Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1135/15.0T8ALM.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MENOR
CULPA IN VIGILANDO
DANOS FUTUROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTES (RECURSO PRINCIPAL E SUBSIDIÁRIO)
Sumário: 1.O direito de regresso só existe nas situações taxativamente aludidas no artigo 27º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, no caso concreto pelos responsáveis pela condução por quem não estava legalmente habilitado a conduzir.

2.A inimputabilidade, para efeitos de responsabilidade civil, corresponde à incapacidade, por falta de discernimento bastante para avaliar os seus actos e para se determinar de harmonia com o juízo que faça deles, presumindo-se a falta de tal imputabilidade, nomeadamente nos menores de sete anos.

3.O artigo 491º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa (juris tantum) das pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, a vigiar outras.

4.Apurado que um incapaz sujeito a vigilância causou danos a terceiros, cabe à pessoa obrigada à vigilância o ónus de demonstrar que não houve omissão do dever de vigilância ou que, mesmo que cumprido esse dever, os danos se teriam igualmente verificado.

5.A obrigação de indemnizar que recai sobre essas pessoas alicerça-se, não numa responsabilidade objectiva, mas em facto próprio dessas mesmas pessoas, porquanto a lei presume que elas omitiram aquela vigilância que era adequada na situação concreta (culpa in vigilando).

6.A indemnização do dano patrimonial futuro, na vertente da privação de alimentos, prevista no n.º 3 do artigo 495.º do CC, consagra uma excepção ao princípio geral de que só ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado assiste direito a indemnização, nele se abrangendo terceiros só reflexamente prejudicados com o evento danoso.

7.A aludida indemnização por danos futuros referenciados à perda da contribuição do cônjuge falecido em acidente de viação é sempre devida, independentemente da necessidade do cônjuge sobrevivo, pois na vida conjugal os cônjuges não podem deixar de contribuir para os encargos da vida familiar na proporção das respectivas possibilidades.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:


COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede ……. em Lisboa, intentou, em 03.02.2015, contra CARLOS …. ,  INÁCIA .... e MARIA ...., residentes na ……, acção declarativa de condenação, sob forma de processo comum, através da qual pede a condenação solidária dos réus no pagamento à autora da quantia € 195.326,32, acrescida dos respectivos juros, que, à taxa legal, se vencerem desde a data de citação até integral pagamento.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:
1.No dia 08.12.2013, o veículo com matrícula DT, por si seguro, foi conduzido pela menor, a Ré Maria …., estando ao seu lado o seu pai, o Réu Carlos ..., o qual levava ao colo o filho de 2 anos de idade.
2.Nestas circunstâncias, a Ré MARIA ...., após imobilizar o veículo, e pretendendo reiniciar a marcha, atrapalhou-se e acelerou o veículo, vindo a perder o controlo do mesmo e a embater no veículo de  Narcisa ..., que estava estacionado junto ao lote 207, bem como a destruir o muro do lote 207 e a invadir o jardim à frente da casa ali edificada, onde acabou por colher mortalmente  Narcisa ....
3.A Autora, no cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de seguro, suportou as indemnizações dos danos decorrentes do sinistro, tanto os danos patrimoniais, incluindo os danos patrimoniais futuros, como os danos não patrimoniais, abrangendo nestes a perda do direito à vida de Narcisa ... e os danos não patrimoniais sofridos pela vítima e pelo seu marido e filha, no total de € 195.326,32.
4.Tem, pois, a Autora o direito a haver esta quantia dos Réus, com fundamento no direito de regresso, atenta a circunstância da condutora se não mostrar habilitada para o efeito, e mais atendendo à violação do dever de vigilância dos pais (os Réus Carlos ... e Inácia ...) sobre a Ré MARIA .....
5. A própria Ré MARIA .... é também responsável, na medida em que, para estes efeitos, deve ser considerada imputável.

Citados, os réus apresentaram contestação, em 16.03.2015, admitindo o alegado pela autora, com excepção, quer do conhecimento e consentimento da Ré Inácia ... relativamente à condução do veículo pela sua filha, razão pela qual defendem a sua absolvida do pedido, quer da indemnização por danos patrimoniais futuros, pugnando pela sua absolvição do pedido nesta parte.

Mais invocaram, os réus, a inimputabilidade da Ré MARIA.... e concluíram pela sua consequente absolvição do pedido.

Por despacho de 06.04.2016, foi a autora convidada a esclarecer de que modo calculou o dano patrimonial futuro, convite que a autora acatou, apresentando o requerimento de 22.04.2016, no qual invocou terem sido seguidos os critérios orientadores estabelecidos pela Portaria nº 679/2009, de 25.06., tendo os valores alcançados merecido a aceitação dos herdeiros da falecida.

Salientou a autora, quanto ao apuramento do dano patrimonial futuro, que havia recorrido à formula constante do Anexo III da aludida Portaria, através da ponderação do número de anos de previsível vida activa que a falecida ainda teria, atenta sua idade, e o facto de o seu rendimento ser consumido em família, devendo a sua perda ser compensada.

Por despacho de 20.09.2016 foi dispensada a audiência prévia,  fixado o valor da acção, proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova.

Foi levada a efeito, em 19.10.2016 e 07.12.2016, a audiência final, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 06.03.2017, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide julgar a ação parcialmente procedente, e em conformidade:
1. Condena solidariamente os Réus CARLOS  e MARIA .... no pagamento à Autora COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., de:
a)- € 195.326,32, correspondentes à indemnização paga pela Autora aos herdeiros da falecida Narcisa ….;
b)- Juros de mora sobre a quantia aludida em a), contabilizados desde 13.02.2015 até à presente data, à taxa de 4%, e desde a presente data até efetivo e integral pagamento, à taxa legal;
2.Absolve a Ré  INÁCIA .... do pedido.
Custas pelas partes, na proporção do respetivo vencimento.
Notifique e registe.
              
Inconformada com o assim decidido, os réus, CARLOS … E MARIA ...., interpuseram, em 27.04.2017, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES dos recorrentes:
Do recurso da menor MARIA ....
i.A menor MARIA .... tinha 13 anos à data dos factos, não tendo noção de que da sua acção – que se traduzia em mudar o carro das traseiras para a frente da casa – pudessem resultar as consequências ocorridas.
ii.A menor confiava inteiramente no seu pai, obedecia às suas instruções e nunca representou que tais consequências pudessem ter ocorrido, pelo que não deve ser considerada imputável para os efeitos do art. 488.º, n.º 1, do CC.
iii.Relativamente a esta matéria, a sentença recorrida entende que a R. MARIA .... já tinha uma idade em que sabia o que são acidentes de viação e quais as suas consequências, sendo a apreensão dos acontecimentos dessa natureza perfeitamente acessível a uma jovem dessa idade.
iv.Tal proposição é correcta, mas o caso dos autos tem uma particularidade: é que a Recorrente MARIA .... conduzia o veículo nas imediações da sua casa e com o pai ao lado, que lhe ia dando instruções sobre a forma como o devia conduzir – cfr. factos provados sob os n.ºs 5 a 11, 38 e 39.
v.Ora, neste contexto, uma criança de 13 anos está “nas mãos” do pai, em quem confia cegamente, o que a torna incapacitada para compreender que, mesmo nessas condições, a segurança rodoviária estava comprometida; a MARIA sabia que a condução lhe estava vedada, mas, sentindo-se segura ao lado do pai e obedecendo às instruções deste, não tinha a capacidade para compreender cabalmente as consequências da sua conduta, que certamente, à luz de um critério de experiência comum, nunca concebeu que poderiam ocorrer nos termos em que ocorreram.
vi.Não há muito mais que, do ponto de vista jurídico, se possa dizer, cabendo ao julgador, à luz de um critério de experiência comum, formular um juízo que é iminentemente extra-jurídico.
vii.Assim sendo, espera a MARIA .... que o Tribunal da Relação a absolva do pedido, por não se mostrar preenchido o pressuposto em que se funda, ou seja, a sua capacidade para entender ou querer o facto danoso provocado, como exige o art. 488.º, n.º 1 do CC.
Do recurso relativo aos danos patrimoniais futuros
viii.Salvo melhor opinião, a A. não demonstrou os pressupostos de que depende o exercício do direito de regresso quanto ao pagamento dessa parcela de indemnização, que ela livremente arbitrou e pagou.
ix.Em face dos factos apurados (cfr. factos provados 33, 34, 35, 37, 42 e 43), não é possível presumir que o marido e a filha da falecida Narcisa ... carecessem de quaisquer alimentos da mulher e mãe, ou que houvesse qualquer probabilidade de deles virem a carecer.
x.O marido de Narcisa …. tinha um vencimento aproximadamente equivalente ao da sua falecida mulher, na casa de € 1.000 para cada um, não se vislumbrando que carecesse de alimentos da mulher ou que deles viesse a carecer.
xi.Admite-se que o marido da falecida Narcisa ... beneficiasse de alguma economia de escala decorrente de viver em economia comum com a mulher, até porque está provado, e decorre de um critério de experiência comum, que a falecida Narcisa ... consumia o seu rendimento em família, ou seja, no quadro da economia familiar comum que mantinha com o marido.
xii.Já a filha de Narcisa ... não vivia com os pais, como resulta das declarações de IRS por estes apresentadas, nada se sabendo sobre a sua situação de vida.
xiii.A esta luz, não se vislumbra como é que foi possível quantificar o pagamento de uma indemnização de € 99.413,61, a favor dos herdeiros da falecida Narcisa ..., como ocorreu.
xiv.Não se encontra fundamento para ter de aceitar reembolsar a Seguradora da verba de € 99.413,61, que não se alcança como é que foi calculada, tendo naturalmente em conta os factos que foram apurados, que de forma clara indiciam que a falta do rendimento de Narcisa ... não gera qualquer quebra significativa no quadro das economias domésticas dos seus herdeiros, a não ser de uma forma muito marginal em relação ao viúvo, que se admite que pudesse beneficiar de alguma economia de escala.
xv.De resto, impressiona que a Seguradora não tenha articulado na sua petição inicial qualquer facto de onde se possa retirar a justificação para o pagamento de uma indemnização por dano patrimonial futuro, no valor de € 99.413,61.
xvi.Em qualquer caso, mesmo que se quisesse considerar a marginal contribuição do rendimento da falecida para uma economia de escala familiar, tendo em conta os rendimentos do casal e a sua idade, não há contas que permitam justificar a verba liquidada, pelo que, nesta sede, mesmo que se quisesse ponderar uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros, ela teria de ser quase simbólica, muito inferior ao quantitativo arbitrado.
xvii.Pelo exposto, e neste segmento, o tribunal aplicou erroneamente ao caso dos autos as regras estabelecidas pelos arts. 495.º, n.º 3, 564.º e 566.º do CC, razão pela qual deve ser revogada a parte da sentença que condenou os Recorrentes no direito de regresso relativo à indemnização por danos patrimoniais futuros.

Pedem, por isso, os apelantes, a procedência do recurso com as legais consequências.
A autora apresentou contra-alegações, em 01.06.2017, propugnado pela improcedência do recurso apresentado pelos réus e a procedência do recurso subordinado, apresentado pela autora, e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
Da imputabilidade da Ré MARIA ....:
i.O Tribunal a quo fez uma correcta apreciação dos factos ao julgar a Ré MARIA .... imputável e, por conseguinte, responsável pela sua conduta, que vitimou mortalmente Narcisa ....
ii.A Ré MARIA .... tinha, à data dos factos, 13 anos de idade, pelo que é imputável os termos do artigo 488º do Código Civil, uma vez que tem mais de 7 anos e não é interdita por anomalia psíquica.
iii.E, nos termos do preceituado no n.º 1 do mesmo artigo, só se excluirá a responsabilidade pelas consequências do facto danoso quem, no momento do facto, esteja incapacitado de entender ou querer.
iv.Com 13 anos, a Ré é uma jovem com plena capacidade de compreensão dos seus actos e total consciência de que não só era ilegal conduzir um veículo automóvel, como não tinha as aptidões necessárias ao seu controlo, não o conseguindo imobilizar em segurança e assim evitar um embate, como veio a suceder.
v.A imputabilidade é um dos pressupostos básicos da culpa, na medida em que traduz a susceptibilidade de determinada pessoa ser objecto de um juízo de censura ou reprovação.
vi.Ainda que o Réu Carlos ... fosse ao seu lado a dar instruções, o certo é que a Ré MARIA .... sabia não ter as aptidões adequadas à condução de um veículo, e que, caso perdesse o controlo do mesmo, o seu pai nada poderia fazer de modo a impedir um acidente.
vii.Vide, a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/12/2008, o qual entendeu, e bem, que “…a inimputabilidade, para efeitos de responsabilidade civil, corresponde apenas à incapacidade, por qualquer causa e no momento em que o facto ocorreu, de entender ou querer – cfr. art. 488º do Código Civil – ou seja, à falta de discernimento bastante para avaliar os seus actos e para se determinar de harmonia com o juízo que faça deles”.
viii.A Ré MARIA ...., com 13 anos à data dos factos, tinha discernimento para entender os efeitos dos seus actos e liberdade e capacidade para ter actuado de forma diversa.
ix.Segundo o citado Aresto, a tal conclusão (a imputabilidade do menor que conduziu um motociclo), “não obsta a circunstância de existirem responsáveis por culpa in vigilando e (…) nada obsta à condenação solidária do menor e dos obrigados á sua vigilância”.
x.Deste modo, a responsabilidade do autor da lesão (o menor), não se encontra transferida para as pessoas responsáveis pela sua vigilância (os seus pais);
xi.Face ao exposto, é manifesto, atendendo à letra da lei e às circunstâncias que pautaram o acidente, que é a Ré Maria … imputável, pois tinha perfeita consciência de que não tinha as aptidões suficientes à condução de um veículo automóvel e que, por isso, não o poderia controlar com a destreza necessária a uma condução segura.
xii.Termos em que deve, nesta matéria, ser integralmente mantida a douta Sentença recorrida.
Dos danos patrimoniais futuros:
xiii.Impugnam ainda os Recorrentes a quantia arbitrada a título de danos patrimoniais futuros, no valor de €: 99.413,61 (noventa e nove mil, quatrocentos e treze euros e sessenta e um cêntimos).
xiv.A Recorrida justificou, cabalmente, a forma como alcançou tal valor indemnizatório.
xv.Recorreu à fórmula constante do Anexo III da Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, através da qual entendeu justo e equitativo o valor de €: 99.413,61, atendendo, além do número de anos de previsível vida activa que a falecida teria, atenta a sua idade, igualmente o facto de o seu rendimento ser consumido em família (facto provado 37) e, por isso, dever a sua perda ser compensada.
xvi.A falecida tinha, à data do acidente, 54 anos de idade, auferia um salário anual de cerca de €: 13.000,00, superior ao do marido e tinha uma relação de grande afecto com este e com a filha de ambos.
xvii.De qualquer forma, afigura-se ainda assim, errada a conclusão dos Recorrentes de que o marido da vítima não carecia de alimentos por parte desta.
xviii. Dispõe o artigo 496º, n.º 3, do Código Civil, que “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
xix.O tribunal a quo adoptou, e bem, a posição consagrada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/10/2016, nos termos do qual: (…)
xx.Face ao exposto, dúvidas não há de que havia lugar ao pagamento de indemnização por danos patrimoniais futuros, e que o montante arbitrado pela Autora a esse título é adequado, pelo que tem direito a ser do mesmo reembolsada.
xxi.Pelo que também neste ponto deve ser mantida a douta Sentença recorrida.

Do recurso subordinado:
xxii.Não se conforma a Autora com a parte da decisão que absolveu a Ré Inácia ..., por se entender que a mesma efectivamente violou o dever de vigilância em relação à sua filha menor, a Ré MARIA ...., motivo pelo qual é solidariamente responsável com esta e com o Réu Carlos ....
xxiii.Dispõe o artigo 491º do Código Civil que “as pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido”;.
xxiv. Atenta a factualidade dada como provada e não provada, a Ré Inácia ... não logrou demonstrar que cumpriu o dever de vigilância que sobre si impendia, não bastando o facto de a menor MARIA .... se encontrar com o pai, para que se possa excluir o dever de vigilância que impende sobre a sua mãe.
xxv.Até porque a mesma igualmente permitiu que a filha conduzisse o veículo, não obstante a inabilitação legal para o efeito, como permitiu ainda que o seu filho de 2 anos de idade fosse dentro do veículo, no lugar do passageiro, ao colo do pai, sem cadeira e sem qualquer segurança.
xxvi.Não pode, pois, proceder a alegação de que a Ré Inácia ... não sabia que alguma vez tivesse conduzido um veículo automóvel, incluindo o dia do acidente.
xxvii.Se a Ré MARIA .... tinha efectivamente gosto pela condução, e era ela própria que pedia ao pai para conduzir, por alegadamente gostar muito de automóveis, e que tomava a iniciativa de se sentar ao volante, não é verosímil que disso não desse conhecimento à sua mãe, com quem residia.
xxviii.Com efeito, os Réus Carlos ... e Inácia ..., pais da Ré Maria, eram casados e residiam na mesma morada, pelo que não é justificável a tese de que a Ré Inácia ... não tivesse qualquer conhecimento do gosto da sua filha pela condução e que por algumas vezes conduzira o veículo da família.
xxix.O próprio Tribunal entende ser pouco verosímil que uma jovem com gosto pela condução não o manifestasse em casa, junto da família.
xxx.Tendo apenas baseado a sua decisão no facto de a Ré Inácia ..., nas suas declarações de parte, ter negado qualquer conhecimento e consentimento quanto à condução do veículo pela sua filha MARIA ...., afirmações que foram corroboradas pelas testemunhas Paula e Paulo .....
xxxi.Quanto às testemunhas em questão, não podem naturalmente os seus depoimentos relevar, pois é perfeitamente possível que não soubessem que os Réus permitiam que a sua filha conduzisse o veículo da família.
xxxii.De qualquer forma, sempre se dirá que competia aos Réus demonstrar que foi cumprido o dever de vigilância, não sendo o mero desconhecimento prova do efectivo cumprimento de tal dever, pois tal criaria margem para a omissão desse dever.
xxxiii.À Autora competia demonstrar a existência do dever de vigilância e da existência de um dano de terceiro.
xxxiv.Sobre a Ré Inácia ... impendia, obviamente, um dever de vigilância sobre a filha menor.
xxxv.Competia, pois, à Ré, demonstrar que cumpriu o mencionado dever, o que não resultou em momento algum provado.
xxxvi.Ainda que a Ré Inácia ... desconhecesse que a filha conduzia por vezes o veículo da família, entende a Autora que haveria igualmente violação do dever de vigilância que sobre si recaía, pois era seu dever estar atenta e aperceber-se de tal facto.
xxxvii.Se assim não fosse, bastaria a invocação de desconhecimento dos factos para qualquer pessoa se imiscuir dos seus deveres de vigilância, entendimento que não pode proceder.
xxxviii.Face ao exposto, deve a douta sentença recorrida ser alterada, condenando-se a Ré Inácia ... responsável solidariamente com os Réus Carlos ... e MARIA ...., por omissão do dever de vigilância.
xxxix.Termos em que violou a douta Sentença recorrida, nesta matéria, quanto dispõe o artigo 491º do Código Civil.
A 2ª ré respondeu, em 05.07.2017, ao recurso subordinado apresentado pela autora, propugnado pela sua improcedência.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas atenta a interligação do seu objecto, apreciar-se-á conjuntamente ambas as apelações (recurso principal e subsidiário), pelo que a solução a alcançar pressupõe a ponderação sobre VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica a análise:   
a)- DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO E O DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA  [recurso principal]
b)- DA IMPUTABILIDADE DA RÉ MARIA   [recurso principal]
c)- DA CULPA IN VIGILANDO       [recurso subordinado]
d)- O DANO PATRIMONIAL FUTURO     [recurso principal]


III.–FUNDAMENTAÇÃO
A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foi dado como provado na
sentença recorrida, o seguinte:
Petição Inicial
1.No dia 02 de janeiro de 2015 foi constituída a sociedade Companhia de Seguros, S.A., para quem se transmitiram todos os direitos e obrigações da Companhia de Seguros, S.p.A.
2.A Autora exerce a atividade seguradora.
3.No exercício dessa actividade, a Autora celebrou com o Réu Carlos ... um contrato de seguro do ramo Automóvel, titulado pela apólice nº 0084 10455049 000, através do qual se obrigou a garantir a responsabilidade civil resultante da circulação rodoviária do veículo de marca OPEL, modelo Monterey 3.1 TD, de matrícula DT, de sua propriedade.
4.O Réu Carlos ... e a Ré Inácia ... são pais da Ré MARIA ....
5.A Ré MARIA .... nasceu em 26 de julho de 2000
6. Pelas 16 horas do dia 08 de Dezembro de 2013, na Rua …, na Charneca da Caparica, junto ao lote 207, a Ré MARIA .... conduzia o veículo de matrícula 35-79-DT.
7.Ao seu lado, no lugar do passageiro, seguia o seu pai, o Réu Carlos ....
8.Que tinha uma criança ao colo, o seu filho, com 2 anos de idade.
9.A Ré MARIA ...., ao entrar na Rua …, atento o sentido   Este/Oeste,   pretendia  depois   virar  à  sua  direita,  para passar a circular na Rua …, a qual entronca com aquela do lado direito (atento o mencionado sentido de trânsito).
10.Como esta última artéria estava parcialmente obstruída por um vizinho dos Réus com um carrinho de mão que ali estava a despejar entulho, o Réu Carlos ... ordenou à Ré MARIA .... que, ao invés de virar à direita, seguisse em frente, pela Rua Emília ….
11.Ao reiniciar a marcha do DT, depois de o ter imobilizado, a jovem Maria atrapalhou-se e acelerou o DT, galgando o passeiro do lado direito, o que originou que perdesse o controlo do DT.
12.Concomitantemente, guinou o DT para a esquerda, atravessou toda a largura da Rua Emília …em direcção ao lote 207, e embateu, ainda na via pública, num terceiro veículo, de matrícula HD, propriedade de Narcisa …, que estava estacionado junto ao lote 207.
13.Em marcha completamente desgovernada, destruiu o muro do lote 207, invadiu o terreno/jardim frontal à casa ali edificada, destruindo tudo o que à sua frente havia, nomeadamente o pavimento e demais árvores e plantas.
14.E acabou por colher mortalmente Narcisa ..., que se encontrava no alpendre de sua casa, o dito lote 207, a estender roupa.
15.Narcisa ... faleceu esmagada entre a dianteira do DT e a parede de sua casa, escassos minutos após o embate.
16.A violência do embate justifica-se pela imperícia da Ré Maria, sendo que qualquer condutor normal, naquelas concretas circunstâncias, teria conseguido controlar a marcha do veículo.
17.À falecida Narcisa ... sucederam, como seus únicos e universais herdeiros, o seu marido Carlos e sua filha Alexandra.
18.No cumprimento das suas obrigações decorrentes do contrato de seguro, a Seguradora diligenciou o apuramento de responsabilidades decorrentes do sinistro e de todos os danos sofridos pelos lesados.
19.Para o efeito, contratou uma firma de Averiguações e Peritagens, a Nap Portugal, Lda..
20.A qual elaborou relatório.
21.Tendo por esta averiguação pago a quantia de € 252,15.
22.A mesma empresa procedeu à peritagem do veículo HD, embatido pelo DT e que era propriedade da falecida Narcisa ....
23.Por essa peritagem, destinada a avaliar os danos sofridos e o respetivo custo de reparação, a seguradora pagou à Nap, Lda., a quantia de € 76,75.
24.Na sequência desta peritagem, os danos sofridos pelo veículo HD tinham um custo de reparação que ascendia ao valor de € 694,00.
25.Valor que a Seguradora liquidou diretamente à empresa reparadora, a Auto Fenny de Fernando …..
26.Na sequência da reparação do HD, suportou ainda os custos de € 9,95  e  de  € 88,90,  respetivamente de despesas de táxi e dos custos com  o  reboque  do  HD para  a  oficina  reparadora  e, bem assim, despesas suportadas pelos herdeiros da falecida Narcisa com obtenção do Auto de Ocorrência.
27.Para apuramento dos danos sofridos no imóvel onde vivia a falecida Narcisa ..., a Seguradora contratou uma empresa de peritagens, especialista em peritagens de engenharia civil, no caso a Modera Engenharia, Lda..
28.Na posse do relatório que esta empresa elaborou, apurou-se que o embate do DT provocou os seguintes danos:
-muro e vedação; -passeio exterior; -portão de entrada; -jardim, canteiros e plantas; -pavimento do alpendre; -pilar esquerdo; -parede da fachada principal; -danos no interior de um quarto.
29.Apurados que foram os danos provocados pelo DT, no valor de € 7.616,00, acrescido de € 1.751,68 de IVA, a Seguradora ordenou a respetiva reparação, obra que foi realizada pela Lisantigo, Lda., tendo pago os referidos valores diretamente ao herdeiro da falecida Narcisa ..., estes valores.
30.A falecida e o seu marido eram proprietários de um cão de grande porte, o qual, com a destruição do muro de vedação e durante o período de tempo que mediou até à reparação integral deste, teve que ser transferido, por questões de segurança, para um centro de atendimento médico-veterinário.
31.Tendo a Seguradora suportado o custo, no montante de € 737,50.
32.A Seguradora, na sequência do apuramento de responsabilidades no sinistro, veio a indemnizar os herdeiros da falecida Narcisa ..., indemnizando estes por conta de todos os danos morais e patrimoniais sofridos, presentes e futuros, decorrentes do sinistro supra mencionado, enquanto únicos e universais herdeiros daquela.
33.A falecida Narcisa ... tinha, aquando do óbito, 54 anos de idade, já que nascera em 29 de novembro de 1959.
34.Exercia as funções de Assistente Técnica no Ministério da …., auferindo, à data do sinistro, uma remuneração anual de cerca de pelo menos € 13.000,00.
35.Ponderados todos estes factores, a Seguradora liquidou aos herdeiros da falecida uma indemnização no valor global de € 183.982,54, valor este que incluiu os seguintes danos:
-direito à vida da falecida Narcisa ... -€ 43.931,91;
-danos morais da vítima -€ 2.196,60;
-danos morais do viúvo -€ 27.457,44;
-danos morais da filha -€ 10.982,98;
-dano patrimonial futuro –€ 99.413,61.
36.O Réu Carlos ... permitiu que a sua filha conduzisse um veículo automóvel, sabendo da sua inabilitação legal para o efeito.
37.O rendimento de Narcisa ... era consumido em família.
Contestação
38.A Ré MARIA .... já tinha conduzido com o pai uma ou duas vezes num descampado perto de casa, a pedido dela e por gostar muito de automóveis, o que ele consentiu em fazer.
39.Quando o Réu Carlos ... chegou junto do carro, que se encontrava estacionado nas traseiras da sua residência, deparou com a filha já sentada ao volante, pedindo-lhe para conduzir o carro até à frente da casa, o que o Réu Carlos ... acabou por aceitar.
40.A Ré Inácia ... não sabia que alguma vez a filha tinha conduzido o veículo da família ou qualquer outro, nem que, no dia do sinistro, tinha intenção de o conduzir, nas circunstâncias em que o conduziu ou em quaisquer outras.
41.Nesse dia, a Ré Inácia ... estava dentro de casa no momento em que ocorreram os factos, sabendo que os seus dois filhos estavam com o pai, confiando que ele estaria a exercer adequadamente a vigilância que lhe incumbia.
E ainda:
42.Narcisa ... e o marido apresentaram declaração conjunta de rendimentos para fins de tributação em IRS, com respeito ao ano de 2012, na qual declararam que auferiram nesse ano rendimentos no valor de € 12.656,30 e € 12.445,55, respetivamente.
43.Da declaração aludida em 42. não consta a indicação de quaisquer dependentes não deficientes, deficientes ou em guarda conjunta.

BFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

a)- DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO E O DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA      [recurso principal]


Fundamentou a autora/seguradora a sua pretensão no direito de obter dos responsáveis pelo acidente ocorrido com o veículo seguro, o reembolso da indemnização paga aos lesados, tendo peticionado o valor total que havia suportado.

A Autora considera ter o direito de exigir da condutora do veículo por si seguro, menor, bem como dos seus pais, o reembolso da aludida quantia paga, atento o disposto no artigo 27º, alínea d) do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto.

O direito de regresso da seguradora previsto no citado normativo é um direito ex-novo que nasce na esfera jurídica da seguradora precisamente com o cumprimento da obrigação de indemnizar.

Nos termos do disposto no artigo 483.º do CC “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

Não são discutidos em sede recursória os pressupostos da invocada responsabilidade civil: o facto ilícito; a existência dos danos; bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos provados, situação que as partes aceitaram.

Nos termos do artigo 4.º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico (…) deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, como no caso dos autos se verifica.

Assim, por força do contrato de seguro celebrado entre o 1º réu e a seguradora e titulado pela apólice de seguro aqui em causa, a companhia de seguros é a responsável pela satisfação ao lesado dos danos emergentes do evento danoso decorrente de culpa exclusiva do condutor do veículo cuja circulação estava devidamente segurada na autora.

 
Resulta do artigo 27º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, sob a epígrafe “Direito de regresso da empresa de seguros” que:
1–Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:
a)-Contra o causador do acidente que o tenha provocado dolosamente;
b)-Contra os autores e cúmplices de roubo, furto ou furto de uso do veículo causador do acidente, bem como, subsidiariamente, o condutor do veículo objecto de tais crimes que os devesse conhecer e causador do acidente;
c)-Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de outras drogas ou produtos tóxicos;
d)-Contra o condutor, se não estiver legalmente habilitado, ou quando haja abandonado o sinistrado;
e)-Contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento;
f)-Contra o incumpridor da obrigação prevista no nº 3 do artigo 6º;
g)-Contra o responsável civil pelos danos causados nos termos do no 1 do artigo 7º e, subsidiariamente à responsabilidade prevista na alínea b), a pessoa responsável pela guarda do veículo cuja negligência tenha ocasionado o crime previsto na primeira parte do no 2 do mesmo artigo;
h)-Contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de utilização ou condução de veículos que não cumpram as obrigações legais de carácter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo, na medida em que o acidente tenha sido provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo;
i)-Em especial relativamente ao previsto na alínea anterior, contra o responsável pela apresentação do veículo a inspecção periódica que, na pendência do contrato de seguro, tenha incumprido a obrigação de renovação periódica dessa apresentação, na medida em que o acidente tenha sido provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo.
2–(…).

Com efeito, a autora, na qualidade de seguradora, que, ao abrigo de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, satisfez a indemnização decorrente de acidente de viação, pode exercer o direito de regresso contra o condutor do veículo objecto do contrato de seguro que não esteja legalmente habilitado.

Importa, então, apreciar as condições da pessoa que, no momento do acidente aqui em apreciação e que dele deu causa, se encontrava no exercício da condução, ou seja, a 3ª ré, menor.

b)-DA IMPUTABILIDADE DA RÉ MARIA [recurso principal]

A responsabilidade civil é uma fonte de obrigações, ou seja, é fonte de um vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação, nos termos da noção de obrigação constante do artigo 397º do Código Civil.

Segundo FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Reim., Almedina, 1999, 43-44, ao invocar o preceituado no artigo 483º do C.C., no qual se declara que o autor do acto ilícito  “fica obrigado a indemnizar  e  nos  artigos  562º e ss.,  que regulam a modalidade especial de obrigação de indemnizar, conclui, em termos sucintos, que “a responsabilidade civil consiste numa obrigação de indemnizar”.

Sendo fonte de obrigações é, também, uma forma de responsabilização por um determinado comportamento, já que o agente tem de ter actuado em liberdade. E, para garantir esta liberdade de actuação, o direito civil estabelece um limite à responsabilidade, concretizado no pressuposto de imputabilidade do artigo 488º do Código Civil.

Dispõe o citado normativo que:
1—Não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório.
2—Presume-se falta de imputabilidade nos menores de sete anos e nos interditos por anomalia psíquica

Como refere JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª ed., Almedina, 2000, 452, “diz-se imputável a pessoa com capacidade natural para prever os efeitos e medir o valor dos actos que pratica e para se determinar de harmonia com o juízo que faça deles. Exige-se, assim, para que haja imputabilidade, a posse de certo discernimento (capacidade intelectual e emocional) e de certa liberdade de determinação (capacidade volitiva)”.

É sabido que a adolescência começa com a puberdade, sendo que esta tem início mais cedo para as raparigas, por volta de 11 a 12 anos, e dos 13 aos 14 anos para os rapazes.

Diz-nos a psicologia que nesta fase os adolescentes têm uma capacidade reflexiva perante os diversos problemas, procurando solucioná-los por si só e têm já um sentido de responsabilidade.

Desde logo, dos 11 aos 13 anos, dá-se uma sofisticação cognitiva crescente e certa base ampliada de experiências que tornam o jovem capaz de tomar numerosas decisões de aprendizagem e de participação baseadas em muitos factores da tarefa, individuais e ambientais. O indivíduo começa a tomar decisões conscientes a favor ou contra sua participação em certas atividades.

Depois do período de crescimento relativamente lento na meninice, produz-se uma súbita aceleração, acompanhada de um desenvolvimento físico e mental muito rápido e irregular. Na adolescência é abandonada a despreocupada segurança da meninice e dá-se uma crescente maturidade mental preparando o jovem para encarar a realidade, reclamando liberdade e independência.                            

Ora, tendo a ré Maria, à data dos factos aqui em apreciação, 13 anos e seis meses de idade, há que considerar, segundo o desenvolvimento cognitivo de uma jovem dessa idade, que nos é transmitido pela psicologia e, atentas as regras de experiência, que a mesma já tinha a percepção do desvalor dos seus actos, podendo avaliar as consequências das suas diversas condutas, nomeadamente as que decorrem da condução de uma viatura sem estar legalmente habilitada para o efeito, o que não significa que a jovem não se sentisse, eventualmente, mais confiante por seguir na viatura acompanhada do pai. Mas, tal circunstância não a torna inimputável.

Concorda-se, por conseguinte, com a sentença recorrida, quando ali se concluiu que a menor Maria deverá ser considerada civilmente imputável, com relação ao acto ilícito e culposo, causador de danos, encontrando-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483º, nº 1 do Código Civil.

Improcede, por conseguinte, nesta parte, a apelação dos réus.

c)DA CULPA IN VIGILANDO [recurso subordinado]
 
Dispõe o artigo 491º do Código Civil que “As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido”.

O citado normativo estabelece a presunção de culpa daqueles que, por lei ou negócio jurídico, têm o dever de vigiar os naturalmente incapazes – cfr. FERNANDO PESSOA JORGE, ob. cit., 334 – cominando a responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem, e prevendo uma presunção de culpa (
presunção juris tantum).

Pese embora se possa entender como uma excepção à regra do nº 1 do artigo 487º do C.C., não se altera, no entanto, o princípio que decorre do disposto no artigo 483º do CC e do qual decorre, como antes ficou dito, de que a responsabilidade depende de culpa, pelo que se terá ainda de configurar o disposto no artigo 491º do C.C. como uma situação de responsabilidade delitual.


Não se trata, todavia, de uma responsabilidade objectiva ou por facto de outrem, mas por facto próprio, baseada na referida presunção ilidível de um dever de vigilância (
culpa in vigilando).

O artigo 491º do CC contempla, portanto, uma situação específica de responsabilidade subjectiva pela omissão, assentando na ideia de que não foram tomadas as necessárias precauções para evitar o dano, por omissão do dever de vigilância.


Encontram-se abrangidas no preceito as situações de “incapacidade natural”, não sendo apenas aplicável à inimputabilidade, que a lei presume nos menores de sete anos, aplicando-se tanto a menores inimputáveis, como a menores imputáveis, podendo abranger situações de menoridade, enquanto indiciadoras de causa de incapacidade natural, traduzida na falta ou impossibilidade do exercício pessoal de aptidão natural, expressa na capacidade de entender e querer (cf., por ex., HENRIQUE ANTUNES, Responsabilidade Civil dos Obrigados à Vigilância de Pessoa Naturalmente Incapaz, Universidade Católica Editora, 2000, 94 e segs, VAZ SERRA, RLJ ano 111, 22 e segs. e Ac. STJ de 03.02.2009 (Pº 08A3806).

São os seguintes os pressupostos do artigo 491º do CC:
a)- a existência de uma obrigação (legal ou convencional) de vigilância a cargo de um sujeito;
b)- a prática de um facto ilícito por parte do vigilando;
c)- e a causação de um dano a terceiro.

É consabida a estreita ligação entre o dever de vigilância, por parte dos pais, e a idade do filho, pois só finda com a maioridade, como decorre do artigo 1877º do CC.

Com efeito, incumbe aos pais, desde que não inibidos das responsabilidades parentais, e como decorre do disposto nos artigos 122º, 123º, 1878º, nº 1, 1881º, nº 1 e 1885º, nº 1, todos do Código Civil, a promoção do desenvolvimento físico e psíquico, intelectual e moral dos filhos menores e velar pela sua segurança, educação, saúde, assim como representá-los.

E, a responsabilidade dos pais decorrente dessa obrigação de vigilância que aqueles incumbe, no caso de filhos menores, radica em acto próprio, porquanto a lei presume que eles omitiram o poder-dever de educar os filhos, que consiste em dotá-los de condições de vivência física que permitam um desenvolvimento são, harmonioso e equilibrado, e que ao omitirem ou negligenciarem esse dever, contribuem para uma personalidade desajustada contrária aos valores que as sociedades devem preservar e que devem começar no seio familiar, posto que quem educa tem de ter um comportamento que sirva de exemplo – v. neste sentido Ac. STJ de 06.05.2008 (Pº 08A1042), acessível em www.dgsi.pt.

Segundo DARIO MARTINS DE ALMEIDA Manual de Acidentes de Viação”, 234, em comentário ao art. 491º do Código Civil: “Dois postulados comandam aqui a presunção de culpa das pessoas obrigadas à vigilância de outrem, impondo: a) — que exista um dever legal ou convencional de vigilância;
b)—que essa vigilância obrigatória tenha por objecto prevenir perigos resultantes de vigilandos (menores ou dementes), quer pela educação, quer através de cautelas normais, a apreciar segundo as circunstâncias de cada caso”.

Para ilidir a presunção de culpa consagrado no aludido artigo 491º do CC basta, nomeadamente, aos pais,
provarem que:
a)- o dever de vigilância foi cumprido, segundo as circunstâncias de cada caso concreto, nas quais se incluem a ocupação e a condição do próprio vigilante;
b)- os danos se teriam produzido mesmo que esse dever tivesse sido cumprido.

Mas, como tem sido entendimento unânime, o dever de vigilância, cuja violação implica responsabilidade presumida, culpa in vigilando, não deve ser entendido como uma obrigação quase policial dos pais, em relação aos filhos menores, em consonância com a idade dos mesmos, o que seria sempre contraproducente, pois é importante deixar-lhes uma margem de liberdade e crescimento com vista à aquisição, pelo próprio menor, de regras de comportamento compatíveis, evidentemente, com uma boa formação da personalidade e carácter – cfr. o anteriormente citado Ac. STJ de 06.05.2008.

Como bem referiu VAZ SERRA, Responsabilidade das Pessoas Obrigadas a Vigilância, BMJ nº 85 (381-444), pg. 425-426 “O dever de vigilância deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso, não se podendo ser demasiadamente severo a tal respeito”. Mais defendendo que os costumes actuais impõem aos pais que deixem a seus filhos uma margem de liberdade.

E, salienta ainda, que: As pessoas, que têm o dever de vigilância, têm, em regra, outras ocupações; por outro lado, as concepções dominantes e os costumes influem na maneira de exercer a vigilância, de modo a não poder considerar-se culpado quem de acordo com elas ou com eles, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe”

Pode, pois, concluir-se, seguindo os exemplos enumerados que, se o filho, habitando embora com os pais, pratica o facto ilícito em condições que excluem esse dever (por exemplo, quando se encontra na escola, longe da vigilância dos pais, e sem que o facto possa revelar falta de educação que os pais deviam dar-lhe), não está verificada a presunção de culpa. Mas, ao invés, se o filho, ainda que não habite com os pais, pratica o facto quando se acha sob o dever de vigilância deles, existirá presunção de culpa – v. tb. DARIO MARTINS DE ALMEIDA, ob. cit., 234-235.

Radicando o dever de vigilância dos pais nessa omissão de comportamentos próprios, que serão causa de actuações censuráveis dos filhos – por isso se tratando de culpa presumida e não culpa objectiva – ao lesado compete provar (art.342 nº1 do CC) a existência do dever de vigilância e do dano causado pelo acto antijurídico (ilícito) da pessoa a vigiar, cabendo ao obrigado à vigilância ilidir a presunção, demonstrando que cumpriu a diligência, o cuidado e o zelo exigíveis aos pais, no seu dever de vigilância, ou ainda que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido (relevância negativa da causa virtual do dano).

No caso de não ser ilidida a presunção, cumular-se-á a responsabilidade do menor (incapacidade natural), o que não significa inimputabilidade, com  a   responsabilidade    da    pessoa   obrigada  à vigilância, respondendo ambos, solidariamente, nos termos do artigo 497º do C.C. – cfr. JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, ob. cit., 489.

Não tem sido unívoca a compreensão do alcance do “dever de vigilância”, nomeadamente quanto a saber se se trata da “vigilância do momento”, em que ocorreu o facto danoso, ou antes uma “vigilância anterior”, reportada à educação e transmissão de regras de comportamento social, cujo exercício começa antes da produção do resultado danoso.

Como tem sido entendimento jurisprudencial para a definição do conceito “vigilância” deve adoptar-se uma síntese de ambas as posições, que varia em função das concepções sócio-culturais dominantes, apelando-se para um “padrão de conduta exigível”, impondo-se uma indagação casuística – cfr. a este propósito, e a título meramente exemplificativo, Ac. TRC de 17.09.2013 (Pº 2654/03.7TBPBL.C1), acessível em www.dgsi.pt.

As pessoas obrigadas à vigilância têm, por conseguinte, de mostrar que cumpriram o dever de vigilância de acordo com o padrão de conduta exigível, pelo que importa, em cada caso, comparar o que um “bom pai de família”, consciente dos seus deveres deveria fazer, e a conduta a analisar no caso concreto.

Ora, in casu, a responsabilidade por culpa in vigilando do pai, o  1º réu, é evidente, e nem sequer foi por este colocada em causa.

Mas, insurge-se a autora/recorrente (recurso subordinado) contra a sentença recorrida que absolveu a 2ª ré, mãe da menor.

Ficou, é certo, dado como provado que a menor Maria, mesmo antes do acidente aqui em causa, já tinha conduzido o veículo automóvel, uma ou duas vezes, num descampado perto de casa, a pedido dela e por gostar muito de automóveis, no que teve a permissão do pai, sabendo este que a filha não o podia fazer por não ter habilitação legal para o efeito – v. Nºs 36 e 38 da Fundamentação de Facto.

Mas, entendendo-se, como se entende, que os pais deverão contribuir, até pelo seu exemplo, para a formação do carácter dos filhos, dando-lhes, no entanto, consoante a sua idade, uma margem de liberdade, não se pode argumentar que a mãe não terá incutido na menor regras de conduta exigíveis para a não violação de normativos de convivência social, de regras relativas ao trânsito de veículos ou o  respeitar pelos direitos dos outros.

É que, muito embora nada se tenha provado no sentido de que o assunto relacionado com o gosto da menor por veículos haja sido falado ou discutido em família, e que essa tendência da menor haja sido desincentivada pela mãe, alertando-a para os riscos para si própria e para os outros, a verdade é que, no momento da ocorrência do facto ilícito praticado pela menor, esta encontrava-se sob vigilância do pai, não podendo imputar-se à ré Inácia, mãe da menor, a responsabilidade presumida que, no caso vertente, se terá de entender que se mostra ilidida, face às circunstâncias em que ocorreu o facto ilícito, não estando demonstrado que ela pudesse prever, ou admitir, que o pai da menor negligenciasse, de forma tão censurável, os deveres de educação e de exemplo que aos pais incumbem.

Considera-se, portanto, como se concluiu na sentença recorrida, que não era exigível à mãe que tivesse adoptado outras medidas com vista a apurar o que a filha ia fazer quando saiu de junto de si na companhia do pai.

Improcede, assim, o recurso subordinado da ré/seguradora, mantendo-se, o que a este propósito consta da sentença recorrida.

d)O DANO PATRIMONIAL FUTURO  [recurso principal]

Divergem os autores da sentença recorrida, quanto à sua condenação, com relação ao dano patrimonial futuro, na vertente da privação de alimentos, por entenderem que não se mostram verificados os respectivos pressupostos, nomeadamente a demonstração da efectiva necessidade de alimentos, insurgindo-se ainda os autores quanto ao critério seguido na sentença recorrido para a determinação do quantum da condenação, a esse título.                    
Como é sabido, são indemnizáveis, não só os danos não patrimoniais, mas também os danos patrimoniais. Dentro destes cabe não só o dano emergente, como o lucro cessante. O primeiro compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão. O segundo abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas que ainda não tinha direito à data da lesão.     

Um dos pressupostos de que depende o dever de reparação resultante da responsabilidade civil consiste, precisamente, na existência de um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder concluir-se que este resulta daquele.

Dispõe o artigo 563º do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Como afirma MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA,
Direito das Obrigações, 8ª ed., 545, “não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo produzidos (art. 563º). O nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar”.

Consagrou-se, consequentemente, no citado artigo 563º do Código Civil, a teoria da causalidade adequada, segundo a qual para que um  facto seja  causa de um dano,  é necessário, antes de mais, que ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado (nexo naturalístico) e, depois que, em abstracto e em geral, seja causa apropriada para produzir o dano (nexo de adequação).
                             
A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva (mais restrita) e uma formulação negativa (mais ampla), adoptando a nossa lei a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído, decisivamente, circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.

Acresce que, como se estatui o nº 2 do citado artigo 564º do C.C., na fixação da indemnização devem também ser atendidos os danos futuros – danos emergentes ou lucros cessantes – desde que previsíveis.

Entre os danos futuros previsíveis há que distinguir aqueles que se podem prognosticar, dos meramente eventuais, cujo grau de ocorrência é menor, sendo que os danos futuros imprevisíveis não são susceptíveis de indemnização.

De harmonia com o disposto no nº 3 do artigo 495º do Código Civil têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

Consagra-se neste normativo uma excepção ao princípio geral de que só ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado assiste direito a indemnização, nele se abrangendo terceiros só reflexamente prejudicados com o evento danoso.

A obrigação de prestar alimentos integra, a par do dever de contribuir para os encargos da vida familiar, o dever de assistência a que os cônjuges estão reciprocamente vinculados durante a vigência do matrimónio, em conformidade com o estabelecido nos artigos 1672º e 1675º nº 1 do mesmo Código Civil.

Afirmam PEREIRA COELHO E GUILHERME DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, vol. I, 2ª ed., Coimbra Editora, 359, que a obrigação de alimentos, praticamente só se autonomiza do dever de contribuição para os encargos da vida familiar quando os cônjuges vivem separados, de facto ou de direito. Só quando cessa a comunhão de vida que caracteriza o casamento, surge em toda a sua plenitude o dever de prestar alimentos com fundamento legal também no artigo 2009º nº 1 alínea a) do Código Civil.

Quando a relação matrimonial cessa devido à morte de um dos cônjuges, em consequência de acidente de viação, exclusiva ou parcialmente, imputável a outrem, dando origem, dessa forma, à cessação da vivência conjugal, verifica-se uma involuntária quebra do dever de assistência, por facto culposo de terceiro, adquirindo, então, autonomia a componente do dever de prestação de alimentos.

A ruptura da relação familiar em circunstâncias completamente alheias à vontade de qualquer dos cônjuges, devida à actuação culposa de um terceiro causador do acidente de viação que vitimou um dos membros do casal, provocando a cessação do cumprimento do dever de assistência, faz sobressair  a  obrigação  de prestar alimentos, passando para o lesante o dever de, através da componente indemnizatória prevista no nº 3 do citado artigo 495º do Código Civil, ressarcir esse dano.

Esta indemnização não tem por objecto a prestação de alimentos assente num vínculo de natureza familiar entre o credor da indemnização e a vítima, tal como está perspectivado para o direito a alimentos consagrado nos artigos 2003º e seguintes do Código Civil, radicando antes no casamento, sendo, por isso, diversos os critérios da sua atribuição dos consignados nos normativos que regem a matéria dos alimentos – cfr. neste sentido, Ac. STJ de 19.10.2016 (Pº 1893/14.0TBVNG.P1.S1) e demais jurisprudência do STJ nele mencionada, acessível em www.dgsi.pt.

Neste caso, para alcançar a indemnização pela privação de alimentos prevista no referido nº 3 do artigo 495º do C.C. não é exigível a alegação e prova, por parte do cônjuge sobrevivo – lesado – do requisito da necessidade de alimentos, i.e., que no momento do evento causador do falecimento do outro cônjuge, recebia deste alimentos, ou estava em condições de os receber.

Como se refere no Ac. STJ de 04.05.2010 (Pº 111/04.3TBMUR.P1.S1), quando o cônjuge reclama indemnização por danos futuros referenciados à perda para sempre da contribuição do outro cônjuge, falecido em acidente de viação, mais não está a fazer do que reclamar junto de terceiro, nos termos do artigo 495º, nº 3 do CC os alimentos, expressão da contribuição para os encargos da vida familiar, que podia exigir do cônjuge falecido e a que este estava vinculado. Uma tal indemnização, é sempre devida independentemente da efectiva necessidade do cônjuge, pois os cônjuges, no seio da vida familiar, não podem deixar de contribuir para os encargos da vida familiar na proporção das suas possibilidades (art.1676º, nº 1 do CC).

Igualmente se defendeu nos Acs. STJ de 08.07.2003 (CJ/STJ XI, 2º, 144)  e  de  12.10.2006 (Pº 06B2520),  que  o facto daquele  que pede a indemnização pelo dano patrimonial futuro exercer uma actividade laboral e auferir a respectiva remuneração, não o inibe de poder beneficiar daquela indemnização.

O que importa é que o direito a exigir alimentos foi afectado irremediavelmente pelo lesante, redundando num prejuízo para o titular, na medida em que a indemnização por este dano é atribuída por direito próprio a quem pode exigir alimentos do lesado. O que está em causa é, precisamente, um pedido de réditos futuros pela privação da respectiva fonte.

É, por conseguinte, devida uma indemnização pelo dano futuro cuja pretensão a autora reclama, no exercício do seu direito de regresso, pelo menos, em relação ao cônjuge da lesada falecida.

Resta analisar o quantum dessa indemnização.

No cálculo do dano patrimonial futuro têm sido frequentemente utilizadas, pela jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério, tanto quanto possível, uniforme.

Mas, o apelo a critérios financeiros, fórmulas matemáticas, fiscais, ou outras, constitui apenas um mero ponto de partida para a obtenção de uma situação de equilíbrio patrimonial do lesado, através do juízo de equidade a que a lei se reporta.

Prevalece na jurisprudência o entendimento – com o qual se concorda - de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros, deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa do lesado e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda, sendo, no entanto, este critério temperado pelo papel corrector da equidade – v. a propósito SOUSA DINIS, Dano Corporal em Acidentes de Viação, C.J/STJ, Ano IX, Tomo 1, 2001, 8-9.

Neste conspecto e por se entender que o montante da indemnização aqui em apreciação, não pode exceder a medida dos alimentos que o lesado teria sido obrigado a prestar, se fosse vivo, devendo para o seu cálculo atender-se, não apenas à cessação da vida activa (65/70 anos), mas fazer apelo à esperança média de vida que, com base nos dados fornecidos   pelo  INE,  já ronda  os   80 anos, por se entender que as necessidades do lesado se mantêm até ao fim da vida física – v. a título meramente exemplificativo, Ac. STJ de 25.06.2009 (Pº 08B3234), acessível em www.dgsi.pt.

No caso em apreço, a lesada vivia com o marido, tinha 54 anos de idade e, auferia à data do sinistro uma remuneração anual de, pelo menos, € 13.000,00, remuneração essa que era consumida em família – v. Nºs 33, 34 e 37 da Fundamentação de Facto.

Vivendo a lesada, antes do seu falecimento, em comunhão de vida com o marido, estavam ambos vinculados pelo dever de assistência que, como antes se disse, compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar, como decorre do disposto nos artigos 1672º e 1675º, nº 1, ambos do CC., tendo-se provado, de resto, que ela contribuía com os seus ganhos para os encargos da vida conjugal.

Desconhecendo-se, é certo, qual a medida da contribuição da falecida para os encargos da vida familiar, sempre haveria que recorrer a um juízo de equidade, ao abrigo do nº 3 do artigo 566º do C.C., para fixar o valor indemnizatório, pela parte de rendimentos futuros derivados da morte do cônjuge, e que decorrem da privação de alimentos que o cônjuge sobrevivo receberia não fora a ocorrência do evento danoso – v. neste sentido Ac. STJ de 08.05.2008 (Pº 08B726), acessível em www.dgsi.pt.

Assim, no caso em apreciação, haveria que ter em consideração os supra enumerados factores, considerando que a falecida, caso fosse viva, poderia contribuir com a sua prestação de alimentos, reservando para si, no máximo, 2/3 do rendimento auferido, pelo que contribuiria com o restante, durante cerca de 26 anos, atendendo à esperança média de vida, sendo certo que, ao valor assim obtido, e para evitar um enriquecimento injustificado, devido à entrega imediata do capital, por receber, de uma só vez, toda a indemnização por este dano, seria necessário proceder a uma redução – pelo menos 1/3 do valor a apurar - correspondente a esse benefício proveniente do recebimento antecipado daquilo que o titular do direito a alimentos receberia anualmente.        
Sucede, porém, que no caso vertente, peticionou a autora o reembolso daquilo que pagou aos lesados, a título de danos futuros, calculado em função da fórmula constante da Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho.

Como é sabido, os valores previstos pela Tabela de Indemnização do Dano Corporal, constante da Portaria nº 377/08, de 26 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho não são vinculativos para o Tribunal – v. Ac. STJ de 28.11.2013 (Pº 177/11.0TBPCR.S1) e Ac.TRL de 25.10.2012 (Pº 1189/11.9TVLSB.L1) subscritos pela aqui relatora e 1º adjunto.

Decorre, aliás, do ponto 1.º, n.º 1 da Portaria nº 377/08, que o seu objecto é fixar os critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.

E, refere-se, no ponto 1.º, n.º 2, da Portaria, que as disposições  nela  constantes  não  afastam o direito à indemnização  de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos.

Aliás, tal objectivo consta desde logo no seu preâmbulo, quando aí se refere: (…) Por último, importa frisar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo  39.º do  Decreto-Lei n.º  291/2007,  de 21 de  Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.

Ora, tendo a autora, no pagamento que efectuou aos lesados, recorrido à aplicação das fórmulas decorrentes da Portaria nº 679/2009 e que, em regra, se alcançam valores inferiores aos obtidos na jurisprudência, através da aplicação das fórmulas matemáticas, ainda que temperadas por recurso à equidade, entende-se que será o critério invocado pela autora aquele que o Tribunal deverá seguir – como efectivamente seguiu - na apreciação do direito da autora, no exercício do seu direito de regresso contra os lesantes.

Tudo ponderado, analisando o que resulta do artigo 6º da Portaria  nº 377/2008, de 26 de Maio, bem como da fórmula constante do anexo III e respectivas deduções aludidas na Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, concomitantemente com a ponderação quanto ao valor dos rendimentos auferidos pela falecida e aos anos de vida activa (70 anos, como a própria Portaria o estabelece), entende-se ser equilibrado o valor pago pela autora, a título de dano futuro, e cujo reembolso peticiona, pelo que, também nessa parte, improcede a apelação dos réus/apelantes.

Destarte, julgam-se improcedentes, quer o recurso principal, quer o subsidiário, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Os apelantes (recursos principal e subsidiário) serão responsáveis pelas custas, em relação aos recursos interpostos em que ambos respectivamente decaíram, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV.–DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedentes, quer o recurso principal, quer o recurso subsidiário, mantendo-se a decisão recorrida.

Condenam-se os apelantes no pagamento das custas, com relação aos interpostos recursos principal e subsidiário, em que ambas, respectivamente, decaíram.


Lisboa, 16 de Novembro de 2017


Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Arlindo Crua