Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26908/20.9T8LSB.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO(PEAP)
CREDITOS TRIBUTÁRIOS
CRÉDITOS COMUNS
DESPROPORÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I– O processo especial para acordo de pagamento – PEAP - tem uma natureza hibrida, judicial e extrajudicial, sendo que só uma situação de evidente e comprovada insolvência poderá obstar à homologação do plano de pagamento antes aprovado pela maioria dos credores reconhecidos, não sendo suficiente para tal a existência de suspeita que, a curtíssimo prazo, o devedor se encontrará numa situação de impossibilidade de cumprimento.

II– Por força do disposto no nº5 do art. 222º-F do CIRE, uma das normas aplicável no que concerne à homologação do PEAP é a que resulta do disposto no art. 194º do mesmo diploma, norma que consagra o princípio da igualdade de credores.

III– Tal princípio, sendo imperativo, não é, no entanto, absoluto, admitindo diferenciações justificadas entre os credores por razões objectivas e que têm que resultar do próprio Plano.

IV– Não obstante a regra da indisponibilidade dos créditos tributários, tal não implica que não se analise comparativamente, à luz do princípio da igualdade, o tratamento atribuído no respectivo Plano a estes créditos e aos demais – in casu todos identificados como sendo de natureza comum -, não sendo de admitir a desproporção entre a proposta de pagamento de 100% dos créditos tributários, incluindo capital, juros vencidos e vincendos e quanto aos restantes créditos e em período temporal equivalente, apenas de pagamento de 15% do capital.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


J… instaurou processo especial para acordo de pagamento.
 
Foi nomeada administradora judicial provisória e efectuadas as publicações previstas no nº5 do art. 222º-C do CIRE.

A Sr.ª Administradora juntou lista provisória de créditos, publicada no portal Citius, a qual não foi impugnada.

Foi apresentado Acordo de Prorrogação de Prazo no âmbito do PEAP, ao abrigo do disposto no artº 222º-D, nº5, do CIRE, pelo prazo de 30 dias.
   
Em 19/04/2021 a devedora apresentou proposta de acordo de pagamento, a qual foi publicitada nos termos e para os efeitos do Art.º 222º-F, nº 2, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.

O Ministério Público apresentou voto favorável ao plano apresentado, visto prever o pagamento da totalidade do crédito reclamado pela Fazenda Nacional segundo o regime jurídico definido para a regularização das dívidas fiscais.

O…, Lda, veio requerer a não hologação do plano, invocando que o PEAP é apenas uma simulação formal para que o ora Devedor consiga fugir às suas responsabilidades, prejudicando seriamente os seus credores.  

Sustentou que uma eventual aprovação do Plano de Pagamentos proposto conduzirá a uma situação favorável unicamente para o ora Devedor que se eximirá das dívidas perante os credores comuns e que a Autoridade Tributária e Aduaneira ficará seriamente prejudicada pois aquele nunca conseguirá cumprir as prestações mensais de € 1.020,00 do Plano de Pagamentos previsto em 5.2.1. porque superiores ao seu vencimento.

Com a proposta de pagamento de apenas 15% das dívidas de capital dos credores comuns (5.2.3 página 9), a O…, LDA, apenas poderá receber € 5.550,00 e somente ao fim de 10 anos.

A Sra Administradora Judicial Provisória juntou aos autos o resultado da votação do plano, nos termos da qual o acordo de pagamento foi aprovado com os votos favoráveis de 67,42% dos créditos com direito de voto, correspondendo todos a créditos comuns.

O devedor respondeu ao requerimento apresentado pela credora O…, Lda, concluindo que o Tribunal deve homologar o plano aprovado, sustentando que aquela credora não exerceu o ónus que sobre si impendia de requerer a não homologação e a entender-se que efectivamente apresentou um pedido de recusa de homologação, não o fez como a lei determina, limitando-se a alegar violação ao disposto no art. 215º, ou dizendo que o faz ao abrigo do art. 216º, ambos do CIRE.

A credora O…, Lda, requereu que fosse dado conhecimento dos autos ao Ministério Público para efeitos penais.

O Ministério Público requereu que fosse extraída certidão dos requerimentos apresentados em 15.12.2020, 23.04.2021, 03.05.2021 e em 12.05.2021 e a remessa da mesma ao DIAP com vista à instauração de procedimento criminal, pela prática dos crimes de Insolvência dolosa, Frustração de créditos, Favorecimento de credores e Falsificação de documento, o que foi determinado pelo tribunal a quo.

Após algum processado, o tribunal veio a proferir o seguinte despacho:
“(…)
No caso concreto, votaram o acordo de pagamento credores que representam mais de um terço dos créditos relacionados, e que os votos favoráveis representam mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos: 67,42% a favor versus 32,58% contra.
Pelo que nos termos do art. 222-F/3, al. a) do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas o acordo de pagamento foi aprovado.
Não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do acordo que impeçam a sua homologação, não prevendo este quaisquer condições suspensivas ou quaisquer actos ou medidas que devem preceder a homologação (art. 215 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas aplicável ex vi do art. 222-F/5 do mesmo diploma).
Não teve procedência a recusa de homologação do plano -art. 216 aplicável ex vi art. 222-F/5) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
Porquanto, e nos termos do art. 222-F/5 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, homologo o acordo de pagamento de fls. 30 e segs.
***

A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações -art. 222-F/8 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça reduzida a ¼ (art. 222-F/ 9 e 302/1, ambos do CIRE).
Valor da acção para efeitos de custas: equivalente ao da alçada da Relação - art. 301 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas .
Registe, notifique e publicite –art. 37 e 38 ex vi n.º 8 do art. 222-F, todos do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas”.
***

Inconformada apelou a credora O… pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que não homologue o plano de recuperação apresentado pelo recorrente e formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A.–Os antecedentes do Devedor bem ilustrados pela ora Recorrente demonstram à saciedade que estamos perante um potencial esquema de fuga a responsabilidades financeiras que o Tribunal a quo deveria estar atento e que poderia ter desmascarado facilmente exigindo maior rigor ao Devedor e à AJP, nomeadamente solicitando documentos para esclarecer dúvidas, mas que preferiu omitir essa responsabilidade;
B.–Atendendo que a súbita mudança de morada do Devedor de Coimbra para Lisboa constitui claramente uma manobra de diversão, sendo algo tão evidente que nem as notificações do Tribunal recebe, o foro do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa é incompetente, sendo na realidade competente apenas o Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra;
C.–A nomeação da Administradora Judicial Provisória que já tinha estado no PER e no processo de insolvência do Pai do Devedor (que partilha com este as responsabilidades financeiras e solidárias que este apresenta no PEAP) e que permitiu a aprovação de um acordo de pagamento cujo cumprimento nunca se iniciou, residindo a mais de 250km de Lisboa onde o Devedor afirmava agora residir o que inviabiliza um acompanhamento correcto, deveria constituir indício suficiente para colocar de sobreaviso o Tribunal a quo e justificar a sua substituição ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º, aplicável ex vi do n.º 4 do artigo 222.º-C, todos do CIRE;
D.–A Administradora Judicial Provisória começa logo por não cumprir o seu papel quando aceita elaborar uma lista provisória de créditos no qual desaparece sem justificação um dos alegados credores identificados na petição de PEAP (R…, Lda.) e aparece um credor fantasma (L…) cujos créditos são nulos (falta de forma), aceitando essas alterações e créditos sem os questionar e aceita a submissão a votação de um Plano cheio de erros e incongruências, cumprindo um papel de mera escriturária e não agente do Direito, pelo que se justifica a sua exoneração;
E.–A apresentação a PEAP destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento, contudo, o Devedor encontra-se insolvente há muito tempo (sendo que entre as suas dívidas algumas remontam ao ano de 2013) e não tem recursos económicos conhecidos que lhe permitam fazer face às dívidas que tem, pelo que a opção pelo PEAP constitui um recurso formal ilegítimo pois procura esconder a materialidade subjacente e ao mesmo tempo prejudicar a ora Recorrente, escapando às suas responsabilidades legais;
F.–Contudo, todo o PEAP é uma farsa que começa na manobra de diversão da morada em Lisboa, na escolha de uma AJP que não levanta questões e na invenção de créditos (um deles nulo) e de credores com o simples objectivo de inviabilizar a penhora promovida pela ora Recorrente e que sobre ele recaía, apresenta erro na identificação do processo (é um simples copy past) e na indicação de valores, beneficiando da ausência de controlo da AJP e do desinteresse do Tribunal a quo em esclarecer as irregularidades e ilegalidades levantadas pela ora Recorrente, pelo que o mesmo não cumpre o disposto no n.º 1 do artigo 222.º-A do CIRE, não podendo ser aceite como tal;
G.–O facto do Devedor não ter disponibilizado o Acordo aos credores (de entre eles a ora Recorrente) em momento prévio ao envio do mesmo a Tribunal, configura uma conduta desleal para com os credores e uma clara violação não negligenciável de normas procedimentais, constituindo fundamento para recusa de homologação e consequente de revogação da sentença ao abrigo do disposto no artigo 222.º-F, n.ºs 1, 2 e 8; artigo 222.º-D, n.º 6 e 10, ambos do CIRE e princípios primeiro, segundo, quarto e décimo da Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 29/09;
H.–O acordo de pagamento proposto e homologado por sentença pretende pagar à Autoridade Tributária e Aduaneira em apenas 4 anos toda a dívida e encargos que ascende a € 45.000,00, e à ora Recorrente a quem deve € 44.444,60 (valor aproximado por baixo) apenas 15% do valor de capital (€ 5.550,00) no prazo de 12 anos (36 prestações trimestrais) acrescido de uma carência de praticamente dois anos, sem qualquer justificação, violando de forma pública, notória e grosseira o princípio da igualdade previsto no artigo 194.º do CIRE, o que constitui uma violação não negligenciável de norma imperativa aplicável ao conteúdo do plano e justifica a revogação da sentença em conformidade com o disposto nos artigos 215º e 222º-F nº5 do CIRE;
I.–A reclamação apresentada em tempo pela ora Recorrente em que se alertou o Tribunal para os contornos menos claros do processo, da nomeação da AJP, dos créditos duvidosos e nulos, dos credores fantasma, da violação do princípio da igualdade, da manifesta insolvência do Devedor que se encontra incapaz de cumprir as suas obrigações e do facto do plano conter diversos erros e apresentar o compromisso de pagamento de prestações de valor superior aos rendimentos do Devedor e o pedido de certidões de articulados do processo por parte do Ministério Público para remeter ao DIAP, deveriam ter feito “tocar todos os alarmes” das obrigações que incubem ao Tribunal ao abrigo do artigo 215.º do CIRE e suscitado o pedido de esclarecimentos e a recusa oficiosa da homologação tal como era sua obrigação, pelo que também neste capítulo deve ser revogada a sentença por incumprimento do dever de recusa oficiosa da homologação;
J.–Atendendo ao facto da ora Recorrente encontrar-se a penhorar rendimentos do Devedor há vários anos, assumindo assim uma prioridade inclusive sobre potenciais penhoras no âmbito de execuções fiscais, a homologação deste plano retira-lhe essa condição e rebaixa-a de tal forma perante os demais credores (embora só se reconheça como legítimo credor a Autoridade Tributária e Aduaneira) que em qualquer circunstância alternativa à homologação do plano estaria sempre em melhor posição como credora sobre o Devedor do que os demais credores, pelo que em face do pedido de não homologação da ora Recorrente o Tribunal a quo deveria ter agido em conformidade conforme prevê a alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE;
K.–Efectivamente, o Tribunal a quo não está desprovido de um poder/dever de fiscalização (oficioso) sobre todo o processo, consagrando os artigos 215.º e 216.º CIRE (onde vêm os fundamentos para oficiosamente ou a requerimento de algum credor que a ele se tenha oposto), que o Tribunal a quo deveria ter rejeitado a homologação de um plano de pagamentos como o que foi proposto nos presentes autos;
L.–Quando o Tribunal a quo qualifica na sentença a exposição da ora Recorrente de (…) manifestação de descontentamento (…) sem cuidar avaliar os factos e perceber a potencialidade de existirem ilegalidades e irregularidades (à semelhança do que faz o MP que requer certidões e remete ao DIAP para instauração de procedimento criminal), acaba não só por ser deselegante como por menorizar o seu papel e transmite uma imagem de vulgaridade à apreciação que lhe compete, transformando o PEAP num expediente meramente formal de fuga às responsabilidades, legitimando o comportamento do ora Devedor;
M.–Consequentemente, impõe-se a revogação da sentença e a sua substituição por outra que revogue a homologação do acordo de pagamento porquanto a decisão recorrida violou designadamente os artigos 194.º, 215.º, 216.º, n.º 1, alínea a), 222º-A, nº1, 222º-C, 222.º D, 222º-F, todos do CIRE.
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O devedor contra-alegou, CONCLUINDO:
1.ª-As conclusões A) a L) do recurso da recorrente não sustentam quer de facto, quer de direito a alegada violação das normas referidas na conclusão m) pela decisão recorrida não devendo ser admitido o recurso nos termos do artigo 638.º, n.º 6 do cpc.
Ainda que assim se não entenda, não merece o recurso interposto (ainda assim) provimento.
2.ª-Conforme vertido na sentença recorrida “o articulado apresentado pelo requerente não configura uma recusa de homologação, visto que se cinge ao voto e manifestação de descontentamento de toda a conduta do devedor do plano; e por não conter fundamentos atendíveis de recusa. de igual modo não é apontada qualquer violação não negligenciável ao abrigo do art 215º, nem arguiu o art. 216 do CIRE, não se alegando nem demonstrando uma das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) desse artigo.”.
3.ª-O recurso interposto pela recorrente é mera duplicação do articulado que apresentou em 23/04/2021, referido na conclusão supra.
4.ª-Igualmente em sede de recurso, a recorrente não arguiu qualquer facto que consubstancie violação não negligenciável nos termos do artigo 215.º do CIRE, aplicável por força do artigo 222.º-f, n.º 5, do CIRE.
5.ª-Nem tampouco arguiu e provou, o credor requerente da não homologação do plano, em termos plausíveis, que o plano de recuperação o coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano (artº 216º, do CIRE).
6.ª-Contudo, o êxito do PEAP, ou seja, a recuperação do devedor, não pode ser paralisado por um credor que não aceite uma decisão tomada pela maioria dos credores, quando essa decisão (plano de recuperação) não evidencia, como no caso, uma violação grave não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
7.ª-No caso, dir-se-á que é razoável afirmar-se que a situação do requerente, hoje, face ao compromisso assumido pelo devedor, é melhor do que a situação anterior em que desconhecia como e quando (e mesmo se) obteria a satisfação do seu crédito.
Terminou concluindo que não deverá ser admitido o recurso interposto pela Recorrente O…, Lda e, quando assim se não entenda, deverá ser negado provimento ao Recurso interposto, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
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O recurso foi admitido por despacho de 15/09/2021 (ref.ª 408470875).

Foram colhidos os vistos.
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II–OBJECTO DO RECURSO
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela apelante, importa decidir:
- da competência do tribunal em razão do território e 
- se estão reunidos os requisitos para a homologação da proposta de plano de pagamentos apresentada pelo devedor, o que passa pela apreciação se o conteúdo do acordo viola o princípio da igualdade dos credores.

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III–FUNDAMENTAÇÃO

A)–De Facto
Com relevância para a decisão do recurso mostram-se assentes os factos constantes do relatório e ainda os seguintes, resultantes dos termos dos autos:
1–No requerimento inicial o devedor identificou-se como tendo domicílio na Rua D…, Lisboa e informou que apresentava os seguintes créditos vencidos:
- Autoridade Tributária e Aduaneira: €44.923,01;
- O…, Lda: €37.245,40;
- R…, Lda: €15.000,00;
- C…: €1.250,00;
2–Juntou recibos se vencimento processados por B…, Lda, dos quais resulta a categoria de Delegado de Informação Médica e relativos a:
- Fevereiro de 2020 - vencimento base de € 909,10, isenção de horário € 90,91, subsidio de refeição de € 271,70, sobre o qual incidem descontos para a segurança social, IRS e um desconto por penhora de € 623,85, sendo o total a receber de € 647,86;
- Março de 2020 - vencimento base de € 909,10, isenção de horário € 90,91, subsidio de refeição de € 143,00, sobre o qual incidem descontos para a segurança social, IRS e um desconto por penhora de € 508,01, sendo o total a receber de € 635,00 e
- Abril de 2020 - vencimento base de € 909,10, isenção de horário € 90,91, subsidio de refeição de € 257,40, sobre o qual incidem descontos para a segurança social, IRS e um desconto por penhora de € 617,72, sendo o total a receber de € 639,69. 
3–Da lista provisória de créditos apresentada pela Administradora Judicial Provisória constam os seguintes créditos:
- Autoridade Tributária e Aduaneira – “crédito comum” - Total reconhecido - € 45.021,42;
- C…– “crédito comum” – Total reconhecido - € 1.250,00;
- L… – “crédito comum” – Total reconhecido - € 35.048,38;
- O…, Lda – “crédito comum” – Total reconhecido - € 44.444,60. 
4–O acordo de pagamento apresentado pelo devedor, submetido a votação, obteve os seguintes votos:
- Autoridade Tributária Aduaneira – a favor
- C… – a favor
- L… – a favor e
- O…, Lda - contra.
5–Votaram o Plano 100,00% dos credores cujos créditos foram reconhecidos, tendo votado a favor 67,42% e contra 32,58% dos credores votantes.
6–O acordo de pagamento aprovado apresenta o seguinte teor:
“(…)
O devedor vive com os rendimentos do seu trabalho, pautando sempre a sua conduta pelo cumprimento das suas obrigações, honrando os compromissos que assume.
Porém, atualmente depara-se com alguns constrangimentos financeiros pontuais, que podem ser agravados caso não diligencie com rapidez na solução dos mesmos.
De facto, o devedor foi gerente de direito na empresa do seu pai, a sociedade …, Lda., a qual foi declarada insolvente por sentença datada de 12/05/2015 no âmbito do processo nº  …, que correu termos no Juízo de … —Juiz 3. - Cfr. Documentos nºs 7 e 8.
Ademais, o pai (em nome individual) do aqui requerente apresentou-se a processo especial de revitalização, tendo sido aprovado e homologado por sentença plano de recuperação no âmbito do processo nº … não tendo, no entanto, cumprido o plano.
Por não ter cumprido o plano de insolvência os credores do pai do aqui devedor/requerente, têm vindo a instaurar as respetivas ações executivas com vista à satisfação dos seus créditos.
Ora, o devedor/ requerente tem sido alvo de processos de execução, com a consequente penhora de salários, bens, créditos, tais como reembolsos de IRS.
De facto, o aqui devedor é executado — conjuntamente com o seu pai — no âmbito do processo executivo nº …, em que é exequente a O…, Lda., por uma dívida que ascende ao montante global de 37.240,45€ (trinta e sete mil duzentos e quarenta euros e quarenta e cinco cêntimos).
No âmbito do referido processo executivo foram processados descontos do vencimento do executado, tendo-lhe já sido penhorado, à data de 28/09/2020, o montante global de 7.464,93€ (sete mil quatrocentos e sessenta e quatro euros e noventa e três cêntimos).
Ademais, por ter sido gerente de direito da sociedade do seu pai — a pedido e a mando deste —, o devedor/requerente tem movidos contra si 17 processos de execução em reversão fiscal, sendo devedor da Autoridade Tributária de valor que ascende a quantia de 44.923,01€ (quarenta e quatro mil novecentos e vinte e três euros e um cêntimo).
Assim, o Devedor encontra-se, na presente data e, por conta de ter sido gerente de direito da empresa do pai e ainda por lhe ter feito dois empréstimos — que não recuperará —, numa situação de fragilidade económica pontual, que, aliás, nunca tinha experienciado.
Deste modo, o devedor encontra-se numa situação económica difícil que coloca em perigo a sua capacidade para fazer face aos compromissos assumidos, e, em última linha até, para prover à sua própria subsistência, tanto mais que tem o seu salário penhorado o que constitui grave diminuição dos seus rendimentos.
E apesar da crise instalada gerada inclusivamente pela Pandemia Covid l9 e dos encargos que mantém, o Devedor nunca baixou os braços e sempre se empenhou arduamente para continuar a satisfazer os compromissos por si assumidos.
Contudo, e pese embora se reconheçam as dificuldades económicas que tal situação originou e o efeito que projectou na esfera pessoal do devedor, o mesmo considera que não se encontra em situação de pré-insolvência, o que o conduziu a encetar um acordo com um dos credores, nos termos e para os efeitos do artigo 222º-A do CIRE, e promover junto deste Tribunal o processo especial para acordo de pagamento ao abrigo do CIRE.

4. Posição Redictícia do Devedor
Os créditos reclamados no âmbito do presente Processo Especial para Acordo de Pagamento refletem a posição Reditícia do Devedor. Os sobreditos créditos encontram-se resumidos no quadro abaixo, que sintetiza as dívidas daquele indicando a sua natureza:

CredorCapitalJuros e despesasTotal (€)(%)Natureza do
Crédito
1AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA32.880,75€12.140,67€45.021,42€35,80Comum
2C…1.250,00€0,00€1.250,00€0,99Comum
3L… 30.300,00€4.748,38€35.048,38€27,87Comum
4O…. Lda37.000,00€7.444,60€44.444,60€35,34Comum
TOTAL101.430,75€24.333,65€125.764,40€100%
(…)
5.1– Fundamentos da elaboração do plano
O Presente Plano tem como objetivo traçar as medidas que permitirão ao Devedor promover a sua recuperação, atento à situação económica difícil em que se encontra, tal qual esta se encontra prevista e definida nos termos da lei falimentar. As causas que determinaram a referida situação encontram-se elencadas no ponto 3. do presente Plano.
Para a elaboração do Plano, nomeadamente no que respeita aos planos de amortização das dívidas, teve-se por base o resultado das reuniões tidas com alguns credores as quais visaram negociar os termos da regularização das referidas dívidas, por forma a serem criadas as condições necessárias à recuperação e reequilíbrio da situação económica atual daquele.
O presente Processo pretende assumir-se como um mecanismo que possibilitará a Reestruturação financeira do devedor, propondo as medidas necessárias para que tal ocorra.
As referidas medidas visam por sua vez o cumprimento possível das obrigações assumidas pelo devedor perante os seus credores, as quais, in casu, não poderão ser analisadas de forma isolada atento que existem dívidas que se referem a avales pessoais prestados pelo aqui devedor nas circunstâncias já acima enumeradas e não só a créditos contraídos em beneficio pessoal do mesmo.
5.2–Plano de Reembolso dos Créditos no âmbito do Plano de Pagamentos
Os meios de satisfação dos credores serão obtidos através da Recuperação do devedor, ou seja, o que se perspetiva é que os credores deem o seu acordo ao Plano e especificamente quanto aos prazos de reembolso traçados, que se estimaram como os que se afiguram como compatíveis atento à capacidade estimada do devedor para libertar fundos de tesouraria. Neste sentido apresentam-se de seguida os referidos Planos de amortização das dívidas do devedor às diversas entidades.
5.2.1.– Estado - Autoridade Tributária e Aduaneira
A regularização dos créditos reclamados pela Autoridade tributária e Aduaneira deverá ocorrer nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 30º e nº 3 do artigo 36º da LGT e artigos 196º e 199º do CPPT, obedecendo cumulativamente aos seguintes requisitos:
- Pagamento em regime prestacional, nos termos do artigo 196º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou seja:
a)-As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte à data da sentença homologatória do Plano;
b)-O pagamento do valor total em dívida deverá ser regularizado, no máximo, até 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (atualmente €1.020,00);
Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
Não haverá lugar a qualquer moratória;
Manutenção das garantias existentes, nos termos do nº 13, do artº 199º do CPPT.
Releva-se que, para os efeitos previstos do nº 1 do artigo 17º-E do CIRE parte final, a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT.

5.2.3–Créditos Comuns
A regularização da dívida aos Credores Comuns, deverá ocorrer da forma que de seguida se discrimina:
- Perdão integral de juros vencidos e vincendos;
- Perdão incondicional de 85% do valor do capital reclamado;
- Estabelecimento de um período de carência de pagamentos de 12 meses após o trânsito em julgado da decisão que homologar o presente plano;
- Pagamento dos remanescentes 15% do capital reclamado em 36 prestações postecipadas, trimestrais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia do ano civil posterior ao do término da carência e as seguintes em igual dia dos trimestres subsequentes.

6.–Disposições Gerais do Plano
6.1- Objetivo do Plano de Pagamentos
O Plano Especial para Acordo de Pagamento visa a Revitalização do Devedor estabelecendo os termos exatos do pagamento das dívidas do mesmo, nomeadamente no que respeita a prazos e condições atendendo ao princípio de igualdade entre credores.
(…)”

B)–O Direito
O processo especial para acordo de pagamento (PEAP) é um dos processos especialíssimos previstos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), introduzido pelo Decreto-Lei n.º 79/2017 de 30 de Junho e foi introduzido neste código com o objectivo de assegurar um processo aplicável à pré-insolvência das pessoas singulares não titulares de empresas.
As normas reguladoras do PEAP equivalem ou correspondem às normas reguladoras do PER antes da sua alteração pelo DL supra referido, ou seja, às normas antigas dos arts 17ºA a 17ºI.
Como refere Catarina Serra em Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2ª edição, pág. 632: “O PEAP é, em suma, essencialmente igual ao velho PER, podendo quase dizer-se que o seu regime é o antigo regime do PER deslocado para outra parte do Código”.

Tal tem a vantagem, para o intérprete-aplicador, de ter já presentes e, em muitos casos discutidos e trabalhados, os aspectos essenciais deste novo regime, como é, claramente o caso dos pressupostos de homologação do plano de pagamento aprovado, previstos no nº5 do art. 222º-F do CIRE, em termos essencialmente similares, ressalvadas as devidas diferenças, à previsão do art. 17º-F nº 7 do mesmo diploma: depois de prescrever, no nº2 do preceito que qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 215º e 216º, com as devidas adaptações, o nº5 do art. 222º-F prescreve:
«O juiz decide se deve homologar o acordo de pagamentos ou recusar a sua homologação (…) aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º.»
No caso sub judice, a credora O…, Lda, pediu a não homologação do acordo de pagamento apresentado pelo devedor, tendo votado contra o referido plano.
Começou a mesma por alegar, para sustentar a não homologação do plano, a incompetência do tribunal em razão do território, sustentando que o devedor continua a viver em Coimbra e que os créditos invocados resultam da actividade do mesmo nessa cidade.

O tribunal a quo não conheceu expressamente desta excepção, tendo consignado que:
“O articulado apresentado pelo Requerente não configura uma recusa de homologação, visto que se cinge ao voto e manifestação de descontentamento de toda a conduta do devedor do plano; e por não conter fundamentos atendíveis de recusa. De igual modo não é apontada qualquer violação não negligenciável ao abrigo do art 215º, nem arguiu o art. 216 do CIRE, não se alegando nem demonstrando uma das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) desse artigo.
Pelo que se indefere.”

Considerando o referido e o facto de ter sido proferida decisão homologando o Plano, leva-nos a concluir que o tribunal a quo considerou improcedente a excepção em causa.

Estabelece o artº 7º do CIRE que:
1- É competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos.
2- É igualmente competente o tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros.
(…)”

A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles – artº 82º do CC.
«A competência em razão do território tem como linha de força a ideia de que a “sede do processo” fique o mais próximo possível da “sede da lide”, porquanto a proximidade com os elementos da lide garante um resultado com menor custo e mais rendimento, conciliando o interesse da comodidade das partes com a boa administração da justiça» - cfr Ac. da Relação de Lisboa de 01.02.2007, in dgsi.pt, Proc. nº 8549/2006-2.
Consta das declarações juntas pelo devedor com o requerimento inicial nos termos do disposto nos arts 222º-C, nºs 1 e 2 e 222º-A, nº2, do CIRE, que o domicílio do mesmo é na Rua D…, Lisboa, morada que consta igualmente do requerimento inicial e da procuração outorgada a favor da sua Ilustre Mandatária.
Por outro lado, a apelante não apresentou qualquer prova dos factos que invocou, o que lhe incumbia – cfr artº 342º do C. Civil.
Assim, não restam dúvidas da improcedência da excepção de incompetência do tribunal em razão do território.
***

Nas conclusões de recurso invocou a apelante que o facto de a administradora judicial provisória ter domicílio profissional em Sangalhos, a mais de 250 Kms de Lisboa, cidade onde o devedor afirma agora residir, justifica a substituição daquela ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 32.º, aplicável ex vi do n.º 4 do artigo 222.º-C, todos do CIRE.
Diz que a mesma Administradora não se encontra a cumprir as funções para que foi nomeada, tendo aceitado “elaborar uma lista provisória de créditos no qual desaparece sem justificação um dos alegados credores identificados na petição de PEAP (Realidadecolateral – Unipessoal, Lda.) e aparece um credor fantasma (Luís Fernando Duarte Lopes da Costa) cujos créditos são nulos (falta de forma), aceitando essas alterações e créditos sem os questionar e aceita a submissão a votação um Plano cheio de erros e incongruências, cumprindo um papel de mera escriturária e não agente do Direito, pelo que se justifica a sua exoneração”.
No requerimento em que pediu a não homologação do acordo de pagamento apresentado pelo devedor, a apelante limitou-se a invocar que:
“-60-
A nomeação do AJP nos presentes autos teve em conta a nomeação proposta pelo Devedor, que alegou os seus profundos conhecimentos, mas omitiu a relação desta com o acompanhamento do PER e processo de insolvência de seu Pai que em nada resultaram de positivo para os credores!!!
- 61-
Nem de outro modo se justifica nomear um AJP que tem domicílio a 250km de Lisboa e a 35 km de Coimbra…
- 62 -
Aliás, as incongruências apresentadas demonstram o cuidado que não existiu com este PEAP, embora não se deduza qualquer intenção dolosa.” 
 
Não formulou qualquer pretensão de substituição ou de exoneração da Administradora Judicial Provisória, pelo que o tribunal a quo nada decidiu no que a tal concerne.  
Os recursos sendo, por natureza, meios de impugnação de decisões judiciais, apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo incidir sobre questões novas. Em regra, e excepção feita às questões de conhecimento oficioso, os tribunais superiores “…apenas devem ser confrontados com as questões que as partes discutiram nos momentos próprios (….)
A assunção desta regra encontra na jurisprudência numerosos exemplos:
a)- As questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões nova, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição;
b)-Os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso;
(…)”  - cfr Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, 2017, pg. 119 e, entre outros, o Ac. STJ de 07/07/16, in www.dgsi.pt.
Assim, a pronúncia sobre tais questões fica arredada do conhecimento legalmente possível deste recurso, não relevando para a respectiva decisão.
***

Invocou a recorrente que o devedor instaurou os presentes autos com o simples objectivo de inviabilizar a penhora promovida pela mesma e que sobre os bens dele recaía, beneficiando da ausência de controlo da AJP e do desinteresse do Tribunal a quo em esclarecer as irregularidades e ilegalidades levantadas pela mesmo. Diz que o processo não cumpre o disposto no n.º 1 do artigo 222.º-A do CIRE, não podendo ser aceite como tal.

Alegou que este PEAP “É apenas uma simulação formal para que o ora Devedor consiga escapar às suas responsabilidades, prejudicando seriamente os seus credores”.

Estabelece o aludido artigo:
1- O processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.

Para sustentar a inadmissibilidade do processo e de concreto – tudo o demais é de carácter eminentemente conclusivo e especulativo -, a apelante limitou-se a invocar que o devedor aufere um ordenado bruto de € 909,10 e que as dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira e à O…, Lda, remontam a mais de € 90.000,00 com juros que se vão capitalizando, pelo que não tendo outros rendimentos, património, nem crédito, o mesmo já se encontra actualmente insolvente.

Diz ainda que as dívidas fiscais remontam aos anos de 2013 e 2014 e a dívida à O…, Lda, a 2015 e que desde então não houve qualquer manifestação de intenção de negociar ou proceder ao pagamento.

Como se referiu, o tribunal a quo indeferiu o pedido de não homologação do plano apresentado pela apelante com fundamento no facto de não ser “apontada qualquer violação não negligenciável”.
   
Conforme se decidiu no Ac. da RC de 10/12/2020, relatora: Maria João Areias, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: Atribuindo o PEAP o controlo efetivo do processo aos credores, em detrimento do controlo jurisdicional, em que se pretende promover e potenciar uma negociação inteiramente extrajudicial, aprovado um PEAP de acordo com os procedimentos legais aplicáveis, não incumbirá ao juiz proceder a uma indagação oficiosa acerca da situação de insolvência iminente/atual do devedor e muito menos da sua recuperabilidade, excecionados os casos de abuso manifesto do recurso a tal meio pré-insolvencial (ex., quando existam elementos nos autos que revelem a confissão do devedor de que se encontra em insolvência atual).

Com efeito, a apreciação liminar do requerimento de apresentação ao PEAP incidirá essencialmente sobre a existência dos requisitos formais, reservando-se a possibilidade de recusa do procedimento por falta de algum pressuposto substantivo, como o é a situação económica difícil ou a situação de insolvência iminente, aos casos em que seja manifesta a insolvência do devedor.

De todo o modo, a análise deste requisito material por parte do juiz não comporta qualquer juízo de valor próprio sobre a situação ou viabilidade económica do devedor, restringindo-se aos casos de manifesta inviabilidade do pedido, como por exemplo nas situações em que existem elementos no processo que revelam a confissão do devedor de que se encontra em insolvência actual.

Conforme resulta dos autos, o requerimento de apresentação ao PEAP não foi liminarmente indeferido e sobre os termos da aprovação do plano, dispõe o nº 5 do artigo 222º-F que O juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º”.

Por sua vez, estabelecem estes artigos:
“Artigo 215º
Não homologação oficiosa
O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam proceder à homologação.
Artigo 216º
Não homologação a solicitação dos interessados
1.– O juiz recusa a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contando que o requerente demonstre em termos plausíveis que:
a)- A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante do acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b)- O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a influência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
(…).”

Estas normas preveem dois grupos distintos de situações que poderão levar à recusa, uma por via oficiosa (artigo 215º) e outra a requerimento do devedor ou credor que haja manifestado nos autos a sua oposição anteriormente à aprovação do plano de insolvência (artigo 216º).

Como se diz no Ac. da RC de 06/10/2020, relatora: Maria João Areias, o qual pode ser também ser consultado in www.dgsi.pt:
Ao remeter para o disposto nos artigos 215º e 216º do CIRE, respeitantes à aprovação do plano de recuperação no processo de insolvência, optou o legislador por submeter à análise judicial o plano aprovado pelos credores, no âmbito da qual deve o juiz, oficiosamente, sindicar o cumprimento das regras procedimentais e de conteúdo não negligenciáveis, bem como, avaliar o mérito da oposição que tenha sido apresentada por algum credor: o juiz assume um papel de garante da legalidade, no âmbito do qual lhe restará assegurar-se de que não se verifica nenhuma das situações fundamentadoras da rejeição do plano estabelecidas no artigo 215º e, por outro, analisar os pedidos de não homologação do plano, se os houver (artigo 216º).
Tendo-se em consideração que o PEAP atribuiu um controlo efetivo do processo aos credores, em detrimento do controlo jurisdicional, em que se pretende promover e potenciar uma negociação inteiramente extrajudicial, fora do tribunal e quase fora do próprio processo, entende-se que, aprovado um PEAP (ou um PER) de acordo com as regras procedimentais aplicáveis, não incumbirá ao juiz proceder oficiosamente a uma indagação oficiosa acerca da situação de insolvência iminente/atual do devedor e muito menos da sua recuperabilidade (que, como o já acima referido, não constitui requisito de apresentação ao PEAP), excecionados os casos de abuso manifesto do recurso a tal meio pré-insolvencial.“

Como refere Meneses Leitão, in Direito da Insolvência, Almedina, (9ª edição), pág. 83, “a insolvência correspondente à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações e não à mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa. Efectivamente, a situação líquida negativa não implica a insolvência do devedor se o recurso ao crédito lhe permitir cumprir pontualmente as suas obrigações, assim como uma situação líquida positiva não afastará a insolvência, se se verificar que a falta de crédito não permite ao devedor superar a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações”.

Verificar-se-á uma situação de insolvência quando o devedor não tem capacidade económica ou financeira para cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas, o que deverá ser apurado no confronto entre o passivo do devedor – volume das dívidas vencidas e a sua natureza – e a avaliação do seu património, bem como da sua capacidade de endividamento.

Por sua vez e no que concerne à situação de insolvência iminente, conforme referido no Ac. da RL de 23/03/2021, relatora: Isabel Fonseca, igualmente in www.dgsi.pt: «O legislador definiu a “noção de situação económica difícil” nos arts. 17.º-B e 222.º- B, que regem, respetivamente, o PER e o PEAP
[19Nos termos do art. 17.º-B “[p]ara efeitos do presente Código, encontra-se em situação económica difícil a empresa que
enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez
ou por não conseguir obter crédito”; de forma inteiramente similar cfr. o art. 222.º-B no âmbito do PEAP. ]
mas não alude especificamente ao conceito de “insolvência meramente iminente”, para além da referência que consta do nº4 do art. 3.º
[20 Para o efeito aludido, equipara-se a situação de insolvência iminente à situação de insolvência

atual como fundamento de apresentação à insolvência, permitindo assim ao devedor proceder à

abertura do processo no caso de insolvência iminente, mediante a sua apresentação.]

concordando-se com José Manuel Gonçalves Machado quando refere que estaremos perante um “conceito intermédio”, ponderando como polos da equação, de um lado, a “situação económica difícil” e, de outro, a situação de “insolvência atual”, definida no art. 3.º, nº1
[21O Dever de Renegociar no âmbito Pré-Insolvencial, 2017,Coimbra: Almedina, pp. 128-133].
O que se pode referir é que se já ocorre uma situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, então a situação de insolvência será atual; mas se existe apenas uma projeção de que, a curtíssimo prazo, o devedor se encontrará numa situação de impossibilidade de cumprimento, então a situação será de insolvência iminente: a expressão iminente é utilizada, no léxico, num contexto relativo a algo que está prestes a acontecer, implicando, pois, um juízo de prognose».

O invocado pela apelante – que o valor total dos créditos é em montante superior a € 90.000,00 e que o devedor apenas tem como rendimento o seu vencimento, no valor base de € 909,10 - não permite concluir que o mesmo se encontre já em situação de insolvência impeditiva do recurso pela sua parte ao Processo Especial para Acordo de Pagamento.
***

Sustentou ainda a recorrente nas conclusões do recurso que “o facto de o Devedor não ter disponibilizado o Acordo aos credores (de entre eles a ora Recorrente) em momento prévio ao envio do mesmo a Tribunal, configura uma conduta desleal para com os credores e uma clara violação não negligenciável de normas procedimentais, constituindo fundamento para recusa de homologação e consequente de revogação da sentença ao abrigo do disposto no artigo 222.º-F, n.ºs 1, 2 e 8; artigo 222.º-D, n.º 6 e 10, ambos do CIRE e princípios primeiro, segundo, quarto e décimo da Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 29/09;”   

No requerimento em que se veio opor à homologação do Plano de Pagamentos apresentado pelo devedor, mais uma vez, a apelante nada arguiu relativamente à violação das regras procedimentais que regem as negociações, nada tendo sequer invocado quanto a ter declarado pretender participar nas negociações e ao facto de não ter sido contactada pelo devedor (ou seu representante) para negociar.
Como se disse supra, os recursos destinam-se à impugnação de decisões judiciais e, em regra, apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, pelo que, não se estando em presença de uma questão de conhecimento oficioso, também o conhecimento desta questão fica arredado do presente recurso, não sendo legalmente possível a pronúncia deste tribunal no que a tal concerne.  
***

Sustentou ainda que o acordo de pagamento proposto e homologado por sentença pretende pagar à Autoridade Tributária e Aduaneira em 4 anos toda a dívida e encargos que ascende a € 45.000,00 e à Recorrente, a quem o devedor deve € 44.444,60 apenas 15% do valor de capital (€ 5.550,00) no prazo de 12 anos (36 prestações trimestrais) acrescido de uma carência de praticamente dois anos, sem qualquer justificação.

Diz que o referido se traduz numa violação do princípio da igualdade previsto no artigo 194.º do CIRE, o que constitui uma violação não negligenciável de norma imperativa aplicável ao conteúdo do plano e justifica a revogação da sentença em conformidade com o disposto nos artigos 215º e 222º-F nº5 do CIRE.

O devedor, nas contra-alegações, pronunciou-se no sentido que a apelante não provou, nem sequer arguiu, que o plano de recuperação o coloque numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano (artº 216º, do CIRE).

Diz ainda que a recuperação do devedor não pode ser paralisada por um credor que não aceite uma decisão tomada pela maioria dos credores, quando essa decisão não evidencie, como no caso, uma violação grave não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano.

Invocou ainda que é razoável afirmar-se que a situação do requerente, actualmente, face ao compromisso assumido pelo devedor, é melhor do que a situação anterior em que desconhecia como e quando (e mesmo se) obteria a satisfação do seu crédito.

Como resulta dos autos, logo no requerimento em que se opôs à homologação do Plano invocou a apelante que a aprovação do mesmo conduzirá a uma situação favorável unicamente ao devedor, que se eximirá das dívidas perante os credores comuns.

Por força do disposto no nº5 do art. 222º-F do CIRE, uma das normas aplicável no que concerne à homologação do Plano de Pagamentos é o disposto no art. 194º do mesmo diploma, no qual se estabelece:
«1- O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
2- O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.
3- É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto.»

Referem Carvalho Fernandes de João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris, 3.ª edição, p. 712/713:
“O artº 194º corresponde integralmente ao paralelo artº 176º do Anteprojeto.
A letra do nº 1 procurou acolher de uma forma evidente as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos, em contrário.
(…) o princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência. A sua afetação traduz, por isso, seja qual for a perspetiva, uma violação grave – não negligenciável – das regras aplicáveis”.

No Ac. da RE de 24/05/2018, relatora: Isabel Peixoto Imaginário, in www.dgsi.pt, diz-se:
“Relativamente ao sentido e alcance do princípio da igualdade dos credores consagrado no art. 194.º do CIRE, a jurisprudência que vem sendo consolidada pelos Tribunais Superiores assenta, designadamente e no que aqui importa salientar, nos seguintes vetores:
- estabelecendo o plano de revitalização do devedor diferenciações entre os credores, é necessário que nele se justifique o diferente tratamento, com a indicação das razões objetivas que lhe estão subjacentes;[5 Ac. STJ de 24/11/2015 (José Rainho)]
- necessário se torna, desde logo, justificar no próprio plano o diferente tratamento, com a indicação das razões objetivas para essa diferença;[6 Ac. STJ de 08/10/2015 (Júlio Gomes), processo n.º 1898/13.8TYLSB.S1]
- o princípio da igualdade dos credores não proíbe ao plano de insolvência que faça distinções entre eles; proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objetivos relevantes;[7 Ac. TRC de 01/04/2014 (Henrique Antunes). ]
- a simples menção de que existe necessidade do devedor vir a ser apoiado financeiramente no futuro pelas instituições financeiras credoras, não constitui razão objetiva justificadora da desigualdade de tratamento estabelecido no plano, quando tal menção não está acompanhada de uma vinculação efetiva, concreta e programada de apoio por parte dessas instituições financeiras;[8 - Ac. STJ de 24/11/2015 (José Rainho)].
]- o carácter estratégico de alguns credores é insuficiente para derrogar o princípio da igualdade dos credores de uma mesma classe quando faz recair sobre alguns deles, de forma desproporcionada, as perdas, ou seja, quando a revitalização do devedor é conseguida à custa do sacrifício grave ou severo de apenas alguns dos credores da mesma classe;[9 – Ac. TRC de 17/03/2015 (Henrique Antunes)].
- a finalidade visada com a contração do crédito (crédito contraído para aquisição de habitação vs. crédito contraído para aquisição de bens de consumo) pode relevar para estabelecer diferenciação de tratamento no plano;[10 - Ac. TRC de 01/04/2014 (Henrique Antunes).]
- ainda que alguma diferenciação se justifique, importa atentar na razoabilidade e no carater proporcional da diferenciação imposta pelo plano; [11 - Ac. STJ de 24/11/2015 (José Rainho)].
- as diferenciações entre credores não podem radicar na própria necessidade de aprovação do plano; pelo contrário, é este que, na sua substância, tem que respeitar, tanto quanto possível, o princípio da igualdade entre os credores.[12 - Ac. TRP de 14/05/2013 (Vieira e Cunha)].
Impõe-se, pois, tratar de forma idêntica todos os credores, mas levando em linha de conta a qualidade, natureza e finalidade dos respetivos créditos”.
Como se refere no Ac. da RL de 13/04/2021, relatora: Fátima Reis Silva e subscrito pela ora relatora na qualidade de 2ª adjunta, o qual pode igualmente ser consultado in  www.dgsi.pt:
“Perpassa quer na jurisprudência do Supremo, quer das Relações, que, exceção feita aos créditos tributários, as razões objetivas diferenciadoras têm que constar do plano. Será essa a única forma de controlo do cumprimento do princípio.
São em geral aceites noções como credores estratégicos (não no sentido das necessidades de aprovação, mas das necessidades dos devedores), como por exemplo no Ac. TRC de 17/03/15; e, em geral, a diferenciação baseada na diferente classificação de créditos é permitida (Ac. TRE de 17/03/16 e de 10/09/15; Ac. TRP de 07/04/16; Ac. TRL de 28/01/16); ainda assim, quando baseadas na diferente classificação de créditos, a jurisprudência não tem deixado de censurar excessos: como no caso do Ac. TRE de 21/04/16, no qual todos os créditos eram perdoados à exceção do credor hipotecário, ou no caso do Ac. TRG de 25/02/16, em cujo plano o credor hipotecário recebia integralmente o seu crédito, enquanto os demais se viam reduzidos a 15%, apontando-se que a revitalização estava a ser integralmente suportada por estes últimos credores.”

No caso dos autos, consta do Plano de Pagamentos o seguinte: 
A regularização dos créditos reclamados pela Autoridade Tributária e Aduaneira deverá ocorrer nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 30º e nº 3 do artigo 36º da LGT e artigos 196º e 199º do CPPT, obedecendo cumulativamente aos seguintes requisitos:
- Pagamento em regime prestacional, nos termos do artigo 196º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou seja:
a)- As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte à data da sentença homologatória do Plano;
b)- O pagamento do valor total em dívida deverá ser regularizado, no máximo, até 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (atualmente €1.020,00);
Não haverá lugar à redução de coimas e custas;
Não haverá lugar a qualquer moratória;
Manutenção das garantias existentes, nos termos do nº 13, do artº 199º do CPPT.
Releva-se que, para os efeitos previstos do nº 1 do artigo 17º-E do CIRE — parte final, a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT.
5.2.3Créditos Comuns
A regularização da dívida aos Credores Comuns, deverá ocorrer da forma que de seguida se discrimina:
- Perdão integral de juros vencidos e vincendos;
- Perdão incondicional de 85% do valor do capital reclamado;
- Estabelecimento de um período de carência de pagamentos de 12 meses após o trânsito em julgado da decisão que homologar o presente plano;
- Pagamento dos remanescentes 15% do capital reclamado em 36 prestações postecipadas, trimestrais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia do ano civil posterior ao do término da carência e as seguintes em igual dia dos trimestres subsequentes.

No caso dos autos, a diferenciação apontada como excessiva e desproporcionada é a que resulta da previsão no acordo de pagamento de 100% do crédito devido à Autoridade Tributária no máximo de 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta e o pagamento aos credores comuns, nos quais se inclui a apelante, com o perdão integral de juros vencidos e vincendos, bem como de 85% do valor do capital reclamado e estabelecimento de um período de carência de pagamentos de 12 meses após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano. No que a estes créditos concerne, o pagamento dos remanescentes 15% do capital reclamado terá lugar em 36 prestações postecipadas, trimestrais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia do ano civil posterior ao do término da carência e as seguintes em igual dia dos trimestres subsequentes.

Atento o disposto no art. 30º nº2 da LGT o crédito tributário é indisponível só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e legalidade tributária.

A Lei nº 55-A/2010 de 31/12 aditou a este preceito um nº3 estabelecendo que o disposto no nº2 prevalece sobre qualquer legislação especial, em clara tomada de posição quanto à jurisprudência uniforme que se havia formado desde a entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Há, assim, uma regra clara no sentido da indisponibilidade do crédito tributário e como únicas excepções a esta regra os princípios da igualdade e legalidade tributária.

Os créditos tributários são a única excepção identificada pela jurisprudência à necessidade de fazer constar do plano ou do acordo as razões objectivas que justificam um tratamento diferenciado. Todavia, esta circunstância não tem impedido a discussão destes créditos à luz do princípio da igualdade, que, como princípio fundamental que é, se aplica a todos os créditos, públicos e privados.

Por referência ao princípio da igualdade, podemos encontrar no Ac. STJ de 25/03/14: relator: Fonseca Ramos, também in www.dgsi.pt, uma extensa análise do diferente tratamento dado aos créditos tributários à luz do princípio da igualdade, na vertente do princípio da proporcionalidade e da adequada ponderação de interesses, tendo por referência o tratamento dado, no mesmo plano, a créditos laborais. Foi considerado que os créditos tributários visam a implementação de um sistema previdencial, situando-se num patamar diferente, supra individual, o que objectivamente justifica a diferença de tratamento.

O princípio da igualdade não está arredado na análise comparativa entre o tratamento dado aos créditos tributários e o tratamento dado aos demais créditos. A análise do excesso ou desproporção é comparativo e engloba o tratamento dado a estes créditos e aos demais.

À luz do que ficou referido, não pode deixar de se concluir pela desproporção entre o tratamento (legal) dado aos créditos tributários na proposta de acordo de pagamentos e o tratamento conferido aos demais créditos comuns. Aqueles terão o pagamento a 100%, no máximo de 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte à data da sentença homologatória do Plano e relativamente a todos os demais créditos terá lugar o perdão integral de juros vencidos e vincendos, bem como de 85% do valor do capital reclamado, com um período de carência de pagamentos de 12 meses após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano. No que a estes créditos concerne, o pagamento dos remanescentes 15% do capital reclamado terá lugar em 36 prestações postecipadas, trimestrais.

Está previsto o pagamento total do crédito da Autoridade Tributária sem qualquer redução -, no valor já liquidado, incluindo capital e juros vencidos, de € 45.021,42€ - no máximo em 12,5 anos, sendo que os demais credores apenas obterão o pagamento de 15% do capital num período de cerca de 10 anos. 

Há uma uma efectiva e injustificada desproporção, que não pode deixar de levar a concluir pela violação do princípio da igualdade.
E o plano apresentado e aprovado não apresenta qualquer justificação para esta tão grande diferença de tratamento dos créditos da apelante e também dos credores C… e L… face aos créditos da Autoridade Tributária, cumprindo ainda salientar que também este crédito surge identificado na lista provisória de créditos apresentada pela Administradora Judicial Provisória e no Plano de Pagamentos apresentado pelo devedor como crédito comum.

Desconhecem-se de todo, não obstante as questões suscitadas pela apelante no que a tal concerne, quais as razões que terão levado os dois credores C… e L… a viabilizar um plano com condições tão desfavoráveis para eles próprios.

Concluímos, assim, que o plano de recuperação aprovado viola o princípio da igualdade, pela desproporcionalidade não minimamente justificada do tratamento a que sujeita os credores supra referidos relativamente ao crédito da Autoridade Tributária.

Assim sendo, deveria tal plano ter sido oficiosamente recusado ao abrigo do artigo 215º do CIRE – e não nos termos do disposto no nº 1 do artº 216º -, não relevando, portanto, contrariamente ao invocado pelo devedor nas contra-alegações, a circunstância atinente à demonstração que o plano de recuperação coloca o credor numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano.

Impõe-se, pois, a revogação da decisão recorrida por força do disposto no artº 215º supra referido. 
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Cumpre ainda referir que relativamente à questão também invocada pela apelante em sede de recurso - que, atendendo ao facto de se encontrar a penhorar rendimentos do devedor há vários anos, a homologação do plano lhe retira essa condição e “rebaixa-a” perante os demais credores e que, em qualquer circunstância alternativa à homologação do plano, estaria sempre em melhor posição como credora sobre o Devedor do que aqueles – também o conhecimento desta questão não é susceptível de ser objecto de conhecimento no presente recurso. Trata-se de uma questão nova, apenas ora suscitada, não sendo legalmente possível a pronúncia deste tribunal no que a tal concerne.
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Não obstante e atendendo ao que supra ficou referido, há que julgar o recurso procedente.
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IV–DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, recusando-se a homologação do plano aprovado
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Custas pelo Apelado/devedor – artº 527º do C.P.Civil.
Registe e Notifique.


Lisboa, 16/12/2021



Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
Renata Linhares de Castro