Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
417/17.1YRLSB-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: DECISÃO ARBITRAL
PEDIDO DE ANULAÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– Procedendo o pedido de anulação, não pode proceder o pedido de indemnização fundado no dever de informação. E mantendo-se este último pedido, a decisão que julgou válidos os contratos terá que se manter.

II.– Assim, não pode haver qualquer dissociação entre a parte da decisão, que os AA pretendem anular e a restante que se mantem incólume, sendo certo que os fundamentos da impugnação afectariam a decisão arbitral no seu todo.

SUMÁRIO: (elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


D…., com sede na Rua, com o capital social de € 30.000.000,00  e T.., NIPC , com sede em Lisboa, com o capital social de € (doravante, “T..),vêm intentar contra B…, S.A.,  com sede Lisboa,  a presente acção de anulação parcial de sentença arbitral proferida em 15 de Dezembro de 2016 sob a égide do Centro de Arbitragem da Universidade Católica de Lisboa (CAUCP)  em Lisboa.

O que fazem – nos termos e para os efeitos dos artigos 46.º, n.º 3, alínea a), ii) e do artigo 59.º, n.º 1 da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro) – peticionando o seguinte:
--deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência anular-se parcialmente a sentença arbitral proferida no âmbito do processo n.º 27.03.2014, na parte em que o R. foi absolvido do pedido de declaração de nulidade dos contratos de opção por contrariedade à ordem pública e aos bons costumes, com fundamento em:
a)-Falta de oportunidade razoável de fazer valer os seus direitos (direito à prova) nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 46.º e a alínea b) do n.º 1 do artigo 30.º da LAV e, ou;
b)-Falta de fundamentação da sentença arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 205.º da Constituição, 154.º e 607.º, n.º 2 e 3 do CPC e n.º 2 do artigo 42.º da LAV.

Para tanto, alegam, em resumo:
No que respeita à violação de um princípio fundamental do processo arbitral: a falta de oportunidade razoável de fazer valer os seus direitos
No dia 19 de Março de 2014, o Sr. A… – à data administrador das Demandantes – solicitou ao R., ao abrigo do artigo 11.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (doravante, “LPD”)., cópia das gravações das comunicações telefónicas estabelecidas entre este e os trabalhadores do R. no âmbito de várias transações celebradas com o R. (cfr. doc. 5).Em resposta ao solicitado, o R. enviou ao Sr. A.., por via postal, vários CDs com vários ficheiros áudio (cfr. doc. 5).
Uma vez recebidos, o Sr. A…remeteu os vários CDs recebidos para os seus mandatários, os quais posteriormente procederam à respectiva junção ao processo arbitral, como meio de prova documental – cf. gravações de conversas disponibilizadas pelo Demandado juntas como doc. n.º 21 em anexo ao doc. 2 (cfr. doc. 5),
Gravações essas que foram juntas aos autos arbitrais tal como foram recebidas do Demandado e que se juntam agora, em versão anonimizada, como doc. 6 – sem que tal signifique que as AA. concedam sobre a admissibilidade de junção das gravações em versão original não anonimizada, como se verá infra.
Ora, da análise dos CDs enviados pelo R. resulta claro que o R. enviou ao Sr. A… gravações de conversas telefónicas relativas às transacções objecto do litígio arbitral, as quais incluem algumas chamadas internas, i.e. gravações de chamadas telefónicas realizadas entre os trabalhadores do R. (cfr. doc. 5).
Note-se que todas as comunicações telefónicas em causa são absolutamente cristalinas quanto às metodologias de trabalho, incentivos e modo de condução de práticas comerciais utilizadas pelo R. no âmbito das relações contratuais estabelecidas entre este e as AA..
Em especial, as gravações internas comprovam de forma evidente o que se intui pela análise da economia das transacções em crise: só por motivos censuráveis, antitéticos daqueles que deveriam nortear a prossecução da actividade económica do R., poderia o R. ter proposto comprar opções de venda às AA. nos termos em que o fez.
As conversas internas dos trabalhadores do R. são, pois, essenciais para que se compreenda os contratos em análise e afira da sua contrariedade à ordem pública e aos bons costumes.
O R. opôs-se à junção do doc. n.º 21 com o requerimento arbitral (doc. 2), tendo requerido o respectivo desentranhamento.

O Tribunal Arbitral proferiu um despacho preliminar acerca desta questão a 9 de Março de 2015, que ora se junta como doc. 8, determinando:
 “1. –Que o Demandado seja notificado para, no prazo de 10 (dez) dias, esclarecer o Tribunal sobre as circunstâncias em que foram gravadas as conversas entre os seus funcionários juntas ao processo e cuja admissibilidade contesta, mormente se esses funcionários deram o seu consentimento à realização dessas gravações e, em caso afirmativo, em que termos o fizeram, bem como se as conversas foram realizadas através de rede telefónica pública ou de linhas telefónicas internas.
2. –Que o Demandado esclareça também, no mesmo prazo, se a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) autorizou essa gravação e, sendo este o caso, faça prova da autorização.
3. –Que, na falta da autorização referida na alínea anterior, informe se a CNPD foi notificada de que as gravações iriam ser realizadas e para que finalidade”.

Posteriormente, AA. e R. juntaram ao processo pareceres jurídicos acerca da admissibilidade – ou falta dela – da junção das gravações internas aos autos.
Após recepção dos esclarecimentos solicitados, o Tribunal Arbitral proferiu despacho complementar a 28 de Abril de 2015.
Quanto à admissibilidade das gravações internas como meio de prova, o Tribunal Arbitral concluiu que “dado que tais gravações foram, de facto, realizadas e comunicadas pelo Demandado, ainda que por erro, às Demandantes e uma vez que desse modo se elimina o problema central assinalado, consistente na utilização no processo de dados pessoais sensíveis de terceiros que não deram o seu consentimento para tal, (…) aceita-se que as Demandantes procedam à selecção e transcrição dessa parte sem os nomes dos intervenientes e sem outros elementos que tornem possível a sua identificação.
Por conseguinte, o Tribunal Arbitral, no que interessa à questão em análise, decidiu do seguinte modo (cf. decisão do despacho, doc. 5):
“1. –Ordena-se o desentranhamento do processo das gravações relativas às conversas internas dos trabalhadores do Demandado.
2. –Admite-se que as Demandantes procedam à transcrição da parte dessas conversas relativa às transacções em apreciação no processo, com eliminação dos nomes dos intervenientes e de qualquer outro elemento que permita a sua identificação, dispondo de 10 dias para, querendo, procederem à sua junção aos autos;
3. –Fixa-se igual prazo para o Demandado exercer o eventual contraditório.”

Em cumprimento do despacho complementar de 28 de Abril de 2015 (doc. 5), as Demandantes juntaram aos autos a transcrição das gravações internas em apreço, relativas às transacções em causa, eliminando os nomes dos intervenientes e qualquer outro elemento que permitisse a identificação dos intervenientes.

O R., por sua vez, requereu o desentranhamento de tais transcrições.
Não obstante ter procedido em conformidade, tendo junto aos autos as transcrições relativas às transacções incluídas no perímetro do litígio arbitral, devidamente anonimizadas, o Tribunal Arbitral decidiu, por despacho datado de 19 de Maio de 2015, indeferir “o requerimento apresentado pelas Demandantes no passado dia 6, no sentido da junção aos autos da transcrição das gravações das conversas internas com o Demandado. O que significa a impossibilidade da sua utilização no presente processo”
Em suma, as Demandadas não puderam utilizar como meio de prova as gravações internas que, conforme referido supra, continham elementos determinantes para consubstanciar e demonstrar a veracidade dos argumentos por elas invocados.
A subalínea ii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV prescreve que o Tribunal Estadual pode, a pedido das partes, anular a sentença arbitral caso se demonstre que, no processo, houve violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º, exigindo-se, no entanto, que tal “violação tenha tido influência decisiva na resolução do litígio” .

Conforme se demonstrará, ao não admitir a junção das transcrições das gravações internas, o Tribunal Arbitral violou o princípio da igualdade de tratamento das partes ou igualdade de armas, o que, por sua vez, conduziu em linha recta à prolação de uma sentença desfavorável às Demandantes, ora AA., na parte que ora se impugna.

O Tribunal Arbitral impediu que as partes no processo arbitral, ora AA. e R., dispusessem de idênticas possibilidades de fazer valer judicialmente os seus direitos.

Entendimento esse, como já referido, sustentado por um dos árbitros – cfr. voto de vencido do árbitro Professor Doutor Pedro Pais de Vasconcelos, onde este refere que tal decisão do tribunal “põe em causa o direito à prova de uma das partes” (sublinhado e negrito nossos, cf. pág. 3 do doc. 11).~

Ao decidir pela não aceitação da junção das transcrições das gravações internas, o Tribunal Arbitral criou uma evidente e clara situação de desvantagem das AA. em relação ao R.

A demonstração da contrariedade do fim dos contratos de opção à ordem pública e aos bons costumes pelo R. pressupõe – nos termos expressos pelo próprio Tribunal Arbitral (cfr. pontos 324 a 335 do doc. 1) que as Demandantes consigam ter acesso – como tiveram – a informações internas relativas a:
i) –metodologias de trabalho e práticas comerciais do R.;
ii) –(in)cumprimento da ética empresarial e financeira dominante;
iii) –aplicação efectiva do código de conduta do R., ao qual este se auto-vinculou (e que exprime regras éticas e deontológicas vinculantes para a relação jurídica bancária).

Informações essas inacessíveis em abstracto às AA. e que – como se compreende – nem em sede de inquirição de testemunhas (v.g. funcionários do R.) se tornariam acessíveis.

Torna-se, nessa medida, claro que a decisão sobre o pedido de declaração de nulidade dos contratos de opção por violação da ordem pública e dos bons costumes (art. 280/2 do CC) apenas foi de não provimento em razão de as Demandantes, ora AA., terem sido ilegal e injustamente vedadas de utilizar as gravações enquanto meios de prova.

Tanto basta para demonstrar o requisito do ponto ii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV: “(…) com influência decisiva na resolução do litígio”.
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No que respeita à falta de fundamentação da sentença arbitral na parte em que se declarou improcedente o pedido de declaração de nulidade dos contratos por contrariedade à ordem pública e aos bons costumes.

Nos termos do artigo 46.º, n.º 3, al. a) da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada se tiver sido proferida em violação dos requisitos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 42.º. De acordo com o prescrito nesta última disposição, a sentença deve ser fundamentada, a menos que exista dispensa operada pelas partes (o que não ocorreu).

O dever de fundamentação é, como se sabe, um princípio geral regulador do exercício da função jurisdicional, nos termos do disposto no artigo 205.º da Constituição, 154.º e 607.º, n.º 2 e 3 do CPC e n.º 2 do artigo 42.º da LAV.

Este Tribunal já esclareceu que “ a fundamentação das decisões, quer de facto, quer de direito, proferidas pelos tribunais estará viciada caso seja descurado o dever de especificar os fundamentos decisivos para a determinação da sua convicção, já que a opacidade nessa determinação coloca em causa as funções de ordem endoprocessual e extraprocessual que estão ínsitas na motivação da decisão”  (Sublinhado nosso).

De todo o exposto resulta que, independentemente da exacta amplitude do dever de fundamentação – e da confluência entre falta de fundamentação e fundamentação muitíssimo deficiente – as rationes subjacentes ao dever de fundamentação prendem-se com a obrigação de exteriorização da racionalidade da motivação das decisões e convicções do julgador.

As Demandantes, ora AA., peticionaram a declaração de nulidade dos contratos de opção em virtude dos mesmos contrariarem a ordem pública e os bons costumes, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 280.º do Código Civil.

O Tribunal faz tábua rasa da letra do disposto no n.º 2 do artigo 280.º do Código Civil e da sua “aplicabilidade” ao caso, “arrumando” a questão para a sua apreciação nos quadrantes da responsabilidade civil do intermediário financeiro. E fá-lo na sequência de dois argumentos incompreensíveis:
i) –O princípio do favor negotii;
ii)–A relativa novidade do tema – ainda carecido do necessário aprofundamento.

Por um lado, o Tribunal pressupõe uma nulidade para que possa aplicar o favor negotii (que limita a extensão desse vício e desvalor); por outro lado, o Tribunal usa o favor negotii para entender que a questão da nulidade dos contratos de opção, nos termos do n.º 2 do artigo 280.º do Código Civil não se “deve” colocar, em detrimento da análise sob os pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro.

O Tribunal abstrai na totalidade das normas deontológicas e da sua relevância para a invalidação dos contratos de opção dos autos arbitrais, não justificando minimamente porque é que estas, em conjunção com o n.º 2 do artigo 280.º do Código Civil, não são sequer “aplicáveis”;
Por outro lado, o Tribunal afirma, nessa “vontade” de querer analisar a questão ao abrigo dos deveres do intermediário financeiro que “as próprias Demandantes invocam essencialmente a violação de deveres de conduta” – dando a entender que as ora AA. configuraram a questão como um tema de deveres do intermediário financeiro – quando é absolutamente claro que a ofensa aos bons costumes foi invocada a título de nulidade contratual (isto mesmo resulta da sentença – cfr. ponto 324 do doc. 1); 
Em consequência, o Tribunal confunde a dimensão objectiva, de validade do contrato à luz do padrão disposto no artigo 280.º, n.º 2, do CC, com a dimensão subjectiva, dos deveres do intermediário financeiro que consubstanciam um pedido distinto das Demandantes, ora AA.;
Por fim, à luz da factualidade provada (e em contradição com o que havia afirmado – i.e., “preferir” a segunda solução”, da responsabilidade civil), o Tribunal culmina afirmando que “os contratos, em si mesmos, também não ofendem os bons costumes (ainda que este conceito indeterminado englobe a ética empresarial e financeira dominantes). Improcede[ndo] assim o presente fundamento de nulidade.” (cfr. ponto 335 do doc. 1).

Por todo o exposto, deverá o segmento da sentença respeitante ao pedido de declaração de nulidade dos contratos de opção por contrariedade à ordem pública e aos bons costumes ser anulado por manifesta falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 205.º da Constituição, 154.º e 607.º, n.º 2 e 3 d C e n.º 2 do artigo 42.º da LAV.
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O R contesta alegando, em síntese:
-ao contrário do que as AUTORAS sustentam, a parte da sentença relativamente à qual, alegadamente, se verificam os fundamentos invocados pelas AUTORAS não é dissociável das demais
Uma sentença arbitral apenas será divisível, e nessa medida, susceptível de anulação parcial, caso a dissociação da parte da sentença afectada pelo vício da restante sentença não contenda com a lógica e o equilíbrio do todo.
Nos presentes autos, todos os pedidos e causa de pedir foram apreciados, numa lógica, evidente, de dependência e estreita conexão assentando tal apreciação num nexo rigoroso a que subjaz um fio condutor.
O que o Tribunal concluiu foi antes que o RÉU incumpriu o dever de informação a que se encontrava sujeito quanto ao preço daquelas opções, sendo razoável que, no limite, tendo sido informadas, as AUTORAS reclamariam prémios equivalentes (o que não quer dizer que o RÉU teria celebrado os contratos nesses termos).
Nessa medida e considerando ter existindo a violação dos deveres de informação, o RÉU foi condenado a pagar aquele valor a título de indemnização, pelos danos causados pela violação daqueles deveres. O que não é, claramente, o mesmo que dizer que o RÉU estava obrigado a pagar aquele valor ab initio.
No caso concreto, é evidente que a putativa procedência do pedido principal relativamente ao qual as AUTORAS requerem a anulação da sentença arbitral implica, necessariamente, a improcedência do pedido subsidiário que as AUTORAS pretendem manter incólume. Trata-se, de resto, da própria natureza da dedução de pedidos subsidiários.
De facto, a expressão “caso assim não se entenda – o que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona” (cfr. Doc. 2 junto com a petição inicial), não deixa margem para dúvidas que as AUTORAS apenas pretendiam que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre o pedido relativo ao valor das opções no caso de os demais pedidos – incluindo o de nulidade por fim contrário à ordem pública e bons costumes – serem julgados improcedentes.
Donde resulta que existe uma relação de dependência entre o pedido relativo ao qual as AUTORAS pretendem que a decisão seja anulada e o pedido subsidiário julgado parcialmente procedente.
O que foi efectivamente peticionado pelas AUTORAS foi, a título principal, a nulidade dos contratos, e a título subsidiário (e em segundo grau), a indemnização pela violação do dever de informação quanto ao valor dos prémios.
Ora sendo anulada a sentença arbitral, na parte em que julgou improcedente o pedido principal de nulidade por contrariedade do fim aos bons costumes, terá de ser constituído novo tribunal arbitral, para decidir este pedido. O qual, no limite, pode julgar procedente aquele mesmo pedido, declarando a nulidade dos contratos (sem conceder).
Neste cenário – puramente hipotético e que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona –, existirá uma evidente contradição lógica entre essa nova sentença arbitral e o segmento decisório da sentença arbitral ora impugnada que as AUTORAS pretendem deixar incólume.
Com a anulação do pedido de nulidade por contrariedade do fim à ordem pública e bons costumes, ficaremos na situação em que o (ou um dos) pedido(s) principal(ais) não foi(ram) apreciado(s), pelo que, pela lógica das coisas, não poderá haver uma decisão sobre o pedido subsidiário.
Note-se que o que vai exposto vale, tanto para o segundo pedido subsidiário, relativo ao valor das opções, como para o primeiro pedido subsidiário, relativo à putativa violação dos deveres do intermediário financeiro.
Noutra perspectiva: o pedido de responsabilidade civil formulado e ao abrigo do qual o Réu foi condenado implica a validade dos contratos, pelo que é incompatível com o pedido de nulidade.
De resto, foi precisamente por ser incompatível que o mesmo foi deduzido a título subsidiário.
Recorde-se o pedido: “(..) condenação do RÉU no pagamento de uma indemnização pelos danos causados às AUTORAS decorrentes da errada valorização das opções contratadas, no montante correspondente à diferença entre o que foi prestado pelo RÉU ao abrigo dos contratos de opção e o que deveria ter sido prestado, se as mesmas tivessem sido vendidas ao seu justo valor”.
Como é fácil de ver, a indemnização pressupõe “o que deveria ter sido prestado” ao abrigo dos contratos, isto é, pressupõe a validade e eficácia dos contratos.
Se este pedido não tivesse sido – como foi – deduzido subsidiariamente, então o mesmo seria incompatível com o pedido de nulidade dos contratos, pois que as AUTORAS nunca poderiam ser indemnizadas por aquilo que deveriam ter recebido ao abrigo dos contratos [nulos], na medida em nada há a receber ao abrigo de contratos nulos.
Em segundo lugar, os fundamentos da anulação alegados pelas AUTORAS, a existirem – o que por mera cautela de patrocínio se admite, sem conceder –, inquinariam toda a decisão arbitral.
Significa isto, então, que o segundo vício invocado pelas AUTORAS, da falta de fundamentação, a proceder, o que por mera cautela de patrocínio – e sempre sem conceder – se admite, afectaria a decisão arbitral na sua globalidade.
Em face a tudo o supra exposto, é claro que a sentença arbitral ora impugnada não só não é cindível, como – além do mais – o fundamento de anulação invocado da alegada falta de fundamentação afecta toda a decisão, razão pela qual nunca seria admissível a sua anulação parcial.
De facto, as AUTORAS não têm interesse na anulação integral da sentença arbitral, mas tão-somente na sua anulação parcial, “nos estritos limites do peticionado pelas A.A.”.
Donde, sendo aquela anulação parcial legalmente inadmissível, deve o pedido das AUTORAS ser julgado improcedente, o que desde já se REQUER.
Acresce que, o que as AUTORAS alegam, essencialmente, são putativos erros de julgamento.
Com efeito, quanto ao primeiro fundamento invocado – da putativa violação do princípio fundamental da oportunidade razoável de fazer valer os seus direitos –, verifica-se que o que as AUTORAS sustentam é que o Tribunal Arbitral teria errado ao indeferir a utilização das gravações e transcrições das gravações internas.
Já no que diz respeito à alegada falta de fundamentação da decisão, as alegações das AUTORAS demonstram igualmente que o que está ali em causa é que as mesmas simplesmente não concordam com as conclusões a que o Tribunal Arbitral chegou e com a fundamentação aduzida, o que é, evidentemente, muito diferente de não entenderem a fundamentação do Tribunal.
Sucede que, putativos erros de julgamento não constituem fundamento para anulação da decisão arbitral, mas apenas, quando admissível, fundamento para recurso.
Sem prejuízo do exposto, como se verá, nenhum dos putativos fundamentos de anulação se verifica no caso concreto.
O  tribunal arbitral pode decidir admitir ou não um meio de prova desde que, no seu processo decisório, respeite os princípios fundamentais do processo arbitral.
Assim, uma decisão que indefira um meio de prova, com fundamentos jurídicos incorrectos – o que, note-se, não se verifica no caso dos autos – não violará o princípio da igualdade das partes, somente podendo, em tese, incorrer em erro de julgamento.
De facto, uma coisa é a decisão de mérito do tribunal violar princípios fundamentais do processo arbitral. Outra, muito diferente, é tais princípios terem sido violados no decurso do processo arbitral.
Porém, apenas a segunda hipótese constitui fundamento de anulação da sentença arbitral.

Contudo, sempre se dirá:
– como as próprias AUTORAS acabam por reconhecer, no processo que conduziu àquela decisão do Tribunal, ambas as partes foram tratadas com igualdade, tendo-lhes sido dada oportunidade razoável de fazer valer os seus direitos, com estrita observância do princípio do contraditório. Ambas as partes tiveram ampla oportunidade para fazer valer o seu caso quanto à admissibilidade ou inadmissibilidade da utilização das gravações internas e respectivas transcrições.
A verdadeira pretensão das AUTORAS é a impugnação do mérito da decisão do Tribunal Arbitral que indeferiu a utilização das gravações internas e respectivas transcrições.
Caso, porém, assim não se entenda – o que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona, sem de forma alguma conceder – sempre se dirá que as gravações internas ora em discussão são ilícitas, pelo que a sua utilização nunca poderia ter sido autorizada pelo Tribunal Arbitral.
Logo, a decisão do Tribunal Arbitral não violou os princípios fundamentais do processo arbitral
Além do mais, para que a sentença arbitral possa ser anulada com este fundamento, a ofensa aos princípios estruturantes há-de ter interferido, de forma decisiva ou determinante, na decisão do objecto da causa.
Nos presentes autos, e como já demonstrado cabalmente supra, não se verifica o primeiro requisito, donde a acção tem de ser julgada improcedente.
Mais ainda que assim não se entendesse – sem de forma alguma conceder –, a verdade é que a putativa violação do princípio da igualdade, nos termos pugnados pelas AUTORAS, não teve, nem nunca poderia ter tido, influência decisiva na resolução do litígio.
Acresce ainda que o Tribunal Arbitral adoptou o entendimento de que as consequências da putativa ofensa à ética profissional devem ser enquadradas no âmbito da responsabilidade civil e não da invalidade dos contratos.
Logo, ainda que as gravações internas e respectivas transcrições tivessem sido admitidas, nunca influenciariam a decisão do Tribunal Arbitral a este respeito.
O entendimento das AUTORAS de que a sentença arbitral padece ainda do vício de falta de fundamentação, na parte em que julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade dos contratos por contrariedade à ordem pública e aos bons costumes, é totalmente infundado.
Sucede que, como as AUTORAS acabam inevitavelmente por reconhecer, apenas a absoluta omissão de fundamentação constitui fundamento de anulação da decisão arbitral (cfr. artigo 311 e nota de rodapé 34).
Esta é, aliás, doutrina e jurisprudência uniforme em Portugal.
Da argumentação aduzida pelas AUTORAS resulta, desde logo, que, no caso concreto, o Tribunal fundamentou a sua decisão quanto à não aplicação do n.º 2 do artigo 280.º do Código Civil, ainda que, no entendimento das AUTORAS essa fundamentação não lhes fosse compreensível (o que também não é o caso).
Ao contrário do que vem alegado pelas AUTORAS, também este segmente decisório, contrariedade aos bons costumes ,está mais do que fundamentado.
É, manifestamente falso que o Tribunal não se tenha pronunciado sobre o pedido de invalidade dos contratos de opção, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 280.º do Código Civil.
Donde resulta, que inexiste qualquer falta absoluta de fundamentação e, deste modo, fundamento para anular a sentença arbitral.
Por fim, também nesta sede cumpre chamar atenção para o facto de a alegada violação de deveres deontológicos em particular, do Código de Conduta do RÉU, não ter sido alegado pelas AUTORAS na petição inicial.
Por outro lado, tratando-se do putativo vício de falta de fundamentação (que neste caso nunca seria absoluta), o vício em si não afecta, evidentemente, a decisão do Tribunal Arbitral quanto àquele pedido, que não será diferente por necessitar de fundamentação adicional.
Assim, tendo em conta o princípio favor arbitrationis, caso o presente Tribunal considere existir falta de fundamentação – o que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona, sem de forma alguma conceder –, deve ser ordenada a suspensão dos presentes autos, devendo os mesmos serem remetidos ao Tribunal Arbitral a fim de serem tomadas as medidas tidas por necessárias para eliminar o alegado vício da decisão impugnada, nos termos e para os efeitos do n.º 8 do artigo 46.º da LAV, o que desde já se REQUER.

Finalmente, sem prejuízo de todo o exposto, caso o presente Tribunal considere ser de proceder algum dos vícios invocados pelas AUTORAS – o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sem conceder –, com a consequente anulação de toda a decisão arbitral no termos expostos supra, as AUTORAS terão de devolver ao RÉU os montantes que lhes foram pagos em cumprimento da aludida decisão arbitral.

Assim, e a título meramente subsidiário, para o caso de o pedido das AUTORAS ser julgado procedente – o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se admite –, devem as AUTORAS ser condenadas a restituir ao ora RÉU o montante de € 2.576.810,53 (correspondente ao montante pago pelo RÉU, deduzido do valor das custas), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o acórdão de que anule a sentença arbitral até integral e efectivo pagamento.
Concluem pela total improcedência da acção.
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O R pede a condenação das RR como litigantes de má fé, alegando:
– a conduta das AUTORAS é lamentável, reprovável e deve ser severa e exemplarmente punida, sob pena da inutilização da arbitragem como meio alternativo de resolução de litígios.
Nos presentes autos, a AUTORAS deduzem pretensões cuja falta de fundamento não podem ignorar, alteram a verdade dos factos e omitem factos relevantes para a boa decisão da causa; nalguns casos, porventura agem com negligência grosseira, noutros, sem dúvida, agem deliberadamente de má fé.
Com efeito, as AUTORAS utilizam o direito de acção de que são – de facto e em abstracto –- legítimas titulares, para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido: a anulação, infundada e abusiva, da sentença arbitral proferida , utilizando, para esse efeito, raciocínios falaciosos, negligentes e arbitrários, com vista a “convencer” o presente Tribunal da ambicionada anulação. As AUTORAS distorcem a realidade e inventam raciocínios, omitem argumentos do Tribunal Arbitral, desordenam fundamentos e descontextualizam outros, tudo, sempre, para induzir o presente Tribunal àquela anulação.

Acresce que, tal conduta – que já seria, por si só, altamente reprovável –, destina-se, unicamente, à impugnação do mérito da decisão arbitral que as Autoras, face à impossibilidade de recurso, sabem não poderem, nem deverem pôr em causa.
Desde logo, as AUTORAS invocam a violação dos princípios fundamentais do processo arbitral, bem sabendo que todos os princípios foram devidamente observados.

Na verdade, sob o falso pretexto da violação do princípio da igualdade, as AUTORAS procuram impugnar o mérito da decisão do Tribunal Arbitral que indeferiu a utilização de meio de prova ilícito.

E tanto assim é, que não se coíbem de afirmar expressamente que “discordam frontalmente do entendimento do Tribunal Arbitral quanto à inadmissibilidade da utilização das gravações internas em juízo, como meio de prova, por parte das Demandante, ora AA.” (artigo 248.º da petição inicial).

Mais lamentável ainda, é o facto de as AUTORAS sustentarem o pedido de anulação da sentença arbitral, por alegada violação do princípio da igualdade, no facto de o Tribunal Arbitral ter indeferido a utilização de um meio de prova que bem sabem ser ilícito e violar direitos fundamentais.

E mais: não obstante bem saberem estar a actuar ilicitamente e puderem incorrer em responsabilidade criminal, as AUTORAS voltam a divulgar dados pessoais de terceiros em clara violação da lei, juntando as respectivas gravações internas aos presentes autos.

As AUTORAS deduzem, portanto, pretensão cuja falta de fundamento não ignoram.

Por outro lado, as AUTORAS invocam um putativo vício de ausência de fundamentação, quando bem sabem que a sentença está fundamentada, de facto e de direito , omitindo, para o efeito, factualidade relevante.

Com efeito, as AUTORAS alegam falsamente que o Tribunal Arbitral não procedeu à aplicação do direito à factualidade dada como provada, omitindo, deliberadamente, das citações descontextualizadas e desordenadas que faz, o ponto 333 da sentença arbitral.

Como ali se pode ler, após a decisão de remeter as consequências da putativa violação da ética profissional para o âmbito da responsabilidade civil, o Tribunal referiu o seguinte: “À mesma conclusão se chega, no entanto, em face dos dados do caso concreto. Na verdade, par um lado, e sabido que, na sua maioria, os contratos correram bem para as Demandantes; e que isso sucedeu com todos os contratos em que a iniciativa foi do Demandado. Por outro lado, num juizo ex ante, mesmo quanta aos contratos de 22.06.2007 e 11.06/5.07.2007 a expectativa era a de que isso também sucederia (no caso do Demandado, interpretando o seu comportamento em conformidade com a boa fé). Os demais foram «restruturações)) destes, merecendo uma análise unitária de conjunto (cfr. ponto 333 da sentença junta como Doc. 1 com a petição inicial).

Mas mesmo que se dissesse que a fundamentação ali deduzida pelo tribunal é deficiente – o que, note-se, nem sequer foi alegado pelas AUTORAS –, estas também não podem desconhecer que só é fundamento de anulação no caso de absoluta omissão de fundamentação, porquanto as próprias o adiantam no artigo 311.º da sua petição inicial (remetendo para extensa lista de jurisprudência a este respeito na roda de rodapé 34).

No entanto, as AUTORAS não se coíbem de – falsa e conscientemente – alegar a absoluta omissão de fundamentação da sentença arbitral.

Aliás, tal como sucede com o primeiro vício apontado, constata-se que também nesta sede as AUTORAS simplesmente não concordam com o mérito dos critérios adoptados pelo Tribunal Arbitral.

As AUTORAS deduzem, portanto, e uma vez mais, pretensão cuja falta de fundamento não ignoram.

Bem ilustrativo da má-fé das AUTORAS é, ainda, o facto de as mesmas requererem a anulação meramente parcial da sentença.

Nesta sede, as AUTORAS tentam, a todo o custo, simular a autonomia das decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral, distorcendo a realidade e inventando raciocínios, omitindo argumentos do Tribunal Arbitral, desornando fundamentos e descontextualizando outros para induzir o presente Tribunal àquela anulação parcial.

Tudo na tentativa de salvaguardar a parte da decisão que lhe é favorável, conseguindo assim, através de um uso manifestamente reprovável dos meios processuais, o reconhecimento de uma pretensão que não lograram obter em sede própria.

As AUTORAS actuam de má-fé e fazem-no deliberadamente ou, pelo menos, com negligência grosseira. As AUTORAS não se coibiram de fazer utilização reprovável do processo, conhecendo que lançavam mão de acção com finalidade diversa dos interesses protegidos por lei.

As AUTORAS intentaram esta acção bem sabendo, por não poder ignorar, que não lhes assistia qualquer razão, quer de facto quer de Direito.

Não se inibiram as AUTORAS de omitir conscientemente factos relevantes para a boa decisão da causa dos quais tinha conhecimento, não podendo ignorá-los, à data da entrada desta acção.

Mais, não se inibiram a AUTORAS de alegar conscientemente factos falsos relevantes para a decisão da causa, inexistindo qualquer situação de erro ou equívoco desculpável que o justifique. Não olharam as AUTORAS a meios para atingir os seus fins.

Dito isto, é evidente que as AUTORAS litigam de má-fé, sendo censurável a sua conduta processual, em toda a sua extensão.

Pelo que devem as mesmas serem condenadas em multa em montante a fixar pelo Tribunal, nunca inferior a 15 UC’s.

Bem assim como no pagamento de uma indemnização ao RÉU correspondente aos custos incorridos com a preparação e efectivação da sua defesa (custas e despesas e honorários dos seus Advogados) em montante a liquidar oportunamente.
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As AA respondem, invocando o seguinte, em resumo:

Como demonstrado, qualquer leitura minimamente atenta ao segmento da contestação dos R respeitante ao pedido de litigância de má fé permite concluir que se trata de um conjunto de alegações vagas e genéricas, sem qualquer substância ou ligação a factos.
Ao contrário do sustentado pelo R, as AA. não pretendem, - nem nunca pretenderam - com a presente acção, que a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral a respeito dos contratos de opção celebrados pelas partes seja revista por qualquer Tribunal judicial.
Muito pelo contrário.
As AA. apenas pretendem que o Tribunal confirme a existência de fundamentos de anulação parcial da sentença arbitral nos termos da lei..
Não se pretende, pois, de forma alguma - por muito que o R. tente colar essa posição às AA. -, que o Tribunal reveja o mérito da decisão do Tribunal Arbitral, reaprecie da prova produzida, ou aprecie de eventual erro de julgamento ou na aplicação do direito.
Nada do exposto resulta dos autos que possa ser subsumível ao preceituado no artº 542 nº2 do CPC .
Nos presentes autos, está em causa a apresentação de uma simples pretensão anulatória parcial de sentença arbitral que decorre directamente da lei, designadamente do artigo 46 Lei da Arbitragem Voluntária.
O R. - numa postura claramente vingativa e intimidatória - quer a todo o custo restringir este direito das AA. e inflamar a sua pretensão, requerendo a sua condenação em litigância de má fé apenas porque sustentam em juízo uma posição juridicamente contrária aos seus interesses.
Note-se que as pretensões das AA. se encontram devidamente fundamentadas na petição inicial apresentada, não correspondendo à verdade o alegado pelo R na sua contestação a respeito da conduta processual do R ..
Acresce ao exposto que as AA. sempre pautaram a sua conduta processual pelos deveres de cuidado, de cooperação e de verdade processual a que se encontravam adstritos, não tendo alterado a verdade dos factos nem tão pouco omitido factos relevantes para a decisão da causa.
As AA. limitaram-se a colocar à consideração do Tribunal aquela que é a convicção de ambas relativamente à invalidade parcial da sentença arbitral proferida.
E esta convicção é de tal ordem que as AA. estão dispostas a proceder à constituição de um novo Tribunal Arbitral- e a assumir (uma vez mais) os respectivos custos - para que se repita o julgamento dos factos subjacentes aos pedidos principais apresentados pelas AA. na acção arbitral anteriormente intentada.
E não é procurando confundir este Tribunal a respeito do mérito da decisão e violação de princípios fundamentais de due process que o R. reverte essa situação.
Em suma, inexiste qualquer litigância de má fé por parte das AA. na presente acção, pelo que o pedido apresentado pelo R. deverá ser julgado improcedente.
Acresce que, sendo as AA. pessoas colectivas, sempre se diria que as mesmas nunca poderiam ser condenadas como litigantes de má-fé, mas apenas os seus representantes que se apure estarem de má-fé na causa, tal como decorre do artigo 458.0 do CPC.
Em suma, a aludida litigância de má fé não resulta provada, nem se manifesta nos autos, não se demonstrando qualquer actuação dolosa ou gravemente negligente das AA.
Ainda que assim não se entendesse - sem conceder e por absurdo - as AA. não podem deixar de referir que os valores peticionados pelo R. a título de multa e de indemnização por litigância de má fé (instrumentos de inflamação da sua pretensão que são) são perfeitamente excessivos.
A referência a multas de 15 UCs é simplesmente intimidatória. E o mesmo se diga quanto à indemnização peticionada.
A este respeito, é importante salientar que o R. não apresentou qualquer meio/elemento de prova comprovativo de danos sofridos.
Desconhece o R. que este critério legal de fixação segundo o prudente arbítrio do jul-gador encontra-se vinculado por uma bitola de razoabilidade e proporcionalidade.
Todos os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé foram cumpridos pelas AA.
Em conformidade, deve o pedido do R. respeitante à litigância de má-fé, ser julgado improcedente, por não provado.
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A factualidade que se apura

1) –No dia 25 de Junho de 2014, a AA. (à data, designando-se a T…por I.. – Construção e Imobiliária, S.A.) intentaram uma acção arbitral contra o R..
2 –O litígio arbitral foi instaurado nos termos e para os efeitos disposto na cláusula 41.ª dos Contratos Quadro para Operações Financeiras celebrados entre o R. e as AA..

3) –O litígio teve por objecto a arguição da invalidade, bem como a condenação do R. na obrigação de indemnizar as AA., no quadro dos seguintes contratos de opção sobre acções que foram vendidos pelas AA. ao R.:
(i)- Contrato com a referência 424158 de 26 de Maio de 2004;
(ii)-Contrato com a referência 712008 de 30 de Junho de 2005
(iii)-Contrato com a referência 915222 de 21 de Fevereiro de 2006;
(iv)-Contrato com a referência 1156114 de 31 de Outubro de 2006;
(v)-Contrato com a referência 1230707 de 18 de Janeiro de 2007;
(vi)-Contrato com a referência 1273124 de 23 de Fevereiro de 2007;
(vii)-Contrato com a referência 1368534 de 04 de Maio de 2007;
(viii)-Contrato com a referência 1408496 de 31 de Maio de 2007;
(ix)-Contrato com a referência 1425213 de 11 de Junho de 2007;
(x)-Contrato com a referência 1475692 de 5 de Julho de 2008;
(xi)-Contrato com a referência 1812776 de 14 de Fevereiro de 2008;
(xii)-Contrato com a referência 1460130 de 22 de Julho 2007;
(xiii)-Contrato com a referência 2048592 de 20 de Junho 2008;
(xiv)-Contrato com a referência 2207453 de 25 de Setembro de 2008.
4) –Em especial, as Demandantes, ora AA., formularam no requerimento arbitral os seguintes pedidos – cf. pp. 83-84 do doc. 2:
“(a)- que o presente litígio seja submetido a Tribunal Arbitral, em virtude e nos termos da cláusula compromissória constante dos Contratos-Quadro e das comunicações em execução da mesma trocadas pelas Partes;
(b)- que os contratos de opção sejam considerados nulos ou, caso assim não se entenda, que o Demandado seja civilmente declarado responsável pelos danos causados às Demandantes, e, consequentemente, condenado no pagamento às Demandantes da quantia de € 16.940.675,18 (dezasseis milhões, novecentos e quarenta mil e seiscentos e setenta e cinco euros e dezoito cêntimos) a título de capital, acrescida de juros à taxa comercial vencidos, liquidados até 23 de Junho de 2014, no valor de € 6.775.629,00 (seis milhões, setecentos e setenta e cinco mil, seiscentos e vinte e nova euros) e vincendos à taxa legal, perfazendo, àquela data, o valor total de capital e juros de € 23.716.305,00 (vinte e três milhões, setecentos e dezasseis mil, trezentos e cinco euros).
(c)- caso assim não se entenda – o que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona – que o Demandado seja civilmente declarado responsável pelos danos causados às Demandantes decorrentes da errada valorização da opções contratadas, e, consequentemente, condenado no pagamento às Demandantes da quantia de € 3.796.685,00 (três milhões, setecentos e noventa e seis mil, seiscentos e oitenta e cinco euros) a título de capital, acrescida de juros comerciais vencidos, liquidados até 23 de Junho de 2014, no valor de € 2.126.073 (dois milhões, cento e vinte e seis mil, e setenta e três euros) e vincendos à taxa legal, perfazendo, àquela data, o valor total de capital e juros de € 5.922.758 (cinco milhões, novecentos e vinte e dois mil e setecentos e cinquenta e oito euros), sem prejuízo de liquidação de montante superior”.

5– Em concreto, as Demandantes peticionaram:
i)- a declaração de nulidade dos contratos, por os mesmos apresentarem um objecto contrário à ordem pública e ofenderem os bons costumes (artigo 280.º, n.º 2 do Código Civil);
ii)- a declaração de nulidade dos contratos, por configurarem contratos de jogo e aposta, nos termos e para os efeitos do artigo 1245.º do Código Civil;
iii) a declaração de nulidade dos contratos, em virtude de o seu fim ser contrário à ordem pública e ofensivo dos bons costumes (artigo 281.º do Código Civil);
iv)- a declaração de nulidade dos contratos em virtude do exercício ilegítimo, porquanto abusivo, do R. das opções contratadas (artigo 334.º do Código Civil);
v)-  subsdiariamente em relação a (i) a (iv), a condenação do R. no pagamento de uma indemnização pelos danos causados às AA. decorrentes da violação de vários deveres constantes do Código dos Valores Mobiliários (dever de lealdade, dever de cuidado, dever de transparência, dever de informação, dever de evitar situações de conflitos de interesses, dever de adequação);
vi)- subsidiariamente em relação a (v), a condenação do R. no pagamento de uma indemnização pelos danos causados às AA. decorrentes da errada valorização das opções contratadas, no montante correspondente à diferença entre o que foi prestado pelo R. ao abrigo dos contratos de opção e o que deveria ter sido prestado, se as mesmas tivessem sido vendidas ao seu justo valor. 
6– Demais factos que constam da decisão arbitral de fls 106 a 128 e que aqui damos como reproduzidos , tal a sua extensão.
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A decisão arbitral impugnada pelas AA é a seguinte:
“ Em face do exposto, acordam os árbitros:
1-Em condenar o Demandado no pagamento às Demandantes do montante de dois milhões e trezentos mil euros, acrescido de juros moratórios comerciais à taxa legal a contar da data da citação
2-Em repartir as custas do processo na proporção de 85%para as Demandantes e de 15% para o Demandado.
Ressalva-se, quanto ao ponto 1 ,a possibilidade dos árbitros apresentarem ,querendo, declaração de voto ,no prazo de 5 dias úteis a contar da data da sentença ,as quais ficarão juntas à sentença arbitral como anexo 111”
Foram juntas duas declarações de voto.
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A presente acção de anulação de decisão arbitral assenta na previsão das alíneas ii) do nº 3, do artigo 46º da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), ou seja, violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no artigo 30º do mesmo diploma legal, e que os AA. concretizam afirmando a a falta de oportunidade razoável de fazer valer os seus direitos, bem como a omissão de fundamentação da sentença prevista no nº 3 do artigo 42º e a alínea b) do n.º 1 do artigo 30. da LAV.

A Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) acolhe um sistema monista de impugnação da sentença arbitral, prevendo apenas o pedido de anulação a formular directamente no Tribunal de 2ª Instância.

A decisão da impugnação pelo Tribunal de 2ª Instância é puramente cassatória e não permite que o Tribunal estadual reaprecie a prova produzida , conheça do mérito das questões decididas pela sentença arbitral conforme decorre do estatuído no artigo 46º, nº. 9, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), anexa à Lei nº. 63/2011, de 14 de Dezembro.

Assim, tal como se pode ler no Acórdão da RC de 21/04/2015[1] : “a acção de anulação da decisão arbitral tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objecto da acção é simplesmente a decisão arbitral e não a sua situação material litigada, ela mesma; os fundamentos da decisão arbitral resolvem-se em vícios processuais – nulidades processuais ou procedimentais específicas do processo arbitral; a violação, pela sentença arbitral, de princípios estruturantes, enquanto causa de anulação dessa decisão, está sujeita ao princípio da essencialidade – a ofensa há-de ter interferido, de forma decisiva ou determinante, na decisão do objecto da causa – cuja prova vulnera a parte que pede a anulação; (…) a independência e a imparcialidade do tribunal arbitral constituem um requisito fundamental de um processo justo e equitativo (…)”.

Podemos, pois, concluir que esta acção especial de anulação cuida apenas da detecção dos vícios graves de natureza processual susceptíveis de revestir influência decisiva na resolução do litígio. [2]
Por outro lado, nos termos do artº 46 nº 7 da LAV “Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação”.

De acordo com Dário Moura Vicente[3], a anulação parcial apenas será possível se a sentença for divisível em partes providas de um mínimo de autonomia e se o vício em causa não se estender a todas elas. Ou seja, quando for possível decompor a sentença em partes autónomas que não se encontrem afectadas pelo motivo gerador da anulação, o tribunal estadual deve pronunciar-se somente pela anulação da parte afectada.

O  autor considera que tem aplicação o princípio da conservação dos actos processuais que se encontra consagrado no artigo 201.°, n.º2 do CPC. De acordo com este princípio, a nulidade de uma parte do acto não afectas todas as outras que sejam autónomas em relação a ele.

Paula Costa e Silva[4]  também faz apelo ao princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais, defendendo que, sempre que possível, o tribunal estadual deve decretar somente a nulidade do acto atingido. Contudo, quando esta decomposição não seja possível, não existe outra solução que a anulação total do processo arbitral.

Podemos, pois, concluir o seguinte:
- para que a sentença arbitral possa ser anulada parcialmente exige-se dois pressupostos:
(i)–  que a parte da sentença relativamente à qual se verifique um dos fundamentos de anulação seja dissociável do resto da sentença;
(ii)– não ser o resto da sentença atingido pelos fundamentos de anulação.

Atento este quadro conceptual, vejamos se a parte da decisão arbitral que as AA pretendem anular é dissociável do resto da sentença.

As AA pretendem a anulação da sentença arbitral, apenas e tão-só quanto à decisão que julgou improcedente o pedido principal de nulidade dos contratos em virtude de o seu fim ser contrário à ordem pública e ofender os bons costumes, mantendo, intactas, as decisões quanto aos demais pedidos, em particular, quanto ao pedido subsidiário de condenação do RÉU no pagamento de uma indemnização pelos danos causados às AUTORAS decorrentes da errada valorização das opções contratadas (pedido (vi) supra).

Em concreto, as Demandantes peticionaram:
i)– a declaração de nulidade dos contratos, por os mesmos apresentarem um objecto contrário à ordem pública e ofenderem os bons costumes (artigo 280.º, n.º 2 do Código Civil);
ii)– a declaração de nulidade dos contratos, por configurarem contratos de jogo e aposta, nos termos e para os efeitos do artigo 1245.º do Código Civil;
iii)–  a declaração de nulidade dos contratos, em virtude de o seu fim ser contrário à ordem pública e ofensivo dos bons costumes (artigo 281.º do Código Civil);
iv)– a declaração de nulidade dos contratos em virtude do exercício ilegítimo, porquanto abusivo, do R. das opções contratadas (artigo 334.º do Código Civil);
v)–  subsidiariamente em relação a (i) a (iv), a condenação do R. no pagamento de uma indemnização pelos danos causados às AA. decorrentes da violação de vários deveres constantes do Código dos Valores Mobiliários (dever de lealdade, dever de cuidado, dever de transparência, dever de informação, dever de evitar situações de conflitos de interesses, dever de adequação);
vi)– subsidiariamente em relação a (v), a condenação do R. no pagamento de uma indemnização pelos danos causados às AA. decorrentes da errada valorização das opções contratadas, no montante correspondente à diferença entre o que foi prestado pelo R. ao abrigo dos contratos de opção e o que deveria ter sido prestado, se as mesmas tivessem sido vendidas ao seu justo valor. 
A decisão arbitral debruçou-se sobre todas as alegados vícios que poderiam levar à nulidade dos contratos, fls 105 a 130,e concluiu pela improcedência do fundamento da invocada nulidade ( fls 130)
O mesmo sucedeu quanto ao pedido indemnizatório consistente em reconstituir a situação que existiria se os contratos não houvessem sido celebrados ( fls 175).

No que respeita ao pedido indemnizatório fundado na violação de deveres do Demandado ,em especial deveres de informação ,relativos à economia das operações e, mais concretamente ,ao valor dos prémios pagos no quadro da mesma ( fls 176-v), foi o mesmo considerado parcialmente procedente , pelo que foi o R condenado a pagar às AA a soma de dois milhões e trezentos mil euros ,acrescida de juros moratórios à taxa legal dos juros comerciais ,a contar da citação (fls 204):
Escreve-se na decisão “Feitas estas observações, cabe recordar que, no fundo, o sentido do pedido indemnizatório das Demandantes, considerando globalmente o pedido principal e o pedido subsidiário e tendo em conta também os factos provados, é o de que o Demandado fez incorrer as Demandantes em riscos excessivos e pagou prémios inferiores ao «justo valor» dos contratos, não lhes prestando a informação devida para tomarem a sua decisão de contratar; pelo que este deve responder pelos danos causados, repondo a situação que existiria se os contratos não tivessem sido celebrados (e cumpridos) ou, pelo menos, a situação que existiria se tivesse pago prémios no montante do valor teórico dos mesmos….”( Fls 189)

E ainda “…Seja como for, as dúvidas que porventura possam suscitar-se a este respeito são devidas, primacialmente, ao facto de o Demandado não ter cumprido o dever de informação a que estava vinculado, para proteção das Demandantes e, reflexamente, do mercado. São-lhe, por isso, imputáveis (…).Nestas circunstâncias, na impossibilidade de saber quanto terão as Demandantes deixado de receber em prémios em virtude de o Demandado não as ter habilitado com a informação devida, ou seja, na impossibilidade de apurar o exato valor do dano que tiveram com a violação do dever de informação que, para proteção das mesmas e, reflexamente, do mercado, sobre este impendia, importa determinar, em face dos dados conhecidos, um valor equitativo (art. 566.º, nº 3, do CC).(…)Pelo exposto acima, o valor considerado adequado situar-se-á entre os 2,3 milhões e os 2,88 milhões….”fls 203

Este pedido foi invocado no caso de não procederem os pedidos anteriores de declaração de nulidade dos contratos ou de atribuição de uma indemnização correspondente ao valor que as AA perderam com a sua celebração, reconstituindo a situação que existiria se tal celebração não tivesse ocorrido ,o R deve ser condenado a pagar ,com juros, o valor da diferença entre a soma dos montantes que pagou às AA ( prémios ) e o valor justo das opções .

O que significa que é um pedido subsidiário.

Dispõe o n.º 1 do artigo 554 º do CPC: «Podem formular-se pedidos subsidiários. Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado a tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.»

O Professor Castro Mendes[5] define esta relação entre pedidos como “alternativa aparente” , nestes termos: “é a situação em que o autor formula dois pedidos, reconhecendo que só um é substancialmente procedente; e solicita ao tribunal que atenda um deles apenas, porque só a um (embora só a final se determine qual), sabe que tem direito”.

É manifesta a ênfase que o autor citado coloca no facto de apenas um dos pedidos poder proceder e de o autor saber que “tem direito” apenas a um deles.

Ou seja, a procedência de um dos pedidos formulados em relação de subsidiariedade, afasta ou impede em absoluto a possibilidade de procedência de qualquer dos outros.  

Como refere Abrantes Geraldes [6], quando se formulam pedidos subsidiários, a apreciação do pedido secundário ficará dependente da improcedência (ou de qualquer outra forma de extinção da instância) do pedido prioritário.

Voltando à análise dos pedidos formulados pelas AA .

A condenação do R ao pagamento de uma indemnização às AA ,por violação do dever de informação , a que estava obrigado, tem como pressuposto a validade dos contratos.

É que à luz do art.º 289 nº1 do CC , a declaração de nulidade obriga à restituição das prestações efectuadas ,como se o negócio não tivesse sido realizado[7] .Assim, declarado nulos os contratos , ou seja , o que implica o juízo de que estes não se realizaram, como é possível manter a conclusão de que houve violação do dever de informação?

Diremos que é impossível!

Por isso, procedendo o pedido de anulação, não pode proceder o pedido de indemnização fundado no dever de informação. E mantendo-se este último pedido, a decisão que julgou válidos os contratos terá que se manter.

Termos em que não pode haver qualquer dissociação entre a parte da decisão, que os AA pretendem anular e a restante que se mantém incólume

Resta saber se os fundamentos da anulação alegados pelas AA, a existirem, inquinariam, ou não, toda a decisão arbitral.

Como refere Paula Costa e Silva, “A sentença será totalmente invalidada se forem invocados enquanto fundamentos de anulação os vícios constantes das alíneas b) 2.ª parte, e) e d) do n.º 1 do artigo 27.º, já que tais vícios afectam a decisão na sua globalidade.” [8]

As AA invocam dois fundamentos para a anulação parcial da sentença arbitral: (i) a alegada falta de oportunidade razoável de fazer valer os seus direitos e (ii) a alegada falta de fundamentação da sentença arbitral na parte em que se declarou improcedente o pedido de declaração dos contratos por nulidade dos contratos por contrariedade à ordem pública e aos bons costumes.

Nos termos do artº 42 nº3 LAV a sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência
Não obstante, a natureza informal e prática do processo arbitral, a fundamentação deve conter as razões de facto e de direito que justificam a decisão em termos que não diferem do regime do da lei adjectiva civil para a sentença judicial, pois, de outro modo, tornar-se-ia difícil a sua apreciação em caso de impugnação: a nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando que impõe ao juiz/árbitro o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Tal vício, pela sua própria essência, afecta, natural e irremediavelmente, o equilíbrio de todas as decisões constantes de uma sentença, ensombrando a sua validade e a validade e o merecimento de tudo quanto na mesma se considera. É que uma qualquer decisão judicial ou arbitral constrói-se por via de um silogismo, o qual assenta em factos e na subsunção dos mesmos ao ordenamento normativo. E se estes falham, obviamente, todo o processo lógico claudica.

Desta forma, podemos concluir que o fundamento invocado, a falta de fundamentação, iria inquinar toda a decisão.

E o mesmo sucederia no que respeita ao alegado fundamento de violação do princípio da igualdade.

Porém, como questão prévia, diremos que não nos estamos a pronunciar sobre a “ bondade” do principio, ou seja, se o mesmo tem enquadramento como fundamento da anulação da decisão arbitral. Apenas, estamos a ter em conta a alegação das AA, tal como elas fundamentam a violação do principio, a fim de concluir se, na sua perspetiva , a decisão arbitral não impugnada sai inquinada, ou não.

As AA entendem ,em resumo, que a demonstração da contrariedade do fim dos contratos de opção à ordem pública e bons costumes pressupunha que conseguissem ter acesso a um conjunto de informações internas do banco, nomeadamente, sobre as suas metodologias de trabalho e práticas comerciais, contrárias à ética empresarial em violação do código de conduta do R..( sublinhado nosso ). E como o não tiveram , foi violado o principio da igualdade.

Já referimos que a decisão arbitral considerou parcialmente procedente o pedido indemnizatório fundado na violação de deveres do R ,em especial deveres de informação ,relativos à economia das operações e, mais concretamente ,ao valor dos prémios pagos no quadro da mesma ( fls 176-v). E que as AA não o impugnam.

Ora, conjugando o teor da decisão não impugnada, que assenta precisamente na violação de deveres de conduta do R, não se percebe como é que a violação do referido princípio, não afectaria a condenação do R na dita indemnização: os fundamentos da impugnação afectariam a decisão arbitral no seu todo.

Podemos, pois, concluir que a anulação parcial da sentença arbitral é inadmissível
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Atenta esta conclusão fica prejudicada a apreciação dos demais fundamentos da anulação, bem como da reconvenção subsidiária.
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O R. vem arguir a litigância de má fé das AA nos moldes, acima referidos. E as AA impugnam esta pretensão, nos termos já enunciados.

Cumpre decidir 

Nos termos do disposto no art.º 542.º n.º 2 do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

A atual redação do preceito, introduzida no anterior CPC pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, visou, conforme resulta do seu texto e se explicita no preâmbulo daquele diploma, “como reflexo e corolário do princípio da cooperação”, consagrar “expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos”.

Os pressupostos da litigância de má-fé há que distinguir aqueles que têm natureza subjectiva, daqueles que têm natureza objectiva.

Os pressupostos subjectivos da condenação por litigância de má-fé englobam a actuação dolosa e a actuação com negligência grosseira, consistindo esta na omissão do dever de diligência exigível a qualquer pessoa que intenta uma acção ou deduz oposição a um pedido, na medida em que a propositura de uma acção judicial deve ser entendida como um acto sério, que normalmente acarreta prejuízos e incómodos para a outra parte – v. neste sentido Ac. R.C. de 28.09.2000 (Pº 1475/00), acessível no supra identificado sítio da Internet.

Quanto aos pressupostos objectivos da condenação por litigância de má-fé há que distinguir a má-fé substancial, da má-fé instrumental.

A má-fé substancial ou material - directa ou indirecta - verifica-se quando a actuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do nº 2 do citado artigo 542º do CPC, ou seja, quando se deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas (má fé material directa), se altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes (má fé material indirecta). Esta só pode ter lugar quando o tribunal profere decisão sobre a relação jurídica material que é objecto da acção.
A má-fé instrumental reconduz-se às alíneas c) e d) do apontado normativo – a omissão indesculpável do dever de cooperação ou o uso reprovável dos instrumentos adjectivos.

Mas, quer na má-fé substancial, quer na instrumental, está presente uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação ou de censura e idêntica reacção punitiva.

O juízo de censura radica, pois, na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa-fé a que as partes estão adstritas.

O que nos leva a concluir em consonância com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2014 “…Assim, hoje (artigo 542.º do C.P.C. de 2013 que corresponde ao mencionado artigo 456.º do C.P.C./61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”.

Voltando à análise da pi....
 
As AA fundamentam o seu pedido, em síntese:

A)– na violação do princípio da igualdade, porquanto a não admissão a junção das transcrições internas violou o princípio da igualdade de tratamento das partes ou igualdade das armas :
as gravações das conversas internas dos trabalhadores do R são essenciais para que se compreenda os contratos em análise e se afira da sua contrariedade à ordem pública e aos bons costumes. Juntaram pareceres a sustentar a sua posição.
b)- falta de fundamentação da sentença arbitral na parte em que declarou improcedente o pedido de declaração de nulidade dos contratos por contrariedade à ordem pública e aos bons costumes :
– a decisão arbitral faz tábua rasa da letra do disposto no nº2 do artº 280 CC e da sua aplicabilidade ao caso “arrumando “ a questão para a sua apreciação nos quadrantes da responsabilidade civil do intermediário financeiro

No que respeita a esta última fundamento.

A sentença é profundamente fundamentada; veja-se a este respeito fls 105 a 130.

O que as AA pretendem é sanar um erro de julgamento, uma vez que não houve, ou existiu uma interpretação incorrecta do preceituado no nº2 do artº 282 CC ; é que o raciocínio e a conclusão acerca da subsunção jurídica são claros, ou seja, percebe-se como e porquê a decisão concluir daquele modo.

Se as AA não o entendem, por se ter “ feito tábua rasa” de um determinado normativo, e impugnam a decisão com esse fundamento, esta impugnação insere-se, unicamente, na aplicação do direito e nada mais do que isso.

Porém, as AA tiveram noção acerca desta “ limitação” e chamam à colação” trechos doutrinais” para justificar a sua posição. Só que nem estes elementos sustentam a sua posição, porquanto o que aqui está em causa é uma apreciação jurídica de uma determinada factualidade, fundamentada e não a falta desta. Se não houve referência à norma legal invocada, tal apenas se insere na apreciação de direito.

Assim, o que aqui está em causa é uma alegação que ultrapassa o entendimento jurisprudencial dominante.

Nesta medida, a alegação das AA pode reportar-se a outro entendimento jurisprudencial e doutrinal “possível”, tanto mais que fazem juntar fundamentação doutrinal diversa do já referido entendimento jurisprudencial dominante.

No que respeita à violação do princípio da igualdade, consequência da não admissão da junção das transcrições internas, entendemos que esta alegação poderia ser analisada e enquadrada à luz do mérito da decisão tomada pelo Tribunal Arbitral: a este respeito, chamamos à atenção para o voto de vencido do Professor Doutor Pedro Pais de Vasconcelos, a pag 3 do documento nº 11, quando equaciona esta questão como uma violação do direito à prova da parte.

Por isso , à partida , a alegação das AA ,em abstrato ,teria acolhimento no preceituado no artº 46 nº3 al a) ,subalínea ii da LAV .O que significa que as requerentes poderiam invocar esta alegação para apreciação do Tribunal Estadual.

Assim, não podemos concluir que as requerentes ao acolherem esta fundamentação como causa de anulação da decisão arbitral tenham sido temerárias ou agido de forma dolosa, bem sabendo que não teriam razão.

Posto isto, justifica-se a condenação das AA como litigantes de má fé, ou seja, existe um elevado grau de reprovação, censura, que exija a reação punitiva?

Entendemos que não existe.

É que a litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Tal como já referimos, exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.

Ora, o que aqui sucedeu é que as AA elencam argumentos e factualidade que poderiam ser apreciados num Tribunal estadual, independentemente da sua procedência, ou improcedência. Por isso, o seu cuidado na apresentação de doutrina que acompanhasse as suas posições.

Assim, não está em causa uma lide que atinja níveis de reprovação, antes se inserindo no registo da discordância da decisão por apelo a outras correntes doutrinais e jurisprudenciais.
Termos em que não há lugar à condenação das AA como litigantes de má-fé.
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Síntese: procedendo o pedido de anulação, não pode proceder o pedido de indemnização fundado no dever de informação. E mantendo-se este último pedido, a decisão que julgou válidos os contratos terá que se manter.
Assim, não pode haver qualquer dissociação entre a parte da decisão, que os AA pretendem anular e a restante que se mantem incólume, sendo certo que os fundamentos da impugnação afectariam a decisão arbitral no seu todo.
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Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada, não se atendendo ao pedido de condenação das AA como litigantes de má-fé.

Custas pelas AA e pelo R , no que respeita à improcedência do pedido de condenação das AA como litigante de má fé .



Lisboa, 12-04-2018



Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa
Carla Mendes



[1]Publicado in DGSI
[2]Cf Paula Silva e Costa in “Anulação e Recursos da Decisão Arbitral” publicado na revista da Ordem dos Advogados ,ano 52,pag 938 a 939
[3]Arbitragem de Conflitos “ 2003,pag 265
[4]Obra citada ,pag 172  
[5]Direito Processual Civil, II, AAFDL, 1980, pág. 319.
[6]Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, Almedina, 1988, pág. 157.
[7]Pires de Lima e Antunes Varela ,in CC-anotado ,4ª ed. Vol 1,pag 266
[8].”cfr. “Anulação e recursos da decisão arbitral”, pp. 962