Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2495/18.7T8CSC.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO
DIREITO DE QUEIXA CRIMINAL
ILICITUDE
OFENSA DO DIREITO À HONRA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - Da apresentação de participação criminal contra a A. e sua posterior tramitação, não se pode imputar à R. qualquer actuação ilícita e culposa, porquanto constitui o exercício legal de um direito que é reconhecido em sede constitucional e processual penal. 
- Só o exercício excessivo desse direito pode ser censurável. 
- Para esse efeito teria de ser feita a prova de que o seu exercício teve em vista denegrir a imagem e o bom-nome da A., que a denúncia tivesse sido caluniosa, isto é, que a R. tivesse participado criminalmente contra a ora A. com consciência da falsidade da imputação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

Ana intentou ação declarativa de condenação contra Belmira, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 50.000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento. 
Para o efeito alegou, em síntese, que em virtude da conduta da R., ao apresentar contra si queixa crime por furto e ao imputar perante terceiros a prática desse crime, apelidando a A. de “ladra”, lhe causou desgosto, angústia, a tristeza, sofrimento, o vexame por perca de prestígio e reputação.
A R., em contestação, alegou ter apresentado a queixa crime por ser sua convicção a prática do furto pela A., atuou sem culpa, não existe denúncia caluniosa, o arquivamento não equivale a inocência. No mais nega ter proferido as palavras que a A. lhe atribui.
Conclui pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido e pela condenação da A. como litigante de má fé.
Com dispensa de audiência prévia foi proferido despacho saneador, no qual foi também dispensada a delimitação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
julgo a acção procedente, por provada, e, em consequência, condeno a R. a pagar à A. a quantia de 25.000,00€, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.               
Custas pela R.”    
A R. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: 
“1- Vem o presente recurso interposto da decisão proferida em 1ª instância que condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar à Autora a quantia de € 25.000.00 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.
2- Tal condenação, na ótica da decisão recorrida, é devida como reparação indemnizatória, e cujo valor é razoável em termos de equidade, pelos danos resultantes da violação do direito da Autora peticionado, ao abrigo do disposto no artigo 483º, nº 1 do Código Civil.
3- A decisão, ora em crise, padece de erro notório na apreciação da prova, o qual contribui para o desfecho precipitado dos presentes autos.
4- Esta sua sentida reação contra esta decisão radica, não só em questões de facto, bem como em razões de Direito.
5- Pretende a ora Recorrente ver reapreciada a prova produzida em todos os factos e na sua plenitude por esse Venerando Tribunal da Relação.
6- A Autora, aqui Recorrida, baseia o seu petitório e a causa de pedir em duas questões de facto, quais sejam, a queixa-crime apresentada pela ora Recorrente nos Serviços do Ministério Público de C. e a qual veio a ser arquivada, e ainda o facto de a Recorrente a ter publicamente difamado, acusando-a de ladra, de lhe ter roubado a quantia de 25.000,00.
7- Quanto à prova da matéria de facto alegada pela Autora, Recorrida, se dirá que lhe incumbia grande e fundamentalmente o ónus de provar os factos por si alegados para poder consubstanciar o seu pedido de indemnização civil no que diz respeito à eventual obrigação da Ré, Recorrente, em indemnizá-la pela verificação dos alegados factos ilícitos – denúncia caluniosa e a difamação pública – geradoras da obrigação da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.
8- A Autora, Recorrida, não almejou minimamente produzir qualquer prova nesse sentido através das suas duas e únicas testemunhas, G. e o seu filho P., como mais adiante nos iremos pronunciar com as transcrições dos seus depoimentos, nos pontos fundamentais e em reapreciação.
9- No que à denúncia caluniosa diz respeito, e que a Recorrida fundamenta, em grande parte, o seu pedido de indemnização, na eventual prática, por parte da Recorrente, de um facto ilícito que pudesse gerar a obrigação de indemnizar a Recorrida, através da responsabilidade civil extracontratual, pressupõe que, acima de tudo, a Ré tivesse agido com culpa, pressuposto essencial e fundamental para haver a obrigação de indemnizar – artigos 483º e seguintes do Código Civil.
10-A denúncia caluniosa é um crime que radica na consciência da falsidade dos factos imputados e no propósito de sujeitar outrem a procedimento criminal – “quem, por qualquer meio, perante autoridade e publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com a intenção de contra ela se instaure procedimento …” – artigo 365º, nº 1 do C.Penal.
11-Este tipo legal de crime pressupõe a verificação cumulativa dos elementos objetivo e subjetivo.
12-Por isso, para o preenchimento do elemento objetivo deste ilícito é necessário que a denúncia seja, no seu conteúdo essencial, falsa – Elemento Objetivo.
13-Sendo que o facto só é punido a título de dolo – Elemento subjetivo, isto é, o agente terá de atuar com plena consciência da falsidade da imputação e, por outro lado, com intenção de que contra ela se instaure procedimento criminal.
14-O tipo subjetivo pressupõe um dolo qualificado por duas exigências cumulativas: o agente ter atuado com plena consciência da falsidade das imputações e, por outro lado, terá de o fazer com a intenção de contra ela se instaure procedimento criminal, sendo importante que os meios coligidos para secundar os factos imputados emerjam manipulados.
15-A Autora, Recorrente, não gorou produzir qualquer prova nesse sentido através das suas duas testemunhas.
16-A sua vizinha, G., unicamente e de relevante disse que em determinado dia assistiu à presença de uma senhora de idade, que não conseguiu melhor identificar, que se abeirou do prédio onde vive, bem como a sua vizinha ora A., e em altos gritos disse: sua ladra, roubaste a minha amiga.”. Instada disse que não conhece a Ré, só a viu aqui no tribunal e que nunca viu a Ré junto do seu prédio, onde vive também a Autora, sua vizinha, nem nunca ouviu a Ré a pronunciar quaisquer frases, nomeadamente as que retratam os autos, conforme a transcrição que abaixo iremos reproduzir, para efeitos de reapreciação.
17- Por isso, perante tão claro depoimento só podemos concluir que, se alguém difamou publicamente a Autora, terá sido essa senhora de idade (palavras da testemunha), que ninguém sabe quem é e não foi minimamente identificada e não a Ré, Recorrente.
18-Por outro lado, temos o testemunho do filho da Autora, P. que, de substancial, referiu que, em determinada altura, ouviu na pastelaria P., em C., através do empregado, de nome X, dizer que a Belmira e uma senhora de idade tinham feito comentários que a mãe tinha roubado a Ré – rotação 202001221101774 41 - 01,52 a 03,14 e 7,29 a 11,02.
19-É só esta reduzida e escassa prova, no que às supostas difamações diz respeito, que foi produzida pela Autora, aqui Recorrida, em sede de audiência de julgamento.
20-Temos, pois, que a prova produzida pela Autora, ora Recorrida, mostra-se de todo exígua e insubsistente para poder demonstrar toda a matéria de facto peticionada e de modo a poder sustentar fundamentada e razoavelmente o seu pedido de indemnização civil pela prática dos supostos factos ilícitos alegados.
21-De outro modo, e daquilo que competia à Ré, Recorrente, em contraprova, resultam infirmadas todas as razões de facto e de direito peticionado pela Autora, Recorrida.
22-Quanto á denúncia caluniosa diz respeito, a Ré, Recorrente, quando lançou sobre a Autora, Recorrida, a suspeita da prática do crime de furto, ao levar a efeito a queixa que formulou junto das Autoridades de Polícia Criminal de C., estava convicta que os factos que lhe imputou eram verdadeiros e que os meios de prova que coligiu para os secundar viessem a resultar demonstrados e que fosse proferido despacho de acusação, reunidas e demonstradas essas evidências, o que não se logrou, infelizmente, atento o facto do Digno Magistrado do Ministério Público entender que, realizadas as várias diligências probatórias, em sede de investigação, não foram reunidos os indícios fortes e bastantes para tal.
23-Mas, não quer isto dizer, obviamente, que a Autora tivesse demonstrado a sua inocência ou que os factos não tivessem ocorrido pela forma denunciada pela Recorrente. Unicamente, não se conseguiu reunir no Inquérito os indícios suficientes e bastantes, na ótica do Ministério Público, para que fosse proferido despacho de acusação e enviar o processo para julgamento.
24-Aliás, também se poderá garantidamente dizer que quando um arguido é absolvido em audiência de julgamento não fica demonstrado, nem sequer provado, que o arguido tenha demonstrado a sua inocência e que não tenha praticado os factos por que vinha acusado. Unicamente, o julgador entende que não se fez prova bastante e segura dos factos por que o arguido vinha acusado ou que até pudessem subsistir dúvidas insanáveis no espírito do julgador que, por isso, tivesse que dar origem necessariamente à absolvição do arguido, por aplicação do princípio “in dúbio pro reo”.
25-Consequentemente, jamais poder-se-á dar como assente, como se faz na decisão ora em crise, em pleno erro de julgamento e erro na apreciação da prova, para poder consubstanciar o pedido de indemnização por facto ilícito, gerador de responsabilidade civil extracontratual, a existência de uma denúncia caluniosa formulada pela Ré contra a Autora quando instaurou e fez seguir aquele procedimento criminal.
26-Aliás, é sintomático aqui frisar, relativamente a esta temática, o que refere o Senhor Procurador da República no seu douto despacho relativamente à intervenção hierárquica requerida pela Ré reagindo contra o arquivamento do Inquérito: “É certo que o comportamento da arguida, posterior aos factos denunciados, se revela pouco vulgar se atendermos à forma como deixou de trabalhar em casa da assistente e às razões que invocou para o efeito, bem como sobre o local em que se encontrava. Tal comportamento, no entanto, não pode ser determinante no sentido de aferir da probabilidade de, em julgamento, a arguida vir a ser condenada.” – sic
27-Neste sentido, referentemente à denúncia caluniosa, fica à saciedade inequivocamente demonstrado que a ora Recorrente agiu sem culpa, pelo que inexiste o facto ilícito, sem o qual não pode haver obrigação de indemnizar.
28-Já quanto à suposta difamação pública, como atrás dissemos e deixamos alegado, a Autora, Recorrida, não provou minimamente os factos por si alegados, como lhe incumbia fazer, contrariamente ao que resulta da decisão recorrida em pleno erro na apreciação da prova.
Senão vejamos:
29-A primeira testemunha por si arrolada, G., no seu depoimento refere que em determinado dia assistiu à presença de uma senhora de idade, que não conseguiu identificar, que se abeirou do prédio onde vive, bem como a sua vizinha Ana, e em altos gritos disse: “sua ladra, roubaste a minha amiga”.
30-Instada disse que nunca viu a Ré junto do seu prédio onde vive também a Autora, sua vizinha, que não conhece a Ré só a viu aqui no tribunal, nem nunca ouviu a Ré a pronunciar quaisquer frases contra a Autora, nomeadamente as que constam dos autos.
Neste sentido destacam-se as seguintes passagens do seu depoimento: (…)
31-Sobre isto e quanto à suposta difamação diz respeito nada, mas mesmo nada disse – Rotação 202000121100430 41 – 08,07 a 12,30 
32-Já quanto ao depoimento da 2ª testemunha arrolada, P., filho da Autora, unicamente deixou referido, quanto à difamação em causa, que lhe foi perguntado pelo dono da pastelaria P., em C., o Senhor X, o que é que se passava com a sua mãe, porque uma senhora lhe tinha dito que a sua mãe tinha roubado a Ré – Rotação 2020001221101774 41 – 7,29 a 11,02
Neste sentido, destacam-se as seguintes passagens do seu depoimento: (…)
33-Tal prova é de todo exígua e insubsistente com vista a poder sustentar-se com toda a segurança e razoabilidade o pedido formulado pela Autora, como a decisão recorrida o faz.
34-Ao contrário, a Ré Recorrente, na prova que carreou no processo, através, nomeadamente, dos depoimentos das suas testemunhas, desmontou por completo a tese apresentada pela Autora, Recorrida, apesar dessa tarefa não se ter mostrado muito fácil, contrariamente à decisão proferida, em erro notório de apreciação da prova produzida.
35-Senão vejamos, com vista a reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, Depoimento da testemunha M. – Rotação 20200121140929 41 – 00,44 a 09,41 (…)
Depoimento da testemunha J. – Rotação 20200121142321 41 – 1,59 a 9,56 (…)
Depoimento da testemunha C. – Rotação 202000121144036 41 – 00,35 a 12,09 (…)
Depoimento da testemunha F.  – Rotação 20200121145735 41 – 00,42 08,35 (…)
Depoimento da testemunha D. – 20200121151701 41 – 00,59 a 07,20 (…)
Depoimento da testemunha L.  – Rotação 20200221141819 41 – 01,09 a 21,02 (…)
36-Como se constata à evidência, pela prova produzida, a Ré, Recorrente, demonstrou e fez prova que a denúncia que levou a efeito no DIAP de C. só a fez na plena convicção que os factos denunciados eram verdadeiros e aguardava também convictamente que o Ministério de C., entidade investigadora, conseguisse reunir as provas bastantes e suficientes para a prolação de uma acusação pública.
37-Daí resultar inequivocamente que a Ré não agiu com culpa de modo a poder-se concluir-se, como erradamente o fez a decisão recorrida, que não estamos perante uma denúncia caluniosa.
38-E, de outro modo, também se mostra devidamente demonstrado, perante a prova produzida, e ora em reapreciação, que a difamação pública que a aqui Recorrida diz ter sido vítima, não se mostra devida e plenamente demonstrada.
39-Mas, mesmo que venha a conceder-se que se mostram verificados os pressupostos da violação, por parte da Ré, Recorrente, dos direitos alegados pela Autora, Recorrida, para poder consubstanciar o seu pedido de indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 483º, nº 1 do Código Civil, o que só se concede por mera questão académica e de raciocínio, jamais o quantum indemnizatório constante da decisão recorrida de € 25.000 euros se poderá adequar aos factos de forma razoável e em termos de equidade.
Nunca tal quantia poderia, em termos razoáveis e de equidade, situar-se num patamar máximo entre 2.000,00 (dois mil euros) a 3.000,00 (três mil euros)
40-Ao proferir a presente decisão, em pleno erro de julgamento e com erro notório na apreciação da prova produzida, violou a Mtª Juiz a quo lei substantiva e adjetiva expressas – artigos 483º, nº 1 do Código Civil, artigo 365º, nº 1 do Código Penal e 607º, nº 4 do Código Processo Civil.
41-Devendo, em consequência, ser revogada a decisão proferida na 1ª instância e substituída por douto acórdão que venha a julgar a ação improcedente por não provada, com a consequente absolvição da Ré, Recorrente ou, quanto muito, a conceder-se razão à Recorrida, o que só se admite por mera questão de raciocínio, reduzir o quantum indemnizatório ao justo e razoável limite num patamar máximo entre dois mil a três mil euros, fazendo-se, assim, douta e acostumada Justiça!”
A apelada apresentou contra-alegação, tendo terminado com as seguintes conclusões:
“1. Considera a ora Recorrida que o douto Tribunal de 1.ª instância andou bem ao condenar a Recorrente no pagamento da supra mencionada indemnização no valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
2. Os meios de prova produzidos, permitiram aferir que:
3. Em 13 de Julho de 2015, a Recorrida iniciou funções de empregada doméstica na casa da Recorrente e a prestação de serviços decorria na normalidade.
4. A 13 de Agosto de 2015, pelas 22h e 51m, a Recorrente apresentou queixa contra a Recorrida por furto do valor de 25.000,00€ em numerário, dando origem ao NUIPC YYYY.
5. Alegou então a Recorrente que na véspera, dia 12 de Agosto, verificou que tinha sido furtada aquela quantia em notas, que se encontravam embrulhadas num saco branco e escondidas por detrás de umas loiças num armário da cozinha, dinheiro que tinha em casa por receio de que o BES entrasse em processo de insolvência. 
6. De acordo com as declarações da Recorrente, a mesma terá dado conta do desaparecimento daquela quantia no dia 12 de Agosto, vendo o saco branco desmanchado junto do armário.
7. A Recorrente, terá contratado a Recorrida para trabalhar na sua residência e de sua Mãe já idosa, por recomendação de uma amiga, cujo nome não soube indicar.
8. A Recorrente referiu na queixa que os préstimos serviçais da Recorrida foram contratados apenas e unicamente em dia em que a Recorrente se encontrava de folga – a segunda-feira e no dia 27 de Julho de 2015, se ausentou por breves momentos e que aquando do seu regresso a Recorrida havia já saído.
9. Declarou a Recorrente ter recebido, no dia 03 de Agosto de 2015, uma mensagem escrita da Recorrida onde a mesma informava que não iria comparecer ao serviço, e que, no dia seguinte, a Recorrente ligou para a Autora a confirmar o “estado patológico”.
10. A Recorrente na sua denúncia afirmou que de forma preocupada e perdida, andou a averiguar a morada da Recorrida numa busca incessante de a confrontar, tendo ficado totalmente afrontada não só por a Recorrida ter afirmado não ter furtado os 25.000,00 €, como ainda, por voluntariamente oferecer a sua ajuda para procurar. 
11. Na queixa crime refere a Recorrente que ao encontrar a Recorrida “viu a suspeita aparentemente de perfeita saúde que manifestamente terá mentido quanto ao anteriormente dito”.
12. A 18 de Agosto de 2015, em sede de inquérito, a Recorrida prestou declarações e disse que nunca trabalhou na casa da Recorrente sem a sua presença ou da Senhora sua Mãe, bem como, não era a única prestadora de serviços daquela casa, indicando mesmo a existência de outras duas pessoas a prover o bem-estar da Mãe da Recorrente. 
13. A Recorrida veio em 18 de Agosto de 2015, a ser constituída arguida e a ver aplicada a medida de coação de Termo de Identidade e Residência.
14. No dia 6 de Outubro de 2015, foi emitido mandado de busca e apreensão domiciliária, pela 2ª Secção Instrução Criminal – J1- Instância Central – Comarca W, para a residência da Recorrida, vindo o mesmo a ser cumprido no dia 28 de Outubro de 2015 pelas 10h e 50m.
15. De todas as buscas realizadas, nenhum valor foi encontrado.
16. Foi ainda ordenado pela Meritíssima Juiz de Instrução ofício a entidades bancárias no sentido de serem juntos aos autos extratos bancários das contas dos filhos da Recorrida, bem como ofício à Autoridade Tributária para serem juntas cópias dos IRS apresentados pelos mesmos filhos da Recorrida.
17. De todas as diligências probatórias não resultou qualquer prova de que a Recorrida tivesse furtado os 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros).
18. A Recorrente chegou mesmo a deslocar-se à porta da residência da Recorrida e quando esta se preparava para entrar a porta do prédio e dentro do seu veiculo automóvel de forma a que todos os moradores ouvissem disse “ladra”, “devolva o que me roubou”.
19. A Recorrente deslocou-se até uma casa onde a Recorrida tinha trabalhado durante 16 anos, residência do Senhor S., afirmando ser a Recorrida uma larápia e responsável pelo desaparecimento do alegado valor monetário.
20. A Recorrente disse às suas amigas de C. que a Recorrida lhe furtou a referida quantia e estas chamaram a Recorrida de ladra.
21. Em Fevereiro de 2017 foi proferido despacho de arquivamento e apesar da decisão proferida a Recorrida com a queixa apresentada pela Recorrente, sentiu-se profundamente vexada.
22. Pois as pessoas comentavam a queixa apresentada e os insultos de “ladra”, tendo a Recorrida visto a sua reputação denegrida e posto em causa o seu bom-nome.
23. A apresentação de queixa por parte da Recorrente e as consequentes diligências de investigação arruinaram a honra e consideração da Recorrida, ofendendo a sua reputação bem como a consideração construída ao longo do tempo, o que se mantém até hoje.
24. O douto Tribunal fundamentou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, nomeadamente, de fls. 13 a 15 v. (auto de constituição de arguido(a); termo de identidade e residência e notificação para comparência em unidade policial); 11 a 12 v. (despacho de arquivamento de inquérito); fls. 34 a 39 e 41 (auto de denúncia e de declarações da Recorrente, nos autos de inquérito); 39v. a 40 v. (cópias de mensagens enviadas pela Recorrida à Recorrente, por telemóvel); 42 (auto de interrogatório de arguida); 43 a 46 v. e 71 a 100 (incidente de intervenção hierárquica do arquivamento do inquérito e decisão do mesmo) e no depoimento das testemunhas apresentadas pelas partes.
25. A testemunha G., apresentada pela Recorrida referiu que a conhece há cerca de 15 anos, que a Recorrida trabalhou na sua casa e tem a chave da sua casa, que costuma ter dinheiro em casa e que nunca lhe faltou um cêntimo.
26. Referiu ainda que era vizinha da Recorrida e num certo dia estava em casa e foi lá uma senhora de idade que disse, a gritar de modo a ouvir-se em todo o prédio, que se tinha enganado na casa porque pretendia ir à casa da Recorrida e disse-lhe que esta era ladra e que tinha roubado 25.000,00€ a uma amiga sua.
27. Depois disso ouviu pessoas a comentar que essa senhora de idade repetia esses factos em todo C., até na cabeleireira ouviu esses comentários.
28. Referiu que a Recorrida ficou muito mal, fechou-se em casa, chorava, tinha vergonha de sair à rua e teve de consultar um psicólogo.
29. A Recorrida teve de sair de C. e foi viver para R., perto do cemitério, porque não suportava a vergonha e sofrimento, porque umas pessoas acreditavam no que se diziam e outras não e não trabalhou mais a dias porque não estava em condições psicológicas para o fazer.
30. A Recorrente não aceitou o arquivamento do inquérito crime, nem a confirmação desse arquivamento no âmbito do incidente de intervenção hierárquica, por não terem sido provados os factos constantes da sua queixa crime e espalhou por C., local onde vive e onde vive a A., que este lhe furtou a quantia de 25.000,00€, pondo em causa o bom nome da A. e causando-lhe danos não patrimoniais, ou morais, que pela sua gravidade merecem a tutela do direito – cfr. artºs 484º e 496º do Cód. Civil.
31. A Recorrida provou que, em consequência do comportamento da Recorrente, foi posto em causa o seu bom nome e sofreu danos morais, que foram consideráveis uma vez que deram origem a um inquérito crime contra si, foi a A. constituída arguida e os seus filhos foram incomodados e viram ser efetuadas diligências que foram desde vasculhar as suas contas bancárias e buscas às suas casas, factos que também fizeram sofrer a A., por ver os seus filhos serem incomodados por factos que a R. não conseguiu provar.
32. Pelo que se conclui que o douto Tribunal de 1.ª instância andou bem ao condenar a Recorrente na reparação de todos os danos morais que resultaram do seu comportamento anterior, contemporâneo da queixa crime e posterior ao arquivamento do inquérito crime, mediante o pagamento à Recorrida do valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
33. Assim, nas suas extensas alegações e conclusões a Recorrente não logrou sequer fazer prova de que não terá caluniado a Recorrida e insiste em tentar provar que o furto na verdade existiu, o que já foi apreciado e decidido em processo crime,
34. Nem tão pouco fez prova da existência do alegado valor, aliás, seria difícil fazer prova de algo que nunca existiu, isto é, a alegada quantia de € 25.000 (vinte e cinco mil euros), que a Recorrente acusou e insiste em acusar a Recorrida de ter furtado.
35. Devendo assim, manter-se a decisão proferida em 1.ª Instância nos seus precisos termos.
Assim se fará a esperada e acostumada Justiça!”
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
1 -Em 13 de Julho de 2015, a Autora iniciou funções de empregada doméstica na casa da Ré, a prestação de serviços decorria na normalidade. 
2 - A 13 de Agosto de 2015, pelas 22h e 51 m, a Ré apresentou queixa contra a Autora por furto do valor de 25.000,00€ em numerário, dando origem ao NIPC YYYY. 
3 - Alegou então a Ré que na véspera, dia 12 de Agosto, verificou que tinha sido furtada aquela quantia em notas, que se encontravam embrulhadas num saco branco e escondidas por detrás de umas loiças num armário da cozinha. 
4 - Justificando ter o dinheiro em casa por receio de que o BES entrasse em processo de insolvência. 
5 – De acordo com as declarações da Ré, a mesma terá dado conta do desaparecimento daquela quantia no dia 12 de Agosto, vendo o saco branco desmanchado junto do armário. 
6 - Segundo a Ré, terá contratado a Autora para trabalhar na sua residência e de sua Mãe já idosa, por recomendação de uma amiga, cujo nome não soube indicar. 
7 – A R. referiu na queixa que os préstimos serviçais da Autora foram contratados apenas e unicamente em dia em que a Ré se encontrava de folga – a segunda-feira. 
8 – Declarou na queixa crime que ainda “ao estar presente ficou convicta que controlava todas as acções da suspeita nos referidos dias”. 
9 – Declarou também a Ré que no dia 27 de Julho de 2015, se ausentou por breves momentos e que aquando do seu regresso a Autora havia já saído.  
10 - Declarou a Ré ter recebido, no dia 03 de Agosto de 2015, uma mensagem escrita da Autora onde a mesma informava que não iria comparecer ao serviço, e que, no dia seguinte, a Ré ligou para a Autora a confirmar o “estado patológico”.  
11 - No dia 13 de Agosto, segundo a Ré (na queixa crime) procurou a Autora, dizendo que esta lhe afirmou uma ida ao S. para casa da filha. 
12 - A Ré na sua denúncia afirmou que de forma preocupada e perdida, andou a averiguar a morada da Autora numa busca incessante de a confrontar, tendo ficado totalmente afrontada não só por a Autora ter afirmado não ter furtado os 25.000,00 €, como ainda, por voluntariamente oferecer a sua ajuda para procurar. 
13 – Na queixa crime refere a Ré que ao encontrar a Autora “viu a suspeita aparentemente de perfeita saúde que manifestamente terá mentido quanto ao anteriormente dito”. 
14 - A 18 de Agosto de 2015, em sede de inquérito, a Autora prestou declarações. 
15 - Em declarações disse a Autora nos autos de inquérito, que nunca trabalhou na casa da Ré sem a sua presença ou da Senhora sua Mãe, bem como, não era a única prestadora de serviços daquela casa, indicando mesmo a existência de outras duas pessoas a prover o bem-estar da Mãe da Ré.  
16 – A A. veio em 18 de Agosto de 2015, a ser constituída arguida e a ver aplicada a medida de coacção de Termo de Identidade e Residência. 
17 - No dia 6 de Outubro de 2015, foi emitido mandado de busca e apreensão domiciliária, pela 2ª Secção Instrução Criminal – J1- Instância Central – Comarca W, para a residência da Autora, vindo o mesmo a ser cumprido no dia 28 de Outubro de 2015 pelas 10h e 50m. 
18 - Da busca realizada na Rua 1, nenhum valor foi encontrado. 
19 - Foi ainda ordenada busca na Rua 2, residência que foi da Autora há vários anos, nada tendo sido encontrado. 
20 - E ainda na Rua 3, residência esta pertencente a uma das filhas da Autora, e igualmente nada encontraram. 
21 - Foi ainda ordenado pela Meritíssima Juiz de Instrução oficio a entidades bancárias no sentido de serem juntos aos autos extractos bancários das contas dos filhos da Autora nomeadamente, H. e A., 
22 - Bem como oficio á Autoridade Tributária para serem juntas cópias dos IRS apresentados pelos mesmos filhos da Autora. 
23 – De todas essas diligências não resultou qualquer prova de que a Autora tivesse furtado os 25.000,00€. 
24 – No dia 29 de Outubro, dia consequente à realização da busca domiciliaria foi a aqui Autora novamente ouvida no inquérito. 
25 - A Ré chegou a deslocar-se à porta da residência da Autora, e quando esta se preparava para entrar a porta do prédio e dentro do seu veiculo automóvel de forma a que todos os moradores ouvissem bradava “ladra” “devolva o que me roubou”. 
26 - A Ré deslocou-se até uma casa onde a Autora tinha trabalhado durante 16 anos, residência do Senhor S., afirmando ser a Autora uma larápia e responsável pelo desaparecimento do alegado valor monetário. 
27 - A Ré disse às suas amigas de C. que a Autora lhe furtou a referida quantia e estas chamaram a Autora de ladra. 
28 - Transtornada com toda a incriminação e humilhação a Autora decidiu ausentar-se de C., indo passar uma temporada para casa da sua filha A. no S., tendo regressado algum tempo mais tarde. 
29 - Em Fevereiro de 2017 foi proferido despacho de arquivamento. 
30 - Apesar da decisão proferida a Autora com a queixa apresentada pela Ré e com todos os trâmites que se seguiram sentiu-se profundamente vexada. 
31- Quer a Autora quer a Ré, vivem em C., local onde todos se conhecem, todos falam. 
32 - As pessoas comentavam a queixa apresentada, as diligências realizadas, os insultos de “LADRA”. 
33 - A Autora viu a sua reputação denegrida, o cepticismo entre o que era verdade e o que era falso foi uma constante, colocando em causa o seu bom-nome e a confiança na sua pessoa.
34- A apresentação de queixa por parte da Ré e as consequentes diligências de investigação arruinaram a honra e consideração da Autora. 
35 - Com a imputação por parte da Ré à Autora da prática de uma conduta criminosa reprovada ético-socialmente levou a que a probidade, rectidão, lealdade e carácter da Autora fossem postos em causa, ofendendo a sua reputação bem como a consideração construída ao longo do tempo. 
36 - Situação esta que se mantém até aos dias de hoje. 
37 – Entre 10 e 13 de Agosto de 2015 a Autora, enviou à Ré, alguns mail’s a dizer que tinha sofrido uma queda em casa, que foi fazer um exame, que tinha muitas dores e que ia para casa da filha no S., porque não podia estar sozinha na sua casa. 
***
A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto: 
1 - No dia 27 de julho a Ré, tenha pedido à Autora, que passasse à limpeza da cozinha, mas que não acedesse aos interiores dos armários, nem que a Autora não tenha respeitado tal pedido, e tenha acedido à parte superior dos ditos armários da cozinha. 
2- Nesse referido dia, excecionalmente, a Ré, após o almoço tenha tido necessidade de se ausentar de casa para ir às compras, comunicando tal facto à Autora e lhe tenha dito que quando regressasse das compras lhe pagava o dia de trabalho. 
3 – A Ré, quando regressou a casa, ao fim da tarde, decorridas, pelo menos, mais de três horas, tenha estranhado a ausência da empregada, perguntado à sua mãe a razão disso e que esta lhe tenha dito que a Ana lhe referiu ter necessidade de sair mais cedo, porque tinha um assunto urgente a tratar. 
4 - A Autora, tenha saído muito antes do seu horário, deixado trabalho para executar e não tenha aguardado pela chegada da Ré, para receber o dinheiro referente ao seu dia de trabalho. 
5 - A Ré tenha telefonado à Autora para combinar o pagamento desse dia de trabalho, se tenha deslocado a C. a uma rua, próxima da casa da Autora, que tenham acabado por se encontrar, junto ao café da vila, e que a Ré tenha entregue à Autora a quantia de € 60,00 para pagar € 48,00. 
6 - A partir daí a Autora, nunca mais tenha voltado ao trabalho, e nesse mesmo dia 03 de Agosto seguinte a Ré, tenha telefonado para saber a razão de tal ausência, e que a Autora lhe tenha dito que tinha tido um acidente e que estava muito mal, magoada e toda negra e estava de cama. 
7 - No dia seguinte, terça-feira, a Ré, tenha voltado a telefonar à Autora, e esta lhe tenha referido que estava no hospital. 
8 - Nos dias seguintes a Ré tenha tentado falar para a Autora, mas esta não mais tenha atendido o telefone. 
9 - A Ré, tenha dado pelo desaparecimento do dinheiro no dia 12 de agosto de 2015, à noite, por ter necessitado de algum dinheiro para organizar a festa de anos da sua mãe, tenha recorrido ao dinheiro que tinha guardado no armário da cozinha, tenha verificado que o mesmo tinha desaparecido, restando só o saco, que este se encontrasse fora da caçarola, onde o guardara, na parte superior do armário da cozinha e de difícil acesso, esse acesso só poderia ser efetuado através de um escadote.
10 – Para além da Autora ninguém mais tenha acedido à casa da R.. 
11 – Que no dia 13 de agosto seguinte a Ré, tenha telefonado à Autora, e lhe tenha pedido para se encontrarem, e que esta tenha retorquido que não podia porque estava no Seixal, em casa da sua filha. 
12 – Que a Ré, tenha conseguido apurar a morada exata da A., nem que esta lhe tenha fornecido a morada errada.
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Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
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As questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão de facto
2. Dos requisitos da obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais e respetivo quantum
1. Da impugnação da decisão de facto
Estabelece o art. 640º do CPC:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
 “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. 
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artº 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios de prova constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…)” (1)
(sublinhados nossos)
Esta tem sido a orientação do S.T.J., de que é exemplo, o Ac. de 16-05-2018, in www.dgsi.pt:
“Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. 
Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. 
Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada, mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.” (sublinhado nosso)
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Na motivação do recurso a apelante manifesta discordância quanto à forma como foi valorada a prova produzida, referiu alguns meios de prova, efetuou transcrições de depoimentos gravados e afirmou pretender “ver reapreciada a prova produzida em todos os factos e na sua plenitude”.  
Todavia, das conclusões (assim como da motivação) não consta a especificação dos concretos pontos de facto que a apelante considera incorretamente julgados (artº 640º, nº 1, al. a), o que deve ser efetuado por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença. Mais, na motivação, não tomou posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação (artº 640º, nº 1, al. c).
O incumprimento destes ónus (640º, nº 1, al. a) e c) do C.P.C.) importa a rejeição imediata do recurso da impugnação da decisão de facto, não comportando despacho de aperfeiçoamento. (2)
Assim, rejeita-se o recurso na parte referente à impugnação da decisão da matéria de facto.
2. Dos requisitos da obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais e respetivo quantum
Insurge-se a apelante quanto à condenação em indemnização por danos não patrimoniais, por entender que não se provou ter a apelante atuado de forma ilícita e culposa quanto à queixa crime que apresentou (não há prova de denúncia caluniosa), pois fê-lo na convicção de terem ocorrido os factos, e também não se provaram os factos atinentes à difamação. Mais defende que, ainda que exista obrigação de indemnizar, o respetivo valor deve quedar-se por € 2.000 a € 3.000. 
Perante a rejeição da impugnação da decisão de facto, mantêm-se inalterada a factualidade considerada provada e não provada pelo Tribunal recorrido.
A presente ação surge estruturada na responsabilidade civil da R. por facto ilícito consistente na violação de direitos de personalidade da A. (danos ocorridos na sua imagem, honra e bom nome). 
Estabelece o nº 1 do artº 483º que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação."
Verifica-se, assim, que, de acordo com o preceito transcrito, os pressupostos – cumulativos - da responsabilidade civil são:
a) O facto do agente, facto esse que pode traduzir-se numa ação ou numa omissão;
b) A ilicitude - ou anti juridicidade - podendo esta revestir a modalidade de violação de direito de outrem (direito subjetivo) ou a de violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) O vínculo de imputação do facto ao agente ou culpa do lesante em sentido amplo, o que significa que a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito e podendo revestir a forma de dolo ou negligência;
d) O dano ou prejuízo; e
e) O nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Decorre do artº 484º do mesmo diploma que “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados.”
O direito ao bom nome e reputação e à imagem encontra-se consagrado no 26º da Constituição da República Portuguesa. 
Também a lei ordinária contempla no artº 70º do Código Civil a proteção contra toda a ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral (onde se insere o direito ao bom nome e reputação). 
Consiste esta em a pessoa não ser ofendida ou lesada na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a correspondente reparação.
Os direitos de personalidade pertencem à categoria de direitos absolutos.
Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, p. 283:”
O que esse direito significa é a tutela abrangente de todas as formas de lesão de bens de personalidade independentemente de estarem ou não tipicamente consagrados.” E ainda segundo estes autores os artºs 70º a 81º do C.C. preveem hipóteses típicas de direitos de personalidade, de um mesmo princípio fundamental de respeito pela dignidade da pessoa.
E de acordo com o ensinamento do Prof. Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 108, p. 315 e ss., pode haver violação do direito geral de personalidade mesmo que não exista uma violação do direito ao nome. 
Como assinala Rabindranath Capelo de Sousa (Direito Geral de Personalidade, p. 435), as acções ou omissões violadoras dos deveres jurídicos no campo específico dos direitos de  personalidade podem envolver situações em que o facto lesante é praticado no exercício regular de um direito ou no cumprimento de um dever, podendo mesmo envolver no primeiro caso uma colisão de direitos, nos termos previstos no artº 335º do C.Civil que importa resolver caso a caso.
Feito o enquadramento jurídico importa apreciar se no caso dos presentes autos se verificam os requisitos (cumulativos) da responsabilidade civil extracontratual, decorrente da atuação da R. (v.g. queixa crime apresentada e expressões e afirmações injuriosas e/ou difamatórias), como decidido na 1ª instância - ou se soçobram, como pretende a apelante - e, em caso afirmativo, se o valor fixado se mostra excessivo.
Em 13 de agosto de 2015 a R. apresentou participação criminal contra a A. pela prática de um crime de furto de quantia monetária no valor de 25.000,00€, alegando que esta se encontrava na residência da R., onde a A. prestava serviço doméstico desde 13 de julho de 2015. Tal queixa deu origem ao NIPC YYYY, no âmbito do qual a A. foi constituída arguida, sujeita à medida de coação de termo de identidade e residência, interrogada, tendo sido efetuadas buscas quer no seu domicílio, quer na residência de uma sua filha, bem como ordenada a junção aos autos de extratos bancários das contas dos filhos da Autora, e expedido oficio à Autoridade Tributária para serem juntas cópias dos IRS apresentados pelos mesmos filhos da Autora. De todas essas diligências não resultou qualquer prova de que a Autora tivesse furtado a quantia monetária € 25.000,00. 
O inquérito veio a ser arquivado em 17 de fevereiro de 2017, nos termos do disposto no artº 277º, nº 2 do C.P.P. – isto é, com fundamento em falta de indícios suficientes da prática do crime (situação bastante diferente da prevista no nº 1 do mesmo preceito legal, sendo o fundamento deste preceito mais consentâneo com uma hipotética denúncia caluniosa) - cfr. documento nº 1 anexo à p.i..
Mas o desfecho do processo crime é irrelevante, pois decisivo era a prova da atuação dolosa da R. ao apresentar a participação criminal.
Com efeito, para que a apresentação da queixa revestisse ilicitude necessário se tornava que se traduzisse na imputação de factos falsos com o objetivo de denegrir a imagem da denunciada, de atentar contra a sua honra e bom nome.
É que a tutela da honra terá de ceder perante o exercício de um direito ou do cumprimento de um dever de denunciar criminalmente.
 “Para garantir a estabilidade, a segurança, a paz social no Estado de Direito, há que assegurar ao cidadão a possibilidade, quase irrestrita, de denunciar factos que entende serem criminosos.
Sinalizamos “quase irrestrita” por a limitação maior consistir em a denúncia não ser feita dolosamente (com consciência da sua falsidade) e do teor dos seus termos.” (3)
Ora, dos factos provados não resulta que a R. tenha apresentado a queixa crime com o intuito de imputação de factos falsos visando denegrir a imagem da denunciada, de atentar contra a sua honra e bom nome, pelo que os eventos danosos decorrentes da instauração de processo de natureza criminal não são indemnizáveis, por soçobrarem os respetivos requisitos – desde logo a ilicitude. O ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito reclamado competia à A. (artº 342º, nº 1 do CC) – sendo irrelevante que a R. não tenha demonstrado que atuou na convicção do cometimento do crime de furto. 
“A assim se não entender ficariam os conhecedores de ilícitos penais fortemente coarctados no exercício de direito de denúncia, por poderem correr o risco de a não prova da sua comunicação os vir a penalizar civilmente. Tal traduzir-se-ia numa intolerável limitação ao exercício de um direito constitucionalmente consagrado, intimidando o cidadão que pretendesse comunicar às autoridades judiciárias eventual prática de um crime”. (4)
 “Assim, não é ilícito o facto praticado no exercício legítimo de um direito. Tal causa de exclusão tem carácter geral e encontra tradução já al. b) do nº 2 do artº 31º do C.P., no âmbito da consideração da ordem jurídica como totalidade. (...) Só que aqui não se estará propriamente perante uma causa justificativa da ilicitude, na medida em que não há como que uma prévia ilicitude que seja sequencialmente justificada, nem há, por conseguinte, um autêntico acto lesivo. Estamos, sim, perante a determinação do próprio âmbito normativo do direito que, directamente, torna lícita a prevalência de certos interesses sobre outros e lícitos os actos em que essa prevalência se exprime”. (5)
Concluindo, da apresentação da participação criminal e sua posterior tramitação, não se pode imputar à R. qualquer atuação ilícita e culposa, porquanto constitui o exercício legal de um direito que é reconhecido em sede constitucional e processual penal. Só o exercício excessivo desse direito pode ser censurável. Para esse efeito teria de ser feita a prova de que o seu exercício teve em vista denegrir a imagem e o bom-nome da A., que a denúncia tivesse sido caluniosa, isto é, que a R. tivesse participado criminalmente contra a ora A. com consciência da falsidade da imputação – o que, repete-se, a A. não logrou demonstrar. 
Já no que tange à conduta da R. descrita nos factos provados sob os nºs 25 a 27, constituem atos voluntários ilícitos e culposos, ao proferir expressões dirigidas à R. (“ladra”, “ devolva o que me roubou”) de modo a que os moradores ouvissem, bem como perante terceiros, nomeadamente dirigindo-se à residência de S., onde a A. havia trabalhado anteriormente,  afirmando que era uma larápia e responsável pelo desaparecimento do alegado valor monetário, e ainda dizendo às suas amigas de C., onde A. e R. residem, que a A. lhe furtou a referida quantia e estas chamaram a Autora de ladra. 
Verifica-se, pois, o facto voluntário, enquanto conduta controlável pela vontade do agente. No tocante à ilicitude está em causa a violação de um direito de personalidade, isto é, de um direito absoluto de outrem. 
Há ofensa do bom nome se o facto divulgado tiver a virtualidade de abalar o prestígio de que a pessoa goza ou o conceito positivo em que é tida no meio social em que se integra.
Dúvidas não restam que com as expressões usadas pela R. ocorreu violação do bom nome da A., na aceção acima transcrita, bem sabendo a R. ser a sua conduta censurável, podendo ter atuado de outra forma, designadamente abstendo-se de proferir tais expressões e afirmações.
Em resultado da atuação da R. a A. ficou transtornada, sentiu-se humilhada, viu a sua reputação denegrida; a sua probidade, retidão, lealdade, carácter, bom nome e confiança na sua pessoa foram postos em causa, ofendendo a sua reputação bem como a consideração construída ao longo do tempo, o que resultou exponenciado pelo facto de A. e R. residirem em C., em zona onde todos se conhecem e falam e que comentavam designadamente os insultos de “ladra”. A A. viu-se, ainda, obrigada a ausentar-se de C., indo passar uma temporada em casa da filha, no S..
Verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual sobre a R. impende a obrigação de indemnizar a A., uma vez que os danos sofridos pela A. revestem gravidade para merecerem a tutela do direito (artº 496º, nº 1 do CC).
Do quantum indemnizatório
A A. peticionou o montante de € 50.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Nos termos do disposto no artº 496º, nº 1 do Código Civil são indemnizáveis os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o montante da indemnização ser fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (nº 3 do artº 496º).
A decisão recorrida fixou a indemnização em € 25.000, tendo considerado a globalidade das consequências danosas, mormente as advenientes da apresentação da queixa pela prática de crime.
Isto é, na fixação da indemnização atendeu a uma maior extensão de danos do que aqueles que se apuram resultar de conduta ilícita e culposa. 
Subsidiariamente à revogação da sentença, a recorrente pugna para que a indemnização seja reduzida para o valor máximo de € 2.000 a € 3.000.
A indemnização neste tipo de danos tem natureza mista “pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (Ac. STJ de 30.10.96, BMJ 460, pág. 444).
Não olvidando que “na esteira da jurisprudência do STJ, pode dizer-se unânime, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas.
Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Mas também não deve nem pode representar negócio.
Importa, no entanto, vincar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação”. (6)
Para Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, pag. 474, 3ª ed., o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo, para além do mais, ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica das partes, à flutuação da moeda, e “deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”
Também Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, pág.385, sublinha que o montante da fixação do montante da reparação dos danos não patrimoniais deverá ser determinado “mediante o cômputo equitativo de uma compensação, em que se atenderá, não só e antes de mais à própria extensão e gravidade dos prejuízos, mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso”.
A atividade jurisprudencial de fixação de indemnização por danos não patrimoniais deve procurar uma uniformização de critérios, sem prejuízo das circunstâncias de cada caso concreto.
Não é conhecida a situação económica da R. nem da A., mas tão só a relação laboral que existiu entre ambas. São residentes na mesma localidade – C. – e pelo menos parte das expressões proferidas pela R. e imputações feitas em relação à A. foram-no naquela localidade, onde isso era comentado, revestindo a atuação da R. natureza dolosa e reiterada.
Conjugando a demais factualidade provada com as considerações acima expostas, os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência em casos de difamação e injúrias, afigura-se excessivo o montante arbitrado pela 1ª instância (que se salienta teve em conta maior extensão de danos) e reputa-se adequado atribuir à A. a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, no segmento do montante indemnizatório atribuído a título de dano não patrimonial, que se substitui pelo seguinte:
- condena-se a R. a pagar à A. a quantia de € 10.000 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais.
Custas por apelante e apelada, na proporção do decaimento.

Lisboa, 6 de maio de 2021
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida
António Valente 

_______________________________
(1) Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 165-169
(2) Abrantes Geraldes, ob. citada, pág. 167
(3) Ac. STJ de 09/09/2010, in www.dgsi.pt
(4) Ac. STJ, de 09/09/2010 citado.
(5) Capelo de Sousa, Direito Geral de Personalidade, p. 436
(6) Ac. STJ, de 10/10/2012, in www.dgsi.pt.