Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6629/18.3T8LSB.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO
EXONERAÇÃO JUDICIAL DE ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I - O pedido de nomeação judicial de administrador em propriedade horizontal tem como causa de pedir a inexistência de um administrador eleito, seja porque o condómino requerente não conseguiu reunir a assembleia, seja porque, tendo reunido, não foi possível eleger o administrador. Não sendo alegados tais factos essenciais, a petição inicial é inepta quanto a esse pedido. E nada indicando que ocorre uma tal situação de facto, sempre faltará o interesse em agir.
II - A ação de exoneração judicial de administrador do condomínio deve ser intentada apenas contra o administrador cuja exoneração se pretende e não também contra os demais condóminos, que são parte ilegítima, sem prejuízo da audição destes, nos termos do art. 1055.º, n.º 3, aplicável por via do art. 1056.º, ambos do CPC.
III - Nessa ação, deve ser alegado e provado que o réu é o administrador eleito pela assembleia de condóminos, o que carece de prova documental, bem como os factos atinentes à prática de irregularidades ou a negligência no exercício das funções de administrador.
IV - Verificando-se apenas algumas insuficiências e imprecisões na exposição da matéria de facto, não pode ser proferido despacho de indeferimento liminar.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

EL... e JV... recorrem do despacho de indeferimento liminar proferido na ação com processo especial que intentaram contra ML... (1.ª Ré) e DD... (2.ª Ré).
Considerou-se, no despacho recorrido, que se verificava a “exceção dilatória de ineptidão da petição inicial”, por falta de alegação dos factos essenciais da causa de pedir.
Na petição inicial, os Autores, ora Recorrentes, pedem que a 1.ª Ré seja exonerada “do exercício da administração do condomínio” do prédio sito na Rua de P..., n.ºs ..., ... e ..., da freguesia de Santa Maria de Belém, concelho de Lisboa, e que, em sua substituição, seja nomeada para o exercício de tal cargo o Advogado ou a sociedade comercial identificados no art. 12.º da p.i. ou qualquer pessoa que o Tribunal repute de habilitado para o efeito.

Alegaram, para tanto, que:
1. Por escritura lavrada em 27 de Novembro de 2009, no Cartório Notarial de Lisboa da Srª Dª Raquel Palma Dorotêa, foi constituída a propriedade horizontal do prédio urbano sito na Rua de P..., IN ..., ... e ..., freguesia de Santa Maria de Belém, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o numero dois mil ... e ... da mencionada freguesia de Santa Maria de Belém, tendo, por via da mesma, sido criadas onze fracções autónomas (Doc. n° 1), com as seguintes permilagens (Doc. n° 2), concretamente:
- fracção A —Loja - 125
- fracção B — res-do-chão direito - 95
- fracção C — primeiro andar direito - 95
- fracção D — primeiro andar esquerdo - 95
- fracção E — primeiro andar frente - 70
- fracção F — segundo andar direito - 95
- fracção G — segundo andar esquerdo - 95
- fracção H — segundo andar frente - 70
- fracção I — terceiro andar direito - 95
- fracção J — terceiro andar esquerdo - 95
- fracção L — terceiro andar frente — 70.
2. De acordo com o registo predial, são proprietários e usufrutuários das mesmas fracções — Doc. nº 2):
- fracção A — sem titular registado
- fracção B — sem titular registado
- fracção C — a R. ML... — propriedade plena
- fracção D — o A. EL... - propriedade plena
- fracção E — o A. EL... a nua propriedade e a A. JV... o usufruto
- fracção F — a R. Dionísia — propriedade plena
- fracção G — o A. EL... - propriedade plena
- fracção H — o A. EL... a nua propriedade e a A. JV... o usufruto
- fracção I — sem titular registado
- fracção J — sem titular registado
- fracção L — o A. EL... a nua propriedade e a A. JV... o usufruto.
3. Tal, não obstante, na mesma escritura em que foi constituída a propriedade horizontal (Doc. n° 1) terem sido adjudicadas a HL... o usufruto das fracções a que correspondem as letras "A", "B", "E", "H", "I", "J" e "L", os quais vieram a ser objecto de doação a favor da A. JV..., e á R. ML... a nua propriedade ou propriedade de raiz das fracções a que correspondem as letras "A", "B", "I" e "J".
4. Sendo a falta de registo predial elemento bastante para gerar a inoponibilidade a terceiros (e os AA. são um terceiro para efeitos de determinação da titularidade da propriedade) de um potencial direito de propriedade — assim, art. 7º do Cod. Reg. Predial e, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8.11.2011, proferido no proc. n° 207/09.5 TBTMR.C1, em www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
5. Facto é que a R. ML... tem exercido, de facto, a administração do condomínio do prédio supra identificado, por si ou por interposta pessoa.
6. Procedendo á sua eleição para o exercício de funções de administração em assembleias de condomínio em que os AA. (e antes também a HL...) nem sequer eram convocados.
7. Não prestando contas dos actos de administração por si praticados.
8. E abstendo-se de praticar actos absolutamente urgentes, obrigando o A. EL... a ter de suportar do seu próprio bolso despesas com, por exemplo, reparações urgentes, como seja a reparação do vidro de uma claraboia, que estava partido em altura de chuva.
9. Considerando que a usufrutuaria, enquanto tal, não tem legitimidade para participar na eleição da administração — ainda que, consabidamente, por força do art. 1394º do Cod. Civil, cabe ao usufrutuário a administração do bem objecto do usufruto, sendo tal coincidente com as funções para que é eleito o administrador do condomínio.
10. Está-se, assim, em face de uma administração negligente e irregular, por parte da R. ML..., suportada pela R. DD..., ainda que as mesmas não tenham legitimidade para impor uma administração (sendo a sua permilagem claramente inferior), o que ocorre como forma de defender um interesse próprio, concretamente, o de não suportar despesas inerentes á fracção de raiz de que é proprietária.
11. O que motiva o presente pedido de exoneração e, consequentemente, de nomeação de pessoa idónea para assumir a administração do condomínio do prédio em causa nos presentes autos, sendo que os AA., por viverem em Espanha, não a podem realizar pessoalmente.
12. Podendo, contudo, e tendo em atenção o disposto no art. 1003º do Cod. Proc. Civil, indicar para exercer a administração o Sr. Dr. FF..., advogado, com escritório na Rua M..., Bloco ... — ..., Edifício E..., 2... — 2... Estoril ou uma empresa de gestão de condomínios, nomeadamente a P... — Administração de Propriedades, Limitada, com sede na Rua A..., nº ..., em 1... — 0... Lisboa.

Os Recorrentes, terminam a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:
a) Os autos contêm os elementos inerentes á integração factual da causa de pedir inerente ais presentes autos, pelo que, vislumbrando-se alguma pontual deficiência a mesma é passível de suprimento, devendo o juiz proferir despacho de aperfeiçoamento — artºs 6º e 590º nº 4 do CPC;
b) Tendo em atenção que a causa de pedir, em acção como a que nos ocupa, envolve: i) a indicação de quem exerce a administração, ii) a identificação dos condóminos, iii) os motivos pelos quais se preconiza a destituição; será de concluir que a petição inicial preenche todos os parâmetros constantes do art. 1055º, nº 1 (ex vi art. 1056º) do Cod. Proc. Civil;
c) Tendo cabimento o pedido de nomeação cumulativamente ao de destituição por forma a não gerar um vazio no exercício de tais funções;
d) A sentença recorrida, salvo melhor opinião, viola os comandos legais assinalados nas presentes conclusões de recurso.

Citadas as Rés, para os termos do recurso e da causa, nada disseram.

Questões a decidir:
1.ª Se a petição inicial é inepta, por falta de causa de pedir, pelo que devia ter sido indeferida liminarmente;
2.ª Em caso negativo, se a petição inicial é deficiente, impondo-se o convite ao seu aperfeiçoamento (e em que moldes).

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

***
II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Tendo em conta os factos do iter processual acima descritos, importa analisar a petição inicial, apreciando primeiramente se falta a indicação da causa de pedir.
Nos termos do art. 186.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, sendo inepta a petição quando “falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”.
Como é consabido e decorre designadamente do disposto nos artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), e 581.º, n.º 3 e 4, do CPC, o pedido corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende obter e a causa de pedir corresponde ao conjunto de factos jurídicos/factos essenciais ou factos substantivamente relevantes em que se fundamenta tal pretensão.
O autor deve, pois, concretizar facticamente, em termos inteligíveis, a sua pretensão, não sendo suficiente o apelo a conclusões jurídicas, conceitos legais ou a invocação do direito sem indicação da sua origem.
A nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial constitui uma exceção dilatória nominada conducente à absolvição dos réus da instância - cf. artigos 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, e 577.º, al. b), todos do CPC.
De referir ainda não ser legalmente admissível o convite ao aperfeiçoamento de petição inicial inepta, conforme resulta da lei e é jurisprudência pacífica. Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 18-10-2016, cujo sumário, pelo seu interesse, se passa a citar: “Não é de convidar à correcção da petição inicial (nos termos do art. 590º, nºs 2, al.b), 3 e 4 do nCPC) quando a petição seja inepta nos termos do art. 186º do mesmo diploma, uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objecto desse convite à correcção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a acção prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo.” – disponível em www.dgsi.pt
Sendo, todavia, admissível o indeferimento liminar parcial, quanto a algum (ou alguns) dos pedidos (cumulativos), especialmente se daí resultar a exclusão de algum (ou alguns) dos réus da ação (cf. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, páginas 258-259).
Também importa ter presente que interpretação das peças processuais apresentadas pelas partes são aplicáveis, por força do disposto no art. 295.º do CC, os princípios da interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos artigos 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado.
Saliente-se ainda que, conforme é jurisprudência pacífica, essa interpretação deve ser norteada, além do mais, pelo “princípio da prevalência do fundo sobre a forma”, de maneira a que incorreções ou excessos formais não obstem a que possa ser considerada a materialidade do que é efetivamente pretendido pelas partes no processo.
Veja-se, a este respeito o Acórdão do STA de 08-01-2014, no processo n.º 032/13, cujo sumário citamos:“(…) os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (cfr. art. 20.º da CRP), motivo por que o tribunal deve extrair do pedido que lhe é feito o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão.” – www.dgsi.pt

Dos pedidos cumulativos
Feitas estas considerações gerais e analisando a petição inicial, uma primeira observação se impõe. Os Autores formulam dois pedidos distintos: exoneração judicial (da 1.ª Ré) da administração do condomínio, e nomeação de outro administrador. A cada um desses pedidos corresponde uma forma de processo especial distinta, ambas de processos de jurisdição voluntária. Assim, o processo de nomeação de administrador na propriedade horizontal está regulado no art. 1003.º do CPC, enquanto o processo especial de exoneração do administrador na propriedade horizontal se encontra previsto nos termos conjugados dos artigos 1055.º e 1056.º do mesmo Código.
Os direitos que os condóminos podem fazer valer através destes processos estão consagrados, no plano substantivo, no artigo 1435.º do CC:
“1. O administrador é eleito e exonerado pela assembleia.
2. Se a assembleia não eleger administrador, será este nomeado pelo tribunal a requerimento de qualquer dos condóminos.
3. O administrador pode ser exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções.
4 - O cargo de administrador é remunerável e tanto pode ser desempenhado por um dos condóminos como por terceiro; o período de funções é, salvo disposição em contrário, de um ano, renovável.
5 - O administrador mantém-se em funcões até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor.”
Os Autores, na sua alegação de recurso, argumentam que a primeira questão que é colocada na decisão recorrida se consubstancia na afirmação de que a ação para nomeação de administrador de condomínio e a ação para exoneração de administrador são ações diversas.
Dizem os Autores que, ao formular a petição inicial, tomaram a opção de requerer, em simultâneo, a destituição e a nomeação de administrador do condomínio em atenção, entre outros, ao acórdão da Relação de Évora de 08-11-2012, proferido no processo n.º 2620/11.9TBPTM.E1, em que se afirma:
“Para que o tribunal possa conhecer do pedido de destituição do administrador em acção intentada nos termos dos arts. 1484º e segs. do Código de Processo Civil, terão os requerentes que indicar, na respectiva petição, o administrador que deve ser nomeado em substituição da entidade exploradora do empreendimento;
A falta de indicação referida constitui excepção dilatória que importa a absolvição da instância;
Antes, porém de absolver da instância deve o juiz, nos termos dos arts. 508º, nº 1, al. b) e 265º, nº 2 do Código de Processo Civil, convidar os requerentes a colmatarem a omissão”.

Vejamos.
É verdade que no sumário do referido acórdão se afirma isso mesmo. Porém, lendo com atenção o acórdão, facilmente percebemos que este versa sobre situação de facto bem distinta daquela que agora nos ocupa. Com efeito, naquele processo estava em causa a administração de empreendimento turístico em propriedade plural regulada pelo revogado Decreto-Lei n.º 167/97 de 04-07. Explica-se aí que o art. 50º, nºs 1 e 2, desse diploma legal «determina que “nos empreendimentos turísticos em que a propriedade das várias fracções imobiliárias que o compõem pertencer a mais de uma pessoa, as funções que cabem ao administrador do condomínio, nos termos do regime da propriedade horizontal, são exercidas, sem limite de tempo, pela respectiva entidade exploradora…”, podendo, todavia, “a assembleia de proprietários… destituí[-la] das suas funções de administradora do mesmo, desde que a deliberação seja tomada por um número de votos correspondente à maioria do valor total do empreendimento e que no mesmo acto seja nomeado um novo administrador para substituir aquela no exercício dessas funções de administração”.
Temos assim que, embora a administração caiba, nos termos legais, à entidade exploradora do empreendimento e sem limite legal, pode a mesma ser destituída dessas funções pela assembleia de proprietários. Mas para que tal aconteça a lei estabelece diversas condicionantes sendo uma delas a de que “no mesmo acto seja nomeado um novo administrador para substituir aquela no exercício dessas funções de administração”.
E compreende-se que assim seja.
Efectivamente, tratando-se de um empreendimento turístico o respectivo e cabal funcionamento, nomeadamente no que tange à administração e conservação dos espaços comuns e afectos à actividade turística cuja tutela cabe à administração, não se compadece com uma situação de vazio de administração, o que aconteceria se a administração pudesse pura e simplesmente ser destituída sem a imediata nomeação do novo administrador.»
Ora, na propriedade horizontal tal não sucede. Pelo contrário, recorde-se o disposto no citado n.º 5 do art. 1435.º: “ O administrador mantém-se em funções até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor.” Além disso, está prevista a figura do Administrador provisório – art. 1435.º-A do CC.
Portanto, não há razão para pensar que a referida jurisprudência se aplica à situação dos autos.
Aos pedidos cumulativos formulados pelos Autores correspondem, pois, diferentes formas de processo (cf. artigos 555.º e 37.º e 38.º do CPC), como se afirmou na decisão recorrida. Naturalmente, o Tribunal recorrido não chegou a equacionar se tal cumulação podia ser autorizada, já que se considerou existir um obstáculo mais forte ao prosseguimento dos autos: a ineptidão da petição inicial.

Da falta de causa de pedir
Com efeito, para a exoneração judicial de administrador deverá ser alegado que existe um administrador eleito que está a cometer irregularidades no desempenho das suas funções ou a exercê-las de forma negligente. Já quando se pretenda a nomeação judicial de administrador, forçoso será alegar e provar que não existe um administrador eleito, seja porque o condómino requerente não conseguiu reunir a assembleia (por não dispor do capital necessário para a convocar - cf. art. 1431.º, n.º 2, do CC - ou por não terem comparecido, nem em primeira nem em segunda convocatória os condóminos para que pudesse funcionar - art. 1432.º, n.º 4, do CC), seja porque, tendo reunido, não foi possível eleger o administrador.
Na verdade, como resulta da lei, em regra, o administrador é eleito e exonerado pela assembleia dos condóminos. A intervenção judicial deve ser reservada aos casos excecionais em que efetivamente seja necessária, não se justificando a nomeação de administrador pelo tribunal quando nada obste à via normal da eleição pela assembleia de condóminos.
A este propósito, lembramos as palavras de Pires de Lima e Antunes Varela: “Excepcionalmente, porém, o administrador ser nomeado ou exonerado pela autoridade judiciária. São diferentes as condições em que se processam a nomeação e a exoneração ope iudicis. A nomeação dá-se, a requerimento de qualquer condómino, logo que a assembleia não eleja o administrador, como é seu poder e seu dever (n.º 1). O requerente terá de alegar e provar que não conseguiu reunir a assembleia ou que, tendo esta reunido, não foi possível eleger o administrador. O processo de nomeação judicial, no exercício de um poder que tem carácter mais administrativo do que contencioso, pelos critérios a que terá de subordinar-se, segue os termos prescritos no artigo 1428.º do Código de Processo Civil. No caso da exoneração ou destituição, as coisas processam-se de modo diferente: não é necessário que previamente se tente em vão reunir a assembleia, ou que nela se não tenha conseguido obter o afastamento do administrador. O condómino queixoso pode ter tentado obter a exoneração do administrador através da assembleia. Mas não é indispensável que o tenha feito. Essencial é que, recorrendo à via judicial, alegue e prove qualquer dos dois únicos fundamentos que podem servir de base à exoneração contenciosa: a prática de irregularidades ou a negligência no exercício das funções de administradora. O processo segue, nesse caso, os ermos prescritos no artigo 1485.º do Código de Processo Civil.” – in “Código Civil Anotado”, Volume III, 2.ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, pág. 451.

Ora, no caso em apreço, o que se constata é que efetivamente os Autores não alegaram na petição inicial factos substantivamente relevantes que pudessem fundamentar a sua pretensão de nomeação judicial de administrador. De salientar que nestes autos não foi sequer requerida a suspensão do cargo de administrador ao abrigo do art. 1055.º, n.º 2, do CPC, por razões de urgência. Assim, ainda que possa ser caso para a exoneração judicial da administradora (o que está por determinar) e que o pedido de nomeação judicial de administrador apenas tivesse sido deduzido para a hipótese de procedência daquele outro, nenhum facto foi alegado que permita considerar que não foi ou não será possível a eleição de (novo) administrador em assembleia de condóminos. Pelo contrário, os factos alegados sugerem que será possível aos Autores convocarem assembleia de condóminos para esse efeito, já que o Autor é proprietário das frações D e G e a Autora é usufrutuária das frações E, H e L (das quais o Autor é nu-proprietário), às quais corresponde a permilagem de 400, muito superior aos 25% a que se refere o art. 1431.º, n.º 2, do CC.
Assim, no tocante ao pedido de nomeação judicial de administrador, conclui-se que falta a causa de pedir.

Numa outra perspetiva, sempre faltaria o pressuposto processual do interesse em agir ou interesse processual, que “consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção” – Antunes Varela, obra citada, pág. 179. Na doutrina, destaca-se o labor de Miguel Teixeira de Sousa, que há muito vem dedicando especial atenção a esta matéria (designadamente em “O Interesse Processual na Acção Declarativa”, AAFDL, 1989).
Também na jurisprudência tem sido pacífico o reconhecimento deste pressuposto processual, não obstante a falta de consagração expressa no Código de Processo Civil. A título exemplificativo, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 21-11-2013, no processo n.º 1303/12.7 TVLSB.L2-6, cujo sumário, pelo seu interesse, se passa a citar:
“I) O interesse em agir enquanto pressuposto processual em causa deve ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça, quanto à sua consagração e quanto à sua limitação.
II) O acesso ao direito e à justiça implica uma visão necessariamente restrita do interesse processual enquanto implica o direito de expor as suas pretensões em sede judicial e de obter apreciação e decisão sobre elas.
III) O mesmo princípio impõe, dada a natureza escassa dos recursos, a delimitação de tal direito pela necessidade de mobilização dos órgãos jurisdicionais já que a mobilização acrítica e sem interesse constitui um desvio de recursos que os fará faltar a quem deles necessita.
IV) O interesse em agir consiste na necessidade e utilidade da demanda considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões invocadas e a sua verificação basta-se com a necessidade razoável do recurso à acção judicial.”
A falta do interesse em agir constitui uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, que determina, consoante os casos, o indeferimento liminar ou a absolvição da instância, nos termos conjugados dos artigos 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 590.º, proémio, todos do CPC.
Conforme referimos, nada indica, antes pelo contrário, que os Autores não possam oportunamente, sendo caso disso, convocar assembleia de condóminos para eleição de administrador do condomínio.
Conclui-se, pois, neste particular, pelo acerto da decisão de indeferimento liminar.

Já quanto ao pedido de exoneração judicial, admitimos que a petição inicial, embora confusa e deficiente, não padece do mesmo mal.
Com efeito, do que se alega nos artigos 5.º e 6.º da petição inicial parece resultar, embora com alguma falta de rigor e completude, que a 1.ª Ré é a administradora eleita do condomínio, funções que vem exercendo, de facto. A imprecisão e insuficiência do que foi alegado poderá ser esclarecida através de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial e à junção dos indispensáveis documentos comprovativos da eleição (atas das reuniões da assembleia de condóminos em que a 1.ª Ré foi eleita administradora do condomínio).
Resta saber se foram alegados factos atinentes à prática de irregularidades ou negligência no exercício das suas funções de administradora. Também aqui a resposta deve ser afirmativa, reconhecendo, todavia, que a alegação é insuficiente, carecendo de ser complementada, justificando-se o convite ao aperfeiçoamento para o efeito. Na verdade, tendo em conta o elenco das funções do administrador consagrado no art. 1436.º do CC, vemos que se imputa à 1.ª Ré uma atuação pelo menos negligente, na medida em que a administradora não convoca regularmente a assembleia de condóminos, não realiza os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns e não presta contas à assembleia - cf. artigos 1432.º, n.º 1, e 1436.º, alíneas a), f) e j), do CC)
Assim, conclui-se que a decisão recorrida quando considerou inepta a petição inicial, por falta de causa de pedir, está em parte correta.
Verifica-se a exceção dilatória da nulidade do processo, por ineptidão parcial da petição inicial, o que determina o indeferimento liminar parcial, no que concerne ao pedido de nomeação de administrador.

Da legitimidade processual passiva
Porém, não obstante a petição inicial não padeça do apontado vício de falta de causa de pedir no tocante ao pedido de exoneração judicial, ainda assim não podemos deixar de concluir que se justifica também nesta parte o indeferimento liminar da petição inicial, relativamente à 2.ª Ré.
Com efeito, é evidente que o pedido de exoneração apenas pode ser deduzido contra o administrador que se pretende ver exonerado, isto é, contra a 1.ª Ré, única que é titular da relação material controvertida e tem interesse em contradizer. Relativamente aos demais condóminos a lei prevê que sejam ouvidos nos termos do art. 1055.º, n.º 3, aplicável ex vi do art. 1056.º, ambos do CPC.
A ilegitimidade processual é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, conducente ao indeferimento liminar (ou, findos os articulados, à absolvição da instância), nos termos conjugados dos artigos 30.º, 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. e), e 590.º, n.º 1, todos do CPC.
Assim, embora com diferente fundamentação - a procedência de exceção dilatória de ilegitimidade processual passiva -, impõe-se confirmar o despacho de indeferimento liminar no tocante à 2.ª Ré.

Aperfeiçoamento da petição inicial
No Código de Processo Civil de 2013, é fora de dúvida que o convite ao aperfeiçoamento fáctico da petição inicial constitui um poder vinculado do juiz. Se não tiver sido observado aquando do despacho liminar, deverá sê-lo findos os articulados, conforme resulta dos artigos 6.º e 590.º do CPC.
Essa é a regra de ouro, a observar inclusivamente nos casos de revelia (não obstante o disposto no art. 567.º do CPC). Neste sentido, veja-se Lebre de Freitas: “(S)endo a petição inicial deficiente, seria injusto que ao autor não pudesse ser dada a possibilidade de a aperfeiçoar, nos termos do art. 590º n.ºs 2-b e 4, por o réu não ter contestado a ação, seguindo-se a absolvição do pedido. Mas apresentada a petição a completar ou corrigir a inicial, o réu deve ser dela notificado, assegurando-se o contraditório (art. 590º-5). Como a revelia do réu se pode explicar pela manifesta inconcludência da petição inicial, o réu deve ser admitido, na contestação, a defender-se com a mesma amplitude com que inicialmente poderia fazê-lo, podendo ainda impugnar os factos inicialmente alegados pelo autor.”in “A Ação Declarativa Comum”, 2013, Coimbra Editora, páginas 92 e 93.
No seguimento do acima referido, os autos deverão prosseguir para apreciação do pedido de exoneração da 1.ª Ré. Impõe-se, todavia, como se impunha ao Tribunal recorrido aquando da gestão inicial do processo, convidar os Autores a aperfeiçoarem a petição inicial, nos termos supra referidos, esclarecendo desde quando é a Ré a administradora eleita, quais as reuniões das assembleias de condóminos para as quais não convocou os Autores e quais os concretos atos urgentes de conservação das partes comuns do prédio que negligentemente se absteve de realizar – art. 590.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, do CPC.
De salientar que relativamente aos factos que apenas se provam por documento, os Autores deverão juntar os mesmos – art.590.º, n.º 2, al. c), e n.º 3, do CPC. A este respeito, na petição inicial, apenas alegaram os Autores que não eram convocados para as reuniões da assembleia de condóminos, o que não significa que as deliberações não lhes tivessem sido comunicadas. Em face do que agora alegam na alegação de recurso, afirmando desconhecer o teor das atas, sempre poderão lançar mão do disposto no art. 429.º do CPC.

Caso os Autores correspondam ao convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, deverá ser oportunamente cumprido o disposto no art. 590.º, n.º 5, do CPC.
*
Custas processuais
Considerando o indeferimento liminar parcial da petição inicial, por via do provimento parcial do recurso, entendemos que os Autores devem ser condenados nas custas da ação (na parte já finda) e do recurso, mas apenas na proporção de metade, ficando quanto ao mais as custas a cargo da parte (Autores ou 1.ª Ré) vencida a final.

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III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso nos seguintes termos:
a) Revogar a decisão recorrida na parte em que indeferiu liminarmente a petição inicial quanto ao pedido de exoneração da administração deduzido contra a 1.ª Ré e condenou os Autores no pagamento da totalidade das custas da ação, decidindo-se, em substituição, que:
- os autos prossigam quanto a este pedido, ficando a condenação dos Autores no pagamento das custas da ação reduzida à proporção de metade;
- convidar os Autores a aperfeiçoaram a petição inicial, esclarecendo desde quando a Ré é a administradora eleita, quais as reuniões das assembleias de condóminos para as quais não convocou os Autores e quais os concretos atos urgentes de conservação das partes comuns do prédio que negligentemente se absteve de realizar, bem como a juntarem aos autos cópia das atas das reuniões da assembleia de condóminos comprovativas dos factos que alegarem, fixando-se para o efeito o prazo de 10 dias;
b) Confirmar quanto ao mais o despacho recorrido (isto é, o indeferimento liminar da petição inicial no que concerne ao pedido de nomeação judicial de administrador do condomínio e quanto ao pedido de exoneração da administração deduzido contra a 2.ª Ré), embora, em parte, por fundamentação diferente;
c) Condenar os Autores/recorrentes nas custas do recurso, na proporção de metade, ficando na restante parte as custas da apelação a cargo da parte (Autores ou 1.ª Ré) vencida a final.

D.N.

Lisboa, 18-10-2018

Laurinda Gemas

Gabriela Cunha Rodrigues

Arlindo Crua