Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21260/17.2T8LSB.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: DIREITO DE PERSONALIDADE
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIREITO AO BOM NOME
DIREITO À HONRA E CONSIDERAÇÃO SOCIAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O direito de personalidade é um direito subjetivo e deve ser observado por todos. Ficam, pois, abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome.
II – A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.
III – Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.
IV – O TEDH considerou que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria científica e portanto, em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o n.º 2 do art. 10.º da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa.
V – Os cidadãos em geral devem poder debater abertamente as questões de interesse público, sem qualquer receio de serem acionados judicialmente, devendo evitar-se aqui o persistente perigo de autocensura. Isto, independentemente do choque, da amargura, do trauma, ou distúrbio emocional que daí possa resultar. A crítica pública deve ser um direito e não um risco
VI –Um determinado conteúdo expressivo só deixará de ser protegido se se demonstrar, e na medida em que ficar demonstrado, que o mesmo atenta de forma desproporcionada contra direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
VII – À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstrata entre si.
VIII – Sendo os direitos de liberdade de expressão e à honra e ao bom nome, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais
IX – Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de expressão, em detrimento do direito à honra e ao bom nome.
X – Os juízos de valor ou meras opiniões, enquanto manifestações do subjetivismo do respetivo autor, cuja validade ou verosimilhança serão livremente avaliáveis por cada um, estarão particularmente legitimados enquanto objeto do direito fundamental à liberdade de expressão.
XI – Pressuposto para a responsabilização do agente nas situações previstas no art. 484º, do CCivil, são a afirmação ou divulgação de factos, e já não os juízos de valor ou as opiniões.
XII – Tendo em conta a indemonstrabilidade da verdade dos factos no momento da sua divulgação, bem como interesse público a esta associado, parece razoável excluir a responsabilidade do agente, mesmo quando posteriormente se venha a apurar o caracter inverídico daqueles.
XIII – As suspeições, presunções, hipóteses ou dúvidas oferecidas nas declarações de facto, divulgadas pelo agente, não podem considerar-se propriamente como pressupostos de aplicação do art. 484º, do CCivil.               
XIV – Constitui obstáculo à aplicação do art. 484º, do CCivil, relativamente ao autor das declarações a circunstância de os juízos de suspeição, as presunções, bem como as hipóteses levantadas poderem não ser da autoria de quem divulgou os factos donde aquelas emergiram.
XV – Sendo proibida a afirmação ou divulgação de factos falsos, mas se proferidos dentro dos limites aceitáveis da liberdade de expressão e com uma base factual sólida, e não havendo uma ofensa gritante à honra e bom nome de outrem, o erro pode-se ter por admissível, aceitável e justificável, atendendo, nomeadamente, à proporcionalidade e adequação das expressões usadas.
XVI – A jurisprudência do TEDH, aponta para uma menor esfera de proteção da honra e consideração de figuras públicas, face à de simples particulares, assim como quando estejam em causa assuntos de interesse público ou geral.              
XVII – Também é entendimento do TEHD que “não se exige aos cidadãos ou aos media que corroborem factos injuriosas com o mesmo grau de certeza que o poder judicial, i.e., "em pé de igualdade com o do processo criminal", mas apenas que "a base factual seja sólida".       
XVIII – Como é entendimento do TEDH “a liberdade de expressão abarca tanto as “informações ou ideias favoráveis, inofensivas ou indiferentes como aquelas que chocam, inquietam ou ofendem” e que “contestam a ordem estabelecida”, pois é justamente nesses casos que “é mais preciosa”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
MB…, intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra PM… e HELIPORTUGAL - TRABALHOS E TRANSPORTE AÉREO, REPRESENTAÇÕES, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO, S.A., pedindo que fossem solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 55 000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação até pagamento.
Foi proferida sentença que absolveu o réu, PM… do pedido contra o mesmo formulado[1].
Inconformado, veio o autor apelar da sentença, tendo extraído das alegações[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
i. O conteúdo das entrevistas concedidas pelo Réu recorrido, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da “Heliportugal”, ao Jornal “Expresso” e publicadas nas suas edições de 5 de Dezembro de 2015 e de 8 de Abril de 2017, visaram alimentar uma campanha atentatória da honra e do bom-nome do Autor, veiculando uma imagem falsa da personalidade deste e imputando-lhe factos falsos, inexatos e destituídos de rigor, com o firme propósito de “colar” o Autor a uma imagem de corrupção, fazendo crer ao público em geral a que o Jornal se destina que o Autor estaria no centro de um alegado esquema de corrupção no âmbito do concurso público relacionado com os helicópteros “Kamov”, lesando o erário público, sacrificando interesses coletivos em detrimento de interesses pessoais, e daí retirando dividendos.
O Réu recorrido reproduz um conjunto de afirmações insidiosas, de factos que bem sabe serem falsos, formula insinuações e suspeições maledicentes, as quais visam descredibilizar o Autor e atentar, ilícita e dolosamente, contra a sua honra, o seu bom nome e a consideração pessoal e profissional de que era credor junto da opinião pública;
ii. O leitor médio do Jornal “Expresso”, quando confrontado com o teor das entrevistas
publicadas nos dias 5 de dezembro de 2015 e 8 de abril de 2017, é forçosamente levado a formular um juízo desfavorável da personalidade, da seriedade, da idoneidade do Autor, conotando-o com os esquemas de corrupção a que o Réu recorrido sistematicamente se refere, o que foi causa direta e necessária dos danos de natureza não patrimonial que o Autor sofreu;
iii. Contrariamente ao que refere a sentença recorrida, não estamos perante a mera emissão de “juízos de valor” ou de “meras opiniões”: o que está em causa nas entrevistas da autoria e responsabilidade do recorrido é a concreta imputação de um conjunto de factos falsos
ao A. por parte Réu recorrido, associadas estrategicamente a um conjunto de suspeições e de juízos de valor efetuados a partir dessa mesma imputação falaciosa de factos;
iv. As imputações, afirmações e suspeições da autoria e responsabilidade do recorrido são objetivamente falsas, não havendo qualquer base factual que as suporte, pelo que não
correspondem igualmente a qualquer interesse público legítimo. A este propósito, de
recordar que é matéria de facto assente, com relevância para apreciação da questão em
apreço, e designadamente, que: “11 – Foi proferido acórdão no âmbito do processo-crime n.º
…/…JFLSB em que o aqui A. foi absolvido dos três crimes de prevaricação de titular de cargo público e do crime de tráfico de influências de que havia sido acusado; 14 – Lê-se, assinaladamente, no acórdão: “A realidade é que o arguido MB… não enviou o correio eletrónico com a intenção de beneficiar o arguido JC… ou qualquer empresa (…) O que o arguido MB… queria mesmo era divulgar o concurso e sensibilizar potenciais concorrentes – quaisquer concorrentes -, enfatizando que o novo concurso estava mais atrativo, embora mantendo a matriz do primeiro”; 17 – Lê-se, assinaladamente, no acórdão: “o Ministro da Administração Interna fez no segundo concurso foi, assim, proceder aos retoques necessários para que o concurso surgisse mais apelativo, o que fez tendo em conta as razões objetivas e técnicas que lhe tinham sido reportadas pelas várias entidades (Força Aérea Portuguesa, EMA – Empresa de Meios Aéreos, S.A., Autoridade Nacional de Proteção Civil, Instituto Nacional de Aviação Civil, entre outras que foram escutadas”; 26 – (em consequência do que resulta provado no ponto 25) Ficou provado que o arguido MB… agiu com intenção de salvaguarda do interesse público, para evitar que o concurso público ficasse de novo deserto e ficassem indisponíveis os helicópteros Kamov para o combate aos incêndios; 29 – De acordo com o disposto no contrato celebrado com o estado e a Heliportugal, as formas de pôr cobro ao mesmo eram: resolução por parte do Estado português, face a um incumprimento grave e reiterado da Heliportugal – cf. N.º 2 da cláusula 18.ª e cláusula 39.ª; denúncia, por parte da entidade contratante, independentemente de qualquer incumprimento, depois de decorridos cinco anos da entrega da primeira aeronave – cf. N.º 3 da cláusula 18.ª (…); 34 – A empresa Everjets só passou a ter certificação para as aeronaves Kamov a partir de 25.05.2015 (certidão da ANAC junta aos autos por ofício em 09.11.2018); 38 – A Everjets apresentou proposta pelo preço mais baixo 39 – O computador do A. não foi alvo de buscas, nem apreendido”;
v. Assim, é facto falso o que vem referido pelo Recorrido: “Tínhamos um contrato por 20 anos e, de acordo com o que diz o Ministério Público, o ex-ministro MM… acabou com esse contrato, não por interesse do Estado, mas por prevaricação” – in página 12 da entrevista do Réu ao Jornal “Expresso” do dia 8 de abril de 2017 e facto provado n.º 2. Isto porque é facto
provado na decisão a quo, no ponto 26, que no âmbito do processo n.º …/…JFLSB, “ficou provado que o arguido MB… agiu com intenção de salvaguarda do interesse público, para evitar que o concurso público ficasse de novo deserto e ficassem indisponíveis os helicópteros kamov para o combate aos incêndios”. É ainda facto provado
(cfr. o que consta do ponto 29 da decisão recorrida), que estava contratualmente prevista a possibilidade de cessação do contrato entre o Estado e a “Heliportugal” decorridos 5 anos da entrega da primeira aeronave, sem qualquer motivo justificativo, como o recorrido bem sabia e omitiu na entrevista. O não acionamento dessa cláusula é que poria em causa o interesse público, como se percebe da análise do facto provado n.º 25, uma vez que o Estado teria de cumprir os 20 anos contratados, sob pena de pesadas consequências financeiras resultantes da eventual denúncia do contrato fora da previsão temporal contratualmente prevista. Aí se refere, no facto provado n.º 25, designadamente, que “desta primeira abordagem ao tema, foi possível concluir que o Estado, para ter a funcionar o dispositivo de meios aéreos de combate a incêndios, estava a pagar um valor potencialmente superior ao custo de mercado, o que se encontrava sustentado em alguns pareceres técnicos que eram do conhecimento do Ministério da Administração Interna, nomeadamente, o estudo de 2010 da consultora Arthur D. Little, segundo a qual o Estado português pagava mais de 35% do custo de mercado (…)”. Em aditamento, cfr. o doc. 6 junto com o requerimento de 21.05.2018, com a ref.ª citius 19066801, que atesta que os valores pagos pelo Estado à “Heliportugal” eram significativamente superiores aos pagos à “Everjests”. Como tal, é
falso que o “ex-ministro MM…” tenha “acabado” com o contrato entre a “EMA”
e a “Heliportugal” “por prevaricação”: conforme já exaustivamente explanado supra, a cessação do contrato entre a “EMA” e a “Heliportugal” teve como critério fundamentante o interesse público. A este propósito, convém recordar ainda o conteúdo do Relatório n.º 12/2014, do Processo n.º 29/13 do Tribunal de Contas, proferido em 12 de junho de 2014, que se debruçou sobre uma Auditoria à EMA, solicitada pela Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública da Assembleia da República, no âmbito do artigo 62.º, n.º 4, da Lei de Enquadramento
Orçamental – cfr. doc.5 junto com a PI -, cujo conteúdo confirma que as resoluções tomadas pelo Autor, na qualidade de Ministro da Administração Interna, serviram inquestionavelmente o interesse público. Todavia, e pese embora todos estes elementos de prova e factualidade assente, o Tribunal recorrido não retirou daí quaisquer consequências do ponto de vista da responsabilização do Réu, como se impunha;
vi. É ainda falso o seguinte facto relatado pelo Recorrido: “Esta foi a primeira vez que vi um concurso em que era possível receber propostas de empresas que não estavam certificadas para fazer o trabalho. Uma empresa, que nunca tinha voado um kamov, que não tinha um piloto, um copiloto, um mecânico. Bastou ter um Robinson 22, um helicóptero que se compra por € 130 mil” – página 12 da edição do Jornal “Expresso” de 8 de abril de 2017 e facto provado n.º 2. Ao proferir tais expressões, o Réu recorrido pretendeu transmitir que o procedimento concursal
definido pelo Ministério da Administração Interna visou beneficiar a adjudicatária “Everjets”, o que não corresponde à verdade. Com tal afirmação, pretendeu ainda o 1.º Réu ludibriar consciente e voluntariamente os leitores do Jornal, fazendo crer que o Autor, na qualidade de Ministro da Administração Interna, permitiu que entidades sem certificação suficiente manobrassem este tipo de aeronaves, o que é grosseiramente falso. O que o Ministério da Administração Interna fez foi abrir o concurso à concorrência através da minoração das desvantagens comparativas com a “Heliportugal” apontadas ao primeiro concurso. Foi, aliás, esta a lógica – de obtenção das maiores vantagens possíveis para o Estado – que fez com que fosse aberto um segundo concurso público internacional, já que o primeiro concurso havia ficado
deserto por falta de apresentação de propostas. O critério único de adjudicação era o “mais baixo preço”, de modo a que, com total transparência, fosse aferido o interesse público – cfr. o que consta do facto provado n.º 28 da sentença recorrida. Nesse sentido se pronunciou o (então) Secretário de Estado da Administração Interna, FL…, ao Jornal i, em dezembro de 2013, conforme doc.6 junto com a PI. Em síntese, o que foi alterado do primeiro para o segundo concurso público foi o momento da certificação, isto é, se antes tal certificação era necessária apenas no momento do concurso, depois passou a ser necessária apenas no momento da adjudicação. Aliás, da matéria de factos assente, em concreto dos pontos 31, 32 e 34, resulta que o segundo concurso público: i) admitia empresas não certificadas; ii) a “Everjets, na altura do concurso, não era certificada; iii) a “Everjets” veio a obter tal certificação que era exigida, em concreto no dia 25.05.2015 (cfr. certidão da ANAC junta aos autos por ofício em 09.11.2018). Aliás, é facto provado na sentença recorrida (cfr. factos provados n.ºs 17 e 26), que: “17 – Lê-se, assinaladamente, no acórdão: “o Ministro da Administração Interna fez no segundo concurso foi, assim, proceder aos retoques necessários para que o concurso surgisse mais apelativo, o que fez tendo em conta as razões objetivas e técnicas que lhe tinham sido reportadas pelas várias entidades (Força Aérea Portuguesa, EMA – Empresa de Meios Aéreos, S.A., Autoridade
Nacional de Proteção Civil, Instituto Nacional de Aviação Civil, entre outras que foram escutadas; 26 – (em consequência do que resulta provado no ponto 25) Ficou provado que o arguido MB… agiu com intenção de salvaguarda do interesse público, para evitar que o concurso público ficasse de novo deserto e ficassem indisponíveis os helicópteros Kamov para o combate aos incêndios;” Tal vem reforçar a certeza de que, afinal, o que não acautelava o interesse público era o anterior contrato existente entre a “EMA” e a “Heliportugal”, atentos os manifestos desequilíbrios contratuais detetados e sufragados neste Relatório do Tribunal de Contas. O Réu, inclusivamente já antes de ter concedido a primeira entrevista ao Jornal “Expresso”, em dezembro de 2015, tinha conhecimento do conteúdo deste Relatório do Tribunal de Contas. Tudo no sentido de concluirmos pela falsidade das imputações que, de forma consciente e intencional, foram aqui uma vez mais levadas a cabo pelo Réu no sentido de atingir a honra, a dignidade pessoal e profissional e a imagem do Autor, e que não foram devidamente valoradas pelo Tribunal de 1.ª instância;
vii. É ainda falso o facto afirmado pelo Réu no sentido de que “[e]le é acusado da prática de crime de tráfico de influências por esta situação dos kamov. O caderno de encargos, dizia, aquele que foi distribuído com alguns meses de antecedência só para alguns, que as entidades que iam concorrer tinham que fazer uma proposta de manutenção das aeronaves para se aperceberem do estado das mesmas e que tinham um período para fazerem uma vistoria às aeronaves. Vieram todos, exceto a Everjets. Não veio, mas apresentou a proposta mais competitiva. E depois quando receberam os helicópteros disseram que estava (e está) tudo em mau estado. E o que faz o Estado? Assina um documento a dizer que se responsabiliza pelo estado das aeronaves e 15 dias depois a Everjets recebe mais €2 milhões. Quando saímos tínhamos três aeronaves a voar e duas paradas para arranjar. Gastaram os tais €2 milhões e continuam a ficar só três a voar. As outras duas servem apenas para fornecer peças” – página 12 da edição do Jornal “Expresso” de 8 de abril de 2017 e facto provado n.º 2. É falso que o Autor tenha distribuído o caderno de encargos junto de um concorrente, in casu, a “Everjets”, como claramente refere o recorrido. É facto
provado na sentença recorrida, nomeadamente no ponto 18, que “do Acórdão consta o envio do Caderno de Encargos pelo aqui A. a JC…”. Consta ainda, do ponto 25, que “a realidade é que o arguido MB… não enviou a mensagem de correio eletrónico com a intenção de beneficiar o arguido JC… ou qualquer empresa (…); o que o arguido MB… queria mesmo era divulgar o concurso e sensibilizar potenciais concorrentes – quaisquer concorrentes -, enfatizando que o novo concurso estava mais atrativo, embora mantendo a matriz do primeiro; (…) o destino do caderno de encargos não era a própria “FAASA – Aviácion, S.A. (…) não se provou que ao divulgar o caderno de encargos (…) MB… tenha tido intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém”. Trata-se de mais uma afirmação falaciosa e gravemente atentatória do bom-nome do A. que foi desconsiderada na decisão recorrida;
viii. É igualmente falsa a afirmação de que “Numa das buscas que fizeram por causa dos vistos gold apreenderam o computador de MM…. E nesse computador estava um email para o seu amigo JS…, ex-sócio dele da JMF – empresa que era 1/3 de MM…, 1/3 de JS… e 1/3 de MM… – com o caderno de encargos do concurso dos Kamov que a Everjets acabou por ganhar. Enviado três ou quatro meses antes de o concurso ser lançado. E isso saiu do email de MM…, ministro, para essa empresa, da qual ele era sócio até 15 dias antes de ir para o Governo” - Facto provado n.º 2. Na verdade, o Autor nunca foi alvo de quaisquer buscas no âmbito do processo n.º …/…JFLSB, nem tão-pouco o seu computador foi apreendido, fosse a que título fosse, como aliás é facto provado n.º 39. O Autor
nunca remeteu qualquer email com o caderno de encargos reportado ao segundo procedimento concursal a nenhum concorrente ou entidade interessada no “concurso dos kamov” – cfr. o que consta dos factos provados n.ºs 18, 20, 25 da sentença recorrida. É falso, por conseguinte, que “o caderno de encargos” tenha sido “distribuído com alguns meses de antecedência só para alguns”. É facto provado na sentença recorrida que o que o Autor sempre quis foi divulgar o concurso e sensibilizar potenciais concorrentes – quaisquer concorrentes –, enfatizando que o novo concurso estava mais atrativo, embora mantendo a matriz do primeiro – cfr. o que consta dos factos provados n.ºs 18 e 25 da decisão recorrida -, o que, uma vez mais, foi desconsiderado pela decisão de 1.ª instância;
ix. A decisão ora recorrida, ao propugnar que o exercício da liberdade de expressão, nos
termos em que tal direito foi exercido pelo Réu, “não extravasou o aceitável”, está, no fundo, a proceder ao aniquilamento do núcleo fundamental do direito à honra, subalternizando-o por completo face à liberdade de expressão, violando-se o disposto no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que se invoca para os devidos e legais efeitos;
x. A decisão recorrida, além da inconstitucionalidade de que padece por violação do disposto no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, viola ainda a legislação ordinária, em concreto o
disposto nos artigos 70.º, 483.º e 484.º do Código Civil;
xi. O facto de o A. ser uma “figura pública” não afasta a tutela previstas nos artigos 70.º, 483.º e 484.º do Código Civil, sendo que tal proteção é especialmente exigida se uma figura pública pauta o seu comportamento público por padrões de correção, de urbanidade, de honestidade e de lealdade, como é comprovadamente o caso do A;
xii. Paralelamente com a imputação dos factos falsos supramencionados ao A., o recorrido formula um conjunto de juízos desonrosos, mediante o levantamento de suspeitas
infundadas e gravemente atentatórias da sua honra e dignidade. Em concreto, refere na
entrevista de 5 de dezembro de 2015, o seguinte: “(…) mas o que tem de mudar é a maneira como as coisas funcionam no Estado. Se isto fosse um campeonato de futebol, para ter sucesso eu teria de investir 100 milhões no Cristiano Ronaldo e no Mourinho e montar uma equipa como deve de ser. Mas com estas regras, basta-me dar 10 mil ao árbitro para ganhar. E assim não progredimos, não passamos disto, esta corrupção mina tudo”. (sublinhado nosso); E na entrevista de 8 de abril de 2017 refere-se, designadamente: “(…) Este país não é fácil. E eu, pelos vistos, não pude ter reuniões com MM… ou quem quer que fosse, e pedi muitas por escrito, se calhar porque não pagava uma mensalidade à JMF, foi a conclusão a que cheguei (…). Fui recebido por MM… e passei o tempo a fazer queixas. A galinha foi falar com o lobo, é a conclusão a que chego. (…). Imagine um campeonato de futebol onde as arbitragens são perfeitas. Se quiser ser campeão gasto €100 milhões no Ronaldo, mais outro tanto no Mourinho e
monto a melhor equipa. Se no último jogo alguém paga € 20 mil ao árbitro e há dois penáltis contra mim, os outros é que são campeões, está tudo estragado. No ano a seguir não vou gastar € 100 milhões no Ronaldo. Pago é € 40 mil ao árbitro. Resultado, o nível do futebol, cai e num país se há corrupção a vida cai, ponto final parágrafo. Isto é um cancro”. (destaque nosso)
xiii. Mesmo no domínio da mera formulação de juízos de valor, há limites que, uma vez
ultrapassados, tornam a conduta ilícita sob o prisma da responsabilidade civil extracontratual subjetiva. E a verdade é que não é por se tratarem de meros “juízos de valor” que a conduta deixa de ser ilícita, porquanto estaria sob o crivo – aqui já não do artigo 484.º do CC-, mas antes da cláusula geral do artigo 483.º do CC. Tal equivale a dizer que mesmo que a decisão recorrida considere que o recorrido se limitou a formular “juízos de valor” e a proceder a um conjunto de “extrapolações” e “cogitações” de carácter meramente opinativo, fazendo aquilo que designa de uma “acusação à convicção”, e sem conceder, a verdade é que tal conduta, mesmo estando fora do âmbito do artigo 484.º do CC, sempre estaria sob a alçada da cláusula geral do artigo 483.º do CC, tendo em conta o carácter ofensivo, gravemente perturbador da honra e do bom-nome do A.
Efetivamente, é difícil conjeturar que outra suspeição possa ser mais “mortífera”, para um político, para uma figura pública que depende da sua credibilidade para merecer a confiança e o respeito dos seus concidadãos eleitores, que a sua “contaminação” com o “vírus da corrupção”. A imagem que o recorrido quis passar do A. – e que efetivamente passou, como bem se depreende da leitura da sentença recorrida -, foi a do “árbitro comprado”, leia-se, do “ministro vendido”. Ao considerar diferentemente, violou a decisão a quo o disposto no artigo 483.º do CC;
xiv. Tal conduta levada a cabo pelo Réu é ilícita e também culposa, violando, designadamente, o disposto nos artigos 70.º, 483.º e 484.º e 487.º do Código Civil (CC), o que foi desconsiderado pela decisão recorrida, tendo o Réu atuado de forma consciente e com o propósito e a firme intenção de atentar contra a honra e o bom nome do A., configurando-se a sua conduta como dolosa, atenta a intenção de prejudicar o lesado e de lhe causar danos. Conforme se refere na sentença recorrida, é matéria assente que o Recorrido, “enquanto empresário e administrador da Heliportugal, era parte interessada no concurso, alguém cuja esfera económica e profissional estava interligada com a questão (…) tratava-se de um interveniente conhecedor dos factos, dos meandros dos concursos, o que lhe conferia alguma credibilidade. Afinal, era um homem do meio, um connaisseur, alguém a tomar em linha de conta na matéria e não um
mero curioso, a sentenciar que os políticos são corruptos, que enchem os bolsos contra os melhores interesses do Estado”, o que serve para acentuar o grau de culpabilidade do agente e a credibilidade que os leitores dos Jornal “Expresso” lhe atribuíram quando leram as suas
afirmações;
xv. O A. sofreu danos de natureza não patrimonial como consequência direta e necessária dos factos ilícitos e culposos da responsabilidade do Réu. A este propósito, foi dado como provado na sentença ora recorrida: “45. As entrevistas do R. ao jornal “Expresso” concorreram
para que o A. passasse a ser conotado como uma figura ligada à corrupção em Portugal, que usurpou das suas funções de ministro para fins ilícitos”; 46. As entrevistas do R. ao Jornal “Expresso” concorreram para a deterioração da qualidade do sono do A., para a sua irritação, ansiedade, dificuldade de concentração e desgosto”. Tendo por base a matéria de facto dada como assente em 1.ª instância, estamos perante um indubitável quadro de afetação negativa da honra e do bom-nome do recorrente que, em termos objetivos, assume, à luz do critério que
decorre do nº 1 do artigo 496º do Código Civil, relevância justificativa de compensação por danos não patrimoniais;
xvi. A gravidade dos factos em causa deverá ter sopesada também em função da ampla
divulgação e impacto que as entrevistas tiveram junto do público em geral, atendendo que, conforme resulta da factualidade provada: “7 - O “Expresso” é um jornal de periodicidade semanal, publicado ao sábado; 8 – No mês de dezembro de 2015, o “Expresso” teve uma tiragem de 98 189 exemplares e uma circulação de 92 195 exemplares; 9 – No mês da publicação da entrevista ao R. em abril de 2017, o jornal “Expresso teve uma tiragem de 88 156 exemplares e uma circulação de 90 607”;
xvii. Recorrendo a critérios de equidade, e atendendo aos critérios legalmente enunciados e à factualidade assente, a fixação da compensação a título de danos não patrimoniais deve
fixar-se nos 55.000,00 € peticionados pelo A.;
xviii. A decisão ora recorrida violou, por conseguinte, os artigos 18.º, n.ºs 2 e 3, 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), os artigos 483.º, n.º 1, 484.º, 486.º,496.º, 562.º, 70.º, n.º 1, 79.º, n.º 1, 80.º do Código Civil (CC), artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (D.U.D.H.), artigos 8.º e 10.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (C.E.D.H.), porquanto as afirmações da autoria do Réu recorrido violaram, de forma indelével, e de forma ilícita, o direito à honra, ao bom nome, à reputação, à imagem e à dignidade do recorrente;
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, condenando-se o Réu recorrido PM… no pagamento de uma compensação a título de danos não patrimoniais ao A. no valor de 55.000,00 € (cinquenta e cinco mil euros), a título de responsabilidade civil extracontratual adveniente do teor das entrevistas por si concedidas ao Jornal “Expresso” em 05.12.2015 e em 08.04.2017.
O réu contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação do autor.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5],[6]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por MB…, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.) Saber se declarações do réu nas entrevistas por este concedidas ao jornal “Expresso”, foram ofensivas da credibilidade, prestígio, honra, nome, reputação e imagem do autor, e caso exista culpa do réu e danos por aquele sofridos, determinar a obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual.
2.) Inconstitucionalidade da decisão proferida pelo tribunal a quo, por violação dos nºs 2 e 3, do artigo 18º, da CRPortuguesa.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1 - Na edição do semanário “Expresso” de 5 de dezembro de 2015 consta,
assinaladamente, uma entrevista ao R. PS…, em que se lê: “Eu não caio em cima do MM… agora que ele foi acusado. Eu já o tinha denunciado ao primeiro-ministro, pedi a demissão dele e em troca só tive processos contra mim em tribunal que foram todos arquivados. Não é o dinheiro que me move. É saber que este país vai continuar atrasado enquanto tipos como
eu chocarem de frente em tipos como ele.” “€ 177 527 007, 00. Esse é o dinheiro que ganharíamos até 2026, se o contrato nunca tivesse sido interrompido. Mas o que tem de mudar é a maneira como as coisas funcionam no Estado. Se isto fosse um campeonato de futebol, para ter
sucesso eu teria de investir 100 milhões no Cristiano Ronaldo e no Mourinho e montar uma equipa como deve ser. Mas com estas regras basta-me dar 10 mil ao árbitro para ganhar. E assim não progredimos, não passamos disto, esta corrupção mina tudo. Temos de fazer qualquer coisa. E eu vou persegui-los até ao fim. Sem piedade”.
2 - Na edição do semanário “Expresso” de 8 de abril de 2017, consta, assinaladamente, uma entrevista ao R. PS…, em que se lê: Tínhamos contrato por 20 anos e, de acordo com o que diz o Ministério Público, o ex-ministro MM… acabou com esse contrato, não por interesse do Estado, mas por prevaricação. Numa das buscas que fizeram por causa dos vistos Gold apreenderam o computador de MM…. E nesse computador estava um e-mail para o seu amigo JS…, ex-sócio dele da JMF - a empresa era 1/ de MM…, 1/3 de JS… e 1/3 de MM… - com o caderno de encargos do concurso dos Kamov que a Everjets acabou por ganhar. Enviado três ou quatro meses antes de o concurso ser lançado. E isso saiu do e-mail de MM…, ministro, para essa empresa, da qual ele era sócio ate 15 dias antes de ir para o governo. Li no outro dia uma notícia no “Público” onde um senhor de uma empresa de jardinagem diz que pagava € 6 mil por mês para lhe arranjarem reuniões com os clientes. Este país não é fácil. E eu, pelos vistos, não pude ter reuniões com MM… ou quem quer que fosse, e pedi muitas por escrito, se calhar porque não pagava uma mensalidade à JMF, foi a conclusão a que cheguei (…). Fui recebido por MM… e passei o tempo a fazer queixas. A galinha foi falar com o lobo, é a conclusão a que chego. Ele fez uma série de notas, mas não teve sequência nenhuma. Depois tentei telefonar e mandei recados e não houve.
Acabei por enviar cartas registadas e a pedir a PC… uma reunião para lhe dizer o que é que MM… andava a fazer. Esta foi a primeira vez que vi um concurso em que era possível receber propostas de empresas que não estavam certificadas para fazer o trabalho. Uma
empresa, que nunca tinha voado um kamov, que não tinha um piloto, um copiloto, um mecânico. Bastou ter um Robinson 22, um helicóptero que se compra por € 130 mil. Imagine um campeonato de futebol onde as arbitragens são perfeitas. Se quiser ser campeão gasto € 100 milhões no Ronaldo, mais outro tanto no Mourinho e monto a melhor equipa. Se no último jogo alguém paga € 20 mil ao árbitro e há dois penaltis contra mim, os outros é que são campeões, está tudo estragado. No ano a seguir não vou gastar € 100 milhões no Ronaldo. Pago é € 40 mil ao árbitro. Resultado, o nível do futebol cai e num país se há corrupção a vida cai, ponto final parágrafo. Isto é um cancro. Ele é acusado da prática de crime de tráfico de influências por esta situação dos kamov. O caderno de encargos dizia, aquele que foi distribuído com alguns meses de antecedência só para alguns, que as entidades que iam concorrer tinham que fazer uma proposta de manutenção das aeronaves para se aperceberem do estado das mesmas e que tinham um período para fazerem uma vistoria às aeronaves. Vieram todos, exceto a Everjets. Não veio, mas apresentou a proposta mais competitiva. E depois disseram que quando receberam os helicópteros disseram que estava (e está) tudo em mau estado. E o que faz o Estado? Assina um
documento a dizer que se responsabiliza pelo estado das aeronaves e 15 dias depois a Everjets recebe mais € 2 milhões. Quando saímos tínhamos três aeronaves a voar e duas paradas para arranjar. Gastaram os tais € 2 milhões e continuam a ficar só três a voar. As outras duas servem apenas para fornecer peças. Da ANPC, ou seja, do ministro. Fazem concursos em que se garante que se pagam 300 horas, mas depois há alguém que decide se elas voam ou não. Mas paga-se na mesma.
3 - No dia 13 de novembro de 2015 foi deduzida a acusação, e foi tornado público o respetivo teor, do processo n.º …/…JFLSB, de acordo com a qual o aqui A. foi acusado de três crimes de prevaricação de titular de cargo público e de um crime de tráfico de influências.
4 - Os contornos referentes ao procedimento concursal dos helicópteros “Kamov” (modelo KA - 32A11 BC) - Concurso Público Internacional com anúncio de Procedimento n.º 3555/2014, com publicação em Diário da República, 2.ª Série, n.º 123, de 30 de junho de 2014 e com Publicidade Internacional no Jornal oficial da União Europeia com a referência CPI/02/ANPC/2014 – constam da acusação pública - fls. 20.361 a 20.368 do processo n.º …/…JFLSB (páginas 496 a 503 da acusação pública).
5 - Nos termos de fls. 18645 a 18646 do volume 53 do processo n.º …/…JFLSB (ponto 1990 da acusação deduzida no âmbito do processo n.º …/…JFLSB, junto como doc.2 da contestação), em 6 de março de 2014, o A. terá enviado um e-mail a JG… com o caderno de encargos referente ao concurso público internacional constante do anúncio de Procedimento n.º 3555/2014.
6 - O referido caderno de encargos foi tornado público e disponibilizado a 30 de junho de 2014, através da sua divulgação no Diário da República, 2.ª Série, n.º 123 (relatório 27, elaborado pela Polícia Judiciária, constante do Apenso “P” do processo n.º …/…JFLSB).
7 - O “Expresso” é um jornal de periodicidade semanal, publicado ao sábado.
8 - No mês de dezembro de 2015, o “Expresso” teve uma tiragem de 98 189 exemplares e uma circulação de 92 195 exemplares.
9 - No mês da publicação da entrevista ao R., em abril de 2017, o jornal “Expresso” teve uma tiragem de 88 156 exemplares e uma circulação de 90 607.
10 - No que se refere ao crime de prevaricação relativo ao tema “Kamov – Concurso Público Internacional”, consta na acusação, assinaladamente, que: “F-4. Kamov – Concurso Público Internacional (…) 1998. Ao remeter o referido caderno de encargos a JG…, na fase preparatória do concurso de julho de 2014, MM… muniu o mesmo de uma informação privilegiada e potencialmente geradora de proveito económico. 1999. Fazendo-o no âmbito das já suprarreferidas parcerias informais, de natureza lucrativa, que o ligavam, para além dos laços de amizade, ao arguido JG…. 2000. JG…, com o conhecimento de MM…, desde pelo menos o ano de 2012 mantinha relações negociais com MA… (CEO do grupo espanhol FAASA, que integra as empresas HELIDUERO, FAASA CHILE, SEBASTIAN ALMAGRO FONDATION, CORPFLIGHT SCHOOL). 2001. Relações estas atinentes, precisamente, às operações de manutenção dos helicópteros KAMOV adquiridos pelo Governo Português e ao fornecimento de uma aeronave KAMOV complementar. 2002. E que foram intermediadas pela já suprarreferida empresa FITONOVO, parceira dos arguidos MM… e JG… nos negócios
descritos no núcleo A, nomeadamente com a sociedade JMF e JAG. (…) 2014. A referida empresa FAASA Aviación S.A., parceira negocial de JG…, por intermédio da empresa FITONOVO, viria a ser subcontratada pela empresa EVERJETS, adjudicatária da prestação de serviços de operação e manutenção dos helicópteros KAMOV no concurso de 2014, na execução dos serviços adjudicados de operação, gestão da continuidade da aeronavegabilidade e de manutenção dos meios aéreos pesados pra operações do MAI, em sede de consignação de meios aéreos. 2015. Em 6 de Março de 2014, ao enviar a JG… o referido caderno de encargos, o arguido MM… tinha conhecimento dos interesses comerciais do GRUPO FAASA na matéria em causa e das relações mantidas entre MA…, CEO do grupo FAASA, e JG…, por intermédio de representantes da empresa FITONOVO.
2016. Sabendo igualmente dos interesses de natureza lucrativa que intercediam entre JG… e a empresa FITONOVO, empresa com a qual, no domínio da atividade da sociedade JMF, o próprio arguido MM… mantivera relações de natureza comercial, conforme suprarreferido. 2017. Tendo MM… disponibilizado a JG… o referido
caderno de encargos, num momento em que o mesmo ainda não se encontrava publicitado, a fim de lhe granjear uma informação privilegiada, potencialmente geradora de vantagens de natureza económica no mercado concursal. 2018. Ao adotar a conduta acima referida o arguido MM…, agiu livre, voluntária e conscientemente, em violação do princípio jurídico-constitucional da concorrência (art.ºs 81º, al. f), e 99º, al. a), da CRP), e dos princípios legais reconhecidos no art.º 1º, nº 4, do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29/01, designadamente os princípios gerais da atividade administrativa da legalidade (art.º 3º, n.º 1), da 209 de 4337 igualdade (art.º 5, nº 1) e imparcialidade (art.º 6, nº 1, 44º, n.º 1, al. a)) consagrados no Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91 de 15/11, à data em vigor. 2019. Fazendo-o em benefício dos interesses privados lucrativos de JG…, a quem pretendeu conferir uma indevida posição de vantagem
concorrencial, de natureza informacional e temporal, suscetível de por este ser comercializada a dados operadores do mercado, em detrimento de outros potenciais interessados. 2020. O arguido atuou sabendo proibida por lei penal a respetiva conduta. 2021. O muito grave e acentuado desrespeito pelos deveres funcionais e pelos padrões ético-profissionais de conduta, evidenciando total falta de competência honorabilidade profissionais, a natureza e a extrema gravidade dos crimes imputados, a personalidade do arguido manifestada nos factos praticados e o elevado grau de culpa colidem com os fins institucionais do cargo público de que MM… era titular, cujas atribuições assumem elevadíssima importância para o Estado Português, donde resulta a incompatibilidade absoluta entre a ação praticada e a manutenção de qualquer outro cargo público cujo exercício pressuponha a observância de especiais deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de imparcialidade, de zelo e lealdade (pp. 496 a 503 da Acusação, em concreto p. 499, 500, 502 e 503).
11 - Foi proferido acórdão no âmbito do processo-crime n.º …/…JFLSB em que o aqui A. foi absolvido dos três crimes de prevaricação de titular de cargo público e do crime de tráfico de influências de que havia sido acusado.
12 - Esse acórdão, à data de hoje, não transitou em julgado.
13 - Lê-se, assinaladamente, no acórdão: “perante esta factualidade haverá desde logo que concluir que se encontram preenchidos alguns elementos objetivos do tipo do crime de prevaricação” (cf. p. 2385 do acórdão).
14 - Lê-se, assinaladamente, no acórdão: “A realidade é que o arguido MB… não enviou o correio eletrónico com a intenção de beneficiar o arguido JC… ou qualquer empresa, mas apenas para que este, que se tinha
disponibilizado a seu pedido para poder expor o assunto a um operador de aeronaves Kamov (como há poucos no mercado), ficasse com a ideia do que se tratava no concurso. O arguido MB… aproveitou o facto de o arguido JC… conhecer o responsável da empresa em causa, a ‘Faasa - Aviación, S.A.’, mas se fosse outra qualquer empresa que aquele conhecesse, faria o mesmo. Ou se fosse outra pessoa, para além do arguido JC…, a mostrar-se recetivo a esta abordagem, também o faria. O que o arguido MB… queria mesmo era divulgar o concurso e sensibilizar potenciais concorrentes – quaisquer concorrentes –, enfatizando que o novo concurso estava mais atrativo, embora mantendo a matriz do primeiro” (cf. págs. 729 e 730 do Acórdão).
15 - Lê-se, assinaladamente, no acórdão: “O arguido MB… não enviou o correio eletrónico para que o mesmo chegasse a qualquer concorrente. O arguido MB… tinha como destinatário último o arguido JC… e destinava-se a que este pudesse ter ideia do que se
tratava, tal como o mesmo lhe solicitara, já que se tinha disponibilizado, a seu pedido, para abordar a ‘Faasa - Aviácion, S.A.’ acerca da eventualidade de ter interesse em ir ao segundo concurso, já então publicitado” (cf. pág. 730 do Acórdão).
16 - Lê-se, assinaladamente, no acórdão: “logo após o concurso de 2012 ter sido considerado deserto por falta de apresentação de propostas, foi o arguido MB… que determinou por parte do Ministro da Administração Interna um
evidente posicionamento no sentido de falar sobre a matéria, de divulgar a oportunidade de um novo concurso, em revelar que as propostas seriam mais atrativas; neste âmbito, o Ministro da Administração Interna deu instruções claras para que se procedesse a um levantamento para aferição das razões por que o concurso de 2012 havia ficado deserto; as instruções emanadas na altura foram dirigidas a diversas entidades, nomeadamente à própria "EMA - Empresa de Meio
Aéreos, S.A.", que ficou oficialmente encarregada de consultar diversos operadores, de forma a identificar os aspetos que haviam impedido a respetiva participação no concurso” (cf. pág. 2388).
17 - Lê-se, assinaladamente, no acórdão: “o Ministro da Administração Interna fez no segundo concurso foi, assim, proceder aos retoques necessários para que o concurso surgisse mais apelativo, o que fez tendo em conta as razões objetivas e técnicas que lhe tinham sido
reportadas pelas várias entidades (Força Aérea Portuguesa, "EMA - Empresa de Meio Aéreos, S.A.", Autoridade Nacional de Proteção Civil, Instituto Nacional Aviação Civil, entre outras que foram escutadas)” (cf. pág. 2391).
18 - Do acórdão consta o envio do Caderno de Encargos pelo aqui A. a JC… (cf. pp. 2381 e 2382 e ainda 2385).
19 - Segundo o acórdão do Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz … – no âmbito do processo n.º …/…JFLSB, ficou provado que: “Em 6 de Março de 2014, cerca de três meses antes da data do anúncio da abertura do procedimento respetivo, estando ainda a decorrer os trabalhos preparatórios do referido Concurso, o arguido MB…, então Ministro da Administração Interna, a partir da caixa de correio eletrónico institucional M…m…@mai.gov.pt, remeteu por mensagem de correio eletrónico ao arguido JC… o “Caderno de Encargos do Concurso Público Internacional Para Aquisição dos Serviços de Operação, de Gestão da Continuidade da Aeronavegabilidade e de Manutenção dos Meios Aéreos Pesados Próprios Para Missões do Ministério da Administração Interna” – pp. 2381 e 2382 do acórdão.
20 - Consta que o destino do Caderno de Encargos não era a “FAASA – Aviácion, S.A.” (cf. p. 2393).
21 - No primeiro parágrafo da p. 2385 do acórdão, lê-se: “a referida empresa “FAASA - Aviación, S.A.” viria a ser subcontratada pela empresa “EVERJETS - Aviação Executiva, S.A.”, adjudicatária da prestação de serviços de operação e manutenção dos helicópteros Kamov no concurso de 2014, na execução dos serviços adjudicados de operação, gestão da continuidade
da aeronavegabilidade e de manutenção dos meios aéreos pesados para operações do Ministério da Administração Interna, em sede de consignação de meios aéreos”.
22 - No parágrafo seguinte, na mesma página 2385, lê-se: “em 6 de março de 2014, ao enviar ao arguido JC… o referido caderno de encargos, o arguido MB… tinha conhecimento dos interesses comerciais do grupo “FAASA - Aviácion, S.A.” na matéria em causa.”
23 - “A factualidade dada como provada e descrita no ponto F-4 que na tese da acusação/pronúncia imputa ao arguido MB… a prática de um crime de prevaricação não sustenta um tal juízo de censura penal. Esta factualidade refere-se ao concurso público internacional para atividade de operação e manutenção dos serviços de manutenção e operação das aeronaves médias (seis helicópteros Kamov, modelo KA-32A11 BC).
24 - Relativamente a este tema probatório ficou provado o seguinte: - com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 182/2005, de 22 de novembro, foi determinado, para além do mais, dotar o Estado português de um dispositivo aéreo permanente com a missão primária de prevenção e combate a incêndios florestais, e autorizada, entre outras, a realização da despesa inerente à celebração do contrato de aquisição de um conjunto de seis helicópteros médios,
bem como da respetiva operação e manutenção; - o referido contrato foi precedido de concurso público internacional, findo o qual o Governo autorizou a realização da despesa respetiva e adjudicou a aquisição, operação e manutenção dos seis helicópteros Kamov KA-32A11BC à
empresa "HELIPORTUGAL - Trabalhos, Transporte Aéreo, Representações, Importação e Exportação, S.A."; - contrato este que foi assinado em 22 de maio de 2006; - na sequência da referida resolução foi aberto o procedimento concursal público internacional n.º 4/EMA/2012, cujo anúncio (n.º 2854/2012) foi publicado na data de 16/07/2012, no Diário da República, 2.ª Série, n.º 136; - nesse procedimento concursal, o Lote 1, relativo à aquisição da atividade de
operação e manutenção dos serviços de manutenção e operação das aeronaves médias (seis helicópteros Kamov, modelo KA-32A11 BC), ficou deserto por falta de apresentação de propostas até às 23 horas e 59 minutos do dia 3 de Setembro de 2012, nos termos do artigo 11.º do respetivo Programa do Concurso; - pela resolução do Conselho de Ministros n.º 55-A/2013, de 23/08, publicada em Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23/08, foi autorizada a realização de despesa relativa à celebração de contrato pelo MAI/Autoridade Nacional de Proteção Civil de Aquisição de Serviços de Manutenção e Operação dos Meios Aéreos Próprios Pesados para Missões do Ministério da Administração Interna, bem como o respetivo procedimento de Concurso Público Internacional, no montante máximo de € 51.200.000,00 (cinquenta e um milhões e duzentos mil euros); - delegando-se, nos termos da referida resolução, com faculdade de subdelegação, ao Ministro da Administração Interna, o arguido MB…, a prática de todos os atos necessários ao lançamento e conclusão dos respetivos procedimentos concursais. - por despacho do Ministro da Administração Interna, o arguido MB…, datado de 18 de junho de 2014, foram
aprovadas as peças processuais respetivas, e determinada a abertura do procedimento concursal CPI/2/ANPC/2014; - o anúncio de abertura do procedimento do referido Concurso Público
Internacional (anúncio de Procedimento n.º 3555/2014) foi publicitado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 123, de 30 de Junho de 2014, com Publicidade Internacional no Jornal Oficial da União europeia (JOUE) com a referência CPI/02/ANPC/2014; - nos termos do referido anúncio, as peças processuais (caderno de encargos e programa de concurso) passariam a estar  disponíveis, desde tal data, no serviço da entidade adjudicante, a Autoridade Nacional de Proteção Civil, para consulta dos interessados, sendo disponibilizadas eletronicamente, sem custos, pela plataforma eletrónica VORTAL; - a solicitação dos interessados, o prazo para apresentação das propostas foi sujeito a duas prorrogações publicadas em Diário da República pelos avisos de prorrogação n.º 755/2014 e 761/2014; - por despacho do Presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil de 22 de Dezembro de 2014, na sequência de delegação de competência do Ministro da Administração de Interna no Presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil (despacho n.º 10666/2014, de 05 de Agosto), foi adjudicada a proposta apresentada pela empresa "EVERJETS - Aviação Executiva, S.A."; - em 6 de Março de 2014, cerca de três meses antes da data do anúncio da abertura do procedimento respetivo, estando ainda a decorrer os trabalhos preparatórios do referido Concurso, o arguido MB…, então Ministro da Administração Interna, a partir da caixa de
correio eletrónico institucional m…m…@mai.gov.pt, remeteu por mensagem de correio eletrónico ao arguido JC… o "Caderno de Encargos do Concurso Público Internacional Para Aquisição dos Serviços de Operação, de Gestão da Continuidade da Aeronavegabilidade e de Manutenção dos Meios Aéreos Pesados Próprios Para Missões do Ministério da Administração Interna"; - peça concursal que lhe havia sido enviada pelo Secretário de Estado JA…, o qual, por sua vez, a havia rececionado de FF…, adjunto do Secretário de Estado da Administração Interna, que, à data, considerava o caderno de encargos já fechado, o que, nas suas palavras, "não invalida que se faça uma revisão, para detetar eventuais gralhas e omissões"; - e que, no que respeita ao Concurso n.º 04/EMA/ 2012, na parte relativa ao Lote 1, sofrera ajustamentos por forma a tornar a proposta mais atrativa aos potenciais concorrentes por forma a evitar nova deserção, nomeadamente ao
nível da diminuição de horas de voo; - introduzindo, outrossim, uma alteração quanto ao momento da apresentação do comprovativo da titularidade de certificado para prestação de serviço de gestão de aeronavegabilidade e de titularidade de certificado para prestação de
serviço de operação e manutenção das aeronaves; - o qual deixou de ser requisito da aceitação da proposta para passar a ser mero requisito do ato de consignação das aeronaves; - ajustamentos estes que foram executados pela Autoridade Nacional de Proteção Civil com a colaboração do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna JA…; - o arguido JC… com o conhecimento do arguido MB…, desde pelo menos o ano de 2012 mantinha relações negociais com MA… (CEO do Grupo Espanhol FAASA, que integra as empresas Heliduero, FAASA Chile, Sebastian Almagro Fondation, Corpflight School); - com efeito, em 18 de Maio de 2012, agentes e representantes da "Fitonovo" nomeadamente AM… e JAn…, intermediaram contactos entre o arguido JC… e MA…,
CEO do grupo empresarial FAASA, relativos à atividade de operação e manutenção de helicópteros Kamov; - contactos que precederam temporalmente a abertura do procedimento
concursal 04/EMA/2012, cujo anúncio (n.º 2854/2012) foi publicado, conforme acima referido, em 16 de julho de 2012 no Diário da República, 2.ª Série, n.º 136; - tendo uma empresa do grupo "Fitonovo" – identificando-se como "FITONOVO - Infraestruturas e Meio Ambiente" (firma não correspondente a qualquer sociedade com registo nacional) – intervindo como interessada no âmbito desse procedimento concursal 04/EMA/2012, solicitado esclarecimentos referentes ao
respetivo caderno de encargos; - sendo que, em 4 de setembro de 2013, LL… da "Fitonovo" solicitou ao arguido JC… informações acerca das consequências de um
episódio ocorrido com um helicóptero Kamov - o qual havia caído - para o curso do procedimento concursal 04/EMA/2012; - em 2 de Janeiro de 2013, já após o conhecimento da deserção do lote 1 do Concurso Público Internacional n.º 04/EMA/2012, o arguido JC… remeteu ao arguido MB…, a solicitação deste, uma mensagem de correio eletrónico relativo a uma proposta comercial da FASSA, datada de 20 de Novembro de 2012, e relativa à gestão da frota de helicópteros e disponibilidade de helicópteros de tipo médio; - a referida proposta referia-se a um serviço de disponibilização à EMA, em
reforço da sua frota própria, de dois helicópteros tipo médios com dois motores, a fim de completar a frota da "EMA - Empresa de Meio Aéreos, S.A."; - em 20 de Abril de 2013, MA…, da FAASA, enviou ao arguido JC… uma proposta negocial de disponibilização de uma sexta aeronave Kamov e relativa à manutenção de um conjunto de cinco helicópteros Kamov, propriedade do Governo português (número correspondente às aeronaves Kamov operacionais e propriedade do Estado Português cuja
atividade de manutenção e operação era objeto do referido lote 1); - sendo que, em 5 de agosto de 2013, no âmbito do Procedimento de Ajuste Direto 5723/ANPC/2013 relativo ao Reforço de Meios Aéreos, procedimento aprovado por então Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna FA…, a empresa "FAASA - Aviácion, S.A." foi convidada
pelo Diretor da Unidade de Recursos Tecnológicos da Autoridade Nacional de Proteção Civil, RP…, por encargo direto do Tenente General MC…, atual Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana, então Presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil, para o efeito de apresentar proposta para a contratação de um helicóptero pesado Kamov;
- convite que, no referido contexto, não foi endereçado a qualquer outra empresa, não tendo a "FAASA - Aviácion, S.A." antecedentes conhecidos de contratação com a Autoridade Nacional de Proteção Civil ou a "EMA – Empresa de Meio Aéreos, S.A."; - vindo, todavia, a proposta realizada pela "FAASA - Aviácion, S.A." a ser rejeitada, na sequência de parecer da Coordenadora do Gabinete Jurídico da Autoridade Nacional de Proteção Civil, AC…, aceite pelo Presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil, por decisão do então
Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna FA…, por, entre outros fundamentos, incumprimento do requisito do caderno de encargos relativo à titularidade de certificado de aeronavegabilidade e de manutenção e gestão da mesma; - não tendo a "FAASA - Aviácion, S.A." chegado a apresentar qualquer proposta no âmbito do CPI/02/ANPC/2014. - a referida empresa "FAASA - Aviácion, S.A." viria a ser subcontratada pela
empresa "EVERJETS - Aviação Executiva, S.A.", adjudicatária da prestação de serviços de operação e manutenção dos helicópteros Kamov no concurso de 2014, na execução dos serviços adjudicados de operação, gestão da continuidade da aeronavegabilidade e de manutenção dos meios aéreos pesados para operações do Ministério da Administração Interna, em sede de consignação de meios aéreos; - em 6 de Março de 2014, ao enviar ao arguido JC… o referido caderno de encargos, o arguido MB… tinha conhecimento dos interesses comerciais do Grupo "FAASA - Aviácion, S.A." na matéria em causa. Perante esta factualidade haverá desde logo que concluir que se encontram
preenchidos alguns elementos objetivos do tipo do crime de prevaricação. Com efeito, por Resolução do Conselho de Ministros foi autorizada a realização de despesa relativa à celebração de contrato pelo MAI/Autoridade Nacional de Proteção Civil de Aquisição de Serviços de Manutenção e Operação dos Meios Aéreos Próprios Pesados para Missões do Ministério da Administração Interna, bem como o respetivo procedimento de Concurso Público Internacional, no montante máximo de € 51.200.000,00, delegando-se, nos termos da referida resolução, com faculdade de subdelegação, ao Ministro da Administração Interna, o arguido MB…, a prática de todos os atos necessários ao lançamento e conclusão dos respetivos procedimentos concursais. Assim sendo, o arguido MB… foi incumbido pelo Conselho de Ministros de proceder à aquisição de serviços no valor de € 51.200.000,00. Processo que aliás foi conduzido no âmbito do Ministério da Administração Interna e acompanhado de perto pelo Ministro da Administração Interna. Ora, na pendência deste processo e antes da divulgação da abertura do respetivo
concurso público internacional o arguido MB… deu a conhecer os cadernos de encargos desse concurso ao arguido JC…. O arguido MB…, sendo titular de um cargo político conscientemente conduziu "contra direito um processo em que intervinha no exercício das suas funções". Sem dúvida que este elemento objetivo do tipo se encontra preenchido.
25 - Ficou, ainda, provado que: - o arguido MB… tomou posse como Ministro da Administração Interna em 21 de Junho de 2011, em plena altura crítica para este Ministério, por causa dos incêndios florestais que todos os anos devastam milhares de hectares por todo o país, provocando ainda muitas vezes a perda de vidas e a destruição de todos os bens de muitos; - com a experiência que teve logo neste Verão de 2011, o arguido MB… canalizou de imediato para esta "pasta" uma profunda reflexão acerca dos meios que estavam ao dispor do Estado - e da responsabilidade do Ministério da Administração Interna - e da eficiência e capacidade de resposta dos mesmos;
- desta primeira abordagem ao tema, foi possível concluir que o Estado, para ter a funcionar o dispositivo de meios aéreos de combate a incêndios, estava a pagar um valor potencialmente superior ao custo de mercado, o que se encontrava sustentado em alguns pareceres técnicos que eram do conhecimento do Ministério da Administração Interna, nomeadamente, o estudo de 2010 da consultora Arthur D. Little, segundo o qual o Estado português pagava mais de 35% do custo de mercado; - foi ainda possível aferir que existiam algumas questões de execução contratual
no panorama então vigente com as entidades que detinham quer a operação, quer a manutenção das aeronaves que eram usadas no combate aos incêndios florestais; - Na verdade, uma das questões que neste âmbito logo foi reportada ao arguido foi a de que sérios problemas (e custos) advinham ao Estado português do facto de se encontrarem em mãos distintas a área da operação das aeronaves (que se encontrava a cargo da "EMA - Empresa de Meio Aéreos, S.A.") e a da
manutenção das mesmas (a cargo de empresa particular, a "HELIPORTUGAL - Trabalhos, Transporte Aéreo, Representações, Importação e Exportação, S.A."), na medida em que se levantavam cenários de a adjudicatária poder recusar a responsabilização e o pagamento de problemas de manutenção alegando que estes advinham de problemas na operação; - o que originava ainda problemas relativos aos próprios pilotos e aos atos de pilotagem, pois aqueles eram funcionários da "EMA - Empresa de Meio Aéreos, S.A.", mas pilotavam aeronaves mantidas pela adjudicatária; - em 2011, o país estava mergulhado numa profunda crise económica e
financeira, tanto que tinha recorrido a ajuda externa, através do resgaste do Fundo Monetário Internacional; - nesse sentido, existiam instruções claras do Senhor Primeiro-Ministro de Portugal para que cada Ministério procedesse a uma detalhada revisão dos orçamentos e gastos, para que se reduzissem despesas; - face a esta situação, o arguido MB…, na qualidade de Ministro da Administração Interna, propôs-se introduzir as
medidas possíveis, mas necessárias, para que diminuíssem os custos com os contratos que permitiam o combate a incêndios e para que toda a dinâmica, contratual e institucional, de utilização dos meios aéreos fosse mais eficiente; - diminuição de custos e eficiência que passariam, nomeadamente, por aproveitar os meios empregues ao combate a incêndios para as situações de emergência médica, conjugando sinergias naqueles que eram os meios aéreos ao
dispor dos interesses do Estado português; - foi neste contexto que foi lançado o primeiro concurso público internacional; - através da Resolução foi ainda prevista a extinção da "EMA - Empresa de Meio Aéreos, S.A.", até finais de 2012, bem como a transferência das respetivas
competências quanto à gestão do dispositivo de meios aéreos para a Autoridade Nacional de Proteção Civil; - quando, em 4 de Setembro de 2012, no concurso em referência o Lote 1, relativo aos helicópteros Kamov, que tem precisamente uma importância vital na assistência aos fogos e à emergência médica, foi declarado deserto por falta de apresentação de propostas, o arguido MB… ficou com um problema em mãos; - em consequência, veio a refletir as várias causas que poderiam ter levado àquele desfecho do Concurso n.º 04/EMA-2012, o que o determinou em duas resoluções distintas; - a primeira seria avançar com um estudo estruturante acerca do tipo de contratos que, neste âmbito, o Estado português se vinha vinculando, de forma a aferir se seria possível ao país, através dos programas europeus ou internos, assumir integralmente a propriedade, operação e manutenção das aeronaves de combate aos incêndios florestais, sem dependência direta de empresas particulares que atuassem neste âmbito, e que eram poucas; - sendo, naturalmente, uma resolução que exigia estudos, ponderações e condições de diversa ordem e que, como tal, só se poderia avistar a médio prazo; - logo após o concurso de 2012 ter sido considerado deserto por falta de apresentação de propostas, foi o arguido MB… que determinou por parte do Ministro da Administração Interna um evidente posicionamento no sentido de falar sobre a matéria, de divulgar a oportunidade de um novo concurso, em revelar que as propostas seriam mais atrativas; - neste âmbito, o Ministro da Administração Interna deu instruções claras para
que se procedesse a um levantamento para aferição das razões por que o concurso de 2012 havia ficado deserto; - as instruções emanadas na altura foram dirigidas a diversas entidades,
nomeadamente à própria "EMA - Empresa de Meio Aéreos, S.A.", que ficou oficialmente encarregada de consultar diversos operadores, de forma a identificar os aspetos que haviam impedido a respetiva participação no concurso; - em agosto de 2013, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 55-A/2013 autorizou uma nova despesa para a realização dos mesmos contratos, tendo o arguido assumido a missão de tudo fazer para que este novo concurso não fosse
novamente declarado deserto pelo mesmo motivo, ou seja, por falta de apresentação de propostas; - ao Ministro da Administração Interna foram chegando as conclusões do referido levantamento, referente ao primeiro concurso, constatando o arguido MB… que as mesmas se prendiam, sobretudo, com o facto de o objeto do negócio se apresentar pouco preciso e determinado, o que resultava na sua diminuta atratividade face aos encargos que se exigia terem que ser assumidos pelos adjudicatários; - no mesmo sentido foram as conclusões da própria Força Aérea Portuguesa, que foi convocada pelo arguido MB… para colaborar ativamente, junto do Secretário de Estado da Administração Interna, na elaboração das peças do segundo concurso, através de uma criteriosa
análise, de fundo, das peças do primeiro concurso, para que, a partir daí, se pudessem superar os fatores do seu fracasso; - Mais concretamente, veja-se a mensagem de correio eletrónico elaborado pela Senhora Adjunta do Secretário de Estado da Administração Interna à altura, Senhora Dra. JF…, que sintetizou uma reunião realizada com os elementos da Força Aérea, em 25 de Outubro de 2013, e no qual se destacam como principais comentários da Força Aérea: "1. A Desvantagem comparativa substancial entre a Heliportugal (HP) e terceiros resultante da assimetria de informação quanto ao estado das aeronaves na data de consignação das mesmas pelo Estado que se traduz num risco de difícil quantificação para terceiros na assunção do Contrato objeto do Concurso. Muito embora aos concorrentes seja disponibilizada a documentação relativa às aeronaves no momento do lançamento do Concurso (tal incluindo a informação quanto às ações de manutenção efetuadas), a previsão do estado em que estas se encontrarão à data de consignação das mesmas (i.e., depois de findo o Concurso e adjudicado o Contrato) revela-se particularmente difícil, senão mesmo impossível para um terceiro que não a HP. E isto em resultado, entre outros, por um lado, do tempo decorrido entre a data da última inserção de informação sobre as aeronaves na documentação concursal e a data de consignação das mesmas (v.g., seis meses), por outro, do desconhecimento de terceiros (que não a HP) das missões desempenhadas pelas aeronaves e do desgaste que tal lhes terá introduzido. Atendendo a que as indisponibilidades das aeronaves são geradoras de penalidades, o desconhecimento do estado das aeronaves e das eventuais operações de manutenção que seja necessário efetuar à data de consignação das mesmas gera uma imprevisibilidade muito grande para os concorrentes quanto às penalidades que lhes serão - eventualmente - aplicadas, associando desta forma ao Contrato um risco financeiro muito relevante. Este risco é minimizado para a entidade que, presentemente, desenvolve a manutenção das aeronaves, em resultado da assimetria de conhecimento quanto ao estado, a todo o momento, destas. 2. Desvantagem comparativa substancial entre a Heliportugal (HP) e terceiros no que diz respeito ao pessoal técnico. De acordo com a FA os requisitos e habilitações exigidas, designadamente aos técnicos de manutenção do adjudicatário, não são suscetíveis de obtenção no tempo previsto no Caderno de Encargos (CE). Por outro lado, tais requisitos podem ser demasiado exigentes, na medida em que se encontram desenhados especificamente para os KAMOV do Estado português (não basta uma
certificação em Kamov do modelo idêntico ao do Estado português antes das modificações introduzidas). Tal coloca mais uma vez a entidade que, presentemente, desenvolve a manutenção das aeronaves em posição de vantagem face a terceiros. Propõe-se o redesenhar de tais requisitos com a colaboração do INAC, com vista a minimizar tal desvantagem comparativa. 3. Desvantagem comparativa substancial entre a Heliportugal (HP) e terceiros, por assimetria de informação, no que diz respeito à disponibilidade operacional exigida. Também no que diz respeito à disponibilidade operacional exigida e associada a esta ao regime de penalidades por indisponibilidade, apontou a FA que a ausência de um histórico de indisponibilidade da frota nos últimos anos torna particularmente difícil a um terceiro, que não a HP, aferir se o regime de
disponibilidade e, bem assim, de penalidades por indisponibilidades, é muito exigente e, do ponto de vista financeiro, muito custoso. Torna-se difícil por isso, para um terceiro, aferir também aqui do risco que assumirá com o Contrato. Propõe-se aqui, de forma a minimizar tal desvantagem comparativa, a disponibilização aos concorrentes de tal histórico de indisponibilidades. 4. Regime de penalidades. No que ao regime de penalidades diz respeito, propõe a FA a definição de um regime de aplicação mais simples, sem margem de discricionariedade para o Estado, de forma a reduzir a litigiosidade resultante do respetivo acionamento (o atual modelo prevê a aplicação de uma penalidade "a fixar em função da gravidade do incumprimento, até ao limite máximo de 1% do preço"). Assim, por exemplo, a introdução de uma tabela que faça variar a penalidade em função do tempo do incumprimento relevante"; - Face a este cenário, o que o Ministro da Administração Interna fez no segundo concurso foi, assim, proceder aos retoques necessários para que o concurso surgisse mais apelativo, o que fez tendo em conta as razões objetivas e técnicas que lhe tinham sido reportadas pelas várias entidades (Força Aérea Portuguesa, "EMA - Empresa de Meios Aéreos, S.A.", Autoridade Nacional de Proteção Civil, Instituto Nacional Aviação Civil, entre outras que foram escutadas); - no essencial, do primeiro para o segundo concurso (2012 e 2014, respetivamente) foram estas as alterações de maior significado: a) Dilatação do prazo para certificação legal para manutenção das aeronaves, concretamente de quinze para trinta dias, em resultado de observação feita pelo Instituto Nacional Aviação Civil sobre a dificuldade de certificar uma nova entidade nos termos da legislação aeronáutica em vigor, em razão das especificidades das aeronaves Kamov; b) Gestão de aeronavegabilidade, competência que deveria ficar a cargo do adjudicatário (que acumulava a manutenção com a própria operação), mantendo o Estado (através da Autoridade Nacional de Proteção Civil, em substituição da "EMA - Empresa de Meios Aéreos, S.A.") poderes de supervisão; c) Técnicos de manutenção: se antes se exigia que o Instituto Nacional Aviação Civil verificasse os requisitos mínimos destes técnicos no âmbito do processo de certificação do adjudicatário, passou a entender-se que a avaliação do Instituto Nacional Aviação Civil, de qualificação e certificação, dispensava a autonomização da certificação dos técnicos; o que, naturalmente, agilizou os procedimentos a cargo do Instituto Nacional Aviação Civil; d) Socorro e emergência médica: passou a prever-se a possibilidade de substituição das aeronaves Kamov por outro tipo de aeronave para as missões de socorro e emergência médica, mediante prévia autorização da Autoridade Nacional de Proteção Civil, depois de verificada a capacidade operacional para aquelas missões; e) Preço hora/voo, pois, embora mantendo-se o preço horário a pagar, reduzisse o número de horas contratadas para a duração do contrato (que passou de cinco para quatro anos, de forma a que fosse o mesmo o prazo final dos contratos constituídos em diversos Lotes no concurso de 2012); e, f) Penalidades: em algumas situações foi reduzida a margem de discricionariedade do Estado na aplicação de penalidades, bem como foi estabelecido o valor máximo daquelas. - a realidade é que o arguido MB… não enviou a mensagem de correio eletrónico com a intenção de beneficiar o arguido JC… ou qualquer empresa, mas apenas para que este, que se tinha disponibilizado a seu pedido para poder expor o assunto a um operador de aeronaves Kamov (como há poucos no mercado), ficasse com ideia do que se tratava no concurso; - o arguido MB… aproveitou o facto de o arguido JC… conhecer o responsável da empresa em causa, a "FAASA - Aviácion, S.A.", mas se fosse outra qualquer empresa que aquele conhecesse, faria o mesmo; - ou se fosse outra pessoa, para além do arguido JC…, a mostrar-se recetivo a esta abordagem, também o faria; - o que o arguido MB… queria mesmo era divulgar o concurso e sensibilizar potenciais concorrentes – quaisquer concorrentes -, enfatizando que o novo concurso estava mais atrativo, embora mantendo a matriz do primeiro; - sendo que o envio da mensagem de correio eletrónico com o caderno de encargos se deveu ao facto de o arguido JC… ter pedido alguma referência quanto ao que estava em causa, de forma a melhor poder abordar a questão com a empresa "FAASA – Aviácion, S.A."; - o destino do caderno de encargos não era a própria "FAASA - Aviácion, S.A."; - o CPI/01/ ANPC/2014 foi um concurso público internacional que teve a montante uma divulgação bastante abrangente, como se viu, e que encontrou a jusante um júri independente constituído por representantes indicados pela Autoridade Nacional de Proteção Civil e pelo Instituto Nacional Aviação Civil, tendo sido presidido pelo Senhor Professor JFe…, da Universidade Nova, especialista em Direito Administrativo e que havia já integrado o júri do primeiro concurso, realizado em 2012, então como primeiro vogal efetivo, a quem cabia também substituir o então Presidente do Júri, o Senhor Dr. AF…, designado pelo Procurador-Geral da República a solicitação do arguido MB…. Em face desta factualidade, não se pode afirmar que o comportamento do arguido integrou o elemento subjetivo do crime de prevaricação. Na verdade, não se provou que, ao divulgar a terceiro o caderno de encargos de um concurso internacional ainda por abrir, o arguido MB… tenha tido "intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém”.
26 - Ficou provado que o arguido MB… agiu com intenção de salvaguarda do interesse público, para evitar que o concurso público ficasse de novo deserto e ficassem indisponíveis os helicópteros Kamov para o combate a incêndios.
27 - Tendo em conta que os possíveis interessados na operação de helicópteros Kamov são poucos e sendo a "FAASA - Aviácion, S.A." uma das empresas com capacidade de operar este tipo de aeronaves seria natural que se tentasse que a mesma apresentasse uma proposta no concurso internacional.
28 - E, por outro lado, atento o critério de adjudicação fixado (preço mais baixo) seria difícil beneficiar ou prejudicar alguém com a simples divulgação do caderno de encargos. Pelo que, se deverá concluir que o comportamento do arguido MB… não integrou os elementos do tipo subjetivo do crime de prevaricação relativo aos factos descritos no ponto F-4.
29 - De acordo com o disposto no contrato celebrado entre o Estado e a Heliportugal, as formas de pôr cobro ao mesmo eram: resolução por parte do Estado Português, face a um incumprimento grave e reiterado da Heliportugal (cf n.º 2 da cláusula 18.ª e cláusula 39.ª) denúncia, por parte da entidade contratante, independentemente de qualquer incumprimento, depois de decorridos cinco anos da entrega da primeira aeronave (cfr. n.º 3 da cláusula 18.ª); resolução por parte da Heliportugal, de acordo e nas condições previstas na cláusula 38.ª; casos de força maior, de acordo com o disposto na cláusula 40.ª.
30 - Da acusação consta que o A. foi acusado dos seguintes crimes:
- 3 (três) crimes de prevaricação;
- 1 (um) crime de tráfico de influência.
 31 - O concurso admitia enquanto concorrentes empresas não certificadas (artigos 84 a 86 da Petição Inicial; pontos 1992 a 1994 do documento n.º 1 junto pelo R. no seu requerimento datado de 17.05.2018; documento n.º 2 junto pelo Réu no seu requerimento datado de 17.05.2018; documento n.º 3 também junto nesse requerimento, em concreto cláusula 9.ª do Caderno de Encargos do Concurso Público Internacional CPI/02/ANPC/2014; Contrato de Aquisição dos
Serviços de Operação, de Gestão da Continuidade da Aeronavegabilidade e de Manutenção dos Meios Aéreos Pesados Próprios para Missões do Ministério da Administração Interna - cláusulas 9.ª, 12.ª, 13.ª e 14.ª).
32 - A empresa que ganhou o concurso não era certificada (documento n.º 4 - cláusula 14.ª do mesmo - junto pelo R. com o seu requerimento datado de 17.05.2018; documento n.º 5 também junto com aquele requerimento, que corresponde a uma certidão emitida pela ANAC em 16.06.2015, relativamente ao Manual de Organização e Manutenção, que só nessa data foi aprovado).
33 – JG… era ex-sócio do A. (certidão permanente da empresa “JMF - Projects & Business, Lda.” junta através do requerimento do R. datado de 17.05.2018) - doc. 6 junto com aquele requerimento).
34 - A empresa Everjets só passou a ter certificação para as aeronaves Kamov a partir de 25.05.2015 (certidão da ANAC junta aos autos por ofício em 09.11.2018).
35 - Foi dado como provado no acórdão proferido no âmbito do processo n.º …/… JFLSB que “a referida empresa “FAASA - Aviación, S.A.” viria a ser subcontratada pela empresa “EVERJETS - Aviação Executiva, S.A.”, adjudicatária da prestação de serviços de operação e manutenção dos helicópteros Kamov no concurso de 2014, na execução dos serviços adjudicados de operação, gestão de continuidade da aeronavegabilidade e de manutenção dos meios aéreos
pesados para operações do Ministério da Administração Interna, em sede de consignação de meios” (cf. p. 2385 do acórdão).
36 - O Estado outorgou documento em que, assinaladamente, se lê: “A reparação das não conformidades referidas no ponto anterior será suportada pela ANPC e executada pela Everjets, cabendo a esta apresentar previamente o orçamento para a execução daquele serviço”.
37 - Nos termos do doc. 15 junto pelo R. em 17-5-2019, conforme fls. 235 verso, a “Everjets” emitiu fatura à “Autoridade Nacional de Proteção Civil” no montante de € 2 546 100, 00, constando o montante aposto na mesma como pago, nos termos do doc. 16 junto na mesma data, a fls. 236.
38 - A “Everjets” apresentou proposta pelo preço mais baixo.
39 - O computador do A. não foi alvo de buscas, nem apreendido.
40 - No momento da cessação do contrato com a Heliportugal, das cinco aeronaves, três estavam a voar, uma estava no circuito de manutenção e a outra estacionada no aeroporto de Faro, a carecer de reparação.
41 - Após a execução de trabalhos nas aeronaves continuaram três a voar e duas
inoperacionais.
42 - A “Everjets” nunca tinha voado com um Kamov, não tinha piloto, copiloto, nem mecânico, tendo apenas um Robinson 22.
43 - A “Everjets” omitiu vistoria às aeronaves prevista no caderno de encargos do concurso.
44 - Previamente às notícias transmitidas nos meios de comunicação social e aos processos crime em que o A. foi visado, este gozava de consideração e apreço sociais, de boa imagem e de bom nome.
45 - As entrevistas do R. ao jornal “Expresso” concorreram para que o A. passasse a ser conotado com uma figura ligada à corrupção em Portugal, que usurpou das suas funções de ministro para fins ilícitos.
46 - As entrevistas do R. ao jornal “Expresso” concorreram para a deterioração da qualidade do sono do A., para a sua irritação, ansiedade, dificuldade de concentração e desgosto.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1.) O computador do A. tenha sido alvo de buscas e apreendido, provando-se, ao invés, que o não foi;
2.) Previamente às declarações do R. o A. gozasse de reconhecida consideração social, de imagem apegada a valores de credibilidade e honestidade, de apreço social, de bom nome e de bom pai de família, mas, de forma menos laudatória, conforme consta dos factos assentes, conforme infra se explanará;
3.) Por força das declarações do R. o A. passasse a ser conotado com uma das figuras ligadas à corrupção em Portugal que usurpou as suas funções de ministro para enriquecer ilegitimamente, mas conforme consta dos factos assentes;
4.) Por força das declarações do R. o A. tivesse deixado de dormir e tivesse desenvolvido estados de irritação, ansiedade, dificuldade, de concentração e de desgosto, mas conforme consta dos factos assentes.
2.3. O DIREITO
Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada[7], importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[8].          
1.) SABER SE DECLARAÇÕES DO RÉU NAS ENTREVISTAS POR ESTE CONCEDIDAS AO JORNAL “EXPRESSO”, FORAM OFENSIVAS DA CREDIBILIDADE, PRESTÍGIO, HONRA, NOME, REPUTAÇÃO E IMAGEM DO AUTOR, E CASO EXISTA CULPA DO RÉU E DANOS POR AQUELE SOFRIDOS, DETERMINAR A OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR POR RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
Tutela geral da personalidade
A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral – art. 70.º, do CCivil.
Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa cometida – n.º 2, do art. 70.º, do CCivil.
Por outro lado, e conquanto o nº 2 se refira aos direitos de personalidade, deve ser considerado como simples aplicação de um princípio geral, extensivo à proteção dos direitos absolutos ou bens protegidos juridicamente erga omnes, pois a ratio é a mesma[9].
Poderemos definir positivamente o bem de personalidade humana juscivilisticamente tutelado como o real e potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientamente integrado[10].
Chamamos direitos de personalidade aos direitos que concedem ao seu sujeito um domínio sobre uma parte da sua própria esfera de personalidade. Com este nome, eles caracterizam-se como "direitos sobre a própria pessoa" distinguindo-se com isso, através da referência à especialidade do seu objeto, de todos os outros direitos.  
O direito de personalidade é um direito subjetivo e deve ser observado por todos. Ficam pois, abrangidos direitos que recaem sobre bens personalíssimos, como o direito à vida, à integridade física, à imagem ou ao nome[11].
Não existe uma fronteira nítida entre a integridade física e a integridade psíquica, como bens da personalidade a defender, e muitas vezes as ameaças a agressões atingem quer o físico, quer o psíquico (ou atingem um através do outro) [12].
É o homem, enquanto pessoa, que constitui o fundamento da tutela do art. 70º CC, de acordo com o previsto pelo art. 1º CRP que baseia a República Portuguesas na «dignidade da pessoa humana»[13].
O valor pessoal de cada homem constituído ao longo da vida por tudo aquilo que fez ao ser recebido pela sociedade representa a sua honra.
A honra juscivilisticamente tutelada abrange desde logo a projeção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente a todos os seres humanos, insuscetível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância.
A honra constitui uma base para juízos éticos dos seus semelhantes, juízos esses que se repercutem na autoestima de cada um. No seu conjunto, tudo isto dá corpo à integridade moral, formalmente referida no art. 70º/1[14].
Há que distinguir no conceito genérico de honra a reputação ou consideração (honra exterior) que corresponde ao juízo que a opinião pública forma da conduta de cada pessoa (v.g., honrado é quem cumpre os seus deveres morais, cívicos e profissionais), e a estima (honra interior) que corresponde ao sentimento de dignidade que cada pessoa merce de si mesma (honra strito sensu) [15].
A honra é algo que se tem (conceito objetivo) ou que se sente (conceito subjetivo) que faz parte da dignidade da pessoa[16].
Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes de unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político[17].
A honra está referida diretamente ao trato dado ou recebido pelos outros, e a reputação é o rumor, a voz pública, renome que está relacionado com o eco que a pessoa produz na opinião pública[18].
Na proteção da honra tem-se também em conta o valor que cada um atribui a si próprio, a autoavaliação no sentido de não ser um valor negativo, especialmente do ponto de vista moral[19].
O bom-nome vem tutelado no art. 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e arts. 70.º, n.º 1, e 484.º, ambos do Código Civil.
O direito ao bom nome e reputação consiste essencialmente no direito de não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa[20]
O que está em causa é a proteção da dignidade do individuo enquanto fim em si mesmo, num contexto social caracterizado por relações simétricas de reconhecimento. O respeito pelo bom nome e pela reputação andam intimamente associados à dignidade e à honra pessoais, enquanto projeções do reconhecimento moral que devemos uns aos outros[21].
A esta luz, dever-se-ão considerar difamatórios, em princípio, os conteúdos expressivos destinados a expor o bom nome e a reputação de uma pessoa ao ódio, ao ridículo e ao desrespeito, de forma degradá-lo diante do público, por referência à linha de base de igual dignidade e liberdade em
que o mesmo se deve encontrar[22].
A perda da honra resulta da perda do respeito que a pessoa tem por si própria (ao nível pessoal) e/ou da perda da consideração que a comunidade tem pela pessoa (ao nível social) [23].
Assim, não basta que o visado se manifeste incomodado, magoado, agastado ou embaraçado com certas imputações para poder contar com a proteção do direito em presença[24].
Tendo ocorrido uma ofensa ilícita, a lei admite que possa, além das providências adequadas à situação, haver lugar à responsabilidade civil caso se verifiquem os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos, designadamente a culpa e a existência de um dano (art. 70º, nº 2, em ligação com o art. 483º, do CCivil) ou os pressupostos da responsabilidade pelo risco, ou seja, a concretização do risco e a existência de um dano (art. 70º, nº 2, em ligação com o art. 499º do citado diploma).
Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger direitos alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação – art. 483.º, do CCivil.
Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados – art. 484.º, do CCivil.
Convirá ainda salientar que o art. 484.º parece ser em rigor dispensável, uma vez que o art. 483.º já prevê a violação de direitos subjetivos como categoria de ilicitude, e é manifesta a existência de um direito subjetivo ao bom-nome e reputação (art. 26.º, n.º 1, da CRPortuguesa), e à intimidade da vida privada e familiar. Não se vê, assim, utilidade na previsão desta situação como Tatbestand delitual específico[25],[26].
A ofensa prevista no art. 484.º, mais não é que um caso especial de facto antijurídico definido no artigo precedente que, por isso, se deve ter por subordinada ao princípio geral consignado nesse artigo 483.º, não só quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, mas também à culpabilidade[27].
A afirmação ou difusão de factos falsos é sempre proibida, pelo que o agente que com dolo ou negligência adote esse comportamento responderá por todos os danos causados ao visado. Quanto aos verdadeiros, a sua divulgação poderá ser admitida, mas desde que tal se efetue para assegurar um interesse público legítimo[28].
Liberdade de expressão e de informação
Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações – n.º 1, do art. 37.º, da CRPortuguesa.
A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos – n.º 4, do art. 37.º, da CRPortuguesa.
Neste artigo 37º, estão reconhecidos dois direitos (ou melhor: dois conjuntos de direitos) distintos, embora concorrentes: o direito de expressão do pensamento e o direito de informação[29].
O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental de todos os seres humanos, estendendo-se igualmente às pessoas coletivas[30].
Deve sublinhar-se a dupla dimensão deste direito. A dimensão substantiva compreende a atividade de pensar, formar a própria opinião e exterioriza-la. A dimensão instrumental, traduz a possibilidade de utilizar os mais diversos meios adequados à divulgação do pensamento[31].
A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento.
Subjacente ao direito à liberdade de expressão está um princípio fundamental de subjetividade e autonomia da valoração, assente na observação histórica de que as pretensas valorações objetivas se reconduzem, em muitos casos, à subjetividade dos mais poderosos[32].
A liberdade de expressão não cobre apenas a razão pública ou a razão comunicativa, mas também a emoção pública e a emoção comunicativa. As palavras, mesmo as palavras ofensivas, constituem um barómetro dos sentimentos, e, como tais, têm uma importância substancial como expressão[33].
Um entendimento amplo da liberdade de expressão está naturalmente aberto à pluralidade de conteúdos, de formas e de motivações[34].
Em termos genéricos, poder-se-á dizer que a liberdade de expressão lato sensu se compõe de três elementos básicos:
- A liberdade de expressar a opinião – que consiste na
difusão de ideias ou pensamentos produto de uma combinação do substrato ideológico e interpretação da realidade; o direito de não ser impedido de exprimir-se.
- A liberdade à expressão e o direito de acesso aos meios de expressão/informação – que se desdobra no sentido de obtenção de informação e na apreciação do que usualmente se entende por opinião pública sobre uma questão concreta.
- A liberdade ideológica ou de pensamento – prévia às outras liberdades, constitui um núcleo substancial do qual deriva a possibilidade da formação das ideias e pensamentos próprios do indivíduo ou grupos sociais[35].
Todavia, não estamos em presença de um direito absoluto, pois a lei ordinária pode restringi-la nos casos expressamente previstos na Constituição, limitando-a ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 37º, n.º 3, da CRPortuguesa).
E entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais concretamente o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos.
Do n.º 3 conclui-se, porém, que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, cuja infração pode conduzir à punição criminal ou administrativa. Esses limites visam salvaguardar os direitos e interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de proteção, inclusive, penal. Entre eles estarão designadamente os direitos dos cidadãos à sua integridade moral, ao bom nome e reputação (art.º 26.º)[36].
As fórmulas «ideias», «opiniões», «pensamentos» são apenas algumas expressões semânticas do conteúdo da liberdade de expressão. O âmbito normativo desta liberdade deve ser o mais extenso possível de modo a englobar opiniões, ideias, pontos de vista, convicções, críticas, tomadas de posição, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto (questões politicas, económicas, gastronómicas, astrológicas), e quaisquer que sejam as finalidades (influência da opinião pública, fins comerciais) e os critérios de valoração (verdade, justiça, beleza, racionais, emocionais, cognitivos, etc.)[37].
A liberdade de expressão não pressupõe sequer um dever de verdade perante os factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos[38].
Quer dizer, a divulgação de notícias falsas atentatórias do bom nome, da reputação, da honra ou da vida privada de outrem será levada em linha de conta no momento do juízo de ponderação em caso de colisão com outros direitos[39].
Além da proteção de conteúdo, o programa normativo do preceito alarga-se à proteção dos meios de expressão (palavra, imagem ou qualquer meio). A abertura constitucional - «qualquer outro meio» - permite concluir sem dificuldades as novas fórmulas de expressão como «blogs», «chats», «protestos eletrónicos» e os vários estilos (satíricos, irónicos, agressivos, retóricos, etc.)[40].
Direito de liberdade de expressão no direito internacional
O direito de liberdade de expressão e de informação goza ainda de reconhecimento no Direito Internacional, como é o caso dos artigos 18.º[41] e 19.º[42] da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e art. 10.º/1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), e no âmbito da lei ordinária (art.º 22.º, alínea a), da Lei n.º 2/99, de 13/01 – Lei de Imprensa).
Também a CDFUE (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) consagra no seu art. 11.º a liberdade de expressão e de informação, prescrevendo que “Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras”.
O Estado Português aderiu à Convenção Europeia dos Direitos Humanos (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro) e declarou, para os efeitos previstos no seu art.º 46.º (reconhecimento, pela Parte Contratante, da obrigatoriedade da jurisdição do TEDH para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção), reconhecer como obrigatória a jurisdição daquele tribunal para todos os assuntos relativos à interpretação e aplicação da Convenção (aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros - Direcção-Geral dos Negócios Políticos, publicado no D.R., II série, de 06.02.1979).
A CEDH vigora na ordem jurídica portuguesa desde 1978 e goza (pelo menos) de força supralegal prevalecendo sobre as leis ordinárias, por força do artigo 8º, n.º 2 da CRP. Por esta razão, as instâncias nacionais dos Estados Contratantes são a primeira instância de aplicação da CEDH, como decorre do seu artigo 13º. Consequentemente, preceitua o artigo 35º da CEDH que só uma vez esgotadas todas as vias de recurso internas, poderá o Tribunal de Estrasburgo intervir[43].
Mas é no âmbito da aplicação do art.º 10.º/1 da Convenção para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) que o conteúdo e limites ao exercício do direito de expressão tem assumido maior relevância, desde logo pela interpretação que dele é feita pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia – art.º 10º, nº 1, da CEDH.
O exercício desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicia – art.º 10º, nº 2, da CEDH.
Esta disposição é um pilar fundamental da constituição europeia da comunicação. A evolução posterior do direito europeu neste domínio tem-se baseado na densificação do direito à liberdade de expressão e na sua aplicação às tecnologias de rádio e de televisão, de um modo não alheio às mudanças das perspetivas político-económicas dominantes[44].
A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa»[45],[46].
O TEDH reafirmou esta orientação, relembrando “os princípios fundamentais que decorrem da sua jurisprudência relativa ao artigo 10.º”[47],[48].
A propósito do entendimento assumido pelo THDH, negando, à partida, que um outro bem ou interesse goze de um peso superior ao da liberdade de expressão, são graves, porque levam a que Portugal … seja dos países pertencentes ao Conselho Europeu que revela possuir um dos padrões mais baixos de tutela jurisdicional das liberdades de expressão, de informação e de imprensa, na medida em que o Estado Português foi condenado nas oito das dez queixas apresentadas nessa matéria junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Por outras palavras, os tribunais portugueses não têm feito prevalecer, como deviam, os interesses da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa sobre os bens e interesses a que dão primazia (habitualmente, a honra, o bom nome ou a vida privada). Justamente condenado, por desconhecer a importância da liberdade de expressão, resultando esse padrão tanto da jurisprudência ordinária como da jurisprudência constitucional[49].
O TEDH, na esteira, aliás, de jurisprudência abundante, onde se contam várias decisões condenando o Estado Português, considerou que, estando em causa a liberdade de expressão em matéria científica e portanto, em matéria de relevante interesse público, a liberdade de expressão goza de uma ampla latitude, só se justificando uma ingerência restritiva do Estado, mesmo por meio dos tribunais, desde que a restrição constitua uma providência necessária, numa sociedade democrática, entre outros objetivos, para garantir a proteção da honra ou dos direitos de outrem, em conformidade com o n.º 2 do art. 10.º da Convenção, sendo que essa exceção tem de corresponder a uma “necessidade social imperiosa”[50].
A liberdade de opinião goza de uma proteção quase absoluta, no sentido de serem inaplicáveis as possíveis restrições permitidas pelo § 2º do citado art.10º, por se revelarem incompatíveis com a sociedade democrática, sendo que tal proteção impede os Estados de discriminarem cidadãos com base nas suas opiniões, não podendo os mesmos sofrer
consequências negativas em virtude delas[51].
Porém, certo é que a dita interpretação não tem o valor de uma norma jurídica, nem é atribuída ao Tribunal europeu dos Direitos do Homem a prerrogativa de proceder a uma interpretação autêntica das normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem[52].
Jurisprudência do tribunal europeu dos direitos humanos (TEDH)
O TEDH foi já várias vezes chamado a apreciar decisões dos tribunais portugueses, em que estes emitiram condenações por alegadas violações do direito à honra mediante uso abusivo da liberdade de expressão, onde estava em causa a eventual violação do art. 10.º da Convenção.
Nessas decisões, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reiterou o seu entendimento, expresso em anteriores acórdãos, de que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sob reserva do n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a exceções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa». Os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para determinar se existe uma tal necessidade, mas esta margem anda de par com um controlo europeu que incide tanto na lei como nas decisões que a aplicam, mesmo quando estas emanam de uma jurisdição independente”[53],[54],[55].
Qualquer condenação judicial, seja de natureza cível, seja de natureza criminal, constitui ingerência no direito à liberdade de expressão, se for baseada em atuação ocorrida no exercício dessa liberdade[56].
A questão é saber se tal ingerência é necessária, numa sociedade democrática, para, no caso, se proteger a honra da pessoa visada pela referida atuação.
No exercício do seu poder de controlo, o Tribunal aprecia a ingerência litigiosa à luz do caso no seu conjunto, atendendo ao conteúdo das afirmações imputadas ao requerente e ao contexto em que foram proferidas. Incumbe-lhe, em particular, determinar se a restrição à liberdade de expressão dos requerentes era «proporcional ao fim legítimo prosseguido» e se as razões apresentadas pelas jurisdições portuguesas para a justificar eram «pertinentes e suficientes»[57].
O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental, constituindo condição essencial da promoção e expressão da autonomia individual, pressuposto da dignidade da pessoa humana, na sua dimensão de ser relacional, inserido numa sociedade hipercomplexa em que a comunicação constitui um impulso vital, de tal forma que, segundo alguma doutrina, e partindo da ideia de que o direito à liberdade de expressão compreende hoje um conjunto de direitos fundamentais que se reconduzem à categoria genérica de liberdades comunicativas ou liberdades da comunicação, denominável de liberdade de expressão em sentido amplo ou liberdade de comunicação[58].
Necessário é construir as liberdades de comunicação com um âmbito de proteção alargado, fincando a ideia de que a liberdade é a regra e a restrição é a exceção[59].
Assim, nessa visão das coisas, um determinado conteúdo expressivo só deixará de ser protegido se se demonstrar, e na medida em que ficar demonstrado, que o mesmo atenta de forma desproporcionada contra direitos e interesses constitucionalmente protegidos[60].
A eficácia justificadora da liberdade de expressão perde razão de ser quando se exercite em relação a condutas privadas carentes de interesse público, e cuja difusão e juízo públicos são desnecessários para a formação da opinião pública em atenção à qual se reconhece a sua importância[61].
Em síntese, “a liberdade de expressão em sentido amplo pretende desbloquear os canais da comunicação em todos os domínios da vida social, em nome da autonomia individual e coletiva, da voluntariedade da interação social e da descentralização da autoridade até à unidade mais pequena com capacidade de decisão: o indivíduo” [62].
Conflito entre direitos constitucionais fundamentais
Importa saber como conjugar, em caso de conflito, estes dois direitos fundamentais: liberdade de expressão e o direito à honra, ao bom-nome e à reputação social.
A liberdade de expressão e o direito à informação constituem direitos fundamentais, neste sentido podendo ser convocados os princípios plasmados no art. 19.º da DUDH, de 10-12-1948, e no art. 100.º, n.º 1, da CEDH, de 04-11-1950, integrados no direito interno ex vi do art. 8.º da CRP, gozando de consagração constitucional nos arts. 37.º, n.ºs 1 e 2, e 38.º, n.ºs 1 e 2[63].
Quer a Constituição, quer as leis ordinárias mencionadas, não estabelecem, neste domínio, qualquer regime especial relativamente à ilicitude em matéria civil e, naturalmente, à respetiva obrigação de indemnizar, quando ocorrer, por responsabilidade civil extracontratual, limitando-se a remeter, expressa ou tacitamente, para os princípios gerais e normas do Código Civil (arts. 37º, nº 4, da Constituição e, 24º, da Lei da Imprensa)[64].
Havendo direitos em colisão com a liberdade de expressão só podem prevalecer sobre esta na medida em que a própria Constituição os acolha e valorize[65].
Como referimos, está também constitucionalmente garantido o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, o direito a imagem e a reserva da vida privada e familiar – art. 26º, n.°1, da CRPortuguesa.
Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes, como flui do n.º 1 do art.º 335.º, do CCivil, sendo que se os direitos foram desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior (seu n.º2), afirmação normativa que comporta a ideia de limites ao próprio exercício do direito, que, “uma vez ultrapassados, conduzirá o agente para o campo da ilicitude”[66].
Os direitos (e as liberdades) de expressão e informação, constitucionalmente consagrados, encontram-se em igual valência normativa com outros direitos, com o direito fundamental à honra[67].
A liberdade de expressão e a honra conformam dois direitos fundamentais, que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional[68].
À luz da Constituição, a liberdade de expressão e a honra têm o mesmo valor jurídico, inviabilizando-se qualquer princípio de hierarquia abstrata entre si[69].
Sendo os direitos de liberdade de informação (no caso, de expressão) e à honra e ao bom nome, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se a harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais[70]
Nesta conflitualidade, sendo embora os dois direitos de igual hierarquia constitucional, é indiscutível que o direito de liberdade de expressão e informação, pelas restrições e limites a que está sujeito, não pode, ao menos em princípio, atentar contra o bom nome e reputação de outrem, sem prejuízo, porém, de em certos casos, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e todo o circunstancialismo concorrente, tal direito poder prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação[71].
O critério normativo que deve presidir à ponderação em caso de conflito entre liberdade de expressão e o direito à honra, bom-nome e reputação, é o da adequação da informação
ao cumprimento do fim (interesse público) de informar[72].
Tem-se admitido que, em casos especiais, pode dar-se prevalência ao direito de liberdade de imprensa (expressão) em detrimento do direito de personalidade, mas, para que se imponha tal solução há que submeter o conflito concreto ao crivo de três critérios de análise: o critério da verdade, o critério do interesse público e o critério da personalidade e adequação[73].  
Se é certo que a Constituição não traça uma hierarquia dos direitos fundamentais, não se pode ignorar que a CEDH confere primazia à liberdade de expressão, em detrimento do direito à honra e ao bom nome[74].
Com efeito, este último direito fundamental não goza de uma proteção autónoma na Convenção, sendo apenas considerado como uma das exceções ao conteúdo e ao exercício da liberdade de expressão. Isto é, a liberdade de expressão será em regra tutelada, só podendo ser derrogada em casos excecionais, nomeadamente para a “proteção da honra”, uma vez verificados os pressupostos do transcrito art.º 10.º n.º 2 da CEDH. Essa escolha tendencial deverá ser levada em consideração pelos tribunais portugueses, por força do art. 8.º n.º 2 da CRP[75].
Os valores cívicos e morais do respeito e da boa educação, podem ditar que os cidadãos apenas façam da palavra um uso ponderado e cordial. Contudo, a pluralidade de personalidades e de idiossincrasias exigem que o Direito proteja também os discursos mais vivos, aberrantes e ofensivos. No limite, as ideias que chocam ou provocam a coletividade, incentivam os demais a ripostar e a entrar no debate público, contribuindo para um maior esclarecimento de todos. Quanto à veracidade dos factos discutidos publicamente, do mesmo modo que não se pede a um cientista que este obtenha resultados sem conduzir experiências, não se pode exigir aos cidadãos que estes cheguem à verdade sem trocarem informações falsas ou discutindo pontos de vista peregrinos. Nessa medida, quando estejam em causa assuntos que interessam à coletividade, a liberdade de expressão é "uma liberdade de ofender" (e de chocar) que só termina perante ofensas gritantes à honra e ao bom nome. Para se chegar a esta conclusão e harmonizar os direitos aqui em colisão é preciso compreender que a liberdade de expressão não tutela apenas o direito de um sujeito isolado em expressar o seu pensamento: satisfaz também o direito da coletividade em ter acesso a todo o tipo de informações. Por isso, ensaiámos aqui que o conceito constitucional de "informação" deve ser o mais amplo possível, de modo a abarcar todos os dados ou conhecimentos que satisfaçam os bens jurídicos tutelados pela liberdade de expressão e de informação[76].
Dispõe o artigo 203º da CRP que os tribunais apenas
estão sujeitos à lei, vigorando entre nós um sistema jurídico de matriz romano-germânica em oposição à regra do precedente obrigatório. Sob esse prisma, os precedentes instituídos pelo TEDH não vinculam diretamente as instâncias nacionais, excetuando os litígios em que o Estado Português seja parte, por força do artigo 46º, nº 1, da CEDH, o que se traduz na possibilidade de revisão de sentenças nacionais conforme dispõe o artigo 449º, nº 1, alínea g), do CPP. Contudo, a jurisprudência sedimentada do TEDH vincula indiretamente os tribunais portugueses na aplicação das normas que afetem os direitos humanos consignados na Convenção. Apesar da jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo não ser uma fonte de direito, é, pelo menos, um desenvolvimento jurisprudencial privilegiado do direito vivo consignado na Convenção[77].
A jurisprudência do TEDH, aponta para uma menor esfera de proteção da honra e consideração de figuras públicas, face à de simples particulares, assim como quando estejam em causa assuntos de interesse público ou geral.    
O TEDH sedimentou nas suas decisões alguns dos seguintes critérios gerais de resolução do conflito (ou linhas normativas de decisão generalizáveis):
1. A liberdade de expressão abarca tanto as “informações ou ideias favoráveis, inofensivas ou indiferentes como aquelas que chocam, inquietam ou ofendem” e que “contestam a ordem estabelecida”, pois é justamente nesses casos que “é mais preciosa”[78].
2. As “formalidades, condições, restrições, sanções” à luz do 10º, nº 2 devem ser objeto de uma “interpretação restritiva”, só podendo ter lugar quando exista uma “necessidade social imperiosa”.
3.Essas restrições devem ser “pertinentes”, “suficientes” e “proporcionais ao fim legitimo prosseguido”, pois há “pouco espaço para as restrições à liberdade de expressão nas questões políticas e de interesse geral”.
4.Numa sociedade democrática todas as instituições e personalidades que ocupem uma posição de poder, i.e., sejam “atores da vida pública” devem prestar contas à população, incluindo o poder judicial.
5.”Os limites da crítica admissível” são mais amplos no caso de “atores da vida pública” do que em relação “a um simples particular”. Sendo que dentro desse leque, os políticos são os “devem ser mais tolerantes às críticas violentas” ou “insultuosas”.
6.A liberdade de imprensa permite que os jornalistas possam divulgar “citações [de terceiros] que possam insultar ou provocar terceiros ou lesar a sua reputação" como corolário do “papel da imprensa em fornecer informação sobre eventos atuais, opiniões ou ideias". Exige-se, contudo, um distanciamento, ou seja, que "fique claro que as notícias representam apenas a reprodução das alegações" de um dado terceiro.
7.  Não se exige aos cidadãos ou aos media que corroborem factos injuriosas  com o mesmo grau de certeza que o poder judicial, i.e., "em pé de igualdade com o do processo criminal", mas apenas que "a base factual seja sólida"[79].
A prevalência tendencial da liberdade de expressão em detrimento da honra e bom nome dos sujeitos que se encontram no poder (político, económico ou social), atento o interesse público na discussão e no escrutínio dos seus atos, se não decorria já dos limites imanentes destes direitos, resulta cabalmente da CEDH e da sedimentação da sua aplicação pelo TEDH[80].
Acrescem considerações pacíficas, como a de que as meras opiniões ou juízos de valor são alvo de menor sindicabilidade do que a imputação de factos (decorre do art.º 484.º, do CCivil, que só há responsabilidade na afirmação ou difusão de “um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva”).
Restrição de previsão que é reiterada no tipo de crime do art. 187.º, do CPenal, atinente à ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva[81], reservando-se àqueles maior margem de manobra do que à imputação de factos, na medida em que os juízos de valor “decorrem de uma apreciação subjetiva ineliminável, de um elemento de tomada de posição, de reação ideológica, emocional, moral ou estética, ao passo que as imputações de facto ou são verdadeiras ou falsas, surgindo naturalmente como carecidas de prova”[82].
Os juízos de valor ou meras opiniões, enquanto manifestações do subjetivismo do respetivo autor, cuja validade ou verosimilhança serão livremente avaliáveis por cada um, estarão particularmente legitimados enquanto objeto do direito fundamental à liberdade de expressão. No seu confronto com a honra, bom nome e consideração de outrem, os juízos de valor que os atinjam serão admissíveis se se alicerçarem numa “base de facto razoável” e se reportarem a algum assunto de interesse legítimo, não competindo aos tribunais ajuizar se uma opinião é “justa”, “ponderada”, “razoável” ou “grosseira”, pois esse juízo caberá a toda a coletividade. Ao público cabe a tarefa de julgar “não só o que se disse mas também – e quantas vezes des/favoravelmente – o como se disse”[83],[84].
Perante uma orientação jurisprudencial estabilizada junto do TEDH, os tribunais portugueses não poderão deixar de se influenciar pelo paradigma europeu dos direitos humanos[85].
Responsabilidade por ofensa ao bom nome ou ao crédito (art. 484º, do CCivil)
Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados – art. 484.º, do CCivil.
Uma simples leitura do art. 484º permite-nos identificar, sem qualquer margem para hesitação, como pressuposto para a responsabilização do agente, nas situações aí previstas, a afirmação ou divulgação de factos. Apenas os factos, e já não os juízos de valor ou as opiniões, podem fazer incorrer em responsabilidade quem procede à sua transmissão[86].
Diretamente visadas são as afirmações de facto, só muito excecionalmente, em situações gravíssimas de ofensa e humilhação, se devendo admitir indemnizações por juízos de valor[87].
A disciplina contida neste preceito tem subjacente um conflito de direitos, a saber, entre a liberdade de expressão, por um lado, e os direitos ao bom nome e ao crédito, por outro.
O alvo da disciplina jurídica contida no art. 484º não é a liberdade de expressão em toda a sua amplitude, mas tão somente uma vertente ou dimensão de um tal valor estruturante: a liberdade de informação. Com efeito, o legislador refere-se apenas à divulgação de factos, ficando excluída da esfera regulativa do preceito em análise a difusão de juízos de valor[88].
Saber onde termina o campo da objetividade e neutralidade próprias que caracterizam a narração dos factos, e onde, por seu turno, começa a margem de criação ou elaboração valorativa inerentes aos juízos de valor, consubstancia uma tarefa particularmente difícil de cumprir[89].
Enquanto as primeiras aspiram a uma «presunção de verdade», as segundas apenas pretendem alcançar uma «presunção de justeza»[90].
Na tarefa de concordância prática dos direitos em colisão (faculdade de divulgar livremente afirmações de facto, por um lado, e os direitos ao crédito ou ao bom nome, por outro), o juiz tem necessariamente de ponderar, in casu, as exigências de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, quando se estiver a debruçar sobre a conduta do agente. Importa, no entanto, considerar que as conclusões sobre tais problemas não podem ser perspetivadas unicamente a partir da ótica do agente, revelando-se antes essencial levar em linha de conta a posição do destinatário, ou seja, do visado com as declarações – o lesado[91].
Algumas dificuldades podem, porém, suscitar-se quanto à responsabilização do agente pela divulgação de factos não demonstravelmente verdadeiros.
Tendo em conta a indemonstrabilidade da verdade dos factos no momento da sua divulgação, bem como o interesse público a esta associado, parece razoável excluir a responsabilidade do agente, mesmo quando posteriormente se venha a apurar o caracter inverídico daqueles. Em abono de um tal entendimento pode invocar-se, como argumento com particular peso, a tutela do valor da liberdade de informação, destacando-se que em certas situações, a responsabilização do agente no contexto em análise, poderá implicar a paralisação de certas diligencias da liberdade de investigação ou de pensamento[92].
Fora do âmbito da colisão de direitos liberdade de informação/ direitos ao bom nome e ao crédito, a divulgação de factos manifestamente falsos, uma vez que em tais hipóteses encontramo-nos em face de uma colisão aparente de direitos. Na verdade, o agente ao adotar um tal tipo de conduta está a violar manifestamente os limites impostos pelos bons costumes a propósito do exercício das faculdades ou poderes ínsitos na liberdade de informação. Ora, nas situações de divulgação de factos manifestamente falsos, a ilicitude da atuação do agente encontra a sua fundamentação legal no art. 334º e já não no art. 484º[93].
A distinção entre factos e opiniões é um dos aspetos que o TEDH refere como de particular importância.
Enquanto a existência de factos é possível de ser demonstrada, a verdade das opiniões não é suscetível de ser provada. A exigência da prova da verdade de uma opinião é impossível de cumprir e infringe a própria liberdade de expressão, que é uma parte fundamental do direito assegurado pelo art.10º da CEDH. Contudo, mesmo quando uma afirmação corresponde a um julgamento de valor, a proporcionalidade da interferência pode depender de existir uma base factual suficiente para a afirmação impugnada, já que uma opinião sem qualquer base factual para a suportar pode ser excessiva[94].
Apenas em relação a factos, ou declarações de facto é possível comprovar a sua veracidade. Somente estes podem merecer o epíteto de verdadeiros ou falsos. Ao invés, os juízos de valor, as opiniões, os comentários não são em si mesmo verdadeiros ou falsos, apenas podendo ser reconhecidos e aceites pelos seus destinatários enquanto tais[95],[96],[97].
O legislador português foi muito claro ao considerar as declarações de facto como o único fator determinante dos ilícitos ao bom nome e ao crédito. Porém, não avançou qualquer critério onde se possa basear a distinção entre os factos e os juízos de valor[98].
Como diretriz fundamental para proceder à delimitação destas categorias destaca-se normalmente a objetividade associada às declarações de facto, em confronto com a manifesta subjetividade inerente às opiniões ou juízos valorativos[99].
A tolerância dispensada aos juízos de valor é ostensivamente mais generosa do que a outorgada às imputações de facto[100].
No entanto, as declarações de facto podem, face a todo o contexto onde se encontram inseridas, uma base para suscitar suspeitas, formular presunções, ou levantar interrogações[101].
Na verdade, uma coisa são os indícios factuais na base dos quais alguém é considerado suspeito, outra bem diversa é o juízo de suspeição lançado sobre essa pessoa[102].
Desta feita, as suspeições, presunções, hipóteses ou dúvidas oferecidas nas declarações de facto, divulgadas pelo agente, não podem considerar-se propriamente como pressupostos de aplicação do art. 484º. Em causa estão realidades onde a margem de intervenção valorativa se revela decisiva, razão por que devem ser excluídas do âmbito do ilícito ao bom nome e ao crédito[103].
Aliás, constitui ainda um obstáculo à aplicação do art. 484º relativamente ao autor das declarações a circunstância de os juízos de suspeição, as presunções, bem como as hipóteses levantadas poderem não ser da autoria de quem divulgou os factos donde aquelas emergiram. Quando tal sucede, torna-se ainda mais evidente a não atribuição de responsabilidade a quem propalou os factos desencadeadores de juízos ou valorações ulteriores[104].
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Em face deste quadro jurídico e a proteção legal e constitucional dos apontados direitos, importa averiguar se o apelado ao conceder as entrevistas ao jornal “Expresso”, ultrapassou os limites do seu direito de manifestar livremente as suas opiniões, ou seja, o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, o exercício da sua liberdade de expressão.
Constituindo os direitos de personalidade um dos limites à liberdade de expressão, importa apurar se no caso concreto foram ultrapassados esses limites, se houve ou não excesso no exercício dessa liberdade, conduzindo à ilicitude desse comportamento, o que nos remete para uma ponderação dos bens em conflito e princípio da proporcionalidade.
Ora, as entrevistas têm que ser entendidas no contexto em que foram concedidas: “O apelado, enquanto empresário e administrador da “Heliportugal”, era parte interessada no concurso dos helicópteros “Kamov”, alguém cuja esfera económica e profissional estava interligada com a questão. Entendia ter sido prejudicado com o sentido das decisões que foram sendo adotadas junto do Ministério da Administração Interna (in sentença proferida pelo tribunal a quo). O apelante, Ministro que tutelava tal Ministério, tinha sido acusado da prática de três crimes de prevaricação de cargo público e de um crime de tráfico de influências, no âmbito do concurso público internacional relacionado com os helicópteros “Kamov”, sendo que a primeira entrevista do apelado foi concedida passados cerca de quinze dias após a dedução da acusação”.
Foi neste contexto (interessado direto e que entendia ter sido prejudicado nas decisões tomadas pelo Ministério da Administração Interna no âmbito do concurso público internacional relacionado com os helicópteros “Kamov”) que o apelado concedeu as entrevistas ao jornal “Expresso”.
Vejamos então o caso dos autos.   
O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente - um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana[105].
Está provado que:
- Na edição do semanário “Expresso” de 5 de dezembro de 2015 consta,
assinaladamente, uma entrevista ao R. PS…, em que se lê: “Eu não caio em cima do MM… agora que ele foi acusado. Eu já o tinha denunciado ao primeiro-ministro, pedi a demissão dele e em troca só tive processos contra mim em tribunal que foram todos arquivados. Não é o dinheiro que me move. É saber que este país vai continuar atrasado enquanto tipos como eu chocarem de frente em tipos como ele.” “€ 177 527 007,00. Esse é o dinheiro que ganharíamos até 2026, se o contrato nunca tivesse sido interrompido. Mas o que tem de mudar é a maneira como as coisas funcionam no Estado. Se isto fosse um campeonato de futebol, para ter sucesso eu teria de investir 100 milhões no Cristiano Ronaldo e no Mourinho e montar uma equipa como deve ser. Mas com estas regras basta-me dar 10 mil ao árbitro para ganhar. E assim não progredimos, não passamos disto, esta corrupção mina tudo. Temos de fazer qualquer coisa. E eu vou persegui-los até ao fim. Sem piedade” – facto provado nº 1.
- Na edição do semanário “Expresso” de 8 de abril de 2017, consta, assinaladamente, uma entrevista ao R. PS…, em que se lê: Tínhamos contrato por 20 anos e, de acordo com o que diz o Ministério Público, o ex-ministro MM… acabou com esse contrato, não por interesse do Estado, mas por prevaricação. Numa das buscas que fizeram por causa dos vistos Gold apreenderam o computador de MM…. E nesse computador estava um e-mail para o seu amigo JS…, ex-sócio dele da JMF - a empresa era 1/3 de MM…, 1/3 de JS… e 1/3 de MM… - com o caderno de encargos do concurso dos Kamov que a Everjets acabou por ganhar. Enviado três ou quatro meses antes de o concurso ser lançado. E isso saiu do e-mail de MM…, ministro, para essa empresa, da qual ele era sócio ate 15 dias antes de ir para o governo. Li no outro dia uma notícia no “Público” onde um senhor de uma empresa de jardinagem diz que pagava € 6 mil por mês para lhe arranjarem reuniões com os clientes. Este país não é fácil. E eu, pelos vistos, não pude ter reuniões com MM… ou quem quer que fosse, e pedi muitas por escrito, se calhar porque não pagava uma mensalidade à JMF, foi a conclusão a que cheguei (…). Fui recebido por MM… e passei o tempo a fazer queixas. A galinha foi falar com o lobo, é a conclusão a que chego. Ele fez uma série de notas, mas não teve sequência nenhuma. Depois tentei telefonar e mandei recados e não houve. Acabei por enviar cartas registadas e a pedir a PC… uma reunião para lhe dizer o que é que MM… andava a fazer. Esta foi a primeira vez que vi um concurso em que era possível receber propostas de empresas que não estavam certificadas para fazer o trabalho. Uma
empresa, que nunca tinha voado um kamov, que não tinha um piloto, um copiloto, um mecânico. Bastou ter um Robinson 22, um helicóptero que se compra por € 130 mil. Imagine um campeonato de futebol onde as arbitragens são perfeitas. Se quiser ser campeão gasto € 100 milhões no Ronaldo, mais outro tanto no Mourinho e monto a melhor equipa. Se no último jogo alguém paga € 20 mil ao árbitro e há dois penaltis contra mim, os outros é que são campeões, está tudo estragado. No ano a seguir não vou gastar € 100 milhões no Ronaldo. Pago é € 40 mil ao árbitro. Resultado, o nível do futebol cai e num país se há corrupção a vida cai, ponto final parágrafo. Isto é um cancro. Ele é acusado da prática de crime de tráfico de influências por esta situação dos kamov. O caderno de encargos dizia, aquele que foi distribuído com alguns meses de antecedência só para alguns, que as entidades que iam concorrer tinham que fazer uma proposta de manutenção das aeronaves para se aperceberem do estado das mesmas e que tinham um período para fazerem uma vistoria às aeronaves. Vieram todos, exceto a Everjets. Não veio, mas apresentou a proposta mais competitiva. E depois disseram que quando receberam os helicópteros disseram que estava (e está) tudo em mau estado. E o que faz o Estado? Assina um documento a dizer que se responsabiliza pelo estado das aeronaves e 15 dias depois a Everjets recebe mais € 2 milhões. Quando saímos tínhamos três aeronaves a voar e duas paradas para arranjar. Gastaram os tais € 2 milhões e continuam a ficar só três a voar. As outras duas servem apenas para fornecer peças. Da ANPC, ou seja, do ministro. Fazem concursos em que se garante que se pagam 300 horas, mas depois há alguém que decide se elas voam ou não. Mas paga-se na mesma” – facto provado nº 2.
Assim, facto gerador de eventual responsabilidade civil extracontratual foram as declarações do apelado nas entrevistas por si concedidas ao jornal “Expresso”.
Em segundo lugar, há ilicitude sempre que alguém pratique um ato que seja proibido pelo direito ou não seja, por ele, permitido[106].
A ilicitude pode assim traduzir-se na violação de um direito de outrem, na violação da lei que protege interesses alheios, que no caso em apreço se traduziu na violação ao direito ao nome, à honra e à consideração.
A ilicitude circunscreve-se mais diretamente à ausência de uma causa de justificação.
Há assim que averiguar se as entrevistas concedidas pelo apelado assumem carácter ilícito, ou seja, se violam, por ação ou por omissão, o direito de personalidade do apelante.
O apelante alega que “o conteúdo das entrevistas concedidas pelo Réu recorrido, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da “Heliportugal”, ao Jornal “Expresso” e publicadas nas suas edições de 5 de Dezembro de 2015 e de 8 de Abril de 2017, visaram alimentar uma campanha atentatória da honra e do bom-nome do Autor, veiculando uma imagem falsa da personalidade deste e imputando-lhe factos falsos, inexatos e destituídos de rigor, com o firme propósito de “colar” o Autor a uma imagem de corrupção, fazendo crer ao público em geral a que o Jornal se destina que o Autor estaria no centro de um alegado esquema de corrupção no âmbito do concurso público relacionado com os helicópteros “Kamov”, lesando o erário público, sacrificando interesses coletivos em detrimento de interesses pessoais, e daí retirando dividendos”.
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Assim, alega o apelante que é um facto falso o que vem afirmado pelo apelado: “Tínhamos um contrato por 20 anos e, de acordo com o que diz o Ministério Público, o ex-ministro MM… acabou com esse contrato, não por interesse do Estado, mas por prevaricação”.
Falso porque “no âmbito do processo n.º …/…JFLSB, ficou provado que o arguido MB… agiu com intenção de salvaguarda do interesse público, para evitar que o concurso público ficasse de novo deserto e ficassem indisponíveis os helicópteros kamov para o combate aos incêndios”.
Está provado que:
- No dia 13 de novembro de 2015 foi deduzida a acusação, e foi tornado público o respetivo teor, do processo n.º …/…JFLSB, de acordo com a qual o aqui A. foi acusado de três crimes de prevaricação de titular de cargo público e de um crime de tráfico de influências – facto provado nº 3.
- Foi proferido acórdão no âmbito do processo-crime n.º …/…JFLSB em
que o aqui A. foi absolvido dos três crimes de prevaricação de titular de cargo
público e do crime de tráfico de influências de que havia sido acusado – facto provado nº 11.
- Esse acórdão, à data de hoje, não transitou em julgado – facto provado nº 12.
Analisemos, pois, a questão.
A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração – art. 623º, do NCPCivil.
A sentença proferida em processo penal constitui presunção ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, em qualquer ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a prática da infração[107].
Fixada em processo-crime, de natureza publicista, a verdade dos factos, a eficácia dessa averiguação em relação a qualquer outro procedimento em que esses factos se controvertam não depende da identidade das partes, mas sim, e apenas, da identidade dos factos. A definição da eficácia probatória extraprocessual legal da sentença penal condenatória ou absolutória transitada em julgado é atualmente feita pelo estabelecimento duma presunção ilidível da existência dos factos em que a condenação se tiver baseado, ou, simetricamente, em caso de absolvição, da inexistência dos factos imputados ao arguido. Essa presunção é invocável em relação a terceiros, isto é, em relação aos sujeitos de ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes da ou relacionadas com a prática da infração que não tenham intervindo no processo penal[108].   
Ora, não tendo ainda o acórdão crime transitado em julgado, não havendo, por isso, uma decisão definitiva quanto aos seus fundamentos, não há ainda uma presunção da existência/inexistência dos factos constantes da decisão.
Temos, pois, que estando o acórdão pendente de recurso, não havendo ainda uma decisão definitiva quanto aos seus fundamentos de facto e de direito, não cumpre, dizer, desde já, se os factos afirmados pelo apelado são ou não verdadeiros, por não haver trânsito em julgado da decisão.
Mas mesmo que tal não se entendesse, isto é, que os factos já estão firmados, por a verdade destes no momento da sua divulgação não se poder demonstrar, parece razoável excluir a responsabilidade do apelado, quando posteriormente se venha a apurar a sua não verdade, face à tutela do valor da liberdade de expressão.
Isto porque a liberdade de expressão não pressupõe sequer um dever de verdade perante os factos, embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos.
Assim, mesmo que os factos afirmados pelo apelado fossem falsos, como essa verdade não se pode demonstrar no momento em que os mesmos foram emitidos, a sua responsabilidade estaria excluída face à liberdade de expressão, se alicerçados numa “base de facto razoável” (no caso, o apelante estava acusado de três crimes de prevaricação de titular de cargo público e de um crime de tráfico de influências, sendo pública a acusação deduzida), e desde que não ocorressem ofensas gritantes à honra e ao bom nome[109].
Quanto à veracidade dos factos discutidos publicamente, não se pode exigir aos cidadãos que estes cheguem à verdade sem trocarem informações falsas ou discutindo pontos de vista peregrinos. Nessa medida, quando estejam em causa assuntos que interessam à coletividade, a liberdade de expressão é "uma liberdade de ofender" (e de chocar) que só termina perante ofensas gritantes à honra e ao bom nome, o que não se verificou no caso sub judice.
Tratando-se de um assunto que interessava à comunidade (o apelante tinha sido Ministro da Administração Interna do Governo de Portugal, e foi acusado da prática de três crimes de prevaricação de cargo público e de um crime de tráfico de influências, no âmbito do concurso público internacional relacionado com os helicópteros “Kamov”), a liberdade de expressão só termina com ofensas gritantes à honra e ao bom nome, o que não se verificou, pois o apelado limitou-se a emitir opiniões e tecer comentários ao que lhe perguntado pelo jornalista que conduziu a entrevista.
Por outro lado, o apelado ao afirmar que ”o ex-ministro MM… acabou com esse contrato, não por interesse do Estado, mas por prevaricação”, fá-lo com base num terceiro, no caso o Ministério Público, pois refere “de acordo com o que diz o Ministério Público”, leia-se, “de acordo com o que diz na acusação pública”.
A própria acusação pública quanto ao crime de prevaricação sustenta que “1998. Ao remeter o referido caderno de encargos a JG…, na fase preparatória do concurso de julho de 2014, MM… muniu o mesmo de uma informação privilegiada e potencialmente geradora de proveito económico. 1999. Fazendo-o no âmbito das já suprarreferidas parcerias informais, de natureza lucrativa, que o ligavam, para além dos laços de amizade, ao arguido JG…. 2001. Relações estas atinentes, precisamente, às operações de manutenção dos helicópteros KAMOV adquiridos pelo Governo Português e ao fornecimento de uma aeronave KAMOV complementar. 2015. Em 6 de Março de 2014, ao enviar a JG… o referido caderno de encargos, o arguido MM… tinha conhecimento dos interesses comerciais do GRUPO FAASA na matéria em causa e das relações mantidas entre MA…, CEO do grupo FAASA, e JG…, por intermédio de representantes da empresa FITONOVO. 2017. Tendo MM… disponibilizado a JG… o referido caderno de encargos, num momento em que o mesmo ainda não se encontrava publicitado, a fim de lhe granjear uma informação privilegiada, potencialmente geradora de vantagens de natureza económica no mercado concursal. 2019. Fazendo-o em benefício dos interesses privados lucrativos de JG…, a quem pretendeu conferir uma indevida posição de vantagem concorrencial, de natureza informacional e temporal, suscetível de por este ser comercializada a dados operadores do mercado, em detrimento de outros potenciais interessados. 2020. O arguido atuou sabendo proibida por lei penal a respetiva conduta. 2021. O muito grave e acentuado desrespeito pelos deveres funcionais e pelos padrões ético-profissionais de conduta, evidenciando total falta de competência honorabilidade profissionais, a natureza e a extrema gravidade dos crimes imputados, a personalidade do arguido manifestada nos factos praticados e o elevado grau de culpa colidem com os fins institucionais do cargo público de que MM… era titular, cujas atribuições assumem elevadíssima importância para o Estado Português, donde resulta a incompatibilidade absoluta entre a ação praticada e a manutenção de qualquer outro cargo público cujo exercício pressuponha a observância de especiais deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de imparcialidade, de zelo e lealdade” – facto provado nº 10.
E, o próprio acórdão, pese embora ainda não transitado em julgado, entende que se mostra preenchido o elemento objetivo do crime de prevaricação: “Processo que aliás foi conduzido no âmbito do Ministério da Administração Interna e acompanhado de perto pelo Ministro da Administração Interna. Ora, na pendência deste processo e antes da divulgação da abertura do respetivo concurso público internacional o arguido MB… deu a conhecer os cadernos de encargos desse concurso ao arguido JC…. O arguido MB…, sendo titular de um cargo político conscientemente conduziu "contra direito um processo em que intervinha no exercício das suas funções". Sem dúvida que este elemento objetivo do tipo se encontra preenchido” – facto provado nº 24.
Assim, o que o apelado diz, é que “de acordo com o Ministério Público” o “contrato acabou por prevaricação”, pois não se pode olvidar que o apelante, em 2015-11-13, tinha sido “acusado de três crimes de prevaricação de titular de cargo público e de um crime de tráfico de influências”, o que torna tais declarações admissíveis face aos factos constantes da acusação pública.
Não diz, nem imputa ao apelante, que o contrato acabou por prevaricação, mas sim, que na ótica do Ministério Público, leia-se, de acordo com a acusação deduzida, o contrato terminou por esse facto, e não por interesse do Estado.
Assim sendo, não se pode dizer que quando o apelado refere que “tínhamos um contrato por 20 anos e, de acordo com o que diz o Ministério Público, o ex-ministro MM… acabou com esse contrato, não por interesse do Estado, mas por prevaricação”, seja um facto falso, pois correspondia aos termos da acusação pública deduzida pelo ministério público.
Nas hipóteses de poderem não ser da autoria de quem divulgou os factos donde aquelas emergiram, constitui um obstáculo à aplicação do art. 484º, do CCivil (pese embora, no caso, até corresponderem aos factos constantes da acusação pública).
Quando tal suceder torna-se evidente a não atribuição de responsabilidade a quem propalou os factos
desencadeadores de juízos ou valorações ulterioras.
Acresce dizer, que os comentários e as opiniões proferidas pelo apelado não são em si mesmo verdadeiros ou falsos, apenas podendo ser reconhecidos e aceites pelos seus destinatários enquanto tais, pois apenas em relação a factos, ou declarações de facto, é possível comprovar a sua veracidade.
No seu confronto com a honra, bom nome e consideração de outrem, os juízos de valor que os atinjam serão admissíveis se se alicerçarem numa “base de facto razoável” e se reportarem a algum assunto de interesse legítimo, não competindo aos tribunais ajuizar se uma opinião é “justa”, “ponderada”, “razoável” ou “grosseira”, pois esse juízo caberá a toda a coletividade.
Alicerçando-se os comentários e as opiniões do apelado numa “base de facto razoável” (o apelante estava acusado de três crimes de prevaricação de titular de cargo público e de um crime de tráfico de influências), não compete aos tribunais ajuizar se são “justos”, “ponderados”, “razoáveis” ou “grosseiros”, pois reportando-se a um assunto de interesse legítimo, esse juízo caberá à coletividade.
Mesmo, na hipótese de os factos serem falsos (o que não se verificou), mas não sendo manifestamente falsos, pois o apelado não violou manifestamente os limites impostos pelos bons costumes a propósito do exercício das faculdades ou poderes ínsitos na liberdade de expressão, a ilicitude da atuação encontraria a sua fundamentação legal no art. 334º, e já não no art. 484º, ambos do CCivil[110].
Temos, pois, que em tais declarações (“Tínhamos um contrato por 20 anos e, de acordo com o que diz o Ministério Público, o ex-ministro MM… acabou com esse contrato, não por interesse do Estado, mas por prevaricação”) não são afirmados ou divulgados factos ofensivos da credibilidade, prestígio, honra, reputação e imagem do apelante.
Os eventuais juízos de valor, opinião ou comentários nas declarações de facto proferidas pelo apelado, não podem considerar-se propriamente como pressupostos de aplicação do art. 484º, do CCivil.
Concluindo, mesmo que se entendesse que os factos eram ofensivos dos direitos de personalidade do apelante, estando em causa assuntos que interessavam à coletividade, estariam legitimados pela liberdade de expressão, que só termina perante ofensas gritantes à honra e ao bom nome, o que não se verificou (um determinado conteúdo expressivo só deixará de ser protegido se se demonstrar, e na medida em que ficar demonstrado, que o mesmo atenta de forma desproporcionada contra direitos e interesses constitucionalmente protegidos).
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Também, de acordo com o apelante, é um facto falso o que vem referido pelo apelado na entrevista: “Esta foi a primeira vez que vi um concurso em que era possível receber propostas de empresas que não estavam certificadas para fazer o trabalho. Uma empresa, que nunca tinha voado um kamov, que não tinha um piloto, um copiloto, um mecânico. Bastou ter um Robinson 22, um helicóptero que se compra por € 130 mil”.
Ao proferir tais expressões o “Réu recorrido pretendeu transmitir que o procedimento concursal definido pelo Ministério da Administração Interna visou beneficiar a adjudicatária “Everjets”, o que não corresponde à verdade”.
Está provado que:
- O concurso admitia enquanto concorrentes empresas não certificadas – facto provado nº 31.
- A empresa que ganhou o concurso não era certificada – facto provado nº 32.
Primeiro, escusamos de referir as considerações já feitas, v.g., quanto ao trânsito em julgado do acórdão, que a verdade dos factos no momento da sua divulgação não se pode demonstrar, e que a liberdade de expressão só termina com ofensas gritantes à honra e ao bom nome, algumas delas aplicáveis a estes factos afirmados na entrevista.
Segundo, não se pode concluir de tais expressões proferidas que o apelado pretendeu dizer que o apelante quis beneficiar a adjudicatária “Everjets”.
Isto porque, por um lado, o apelado na entrevista não diz quais os requisitos legais necessários para o concurso público, e nem que estes não tivessem sido observados.
O que o apelado diz, com alguma admiração e estupefação, é que nunca viu um concurso público em que fosse permitido receber propostas de empresas que não estivesse certificadas, não referindo, ao invés, que ao permitirem receber propostas de empresas não certificadas, tal visasse beneficiar a adjudicatária “Everjets”, o que é diferente.
E que era permitido receber propostas de empresas que não estivessem certificadas, era uma realidade, pois do regulamento do segundo concurso público (o concurso admitia enquanto concorrentes empresas não certificadas) resulta que tal certificação passou apenas a ser necessária no momento da adjudicação, quando antes, tal certificação era necessária no momento da abertura do concurso (aliás, a empresa que ganhou o concurso não estava certificada).
Assim sendo, além de não se tratar de um facto falso, pois podiam concorrer ao concurso sociedades que não estivessem certificadas, sendo a certificação necessária apenas no momento da adjudicação, tais afirmações também não são ofensivas da credibilidade, prestígio, honra, reputação e imagem do apelante.
Estas afirmações não podem, pois, deixar de ser interpretadas como uma crítica aos requisitos exigidos para abertura do concurso público internacional relativo aos helicópteros “Kamov”, pois, na ótica do apelado, nunca teria assistido a um concurso nos moldes em que o foram, daí a sua estupefação.
Como entendimento do TEDH “Numa sociedade democrática todas as instituições e personalidades que ocupem uma posição de poder, i.e., sejam “atores da vida pública” devem prestar contas à população, incluindo o poder judicial”.
Tratam-se, pois, de meros comentários/opiniões ao modo como foi realizado o concurso público, enquadrável dentro da liberdade de expressão e de critica.
Temos, pois, que em tais declarações (“Esta foi a primeira vez que vi um concurso em que era possível receber propostas de empresas que não estavam certificadas para fazer o trabalho”) não são afirmados ou divulgados factos ofensivos da credibilidade, prestígio, honra, reputação e imagem do apelante.
As afirmações do apelado (“foi a primeira vez que vi um concurso em que era possível receber propostas de empresas que não estavam certificadas para fazer o trabalho”), não assumem foros de gravidade, nem se revelam excessivas, situando-se perfeitamente no conteúdo da liberdade de expressão e de opinião, evidenciando, tão só, quando muito, uma censura ao modo como foi realizado o concurso público da responsabilidade do Ministério da Administração Interna, na altura tutelado pelo apelante, mas não colidindo com os seus direitos de personalidade, em particular, ao seu bom nome, honra e reputação (a ideia que pretendeu transmitir que o procedimento concursal visou beneficiar a adjudicatária “Everjets”, não resulta diretamente de tais afirmações).
Estes comentários/opiniões proferidos pelo apelado, não podem considerar-se propriamente como pressupostos de aplicação do art. 484º, do CCivil.
Concluindo, mesmo que se entendesse que os factos eram ofensivos dos direitos de personalidade do apelante, estando em causa assuntos que interessavam à coletividade, tais comentários/ opiniões estariam legitimados pela liberdade de expressão/opinião, que só termina perante ofensas gritantes à honra e ao bom nome, o que não se verificou, pela proporcionalidade e adequação das expressões usadas (“foi a primeira vez que vi um concurso em que era possível receber propostas de empresas que não estavam certificadas para fazer o trabalho”).
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Também, de acordo com o apelante, é um facto falso o que vem referido pelo apelado: “[e]le é acusado da prática de crime de tráfico de influências por esta situação dos kamov. O caderno de encargos, dizia, aquele que foi
distribuído com alguns meses de antecedência só para alguns, que as entidades que iam concorrer tinham que fazer uma proposta de manutenção das aeronaves para se aperceberem do estado das mesmas e que tinham um período para fazerem uma vistoria às aeronaves. Vieram todos, exceto a Everjets. Não veio, mas apresentou a proposta mais competitiva. E depois quando receberam os helicópteros disseram que estava (e está) tudo em mau estado. E o que faz o Estado? Assina um documento a dizer que se responsabiliza pelo estado das aeronaves e 15 dias depois a Everjets recebe mais € 2 milhões. Quando saímos tínhamos três aeronaves a voar e duas paradas para arranjar. Gastaram os tais € 2 milhões e continuam a ficar só três a voar. As outras duas servem apenas para fornecer peças”.
Entende, portanto, o apelante que se “trata de mais uma afirmação falaciosa e gravemente atentatória do bom-nome do A. que foi desconsiderada na decisão recorrida”.
Está provado que:
- 1998. Ao remeter o referido caderno de encargos a JG…, na fase
preparatória do concurso de julho de 2014, MM… muniu o mesmo de uma informação privilegiada e potencialmente geradora de proveito económico. 1999. Fazendo-o no âmbito das já suprarreferidas parcerias informais, de natureza lucrativa, que o ligavam, para além dos laços de amizade, ao arguido JG…. 2001. Relações estas atinentes, precisamente, às operações de manutenção dos helicópteros KAMOV adquiridos pelo Governo Português e ao fornecimento de uma aeronave KAMOV complementar. 2015. Em 6 de Março de 2014, ao enviar a JG… o referido caderno de encargos, o arguido MM… tinha conhecimento dos interesses comerciais do GRUPO FAASA na matéria em causa e das relações mantidas entre MA…, CEO do grupo FAASA, e JG…, por intermédio de representantes da empresa FITONOVO. 2017. Tendo MM… disponibilizado a JG… o referido caderno de encargos, num momento em que o mesmo ainda não se encontrava publicitado, a fim de lhe granjear uma informação privilegiada, potencialmente geradora de vantagens de natureza económica no mercado concursal. 2019. Fazendo-o em benefício dos interesses privados lucrativos de JG…, a quem pretendeu conferir uma indevida posição de vantagem concorrencial, de natureza informacional e temporal, suscetível de por este ser comercializada a dados operadores do mercado, em detrimento de outros potenciais interessados – facto provado nº 10.
Escusamo-nos de referir as considerações já feitas, v.g., quanto ao trânsito em julgado do acórdão, que a verdade dos factos no momento da sua divulgação não se pode demonstrar, e que a liberdade de expressão só termina com ofensas gritantes à honra e ao bom nome, algumas delas aplicáveis a estes factos.
Ora, das expressões do apelado não se pode retirar a conclusão que o apelante pretende, isto é, que o caderno de encargos tenha sido distribuído a um só concorrente, no caso, a “Everjets”, mas sim, a conclusão de que terá sido distribuído “a alguns”, com “alguns meses de antecedência”.
Por outro lado, da acusação pública resulta que o apelante enviou um email a JS… com o caderno de encargos do concurso dos Kamov, concurso esse, que a Everjets acabou por ganhar.
Aliás, é o ministério público que diz na sua acusação que o apelante o fez “em benefício dos interesses privados lucrativos de JG…, a quem pretendeu conferir uma indevida posição de vantagem concorrencial, de natureza informacional e temporal, suscetível de por este ser comercializada a dados operadores do mercado, em detrimento de outros potenciais interessados”.
Também do acórdão crime, embora não transitado em julgado, ficou provado que “Em 6 de Março de 2014, cerca de três meses antes da data do anúncio da abertura do procedimento respetivo, estando ainda a decorrer os trabalhos preparatórios do referido Concurso, o arguido MB…, então Ministro da Administração Interna, a partir da caixa de correio eletrónico institucional M…m…@mai.gov.pt, remeteu por mensagem de correio eletrónico ao arguido JC… o “Caderno de Encargos do Concurso Público Internacional Para Aquisição dos Serviços de Operação, de Gestão da Continuidade da Aeronavegabilidade e de Manutenção dos Meios Aéreos Pesados Próprios Para Missões do Ministério da Administração Interna”(facto provado nº 19).
Assim sendo, além de não se tratar de uma falsa afirmação, pois foi enviado um email a JS… com o caderno de encargos do concurso dos Kamov, cerca de três meses antes da abertura do concurso, o mesmo não é ofensivo da credibilidade, prestígio, honra, reputação e imagem do apelante.
E as afirmações (“e depois quando receberam os helicópteros disseram que estava (e está) tudo em mau estado. E o que faz o Estado? Assina um documento a dizer que se responsabiliza pelo estado das aeronaves e 15 dias depois a Everjets recebe mais €2 milhões”), também não podem deixar de ser interpretadas como uma crítica à maneira como foi adjudicada a proposta vencedora do concurso, no caso, à “Everjets”.
Ou, como entendeu o tribunal a quo “O R. parece genuinamente indignado porque o Estado assumiu o pagamento de reparações, continuando a voar, após o dispêndio de mais de dois milhões de euros, o mesmo número de naves que voavam quando estavam entregues aos cuidados da Heliportugal”.
Ora, os cidadãos em geral e os jornalistas em particular devem poder debater abertamente as questões de interesse público, sem qualquer receio de serem acionados judicialmente, devendo evitar-se aqui o persistente perigo de autocensura. Isto, independentemente do choque, da amargura, do trauma, ou distúrbio emocional que daí possa resultar. A crítica pública deve ser um direito e não um risco[111].
Assim, o mais que se pode deduzir de tais declarações proferidas pelo apelado, como entendeu o tribunal a quo, “é que o R. afirmou ser sua convicção que o A. recebeu vantagem, não assim que a recebeu”.
Temos, pois, que em tais declarações (“O caderno de encargos, dizia, aquele que foi distribuído com alguns meses de antecedência só para alguns, que as entidades que iam concorrer tinham que fazer uma proposta de manutenção das aeronaves para se aperceberem do estado das mesmas e que tinham um período para fazerem uma vistoria às aeronaves. Vieram todos, exceto a Everjets. Não veio, mas apresentou a proposta mais competitiva”) não são afirmados ou divulgados factos ofensivos da credibilidade, prestígio, honra, reputação e imagem do apelante, nomeadamente, que tenha recebido qualquer contrapartida monetária, ou, pretendesse prejudicar ou beneficiar alguém.
Se os factos são capazes de conduzir a certas ilações ou conclusões, as quais são já produto de uma valoração, tal não pode ser imputável ao agente a título de responsabilidade por divulgação de factos ofensivos ao bom nome e ao crédito[112].
E dúvidas também parecem não existir quanto à não colisão dos direitos de personalidade, pela proporcionalidade e adequação das expressões usadas, quando afirma que “e depois quando receberam os helicópteros disseram que estava (e está) tudo em mau estado. E o que faz o Estado? Assina um documento a dizer que se responsabiliza pelo estado das aeronaves e 15 dias depois a Everjets recebe mais € 2 milhões”.
O direito fundamental à liberdade de expressão protege, obviamente, não apenas opiniões e juízos de valor, mas também informações e afirmações de facto[113].
Concluindo, mesmo que se entendesse (não sendo o caso), que os factos eram ofensivos dos direitos de personalidade do apelante, mas estando em causa assuntos que interessavam à coletividade, tais comentários estariam legitimados pela liberdade de expressão/opinião, que só termina perante ofensas gritantes à honra e ao bom nome, o que não aconteceu no caso, pela proporcionalidade e adequação das expressões usadas (“O caderno de encargos, dizia, aquele que foi distribuído com alguns meses de antecedência só para alguns, que as entidades que iam concorrer tinham que fazer uma proposta de manutenção das aeronaves para se aperceberem do estado das mesmas e que tinham um período para fazerem uma vistoria às aeronaves. Vieram todos, exceto a Everjets. Não veio, mas apresentou a proposta mais competitiva”).
****
Ainda de acordo com o apelante, é um facto falso o que vem referido pelo apelado: “Numa das buscas que fizeram por causa dos vistos gold
apreenderam o computador de MM…. E nesse computador estava um email para o seu amigo JS…, ex-sócio dele da JMF – empresa que era 1/3 de MM…, 1/3 de JS… e 1/3 de MM… – com o caderno de encargos do concurso dos Kamov que a Everjets acabou por ganhar. Enviado três ou quatro meses antes de o concurso ser lançado. E isso saiu do email de MM…, ministro, para essa empresa, da qual ele era sócio até 15 dias antes de ir para o Governo”.
Está provado que:
O computador do A. não foi alvo de buscas, nem apreendido – facto provado nº 39.
Assim, de acordo com a matéria fáctica, é falso que o computador do apelante tenha sido alvo de buscas, ou, apreendido, sendo proibida, contudo, como já referimos, a afirmação ou difusão de factos falsos.
Em todo o caso, deve afirmar-se que a falsidade das afirmações proferidas não tem necessariamente um efeito difamatório[114].
A liberdade de expressão não pressupõe sequer um dever de verdade perante os factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos.
Se uma das razões para a garantia da liberdade de expressão é a procura da verdade, não faz muito sentido exigir que os participantes numa discussão sejam já possuidores da mesma, sendo de admitir que no meio da discussão sejam comunicados conteúdos errados suscetíveis de refutação[115].
A existência de afirmações falsas é um elemento inevitável de uma esfera de discurso público aberta e pluralista[116].
Quanto à veracidade dos factos discutidos publicamente, não se pode exigir aos cidadãos que estes cheguem à verdade sem trocarem informações falsas ou discutindo pontos de vista peregrinos. Nessa medida, quando estejam em causa assuntos que interessam à coletividade, a liberdade de expressão é "uma liberdade de ofender" (e de chocar) que só termina perante ofensas gritantes à honra e ao bom nome.
Tratando-se de um assunto que interessava à coletividade, a liberdade de expressão só termina com ofensas gritantes à honra e ao bom nome, o que não se verificou, pois no caso, o apelado limitou-se a afirmar um facto que dentro no contexto em que foi proferido (o apelante estava acusado de três crimes de prevaricação de titular de cargo público e de um crime de tráfico de influências, e no âmbito do processo tinham sido realizadas buscas, mas não ao apelante), o erro tem-se por admissível, atendendo a que estávamos perante uma entrevista, e não de uma qualquer reportagem jornalística, a qual envolve uma investigação sobre os factos relatados.
Tal facto falso, pese embora proibida a sua afirmação ou difusão, mas proferido dentro dos limites aceitáveis da liberdade de expressão (e havia uma base factual sólida pois, além de o apelante estar acusado de três crimes de prevaricação de titular de cargo público e de um crime de tráfico de influências, no âmbito do processo crime teriam sido feitas buscas, pese embora não ao apelante), e não havendo uma ofensa gritante à honra e bom nome de outrem, o erro tem-se por admissível, aceitável e justificável pela proporcionalidade e adequação das expressões usadas (“numa das buscas que fizeram por causa dos vistos gold apreenderam o computador de MM…”).
Ora, por a verdade dos factos não se poder demonstrar no momento da sua divulgação, exclui-se a responsabilidade do agente, mesmo quando posteriormente se venha a apurar a sua não verdade, face à tutela do valor da liberdade de expressão.
Aliás, tal também foi o entendimento do tribunal a quo ao referir que “O R. veiculou, contudo, um facto que se sabe ser falso, a saber, que o computador do A. foi apreendido. A apreensão de um computador deixa indiciar a existência de suspeitas, mas poder-se-á imputar à imprecisão genérica do relatado. Por si só não poderá conduzir à condenação do R. por responsabilidade civil (sublinhado nosso)”.
Por outro lado, a afirmação de tal facto no contexto da entrevista tornou-se inevitável (e havendo uma base factual sólida), e também não era de exigir que o apelado fosse possuidor de toda a verdade quando a proferiu, pois de outro modo, estar-se-ia a cercear o seu direito à liberdade de expressão, pois tal colocaria problemas de inibição e autocensura.
É este o entendimento do TEHD que “não se exige aos cidadãos ou aos media que corroborem factos injuriosas com o mesmo grau de certeza que o poder judicial, i.e., "em pé de igualdade com o do processo criminal", mas apenas que "a base
factual seja sólida".
Acresce ainda dizer, que embora sendo um facto falso, o mesmo não se tem por manifestamente falso, pois o apelado não violou manifestamente os limites impostos pelos bons costumes a propósito do exercício das faculdades ou poderes ínsitos na liberdade de expressão, atendendo ao contexto e ao momento em que foi proferido, aceitável e justificável pela proporcionalidade e adequação das expressões usadas (“numa das buscas que fizeram por causa dos vistos gold apreenderam o computador de MM…”).
Temos, pois, que apesar do facto afirmado ser falso, o mesmo não se tem por ofensivo da credibilidade, prestígio, honra, reputação e imagem do apelante, quando decorria um processo crime no qual estava acusado da prática de três crimes de prevaricação de titular de cargo público e de um crime de tráfico de influências.
Ora, e também não foi decerto por o apelado ter afirmado que o computador do apelante tinha sido alvo de buscas, ou, apreendido, quando este já estava constituído arguido em processo crime, e o caso, era bastante noticiado nos media (de acordo com os documentos juntos), que só por si, tal facto, tenha ofendido os seus direitos de personalidade (aliás, como resulta da fundamentação de facto do tribunal a quo, “não é crível que tenham sido apenas e só as entrevistas dadas pelo R. a provocarem a sintomatologia referida pelo A. e a ligarem este a um fundo reputacional de corrupção. O quadro em que o A. estava imerso tinha um contexto mais lato e não é possível isolar as entrevistas do cenário mais vasto em que o A. se encontrou durante um largo período de tempo”.
Temos, pois, que em tais declarações (“numa das buscas que fizeram por causa dos vistos gold apreenderam o computador de MM…”) não são afirmados ou divulgados factos ofensivos da credibilidade, prestígio, honra, reputação e imagem do apelante.
Apesar de falsa a afirmação proferida pelo apelado (“numa das buscas que fizeram por causa dos vistos gold apreenderam o computador de MM…”), esta não assume foros de gravidade nem se revela excessiva, situando-se perfeitamente no conteúdo da liberdade de expressão e de opinião (o apelante no âmbito do processo crime estava acusado da prática de três crimes de prevaricação de titular de cargo público e de um crime de tráfico de influências), não colidindo com os direitos de personalidade do apelante, em particular, ao seu bom nome, honra e reputação.
Concluindo, mesmo que se entendesse que tal afirmação era ofensiva dos direitos de personalidade do apelante, estando em causa assuntos que interessavam à coletividade, os mesmos estariam legitimados pela liberdade de expressão/ opinião, que só termina perante ofensas gritantes à honra e ao bom nome, o que não se verificou, pela proporcionalidade e adequação das expressões usadas (“numa das buscas que fizeram por causa dos vistos gold apreenderam o computador de MM…”).
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Alega ainda o apelante que o apelado “formula um conjunto de juízos desonrosos, mediante o levantamento de suspeitas infundadas e gravemente atentatórias da sua honra e dignidade”.
Assim, na entrevista de 2015-12-05, refere o seguinte: “(…) Mas o que tem de mudar é a maneira como as coisas funcionam no Estado. Se isto fosse um campeonato de futebol, para ter sucesso eu teria de investir 100 milhões no Cristiano Ronaldo e no Mourinho e montar uma equipa como deve de ser. Mas com estas regras, basta-me dar 10 mil ao árbitro para ganhar. E assim não progredimos, não passamos disto, esta corrupção mina tudo”.
E, na entrevista de 2017-04-08, refere o seguinte: “(…) Este país não é fácil. E eu, pelos vistos, não pude ter reuniões com MM… ou quem quer que fosse, e pedi muitas por escrito, se calhar porque não pagava uma mensalidade à JMF, foi a conclusão a que cheguei (…) Fui recebido por MM… e passei o tempo a fazer queixas. A galinha foi falar com o lobo, é a conclusão a que chego. (…). Imagine um campeonato de futebol onde as arbitragens são perfeitas. Se quiser ser campeão gasto € 100 milhões no Ronaldo, mais outro tanto no Mourinho e monto a melhor equipa. Se no último jogo alguém paga € 20 mil ao árbitro e há dois penáltis contra mim, os outros é que são campeões, está tudo estragado. No ano a seguir não vou gastar € 100 milhões no Ronaldo. Pago é € 40 mil ao árbitro. Resultado, o nível do futebol, cai e num país se há corrupção a vida cai, ponto final parágrafo. Isto é um cancro”.
Conclui o apelante que a “imagem que o recorrido quis passar do A. – e que efetivamente passou, como bem se depreende da leitura da sentença recorrida -, foi a do “árbitro comprado”, leia-se, do “ministro vendido”.
Sobre tais expressões o tribunal a quo entendeu que “O R. faz uma acusação à convicção, através, sobretudo, de uma metáfora futebolística contida na primeira entrevista e reiterada na segunda. Em ambas as entrevistas o A. é claramente identificado como um árbitro que recebe vantagem pecuniária para falsificar o resultado do jogo. Não bastaria, assim, ao R. ser o esforçado jogador e, a um tempo, o compenetrado treinador, para ganhar, pois a dedicação e o trabalho, entendam-se, o investimento no negócio e a contratação de profissionais competentes (eu teria de investir (…) e montar uma equipa como deve ser), soçobrariam perante o árbitro comprado, leia-se o ministro vendido”.
Vejamos a questão.
Está provado que:
- Na edição do semanário “Expresso” de 5 de dezembro de 2015 consta,
assinaladamente, uma entrevista ao R. PS…, em que se lê: “Mas o que tem de mudar é a maneira como as coisas funcionam no Estado. Se isto fosse um campeonato de futebol, para ter sucesso eu teria de investir 100 milhões no Cristiano Ronaldo e no Mourinho e montar uma equipa como deve ser. Mas com estas regras basta-me dar 10 mil ao árbitro para ganhar. E assim não progredimos, não passamos disto, esta corrupção mina tudo. Temos de fazer qualquer coisa. E eu vou persegui-los até ao fim. Sem piedade” – facto provado nº 1.
- Na edição do semanário “Expresso” de 8 de abril de 2017, consta, assinaladamente, uma entrevista ao R. PS…, em que se lê: “Li no outro dia uma notícia no “Público” onde um senhor de uma empresa de jardinagem diz que pagava € 6 mil por mês para lhe arranjarem reuniões com os clientes. Este país não é fácil. E eu, pelos vistos, não pude ter reuniões com MM… ou quem quer que fosse, e pedi muitas por escrito, se calhar porque não pagava uma mensalidade à JMF, foi a conclusão a que cheguei (…). Imagine um campeonato de futebol onde as arbitragens são perfeitas. Se quiser ser campeão gasto € 100 milhões no Ronaldo, mais outro tanto no Mourinho e monto a melhor equipa. Se no último jogo alguém paga € 20 mil ao árbitro e há dois penaltis contra mim, os outros é que são campeões, está tudo estragado. No ano a seguir não vou gastar € 100 milhões no Ronaldo. Pago é € 40 mil ao árbitro. Resultado, o nível do futebol cai e num país se há corrupção a vida cai, ponto final parágrafo. Isto é um cancro. Ele é acusado da prática de crime de tráfico de influências por esta situação dos kamov.” – facto provado nº 2.
- 2018. Ao adotar a conduta acima referida o arguido MM…, agiu
livre, voluntária e conscientemente, em violação do princípio jurídico-constitucional
da concorrência (art.ºs 81º, al. f), e 99º, al. a), da CRP), e dos princípios legais reconhecidos no art.º 1º, nº 4, do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29/01, designadamente os princípios gerais da atividade administrativa da legalidade (art.º 3º, n.º 1), da igualdade (art.º 5, nº 1) e imparcialidade (art.º 6, nº 1, 44º, n.º 1, al. a))consagrados no Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91 de 15/11, à data em vigor.2019. Fazendo-o em benefício dos interesses privados lucrativos de JG…, a quem pretendeu conferir uma indevida posição de vantagem concorrencial, de natureza informacional e temporal, suscetível de por este ser comercializada a dados operadores do mercado, em detrimento de outros potenciais interessados. 2021. O muito grave e acentuado desrespeito pelos deveres funcionais e pelos padrões ético-profissionais de conduta, evidenciando total falta de competência honorabilidade profissionais, a natureza e a extrema gravidade dos crimes imputados, a personalidade do arguido manifestada nos factos praticados e o elevado grau de culpa colidem com os fins institucionais do cargo público de que MM… era titular, cujas atribuições assumem elevadíssima
importância para o Estado Português, donde resulta a incompatibilidade absoluta entre a ação praticada e a manutenção de qualquer outro cargo público cujo exercício pressuponha a observância de especiais deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de imparcialidade, de zelo e lealdade (pp. 496 a 503 da acusação) – facto provado nº 10.
Assim, o apelado na sua entrevista de 2015-12-05, refere que “não caio em cima do MM… agora que ele foi acusado. Eu já o tinha denunciado ao primeiro-ministro, pedi a demissão dele e em troca só tive processos contra mim em tribunal que foram todos arquivados”.
Temos, pois, que o apelado nestas declarações não imputa ao apelante qualquer facto desonroso, referindo apenas os motivos pelos quais pediu a sua demissão (alegadas ilegalidades no Ministério da Administração Interna e pedido de uma investigação interna), mas não o associando diretamente a nenhum esquema de corrupção, ou, que tenha tomado decisões no sentido de beneficiar ou prejudicar alguém.
É certo, que no decorrer da entrevista afirma que “esta corrupção mina tudo”, mas quando a profere não se está a referir concretamente ao apelante, nem a imputar-lhe nenhum facto concreto que este tivesse cometido, nomeadamente, que estivesse “vendido”, que tivesse “usufruído de qualquer vantagem ilícita”, ou quisesse “beneficiar ou prejudicar alguém”.
O apelado quando afirma que “esta corrupção mina tudo”, está-se a referir “à maneira como as coisas funcionam no Estado”, mas sem que com isso esteja a dirigir-se concretamente ao apelante e a imputar-lhe qualquer facto ilícito (pese embora o apelante ter sido membro do governo), nomeadamente, que esteja “comprado”, ou envolvido em algum “esquema ilícito”.
E que estas afirmações não são dirigidas ao apelante, mas sim à maneira como funciona o aparelho de Estado, é que no decurso da entrevista refere que “temos de fazer qualquer coisa. E eu vou persegui-los até ao fim. Sem piedade”.
Quando afirma que “vou persegui-los até ao fim”, não está obviamente a referir-se ao apelante, mas eventualmente a toda uma estrutura que dirige o Estado (governativa ou administrativa), mas não imputando concretamente a qualquer destinatário dessa estrutura um concreto comportamento ilícito.
Poder-se-á, sim, entender mais como uma crítica contundente e violenta a toda uma estrutura governativa, pois não nos podemos esquecer que o apelante era parte interessada no concurso e que se sentia prejudicado com as decisões adotadas.
Aliás, é o próprio ministério público que acusa o apelante “de desrespeito pelos deveres funcionais e pelos padrões ético-profissionais de conduta, evidenciando total falta de competência honorabilidade profissionais, a natureza e a extrema gravidade dos crimes imputados”, não sendo, pois, na sua ótica (do ministério público), adequada tal conduta enquanto titular de um cargo público.
Por outro lado, o apelado ao utilizar a metáfora de um campeonato de futebol para se referir a eventual corrupção (“com estas regras basta-me dar 10 mil ao árbitro para ganhar tudo”), não está a imputar concretamente qualquer facto ilícito ao apelante, v.g., que este sido aliciado para alterar as regras de jogo e com isso ter sido beneficiado, no caso, ter sido “comprado”, e usufruído por isso de uma qualquer vantagem ilícita, ou, ter beneficiado ou prejudicado alguém.
Assim, o apelado não afirma concretamente que o apelante no exercício das suas funções tenha recebido vantagens patrimoniais que não lhe fossem devidas, e com isto passando a imagem que estivesse ligado a um qualquer esquema de “corrupção”, isto é, que tenha sido “comprado/vendido”.
Aliás, as afirmações do apelado na entrevista de 2015-12-05, por não haver uma imputação concreta de factos, não são claras, por um lado, quanto aos motivos pelos quais o contrato cessou, por outro, se houve qualquer ato menos abonatório praticado pelo apelante e, por último, se está a referir a este ou à sociedade em geral quando utiliza a metáfora de um campeonato de futebol, ao dizer que “a corrupção mina tudo”.
Também na entrevista de 2017-04-08, refere que “pago é € 40 mil ao árbitro. Resultado, o nível do futebol, cai e num país se há corrupção a vida cai, ponto final parágrafo. Isto é um cancro”.
As considerações anteriormente feitas a propósito da entrevista de 2015-12-05, são igualmente válidas para as feitas nesta entrevista de 2017-04-08.
E, que o apelado não quer associar o apelante a qualquer situação de corrupção, resulta da entrevista de 2017-04-08, porque depois de recorrer à metáfora do futebol, afirma que o apelante “é acusado da prática de crime de tráfico de influências por esta situação dos kamov”.
Ora, se o apelado o quisesse associar a um esquema de corrupção, depois de utilizar a metáfora do campeonato de futebol, não diria que “por causa dos kamov estava acusado de um crime de tráfico de influências”, mas sim, que “por causa dos kamov estava acusado de um crime de corrupção”.
Assim, por não o querer associar a qualquer esquema de corrupção, ou levantar suspeitas quanto à prática deste tipo de crime, é que afirma, após recorrer à metáfora do futebol de um campeonato de futebol, que o apelante “é acusado da prática de crime de tráfico de influências”.
Com efeito, não se pode concluir das entrevistas do apelado que este quisesse passar a imagem do apelante como a do “árbitro comprado”, leia-se, do “ministro vendido”.
Como se refere na decisão proferida pelo tribunal a quo, com o que se concorda, “as entrevistas veiculam considerações e juízos de valor, são emocionadas e circunstancial e cronologicamente confusas, mas serão deliberadas ou
negligentemente atentatórios do bom nome do A.? O discurso é não polido,
socorrendo-se de metáforas de índole futebolísticas digamos que básicas, mas será
esta simplicidade ideológica sindicável pelo tribunal nos moldes pretendidos pelo
A.?”.
Se os factos são capazes de conduzir a certas ilações ou conclusões, as quais são já produto de uma valoração, tal não pode ser imputável ao agente a título de responsabilidade por divulgação de factos ofensivos ao bom nome e ao crédito.
Temos, pois, que as afirmações proferidas pelo apelado (“E assim não progredimos, não passamos disto, esta corrupção mina tudo”), não assumem foros de gravidade, nem se revelam excessivas, situando-se perfeitamente no conteúdo da liberdade de expressão e de opinião, evidenciando uma censura ao comportamento do aparelho de Estado, e não do apelante, não colidindo com os seus direitos de personalidade, em particular, ao seu bom nome, honra e reputação.
Isto porque o apelado nunca afirmou que o apelante tivesse recebido uma qualquer contrapartida ilícita pela sua atuação no concurso dos kamov, que tivesse alterado as regras do concurso para deste modo ser beneficiado com qualquer contrapartida, e nem o associando a um esquema de corrupção, mesmo quando utiliza as metáforas dos campeonatos de futebol.
Aliás, este entendimento está em consonância com os critérios reafirmados pelo TEDH:
- “A liberdade de expressão abarca tanto as “informações ou ideias favoráveis, inofensivas ou indiferentes como aquelas que chocam, inquietam ou ofendem” e que “contestam a ordem estabelecida”, pois é justamente nesses casos que “é mais preciosa” (quando o apelado afirma que “a corrupção mina tudo” e, “o nível do futebol, cai e num país se há corrupção a vida cai, ponto final parágrafo);
- “Numa sociedade democrática todas as instituições e personalidades que ocupem uma posição de poder, i.e., sejam “atores da vida pública” devem prestar contas à população, incluindo o poder judicial” (o apelante tinha sido Ministro da Administração Interna);
- ”Os limites da crítica admissível” são mais amplos no caso de “atores da vida pública” do que em relação “a um simples particular”. Sendo que dentro desse leque, os políticos são os “devem ser mais tolerantes às críticas violentas” ou “insultuosas” (o apelante, por ter sido Ministro da Administração Interna, deveria ser mais tolerante à critica, atendendo a que se tem a mesma por admissível).
Como referimos, a jurisprudência do TEDH, aponta para uma menor esfera de proteção da honra e consideração de figuras públicas, face à de simples particulares, assim como quando estejam em causa assuntos de interesse público ou geral.
Assim, em tais declarações (“E assim não progredimos, não passamos disto, esta corrupção mina tudo”) não são afirmados ou divulgados factos ofensivos da credibilidade, prestígio, honra, reputação e imagem do apelante.
E, caso se retirasse a ilação das metáforas relativas a um campeonato de futebol que o apelado estava a lançar suspeitas de que o apelante estaria ligado a esquemas de corrupção e a um enriquecimento ilegítimo à custa do erário público e das funções que desempenhou enquanto Ministro da administração Interna, tais juízos de valor colidiriam com os seus direitos de personalidade, ou, estariam legitimados pela liberdade de expressão e de opinião?
Tratando-se, pois, de juízos de valor ou meras opiniões, enquanto manifestações do subjetivismo do apelado, cuja validade ou verosimilhança seriam livremente avaliáveis por cada um, estariam particularmente legitimados enquanto objeto do direito fundamental à liberdade de expressão.
Estamos perante declarações em que o apelado expressa juízos de valor e censura, permitindo aos leitores formular as próprias ilações ou conclusões, que apesar de poderem ser tidas por violentas, não se revelam desproporcionadas e desadequadas, atento o evidente interesse social que o assunto justificava na comunidade.
Enquanto a existência de factos é possível de ser demonstrada, a verdade das opiniões não é suscetível de ser provada.
As afirmações de facto e os juízos de valor que um cidadão faça sobre a conduta de indivíduos ou instituições publicamente relevantes devem ter unicamente como limite a consciência ou a suspeita fundada da falsidade das mesmas, ou a falta de quaisquer indícios sérios da sua verdade.
No seu confronto com a honra, bom nome e consideração de outrem, os juízos de valor que os atinjam serão admissíveis se se alicerçarem numa “base de facto razoável” e se reportarem a algum assunto de interesse legítimo, não competindo aos tribunais ajuizar se uma opinião é “justa”, “ponderada”, “razoável” ou “grosseira”, pois esse juízo caberá a toda a coletividade.
Ele deve poder exprimir as suas suspeitas e especulações razoavelmente apoiadas, por via dedutiva, indutiva e abdutiva, em evidencias circunstanciais de que algo vai mal no funcionamento das instituições socialmente relevantes, latu sensu, sem que seja exigível que as consiga provar num tribunal, aspeto particularmente relevante naquelas situações da vida pública em que “é irresponsável não especular”.
Do mesmo modo, o jornalista que torna conhecidos indícios da existência de um escândalo público não deve ter que provar completamente a verdade dos factos, mas apenas a plausibilidade racional desses indícios.
Na verdade, uma coisa são os indícios factuais na base dos quais alguém é considerado suspeito, outra bem diversa é o juízo de suspeição lançado sobre essa pessoa.
Desta feita, as suspeições, presunções, hipóteses ou dúvidas oferecidas nas declarações de facto, divulgadas pelo agente, não podem considerar-se propriamente como pressupostos de aplicação do art. 484º, razão por que devem ser excluídas do âmbito do ilícito ao bom nome e ao crédito.
A liberdade de expressão abrange o recurso a certa dose de exagero, mesmo de provocação, de polémica e de agressividade, como admite e protege o art.º 10.º da CEDH, e assim tem sido interpretado pelo TEDH, cujas restrições têm de ser interpretadas estritamente e corresponder a «necessidade social imperiosa», por necessário e fundamental numa sociedade democrática.
Se os factos são capazes de conduzir a certas ilações ou conclusões, as quais são já produto de uma valoração, tal não pode ser imputável ao agente a título de responsabilidade por divulgação de factos ofensivos ao bom nome e ao crédito.
Assim sendo, se das metáforas relativas a um campeonato de futebol, eventualmente, se conseguir retirar a ilação ou conclusão que o apelante estaria ligado a esquemas de corrupção, tal não poderá ser imputado ao apelado a título de responsabilidade por divulgação de factos ofensivos ao bom nome e ao crédito, por serem livremente avaliáveis por cada um.
Tratando-se, pois, de juízos de valor ou meras opiniões, enquanto manifestações do subjetivismo do apelado, cuja validade ou verosimilhança seriam livremente avaliáveis por cada um, estariam particularmente legitimados enquanto objeto do direito fundamental à liberdade de expressão.
Aliás, como entendeu o tribunal a quo “O R., afinal, afirmou ser sua convicção que o A. recebeu dinheiro ou afirmou que o A. recebeu dinheiro? No contexto das entrevistas é apenas possível inferir que o R. afirmou ser sua convicção que o A. recebeu vantagem, não assim que a recebeu”.
Temos, pois, que estas declarações em que o apelado expressa juízos de valor utilizando metáforas futebolísticas, permitindo aos seus leitores formular as próprias conclusões quanto ao seu acerto, que apesar de poderem ser violentas não se revelam desproporcionadas e desadequadas, atento o interesse social que o assunto justificava na comunidade.
Destarte, as expressões/opiniões/comentários/suspeitas utilizadas pelo apelado não se revestem da ilicitude exigida no art. 483.º, do CCivil, no sentido de conter expressões suscetíveis de lesionar o bom nome, a honra ou a reputação do apelante, não se verificando, em consequência, um dos pressupostos necessários ao direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual.
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Poderemos, pois, formular globalmente as seguintes conclusões:
- O critério que deve presidir à ponderação em caso de conflito entre liberdade de expressão e o direito à honra, bom-nome e reputação, é o da adequação da informação ao cumprimento do fim (interesse público) de informar.
- O âmbito normativo da liberdade de expressão deve ser o mais extenso possível de modo a englobar opiniões, ideias, pontos de vista, convicções, críticas, tomadas de posição, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto.    
- Apenas os factos, e já não os juízos de valor ou as opiniões, podem fazer incorrer em responsabilidade quem procede à sua transmissão.
- Diretamente visadas são as afirmações de facto, só muito excecionalmente, em situações gravíssimas de ofensa e humilhação, se devendo admitir indemnizações por juízos de valor.
- Os juízos de valor ou meras opiniões, enquanto manifestações do subjetivismo do respetivo autor, cuja validade ou verosimilhança serão livremente avaliáveis por cada um, estarão particularmente legitimados enquanto objeto do direito fundamental à liberdade de expressão.
- Os juízos de valor que atinjam a honra, bom nome e consideração de outrem serão admissíveis se se alicerçarem numa “base de facto razoável” e se reportarem a algum assunto de interesse legítimo.
- A liberdade de expressão não pressupõe sequer um dever de verdade perante os factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos.
- Tendo em conta a indemonstrabilidade da verdade dos factos no momento da sua divulgação, bem como o interesse público a esta associado, parece razoável excluir a responsabilidade do agente, mesmo quando posteriormente se venha a apurar o carácter inverídico daqueles.
- A exigência da prova da verdade de uma opinião é impossível de cumprir e infringe a própria liberdade de expressão.
- O apelado nas suas declarações não afirmou ou divulgou factos ofensivos da credibilidade, prestígio, honra, reputação e imagem do apelante, não assumindo foros de gravidade, nem as mesmas se revelaram excessivas, situando-se perfeitamente no conteúdo da liberdade de expressão e de opinião.
- Caso os factos fossem ofensivos dos direitos de personalidade do apelante, mas estando em causa assuntos que interessavam à coletividade, tais comentários estariam legitimados pela liberdade de expressão/opinião, que só termina perante ofensas gritantes à honra e ao bom nome, o que não aconteceu, pela proporcionalidade e adequação das expressões usadas pelo apelado.
- Os eventuais juízos de valor, opinião ou comentários nas declarações de facto proferidas pelo apelado, não podem considerar-se propriamente como pressupostos de aplicação do art. 484º, do CCivil.
- Se os factos são capazes de conduzir a certas ilações ou conclusões, as quais são já produto de uma valoração, tal não pode ser imputável ao agente a título de responsabilidade por divulgação de factos ofensivos ao bom nome e ao crédito.
- Quanto estejam em causa assuntos que interessam à coletividade, a liberdade de expressão é "uma liberdade de ofender" (e de chocar) que só termina perante ofensas gritantes à honra e ao bom nome.
- Sendo proibida a afirmação ou divulgação de factos falsos, mas se proferidos dentro dos limites aceitáveis da liberdade de expressão e com uma base factual sólida, e não havendo uma ofensa gritante à honra e bom nome de outrem, o erro pode-se ter por admissível, aceitável e justificável, atendendo, nomeadamente, à proporcionalidade e adequação das expressões usadas.
- A jurisprudência do TEDH, aponta para uma menor esfera de proteção da honra e consideração de figuras públicas, face à de simples particulares, assim como quando estejam em causa assuntos de interesse público ou geral.
- Se das metáforas relativas a um campeonato de futebol, eventualmente, se conseguir retirar a ilação ou conclusão que o apelante estaria ligado a esquemas de corrupção, tal não poderá ser imputado ao apelado a título de responsabilidade por divulgação de factos ofensivos ao bom nome e ao crédito, por serem livremente avaliáveis por cada um.
- Qualquer condenação judicial, seja de natureza cível, seja de natureza criminal, constitui ingerência no direito à liberdade de expressão, se for baseada em atuação ocorrida no exercício dessa liberdade.
- A prevalência tendencial da liberdade de expressão em detrimento da honra e bom nome dos sujeitos que se encontram no poder, atento o interesse público na discussão e no escrutínio dos seus atos, se não decorria já dos limites imanentes destes direitos, resulta cabalmente da CEDH e da sedimentação da sua aplicação pelo TEDH.        
- Perante uma orientação jurisprudencial estabilizada junto do TEDH, os tribunais portugueses não poderão deixar de se
influenciar pelo paradigma europeu dos direitos humanos.
2.) INCONSTITUCIONALIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO POR VIOLAÇÃO DOS N.ºs 2 E 3, DO ARTIGO 18º, DA CRPORTUGUESA.
O apelante alega que a “decisão ora recorrida, ao propugnar que o exercício da liberdade de expressão, nos termos em que tal direito foi exercido pelo Réu, “não extravasou o aceitável”, está, no fundo, a proceder ao aniquilamento do núcleo fundamental do direito à honra, subalternizando-o por completo face à liberdade de expressão, violando-se o disposto no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que se invoca para os devidos e legais”.
Vejamos a questão, isto é, se a decisão proferida pelo tribunal a quo aniquilou o direito à honra em favor da liberdade de expressão.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – art. 18º, nº 2, da CRPortuguesa.
As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais – art. 18º, nº 3, da CRPortuguesa. 
Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes – art. 335º, nº 1, do CCivil. 
O regime próprio dos direitos, liberdades e garantias não proíbe de todo a possibilidade de restrição, por via de lei, do exercício dos direitos, liberdades e garantias. Para que a restrição seja constitucionalmente legitima, torna-se necessária a verificação cumulativa das seguintes condições: (a) que a restrição esteja expressamente admitida (ou, eventualmente, imposta) pela Constituição, ela mesma (nº 2, 1ª parte); (b) que a restrição vise salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (nº 2, in fine); (c) que a restrição seja exigida por essa salvaguarda, seja apta para o efeito e se limite à medida necessária para alcançar esse objetivo (nº 2, 2ª parte); (d) que a restrição não aniquile o direito em causa atingindo o conteúdo essencial do respetivo preceito (nº 3, in fine) [117].
Embora a constituição se refira expressamente a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, existe outro tipo de restrições que a doutrina mais recente designou por intervenções restritivas. As intervenções restritivas consistem em atos ou atuações das autoridades públicas restritivamente incidentes, de modo concreto e imediato, sobre um direito, liberdade e garantia ou direito de natureza análoga. Estas intervenções restritivas estão, desde logo, sujeitas aos princípios da constitucionalidade e da legalidade[118].
Em princípio, a DUDH não pode fundamentar restrições de direitos fundamentais não constitucionalmente admitidas[119].
O TEHD tem adotado um critério assaz liberal na proteção da liberdade de expressão e opinião e do direito de crítica política ou dos agentes políticos. No contexto constitucional português, os direitos em colisão devem considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infra valorização abstrata[120].
O trabalho de ponderação entre os direitos que entram em colisão em cada caso não é fácil, pois o problema reside, fundamentalmente, na dificuldade em estabelecer um ponto de equilíbrio entre os mesmos, devido a uma indeterminação legal destes direitos[121].
O tribunal a quo ao fundamentar a sua decisão entendeu que “Na medida em que se confrontem direitos constitucionalmente tutelados, não é possível estabelecer-se, em abstrato, qualquer relação de prevalência ou de hierarquia entre eles, nomeadamente os acolhidos pelas referidas normas e princípios consagrados na Lei Fundamental. Ambos se perfilam no mesmo patamar, portadores da mesma dignidade constitucional, a todos vinculam, são de aplicabilidade direta e apenas suscetíveis de restrições impostas por lei ou por outras normas ou princípios constitucionais, protetores de um "bem constitucionalmente valioso", com respeito pelos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. Partindo-se do pressuposto da não primazia de qualquer um dos direitos, há que resolver o conflito através da coordenação, de forma a distribuir proporcionalmente os custos desse conflito, sem atingir o conteúdo essencial de cada um. Cumpre otimizar a eficácia dos preceitos, sem suprimir qualquer um deles. O direito à informação e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e outro”.
Assim, conclui que “o A. não pode pretender, validamente, que se impeça terceiros de cogitarem e, porventura, extrapolarem dos factos concretos. Não impende, tão pouco, sobre o tribunal o ónus de aquilatar da qualidade das opiniões emitidas, contanto que estas se contenham dentro dos limites do razoável, no contexto dos factos concretos.
Verifica-se, pois, que a decisão do tribunal a quo respeitou o direito à liberdade de expressão e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, não dando primazia a qualquer um deles, mas uma vez que ambos estavam em confronto, teriam que sofrer limitações, mas respeitando, no caso, o núcleo essencial de cada um deles (mostra-se respeitado o equilíbrio entre o direito à honra e ao bom nome do apelante e o direito de expressão do apelado, bem como o interesse na revelação da informação).
Conclui-se, pois, que a decisão proferida pelo tribunal a quo não violou o disposto no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, não padecendo, por isso, a mesma de qualquer inconstitucionalidade.
Destarte, improcedendo as conclusões do recurso de apelação, há que confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida.       
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pelo apelante (na vertente de custas de parte, por outras não haver[122]), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencido.
                    
Lisboa, 2020-06-18[123],[124]
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins
Inês Moura
_______________________________________________________
[1] A Ré, HELIPORTUGAL, S.A., foi absolvida da instância por ter sido declarada parte ilegítima no despacho saneador.
[2] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[6] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[7] Quando não tenha sido impugnada, nem haja lugar a qualquer alteração da matéria de facto, o acórdão limita-se a remeter para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria – art. 663º, nº 6, do CPCivil.
[8] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.
[9] ANA PRATA (Coord.), Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Atualizada, volume I, p. 112.
[10] CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, p. 117.
[11] MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, tomo 1º, p. 157.
[12] MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 51.
[13] MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 44.
[14] MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo III, 2004, p. 142.
[15] MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 62.
[16] MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, pp. 62.
[17] CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, pp. 303/304.
[18] MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 62.
[19] JOSÉ BELEZA DOS SANTOS, Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria, RLJ, ano 92.º, p. 181.
[20] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 466.
[21] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 761/62.
[22] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 762.
[23] MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 63.
[24] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 762.
[25] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. 1.º, 15.ª ed., p. 299.
[26] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 24.
[27] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-05-14, CJ (Ac´s STJ), tomo 2.º, p. 66.
[28] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. 1.º, 15.ª ed., p. 298.
[29] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 572.
[30] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 391/92.
[31] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 417.
[32] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.
[33] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.
[34] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 418.
[35] MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, pp. 33/34.
[36] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 575.
[37] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 572.
[38] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 572.
[39] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 292/2008, de 29-05-2008, in DR n.º 141/2008, Série II de 2008-07-23.
[40] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 572.
[41] Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos – art. 18º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
[42] Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão – art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
[43] JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome”, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 138.
[44] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 299.
[45] CASO ALMEIDA AZEVEDO/PORTUGAL (Queixa 43924/02) - Acórdão de 23 de janeiro de 2007.
[46] CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016.
[47] CASO URBINO RODRIGUES/PORTUGAL (Queixa 75088/01) - Acórdão de 29 de novembro de 2005.
[48] CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016.
[49] JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 857, citando Francisco Teixeira da Mota, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pp. 39/84.
[50] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-04-23, Relator: RODRIGUES DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[51] IOLANDA DE BRITO, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, p. 65.
[52] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 30.
[53] CASO COLAÇO MESTRE E SIC – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A./ PORTUGAL (Queixas n.ºs 11182/03 e 11319/03) - acórdão de 26 de abril de 2007, n.º 22.
[54] CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições básicas para seu progresso e para a autorrealização de cada indivíduo.
[55] CASO LARANJEIRA MARQUES DA SILVA / PORTUGAL (Queixa nº 16983/06) – Acórdão de 19 de janeiro de 2010, onde o tribunal reitera o entendimento que a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática.
[56] CASO FELDEK/SLOVAQUIE (Queixa n.º 29032/95) - acórdão de julho de 2001, n.º 51.
[57] CASO COLAÇO MESTRE, citado, n.º 24.
[58] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 373.
[59] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 373/378.
[60] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 424.
[61] MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 34.
[62] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 1130.
[63] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-02, Relator: PAULO SÁ, http://www.dgsi.pt/jstj.
[64] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, CJ (Ac´s STJ), tomo 1.º, p. 77.
[65] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-02, Relator: PAULO SÁ, http://www.dgsi.pt/jstj.
[66] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-02, Relator: PAULO SÁ, http://www.dgsi.pt/jstj.
[67] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-01-09, Relator: SÉRGIO POÇAS, http://www.dgsi.pt/jstj.
[68] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[69] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[70] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, CJ (Ac´s STJ), tomo 1.º, p. 78.
[71] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-02-26, CJ (Ac´s STJ), tomo 1.º, p. 79.
[72] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-06-28, Relator: GRANJA DA FONSECA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[73] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-05-08, Relator: MOREIRA ALVES, http://www.dgsi.pt/jstj.
[74] JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome”, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 144 e nota 75.
[75] JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 139.
[76] JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 154.
[77] JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 151.
[78] CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal reiterou o entendimento que, sujeito ao parágrafo 2 do artigo 10, é aplicável não apenas às “informações” ou “ideias” que são recebidas favoravelmente ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também àquelas que ofendem, chocam ou perturbam.
[79] JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, pp. 139/143.
[80] JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 143.
[81] RENATO LOPES MILITÃO, Sobre a tutela penal da honra das entidades coletivas, Julgar Online, pp. 6/7/9/32/33.
[82] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 786.
[83] JOÃO TORNADA, “Liberdade de expressão ou “liberdade de ofender”? – o conflito entre a liberdade de expressão e de informação e o direito à honra e ao bom nome, O Direito, ano 150 (2018), I, p. 147/148.
[84] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 767/768 e, 786/789.
[85] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[86] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 263.
[87] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 767/68.
[88] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 23.
[89] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, pp. 23/24.
[90] MANUEL CARNEIRO DA FRADA, citado por FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 24.
[91] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 26
[92] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 26.
[93] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Ilicitude Extracontratual (umas breves notas), CEJ, Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil, p. 26.
[94] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: ROQUE NOGUEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.
[95] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 264.
[96] CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal reiterou o entendimento que para avaliar a justificativa de uma declaração que está em questão, deve-se fazer uma distinção entre declarações de fato e julgamentos de valor. Embora a existência de fatos possa ser demonstrada, é impossível cumprir a exigência de provar a verdade de um julgamento de valor e viola a própria liberdade de opinião, que é parte fundamental do direito garantido pelo artigo 10.
[97] CASO ANTUNES EMÍDIO E SOARES GOMES DA CRUZ/PORTUGAL (Queixas n.ºs 75637/13 e 8114/14) - Acórdão de 24 setembro de 2019, onde o tribunal reiterou o entendimento que para avaliar uma declaração que está em questão, deve-se fazer uma distinção entre declarações de fato e julgamentos de valor. Embora a existência de fatos possa ser demonstrada, a verdade dos julgamentos de valor não é suscetível de prova.
[98] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 267.
[99] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 268.
[100] COSTA ANDRADE, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, p. 274.
[101] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 298.
[102] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 299.
[103] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 299.
[104] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 301.
[105] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. 1º, 6ª ed., p. 496.
[106] MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2º vol., p. 303.
[107] LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 4ª edição, p. 763.
[108] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 13-11-2013, Relator: OLIVEIRA BARROS, www.dgsi.pt/jSTJ.
[109] CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal entendeu que o requerente precisava ter uma base factual na qual basear suas alegações, tendo-as, no entanto, baseado em um mero boato e não tinha evidências para apoiá-las, pelo que, a conclusão de que ele não agiu “de boa fé” foi proporcional e justificada.
[110] CASO SOARES/PORTUGAL (Queixa n.º 79972/12) - Acórdão de 21 junho de 2016, onde o tribunal entendeu que o requerente precisava de ter uma base factual na qual basear suas alegações, tendo-as, no entanto, baseado em um mero boato e não tinha evidências para apoiá-las, pelo que, a conclusão de que ele não agiu “de boa fé” foi proporcional e justificada. Como ainda referido pelo tribunal, o demandante não possuía provas para sustentar suas alegações e que nenhuma das três entidades diferentes que as investigaram conseguiu demonstrar sua veracidade.
[111] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 806.
[112] FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, p. 301.
[113] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 425.
[114] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, pp. 768/69.
[115] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 419, nota (477).
[116] JÓNATAS MACHADO, Liberdade de expressão, dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, p. 420, nota (477).
[117] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 388.
[118] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 388.
[119] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 368.
[120] GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed., p. 466.
[121] MARIA CARVALHO REBELO, A responsabilidade civil pela informação transmitida pela televisão, p. 135.
[122] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do nº 1 do artigo 529, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[123] Acórdão assinado digitalmente.
[124] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.