, sempre, no âmbito do enquadramento jurídico do caso e não como constituindo factualidade que a primeira instância devesse ter como reconhecida em sede de julgamento de facto.         

[27] A título exemplificativo, refira-se o acórdão do STJ de 20-10-2015, em apreciação no acórdão do TC de 05-04-2017, nº 170/2017, processo: 76/2017, da 3ª secção (Relator: Joana Fernandes Costa); foi interposto recurso para o TC pelos trabalhadores reclamantes, tendo por objeto o referido aresto em que o STJ indicava, na fundamentação respetiva, como segue:
“O presente recurso suscita a questão da interpretação a dar à alínea b) do n.º 1 do art.º 333.º do CT.
(…) Partindo do princípio que o legislador se sabe expressar, a letra do preceito não deixa a mínima dúvida de que os créditos dos trabalhadores só gozam de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel do empregador no qual presta a sua atividade e não sobre a generalidade dos seus imóveis.
Já o conceito de imóvel no qual o trabalhador presta a sua atividade pode não ser tão pacífico.
Cremos que tal conceito não pode nem deve estar dissociado do conceito legal de local de trabalho, que deve estar definido no contrato (art.º 193º do CT).
A mudança do trabalhador para um outro estabelecimento do mesmo empregador é qualificada como transferência do local de trabalho e só é permitida em circunstâncias muito concretas (art.º 194º do CT).
Conjugando a letra da alínea b) do n.º 1 do art.º 333.º do CT com o conceito de local de trabalho, cremos não dever ser tão restritivos ao ponto de, numa unidade de produção, considerar como imóvel em que cada trabalhador presta a sua atividade o edifício concreto em que cada um deles trabalha, o barracão que serve de armazém para o respetivo fiel, o pavilhão onde estão sediadas as máquinas para os respetivos operários, a casa onde estão sediados os serviços administrativos para os respetivos funcionários, a garagem coletiva dos veículos da empresa para os motoristas e ajudantes.
Trata-se de uma unidade produtiva, em que os vários imóveis, apesar de distintos, não têm autonomia funcional, constituindo o respetivo conjunto o local de trabalho de todos os trabalhadores, independentemente da sua específica atividade e do concreto imóvel onde habitualmente a desenvolve.
Assim, no exemplo acima citado, sobre o barracão armazém, o pavilhão da fábrica, o edifício dos serviços administrativos e a garagem coletiva incide o privilégio imobiliário especial para garantia do pagamento dos créditos de todos os trabalhadores.
Há, porém, situações bem diferentes desta, como parece acontecer no caso em apreciação, em que o empregador possui várias unidades produtivas autónomas, sediadas em diversas localidades do nosso país.
Não nos parece possível defender que as trabalhadoras que operam na loja de Santiago do Cacém exercem a sua atividade no imóvel onde está instalada a loja de Porto Covo.
Os privilégios imobiliários especiais têm por objetivo garantir através de concretos imóveis do devedor o pagamento de certos créditos, cuja fonte está em conexão direta com os imóveis sobre os quais incide o privilégio (art.ºs 733.º, 738º a 742º, do Código Civil).
O imóvel onde está instalada a loja de Porto Covo não tem qualquer conexão com os créditos das trabalhadoras da loja de Santiago do Cacém.
O local de trabalho das funcionárias da loja de Santiago do Cacém nunca foi o imóvel em que está instalada a loja de Porto Covo.
A interpretação do acórdão recorrido contraria frontalmente a letra da lei, alargando injustificadamente o conceito de imóvel em que o trabalhador presta a sua atividade”.
Consequentemente, o STJ – cujo aresto não encontramos publicado – revogou o acórdão do TRE, repristinando a decisão da primeira instância quanto ao reconhecimento e graduação dos créditos reclamados no âmbito da insolvência.

Saliente-se que o TC decidiu não conhecer do objeto do recurso porquanto entendeu que o STJ não extraiu do preceito em causa a solução interpretativa que os recorrentes apontavam. Assim, lê-se no aresto do TC:
“Conforme resulta do acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça, depois de definir como questão a decidir a de saber quais aos bens imóveis do património do empregador que deveriam considerar-se abrangidos pelo privilégio imobiliário especial previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 333.º do Código do Trabalho, perfilhou o entendimento segundo o qual, não sendo aquele privilégio geral – isto é, não incidindo sobre a totalidade dos bens imóveis do empregador −, também não seria de adotar critérios “tão restritivos” ao ponto de, “numa unidade de produção, considerar como bem imóvel no qual cada trabalhador presta a sua atividade” apenas o “edifício concreto em que cada um deles trabalha”.
Na estrutura decisória subjacente ao acórdão recorrido, o conceito decisivo para a proceder à delimitação do conjunto dos bens imóveis do património do empregador onerados pelo privilégio imobiliário especial estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 333.º do Código do Trabalho é, tanto no plano normativo como operativo, o de “unidade produtiva”: segundo o tribunal a quo, o privilégio imobiliário especial estabelecido naquele preceito incide sobre “vários imóveis” quando estes, “apesar de distintos, não têm autonomia funcional”, antes constituindo, no conjunto que assim formam, “o local de trabalho de todos os trabalhadores, independentemente da sua atividade e do concreto imóvel onde habitualmente a desenvolve[m]”; já se o empregador possuir “várias unidades produtivas autónomas, sediadas em diversas localidades do país”, os bens imóveis a cada uma delas afetos apenas respondem pelos créditos laborais dos trabalhadores que nessa unidade prestam serviço, não garantindo por isso a satisfação dos créditos de que sejam titulares os  trabalhadores que, encontrando-se ao serviço do mesmo empregador, desenvolvam a sua atividade noutras unidades produtivas.
O critério decisório seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça afasta-se assim, quer da orientação que havia sido sufragada pelo Tribunal da Relação de Évora – de acordo com a qual todos os imóveis afetos à atividade económica do empregador e todos os trabalhadores que com ele colaboram integram a mesma unidade produtiva −, quer da solução que, no extremo oposto, limita a titularidade do privilégio imobiliário especial conferido pelo n.º 1 do artigo 333.º do Código do Trabalho aos trabalhadores que prestem a sua atividade no específico imóvel sobre que incide tal garantia.
9. A dimensão interpretativa pretendida sindicar –  e através de cuja especificação foi definido o objeto do presente recurso de constitucionalidade – pressupõe que, como fundamento da concessão da revista, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou o preceito constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 333.º do Código do Trabalho no sentido de que apenas gozam de privilégio imobiliário especial os créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, sobre o imóvel onde o trabalhador tem a localização física do seu posto de trabalho, não abrangendo os demais imóveis afetos ao desenvolvimento da atividade comercial da entidade empregadora.
Conforme se viu, não foi esse o sentido em que o referido preceito foi interpretado e aplicado na decisão recorrida”.    
[28] Do que o presente caso é exemplo, pelo menos, comprovadamente, quanto a alguns trabalhadores, como se retira da factualidade dada por assente (cfr. os números 19 e 61 a 63).

[29] Entende-se que a presunção de propriedade enunciada no art.º 7.º do Código do Registo Predial não abrange os demais elementos de identificação do prédio descrito no registo e alusivos, nomeadamente, à área, limites ou confrontações. No entanto, no caso, é inequívoco que podemos socorrer-nos desses elementos porquanto nenhum interveniente processual questionou essa realidade, que se mostra documentada no processo e está perfeitamente consolidada.

[30] Em que, estando em causa “saber se são abrangidos por esse privilégio [art. 377.º, nº1, alínea b) do Cód. do Trabalho de 2003], os imóveis construídos por uma empresa de construção civil insolvente e destinados a comercialização”, o STJ respondeu fixando a seguinte jurisprudência:
“Os imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização, estão excluídos da garantia do privilégio imobiliário especial previsto no art.º 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003”.

[31] “Em vez de falar só em «subsunção», deveria, portanto, de preferência, falar-se no julgamento jurídico da situação de facto” (Karl Larenz, obr, cit. p. 309).
[32] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra: Coimbra Editora, p.486.

[33] Sobre a classificação dos “indícios”, que “podem ser objecto de uma taxonomia em função das máximas da experiência que os dinamizam”, cfr.  Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2013, pp.223-229.  

[34] Admitindo-se que, por vezes, possa ser utilizada a expressão com um conteúdo não estritamente técnico-jurídico, como se nos afigura ter acontecido no acórdão do TRL de 19-01-2017, supra aludido, em que, seguindo o entendimento apontado, se concluiu que “[t]endo sido apreendidos para a massa insolvente dois imóveis pertencentes à insolvente, sendo um, um armazém e o outro um espaço destinado em exclusivo ao comércio, é de presumir terem estado tais imóveis afetos à organização empresarial da insolvente, uma sociedade comercial por quotas, tendo por objeto o comércio de mobiliário, artes decorativas, eletrodomésticos, eletrificações e colocação de alcatifas” e que “[n]essa circunstância, os créditos dos trabalhadores da insolvente – distribuidores, vendedores, empregados de limpeza, fiéis de armazém, gerente de loja, administrativos – gozam de privilégio imobiliário sobre os referidos imóveis”.

[35] A este propósito, cfr. o referido acórdão do TRL de 09-03-2021.

[36] De acordo com o princípio da aquisição processual, o tribunal deve tomar em consideração todos os elementos probatórios aportados ao processo, independentemente do interveniente processual que carreou esses elementos para os autos, salvo quando a lei declare irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feito por certo interessado, hipótese que aqui se não verifica.

[37] A aplicação desse princípio no âmbito dos créditos laborais e para efeitos de graduação no processo de insolvência tem sido recorrente nos nossos tribunais, como dão nota inúmeros arestos, salientando-se, os acórdãos do STJ de 07-02-2013, processo: 148/09.6TBPST-F.L1.S1 (Relator: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e de 06-11-2018, processo: 66/16.1T8RGR-C.L1.S2 (Relator: Henrique Araújo); cfr. ainda os acórdãos do TRL supra referidos, de 18-09-2018 e de 09-03-2021.

[38] Alude-se, obviamente, àquelas normas jurídicas que sejam convocadas para a solução propugnada, isto é, que constituam a ratio decidendi.

[39] Como se referiu no acórdão do TC de 02-07-97, “[s]ó podem ser objecto de recurso de constitucionalidade visando a fiscalização concreta as normas jurídicas, não dispondo o Tribunal Constitucional de competência para tomar conhecimento de recursos em que se imputa a inconstitucionalidade às próprias decisões judiciais ou a actos administrativos ou políticos” (nº ACTC7708 Relator: Ribeiro Mendes), acessível no site respetivo.
[40] Proferido no processo nº 248/2005 (Relator: Maria Fernanda Palma), acessível no site respetivo.

[41] Quanto ao momento de arguição, o TC tem admitido que, nos casos em que o interessado não teve oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão final, possa ainda fazê-lo depois desta, em sede de recurso; mas esta jurisprudência do TC, que é uniforme, restringe essa possibilidade às situações em que a questão só surge por via da decisão e que só se coloca por força da mesma.

[42] Que entrou em vigor em 01-12-2003, conforme art.º 3.º, nº1 da referida Lei.

[43] Ainda que aí se colocasse também questão de aplicação da lei no tempo, em face das alterações introduzidas pela referida Lei; o acórdão do TC foi proferido no âmbito de processo de falência em que na sentença de verificação e graduação de créditos o juiz, com referência ao produto da liquidação do bem imóvel aí apreendido, graduou os créditos reclamados pelos trabalhadores da falida antes do crédito garantido por hipotecas voluntárias a favor de entidade bancária, aplicando a referida norma (art.º 377.º, nº1, alínea b) do CT); interposto recurso para o tribunal da Relação de Guimarães, a Relação manteve a decisão; do acórdão proferido pelo TRG foi interposta revista, tendo o STJ mantido tal acórdão, aderindo à fundamentação respetiva. O credor bancário recorreu então para o TC, ao abrigo do disposto no art.º 70.º, nº1, alínea b) da LCT “suscitando a apreciação da inconstitucionalidade material da norma constante da alínea b), do n.º 1, do art.º 377.º, do Código do Trabalho, na interpretação segundo a qual os créditos laborais garantidos por privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade prevalecem sobre os créditos garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre esses bens em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, por violação do princípio constitucional da protecção da confiança, ínsito no Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º, da Constituição da República Portuguesa”.


[44] Artigo 377.º
Privilégios creditórios
1 - Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social (sublinhado nosso).
[45] Salientando-se que deixou de se distinguir consoante estamos perante créditos salariais resultantes do contrato de trabalho, se créditos resultantes da sua cessação ou violação.

[46] Cfr. sobre a matéria o acórdão do TRL de 25-02-2014, processo: 39-A/1984.L1-7 (Relator: Maria do Rosário Morgado).

[47] Claus-Wilhelm Canaris, Os Direitos Fundamentais e Direito Privado, 2012, Coimbra: Almedina, p. 120.

[48] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2010, Tomo I, Coimbra, Wolters Kluwer e Coimbra Editora, p. 1166.