Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2552/18.0YRLSB-2
Relator: GABRIELA CUNHA RODRIGUES
Descritores: PATENTE DE INVENÇÃO
VALIDADE
TRIBUNAL ARBITRAL
TRIBUNAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O Direito da União não define quais as jurisdições de cada Estado membro com competência para apreciar a validade das patentes.
II - Impõe, no entanto, que, se um Estado Membro estabelece uma jurisdição especializada para o efeito, esta jurisdição possui competência para a ação e a para a exceção.
III - Tal como a nulidade de uma patente só pode ser apreciada, mesmo de forma incidental, no tribunal exclusivamente competente (em termos de competência internacional e territorial), também a competência (material) exclusiva dos tribunais estaduais estabelecida no artigo 35.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial impede a apreciação incidental da validade da patente fora desses tribunais.
IV - O Tribunal da Propriedade Intelectual tem competência exclusiva para apreciar a validade das patentes por meio de ação ou por via de exceção perentória.
V - O Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer da exceção da nulidade da patente de medicamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,

I - Relatório

1. A M..., Inc. interpôs recurso do despacho saneador proferido pelo Tribunal Arbitral constituído para dirimir o litígio entre a Demandante M..., Inc. e as Demandadas G... B.V. e Me..., no segmento em que se pronunciou pela sua competência para apreciar a exceção da invalidade da patente EP 2....
2.  A M..., Inc. dirigiu à G... B.V., em 17.10.2017, carta de início de Arbitragem, ao abrigo da Lei n.º 62/2001, de 12.12, na sequência da qual veio a ser instalado o Tribunal Arbitral em 25.1.2018, para dirimir o litígio tal como definido pela Demandante, relativo ao exercício dos direitos emergentes do Certificado Complementar de Proteção n.º 165 (tendo por patente de base a Patente Europeia n.º 788360), da Patente Europeia n.º 1756121, da Patente Europeia n.º 2..., e da Patente Europeia n.º 2377869, em relação a medicamentos genéricos contendo bortezomib como substância ativa, incluindo, mas não apenas, os referentes ao pedido de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) formulado pela Demandada, publicado na página do INFARMED em 22.9.2017 (cf. Ata de Instalação).
3. Nessa mesma data - em 25.1.2018 - foi aprovado o Regulamento de Arbitragem anexo à Ata de Instalação.
4. Por requerimento de 23.2.2018, a Me... requereu a sua intervenção espontânea no processo, com fundamento na transmissão da titularidade do AIM para o medicamento genérico bortezomib.
5. Notificada para se pronunciar, a Demandante manifestou em 27.2.2018 a sua não oposição à intervenção espontânea requerida pela Me... na qualidade de Demandada, bem como a intenção de apresentar a petição inicial (também) contra a Me....
A Demandada G... B.V. não se pronunciou.
6. Em 12.3.2018, a Me... requereu a extinção da instância contra a Demandada G... B.V. e o prosseguimento dos autos contra a interveniente Me... na qualidade de Demandada.
7. O Tribunal Arbitral proferiu o despacho n.º 3, em 13.3.2018, onde decidiu:
(i) admitir a intervenção da Me... na qualidade de Demandada;
(ii) notificar a Demandada Me... para, querendo, contestar;
(iii) notificar a Me... para o conteúdo do despacho n.º 2, de 1.3.2018, relativo ao pagamento de preparos de honorários.
8. Na presente ação arbitral necessária instaurada por M..., Inc. contra a G... B.V. e a Me..., a Demandante formulou na petição inicial os seguintes pedidos:
«Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, consequentemente, deverão as Demandadas:
a)  Ser condenadas, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, a abster-se de, diretamente ou por terceiros, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o Bortezomib identificados no artigo 131.º da presente petição, ou, sob esta ou quaisquer outra designação ou marca, qualquer outro medicamento contendo Bortezomib, como única substância ativa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias ativas, enquanto o CCP 165 se encontrar em vigor, ou seja, até 28 de abril de 2019 (salvo se a Demandante vier a obter uma prorrogação do CCP 165, caso em que a aqui referida data da caducidade deverá ser prorrogada em conformidade);
b)  Ser condenadas, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, a abster-se de, por si ou por terceiros, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o Bortezomib identificados no artigo 131.º da presente Petição Inicial, ou quaisquer outros medicamentos compreendendo éster de manitol do bortezomib liofilizado, enquanto a EP 2 251 344 se encontrar em vigor, ou seja, até 25 de janeiro de 2022;
c)  Ser condenadas, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, a abster-se de, por si ou por terceiros, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o Bortezomib identificados no artigo 131.º da presente Petição Inicial, fabricados de acordo com os processos constantes das patentes EP 1 756 121 e EP 2 377 869, enquanto as mesmas patentes se encontrarem em vigor, ou seja, até 24 de Março de 2025;
d)  Ser condenadas, com vista a garantir o exercício dos direitos da Demandante, a não transmitir a terceiros a AIM identificada no artigo 131.° da presente petição, até à caducidade dos referidos direitos de patente ora exercidos;
e)  Ser condenadas a pagar, nos termos do disposto no artigo 829.°-A do Código Civil, uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a C 35.000 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida nos termos do primeiro, do segundo e do terceiro pedidos acima formulados; e
f)   Deverão ainda as Demandadas ser condenadas a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente ação arbitrai, e ainda a reembolsar a Demandante das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas, pagas pela Demandante em seu nome ou em suprimento da sua falta pelas Demandadas, bem como os honorários dos mandatários da Demandante e outras despesas que estas tenham tido com o processo» (negrito e sublinhado nossos).
9. As Demandadas G... B.V. e Me... apresentaram contestação conjunta, representadas pelos mesmos mandatários.
Defenderam-se por impugnação e deduziram as seguintes exceções:
(i) A não infração da EP 1756121 ("EP 121") invocando que a característica essencial da invenção reivindicada na EP 121 corresponde à utilização de um solvente de éter que tem baixa miscibilidade com água o que contrasta com o processo de fabrico do composto Bortezomib utilizado para o medicamente genérico, uma vez que este utiliza tetra-hidrofurano ("THF") como solvente, que seria totalmente miscível com água. Donde, invocam que o medicamento genérico Bortezomib não infringe o âmbito de proteção da EP 121 (art. 11.º a 24.º da contestação);
(ii) A não infração da EP 2377869 ("EP 869") uma vez que - alegam - o processo de fabrico do composto Bortezomib difere do processo reivindicado pela Demandante na reivindicação 1 da EP 869, atento o facto de não utilizar o uso ou a formação dos intermediários XXI e XXII. Donde, o medicamento genérico Bortezomib não infringe o âmbito de proteção da EP 869; (art. 25.º a 31.º da contestação)
(iii) A não infração da EP 2... (“EP 344") atenta a sua invalidade pois que não envolve atividade inventiva (art. 32.º a 70.º; art. 71.º a 83.º; art. 84.º a 95.º da contestação) (negrito e sublinhado nossos);
Requereram ainda a suspensão da instância ao abrigo do artigo 272.º CPC, enquanto o processo de oposição contra a EP 344 estiver pendente no Instituto Europeu de Patentes (art. 78.º a 83.º da contestação).
Na resposta às exceções, apresentada em 16.5.2018, defendeu-se a Demandante pugnando pela sua improcedência e pela manutenção dos pedidos formulados na petição inicial. Para tanto, invocou, em síntese:
(i) Quanto à EP 121 e EP 869, que as Demandadas não juntam aos autos a documentação requerida pela Demandante nem - tão-pouco - cumprem o ónus de alegação relativamente à infração, atenta a omissão quanto a estas duas patentes (art. 6.° a 22.° da Resposta às Exceções);
(ii) No tocante à invalidade da EP 344, sustentam que o Tribunal não tem competência para aferir da alegada invalidade, nos termos do disposto no art. 35.º do CPI. Mais invocam que os argumentos relativos à falta de inventividade da EP 344 não são procedentes, designadamente porque se verifica a existência de atividade inventiva (art. 23.º a 181.º da Resposta às Exceções);
(iii) O pedido de suspensão da instância seria improcedente em virtude da não aplicação do art. 272.º do CPC (art. 182.º a 241.º da Resposta às Exceções), causando ainda grave prejuízo para a posição da Demandante, tendo em conta, também, que se discutem outras patentes.
10. No dia 19.7.2018, foi proferido acórdão saneador, no qual o Tribunal Arbitral indeferiu a requerida extinção da instância relativamente à Demandada  G... B.V. e pronunciou-se no sentido da sua competência para conhecer da exceção da invalidade da EP 344, nos seguintes termos:
 «A competência do Tribunal Arbitral para conhecer da invalidade dos direitos de propriedade industrial invocados é matéria que se mantém controversa, mesmo após a decisão do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 251/2017 (MARIA DE FÁTIMA MATAMOUROS), Proc. n.º 297/16.
Em causa está, fundamentalmente, o sentido e alcance do art. 35.º/1 CPI (DL n.º 36/2003, de 05-mar.), nos termos do qual «a declaração de nulidade ou a anulação [das patentes, in casu] só podem resultar de decisão judicial». A redação do art. 35.º/1 mantém-se inalterada desde a aprovação do CPI (2003): as alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2008, de 01-abr. e pelo Decreto-Lei n.º 143/2008, de 25-jul. não modificaram o n.º 1 do preceito.
Ainda antes da entrada em vigor da Lei n.º 62/2011, nos termos da qual este Tribunal se encontra constituído, foi colocada a questão de saber se o art. 35.º/1 CPI consagrava uma reserva de competência dos tribunais judiciais para conhecer da invalidade das patentes.
A Doutrina dividiu-se. (…).
Tão pouco existe consenso na jurisprudência (…).
Como vimos, o art. 35.º/1 CPI não sofreu qualquer modificação com a entrada em vigor da Lei n.º 62/2011. Tão pouco este diploma confere aos tribunais arbitrais constituídos ao seu abrigo competência para conhecer da nulidade ou anulabilidade das patentes, a título principal.
A regra é, portanto, clara: a invalidade das patentes - enquanto objeto principal do pedido - não está sujeita a arbitragem (necessária ou voluntária).
A dúvida coloca-se, portanto, não quanto à competência do tribunal arbitral para conhecer da invalidade a título principal, mas sim para conhecer da invalidade, quando arguida pelo demandado na sua defesa, enquanto exceção perentória.
Não obstante a incerteza, os termos em que a discussão tem sido colocada na jurisprudência apontam para a necessidade de eleger uma das seguintes orientações:
 (i) Julgar os tribunais arbitrais constituídos ao abrigo da Lei n.º 62/2011, competentes para conhecer a exceção perentória de invalidade, com eficácia inter partes; ou
(ii) Julgar os tribunais arbitrais incompetentes para conhecer a exceção perentória de invalidade, sendo o direito constitucional à defesa, previsto no art. 20.º CRP, assegurado mediante a suspensão da instância arbitral, até decisão da invalidade proferida por outro tribunal (nomeadamente, pelo TPI, nos termos do art. 111.º/1 c) Lei da Organização do Sistema Judiciário - Lei n.º 62/2013, de 26-ago.).
A distinção entre uma decisão de invalidade com eficácia erga omnes por oposição a uma decisão de invalidade com eficácia meramente inter partes - que impressionou alguma jurisprudência - encontra-se mal colocada.
O acórdão da RLx de 04-fev.-2016, por exemplo, pronunciou-se no sentido da incompetência - quer dos tribunais arbitrais, quer dos tribunais judiciais - para conhecer da exceção de invalidade por entender que «o princípio da tipicidade reclama que todas as decisões sobre essa matéria tenham efeitos erga omnes».
Parece-nos que o Tribunal da Relação de Lisboa confunde o carácter absoluto do direito invocado, com a eficácia relativa do caso julgado. A natureza absoluta do direito controvertido (sujeito ou não a registo) não conflitua com a eficácia relativa do caso julgado. «O direito absoluto - ensina TEIXEIRA DE SOUSA (retomando a noção de OLIVEIRA ASCENSÃO) - é aquele que se baseia numa razão absoluta e não o que, uma vez reconhecido em juízo, é oponível erga omnes. Assim, não existe qualquer contradição entre a natureza absoluta do direito apreciado em juízo e o seu reconhecimento inter partes (ou seja, entre a natureza absoluta do direito e a eficácia relativa do caso julgado).
 O carácter absoluto do direito titulado por uma PE não colide, portanto, com a eficácia relativa da procedência, em juízo, da exceção da sua invalidade. Neste ponto, nada de particular oferece este contencioso que seja substancialmente diverso do que sucede aquando da invocação, em juízo, da mesma exceção quanto a outro qualquer direito absoluto.
Temos, portanto, que a verdadeira questão a decidir é a seguinte: pode ou não o demandado defender-se por exceção, invocando a invalidade da patente, perante um tribunal arbitral constituído ao abrigo da Lei n.º 62/2011?
A resposta não é simples. Tão pouco é previsível que a intervenção legislativa correspondente à Proposta de Lei n.° 132/XII venha dirimir a questão. Numa leitura perfunctória do projeto legislativo, nem as alterações introduzidas na Lei n.° 62/2011 nem o novo CPI tomam partido claro sobre as teses em confronto.
O argumento segundo o qual a eventual decisão no sentido da invalidade (incidental) da patente pode traduzir-se, materialmente, na possibilidade do titular da AIM introduzir licitamente o medicamento em causa no mercado mesmo que a PE nunca venha a ser declarada nula ou anulada, a título principal, é, de facto, ponderoso.
Com efeito, tal possibilidade aproxima os efeitos materiais da decisão daquela posição de vantagens adveniente da titularidade de uma licença: a PE manter-se oponível a todos excepto aqueles concretos sujeitos abrangidos pelo caso julgado. Contudo, esta circunstância não é materialmente distinta da que resulta de uma má decisão de mérito. Isto é: da decisão que entenda não haver violação da PE quando, de facto, a introdução do medicamento a violar. Também neste caso - em que está em causa o mérito da causa e não a decisão da exceção de invalidade - o efeito produzido na ordem jurídica é semelhante ao apontado.
Aquele tribunal (judicial ou arbitral) que, no exercício da sua jurisdição, é chamado a decidir sobre a violação de certo direito de propriedade industrial não pode deixar de ser competente para conhecer da exceção de invalidade do direito alegado, enquanto meio de defesa deduzido no processo. A pronúncia sobre tal exceção tem, naturalmente, por âmbito de vinculação aquele que é próprio do caso julgado que se vier a formar.
Outra decisão, levaria a concluir que para se defender nos autos em que se discute a infração de uma patente, a demandada teria que intentar uma ação autónoma, a correr noutra instância, de anulação ou declaração de nulidade da patente em causa. A suspensão da instância até à decisão da invalidade, sugerida pelo STJ, coloca em perigo o próprio modelo de decisão dos litígios em presença, promovido pela Lei n.º 62/2011.
Decidindo: o Tribunal, por maioria, julga-se competente para conhecer da exceção de invalidade deduzida pelas Demandadas».
11. Inconformada com o assim decidido, a Demandante interpôs recurso da decisão com as seguintes CONCLUSÕES:
«1. O presente recurso vem interposto pela Recorrente do Acórdão Saneador proferido pelo Tribunal Arbitral de 19 de julho de 2018, na parte em que este se declarou competente para apreciar e decidir da validade da EP 2 251 344 com reflexo e valor inter partes, na sequência da invocação da exceção de invalidade invocada pelas Recorridas.
2.  A questão sub judice no presente recurso reside em saber se, em geral, deve um tribunal arbitral ser considerado competente para poder apreciar e conhecer, em geral, da validade de uma patente.
3.  Uma patente corresponde a um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, correspondendo a um direito de propriedade industrial absoluto e, como tal, oponível erga omnes.
4.  Um dos princípios basilares que preside à proteção da propriedade industrial encontra-se plasmado no artigo 4.º, n.º 2 do CPI, que estabelece que a concessão de direitos de propriedade industrial implica a presunção jurídica ("juris tontura") dos requisitos da sua concessão.
5. O único meio facultado pelo CPI para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial é a ação de nulidade ou de anulação, a intentar pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, junto de um tribunal judicial, conforme resulta claramente do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do CPI.
6. Foi intenção do legislador estabelecer uma reserva de justiça estadual e a concentrar num único tribunal especializado o contencioso sobre a validade de direitos de propriedade industrial, tornando, deste modo, inarbitrável pelo Tribunal Arbitral qualquer pretensão atinente à apreciação e conhecimento dos fundamentos de invalidade de um direito de propriedade industrial.
7.  A inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial (onde se incluem as patentes) por tribunais arbitrais prende-se, desde logo, com (i) a natureza dos direitos em causa; (ii) a solenidade associada ao procedimento administrativo de concessão de direitos de propriedade industrial; e (iii) razões de lealdade da concorrência e transparência de mercado.
8.  A declaração de invalidade, com meros efeitos inter partes, redundaria, na prática, na invalidação subjetivamente parcial da EP 2 251 344, a qual passaria assim a ser inválida apenas em relação às Recorridas, continuando a ser válida e oponível contra todos os outros interessados.
9.  A declaração de invalidade nestas circunstâncias destruiria a natureza de direito absoluto do direito da patente, oponível erga omnes, sem que nada na lei autorize tal destruição.
10. Considerando ainda a natureza absoluta dos direitos privativos que da EP 2 251 344, encontram-se adstritos a averbamento e inscrição no título todos e quaisquer factos que limitem, modifiquem ou extingam esses direitos.
11. Este procedimento assegura especiais cautelas e garantias de legalidade, sendo pois apenas natural que a certificação legal de um título pela entidade administrativa competente implique a presunção da respetiva validade — e que tal presunção apenas possa ser afastada por via de uma ação que ofereça iguais garantias de legalidade e especialidade.
12. Resulta evidente da análise das circunstâncias do caso concreto que a ideia das Requeridas com a dedução da exceção de invalidade da EP 2 251 344 é tentar obter, de forma célere, uma decisão que lhes confira uma (injustificada) vantagem competitiva que só seria (e/ou deveria ser) possível alcançar através de uma ação de nulidade ou de anulação desta patente.
 13. A aceitação da apreciação da exceção de invalidade da EP 2 251 344 em ações arbitrais (ou só em algumas) poderia levar à prolação de decisões totalmente contraditórias relativamente à mesma.
14. Desde modo se conclui que, em razão de todo o exposto, não é sindicável pelo Tribunal Arbitral, ainda que em sede de exceção, a matéria da alegada invalidade da EP 2 251 344 suscitada pelas Requeridas.
15. A necessidade de celeridade na resolução deste tipo de litígios não pode sobrepor e justificar o desrespeito pelos preceitos legais aplicáveis, muito menos num domínio onde a segurança jurídica deve ser um dos princípios norteadores do sistema.
16. Nada no elemento literal da Lei 62/2011 pode ser interpretado como suportando positivamente a competência do Tribunal Arbitral.
17. O artigo 1.º da LAV esclarece, aliás, que são inarbitráveis os litígios que, por lei especial, estejam submetidos exclusivamente à jurisdição dos tribunais do Estado, sendo naturalmente o artigo 35.º um claro caso nesse sentido.
18. A posição sufragada pelo Tribunal Arbitral está em total e expressa contradição com o entendimento maioritário jurisprudencial, seguido em sede tanto arbitral como judicial, em concreto pelo tribunal ad quem, o Tribunal da Relação de Lisboa, e ainda pelo Supremo Tribunal de Justiça,
19. Não se ignora, no entanto, que o TC se pronunciou recentemente sobre a constitucionalidade da denegação da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a validade de uma patente, com efeitos inter partes, muito embora tal Acórdão não tenha força obrigatória geral.
20. A norma constitucional que se considerava violada era o artigo 20.º n.g. 4 da CRP, em particular, a específica dimensão do direito à tutela jurisdicional efetiva designada por "proibição da indefesa".
21. Sucede que o TC só apreciou a problemática da violação do processo equitativo do ponto de vista do direito de defesa dos demandados nas ações arbitrais, centrada na questão da proporcionalidade da solução jurisprudencial em análise.
22. Porém, os efeitos — constitucionais — emergentes da solução encontrada pelo TC em resposta a essa problemática para os demandantes titulares de patentes foram totalmente desconsiderados.
23. Para fundamentar a conclusão de que "a norma objeto do presente julgamento [se] revela excessiva porquanto prejudica de modo desproporcionado o direito à defesa do requerente de AIM", o TC baseia-se nas seguintes premissas: (I) a instauração de uma ação de invalidação de uma patente dificilmente terá qualquer influência na resolução do litígio pendente na ação arbitral, considerando o artigo 36.º do CPI e as normas processuais comuns re2lativas à suspensão da instância, previstas no artigo 272.º e seguintes do Código de Processo Civil; e (ii) o requerente/titular de AIM pode não ter uni interesse na declaração de invalidade da patente através de uma ação de anulação com efeitos erga omnes, visto que tal beneficiaria todos os terceiros concorrentes do titular da patente e não apenas o seu interesse económico.
24. Não apenas as premissas que fundamentaram o entendimento do Tribunal são erradas, o que comprometeu a exatidão do juízo de inconstitucionalidade que proferiu, como a ponderação exigida pelo artigo 18.º, n.º 2 da CRP só foi feita a metade.
25. Se um direito de patente for declarado nulo depois da decisão arbitral, é evidente que tal facto permite modificar ou inutilizar a força de caso julgado conferida à decisão arbitral condenatória da demandada a partir da data dessa declaração de nulidade.
26. A inviabilidade de alegar a invalidade da patente, em resultado das regras de competência material do TPI, não implica qualquer perda do direito de defesa da Demandada, apenas alterando os termos em que a satisfação de tal direito pode ocorrer.
27. Quanto à suspensão da instância, a circunstância de a demandada numa ação de infração de patente possa ver o seu pedido de suspensão da instância recusado ao abrigo do artigo 272.º, n.º 2 do Código de Processo Civil não pode fundamentar sem mais o juízo de inconstitucionalidade oferecido.
28. Ao contrário do sindicado pelo TC, o direito de defesa das sociedades demandadas nas ações arbitrais não fica em nada limitada, nem tão-pouco aniquilado, pelo facto de a ação de nulidade que têm de propor (caso queiram ver anulado o direito de patente contra si invocado) ter efeitos erga omnes,
29. Esse seu potencial interesse - que não passa disso mesmo, ou seja, de um interesse e que não é constitucionalmente protegido — nada tem que ver com o direito de defesa cuja eventual restrição estava sob escrutínio.
30. E ainda que esse interesse pudesse pesar na ponderação de interesses que cabia ao TC fazer nos termos do artigo 18.º, n.º 2 da CRP, ele jamais poderia prevalecer sobre o direito de patente das sociedades demandantes, esse sim, um direito fundamental constitucionalmente protegido.
31. O interesse constitucionalmente protegido que estaria em confronto com o direito de defesa do demandado seria, nas palavras do TC, a proteção da "natureza do direito de patente, enquanto oponível erga omnes" e o "interesse de assegurar a competência exclusiva de determinado tribunal para apreciar a matéria", mas escapou ao TC a circunstância de que o que esses interesses visam proteger é o próprio direito de patente.
32. O direito constitucionalmente protegido que a solução em análise visa salvaguardar é o conteúdo essencial do direito de patente, diretamente protegido pela CRP por força do artigo 42.º ou do artigo 62,Q.
33. O TC, no seu Acórdão, não cuidou de ver o que acontece ao direito de patente caso se admita a defesa por exceção baseada na nulidade da patente.
34. E ponto de partida essencial desta análise que não foi feita é a de que o direito de patente é um direito temporário ou efémero.
 35. Admitir-se a defesa por exceção em ações arbitrais comportará consequências negativas inadmissíveis para este direito fundamental dos titulares de patentes — inadmissíveis porque verdadeiramente irreversíveis.
36. Significa isto que a interpretação recorrida veio admitir uma solução que legitima a violação do conteúdo essencial de um direito enquadrável na categoria dos direitos, liberdades e garantias, por força do artigo 42.º da CRP (ou, pelo menos, de um direito com natureza a eles análoga, por força do artigo 62.º da Constituição), sendo pois materialmente inconstitucional por colidir com o artigo 18.º, nºs 2 e 3 da CRP.
37. Nada justifica — muito menos um interesse de um requerente da AIM — que o titular da patente veja o seu direito fundamental aniquilado para salvaguarda de uma mera restrição do direito de defesa dos demandados.
38. Em suma, uma interpretação dos artigos 35.º, n.º 1, do CPC e 2.º da Lei n.º 62/2011 segundo a qual é admissível a declaração de nulidade de uma patente por um tribunal arbitral com efeitos Interpartes importa a diminuição da extensão e do alcance do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade industrial das titulares de patentes de forma desproporcional, sendo materialmente inconstitucional por violação dos artigos 42.º, 62.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, e representando uma solução, em violação do artigo 13.º da Lei Fundamental».
Propugnam, por isso, as Apelantes a revogação da decisão recorrida e a substituição por outra que considere o Tribunal Arbitral incompetente para a apreciação da invocada invalidade de patente.
12. A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais corrobora a fundamentação do acórdão arbitral recorrido, destacando o decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 297/16, de 24.5.2017.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*

II - Âmbito do recurso de apelação
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões das Recorrentes (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise da seguinte questão:
- Saber se o tribunal arbitral necessário, previsto no artigo 2.º da lei n.º 62/2001, de 12.12, é competente para conhecer, a título meramente incidental - por via de exceção -, da questão da nulidade da patente de medicamento, anteriormente registada, com efeitos limitados às relações inter partes.
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III - Fundamentação
Fundamentação de facto

A questão a solucionar é somente de direito, sendo relevantes para a sua apreciação os elementos constantes do iter processual descritos no relatório.

Enquadramento jurídico

a) A Lei n.º 62/2011, de 12.12, instituiu um regime de arbitragem necessária para a composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos.
De harmonia com o disposto no artigo 101.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial (doravante CPI), a patente de invenção confere ao seu titular um direito exclusivo de exploração de um invento durante 20 anos, a contar do correspondente pedido (artigo 99.º do CPI), atribuindo-lhe o direito de, no território nacional (artigo 101.º, n.º 1, do CPI), «impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados» (artigo 101.º, n.º 2, do CPI).
A patente provém de uma autoridade administrativa, no exercício de um poder público regulado pela lei, e faz presumir a validade do direito da propriedade industrial.
Um dos princípios basilares da proteção da propriedade industrial está consagrado no artigo 4.º, n.º 2, do CPI, o qual estabelece que a concessão de direitos de propriedade industrial implica a presunção jurídica (juris tantum) dos requisitos da sua concessão.
Dessa concessão resulta, assim, uma presunção da validade do título de onde derivam esses direitos, a qual é ilidível nos termos do disposto no artigo 35.º do CPI de 2003, segundo o qual:
«1 - A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial.
2 - Têm legitimidade para intentar a ação referida no número anterior o Ministério Público ou qualquer interessado, devendo ser citados, para além do titular do direito registado contra quem a ação é proposta, todos os que, à data da publicação do averbamento previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 30.º, tenham requerido o averbamento de direitos derivados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (…)» (negrito e sublinhado nossos).
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10.12, aprovou um novo Código da Propriedade Industrial, o qual revogou o Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5.3 (cf. artigo 14.º).
Decorre da análise dos artigos 15.º e 16.º do referido diploma que as disposições do CPI Novo entram em vigor no dia 1 de julho de 2019, pelo que não são aplicáveis à situação sub judice.
De qualquer modo, diga-se em abono da verdade que o CPI Novo não traz nenhuma alteração significativa quanto a esta problemática, ao estabelecer no artigo 34.º, n.º 1, que «A declaração de nulidade ou a anulação de patentes, de certificados complementares de proteção, de modelos de utilidade e de topografias de produtos semicondutores só podem resultar de decisão judicial» (negrito e sublinhado nossos).
Retomando a análise do artigo 35.º do CPI de 2003, verifica-se uma harmonia interpretativa no sentido da reserva de competência material exclusiva do Tribunal da Propriedade Intelectual quando o requerido deduza pedido reconvencional sobre a matéria da nulidade da patente, em termos de alargar o objeto do processo a esta questão, deixando-a definida com força de caso julgado material (cf. competência do TPI decorrente do artigo 111.º, n.º 1, alínea c), da Lei do Sistema da Organização Judiciária, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.8).
Porém, é controversa na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se pode ser invocada a nulidade da patente como estrito meio de defesa por exceção perentória, incumbindo então ao tribunal arbitral apreciá-la, mediante decisão cuja eficácia permanecerá confinada ao processo.
Remetemos, neste particular, para o acórdão do STJ de 14.12.2016 (p. 1248/14.6YRLSB.S1, in www.dgsi.pt), onde se sumariam as várias teses em confronto, nos seguintes termos:
«Sustentando esta possibilidade, podem citar-se nomeadamente Remédio Marques (A Arbitrabilidade da Excepção de Invalidade da Patente no Quadro da Lei nº 62/2011, in Revista de Direito Intelectual, nº2/2014, pág. 215), Dário Moura Vicente (O regime Especial de Resolução de Conflitos em Matéria de Patentes, in ROA, Ano 72, pág. 981) e José Alberto Vieira (A competência do Tribunal Arbitral Necessário para Apreciar a Excepção de Invalidade da Patente Registada, in Revista de Direito Intelectual, nº 2/2015, pág. 195).
Em sentido contrário, podem invocar-se nomeadamente Manuel Oehen Mendes (Breves Considerações sobre a Incompetência dos Tribunais Arbitrais Portugueses Para Apreciarem a Questão da Invalidade das Patentes e dos Certificados Complementares de Protecção para Medicamentos, in Estudos de Direito Intelectual em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, pág. 927) e Evaristo Mendes (Arbitragem Necessária. Invalidade de Patente, Direito a uma Tutela Jurisdicional Efectiva e Questões Conexas, in Propriedades Intelectuais, 2015, nº 3, pág. 103).
No que toca à jurisprudência – para além de os próprios juízes que vêm integrando o referido Tribunal arbitral necessário dissentirem frontalmente quanto a este tema (como sucedeu, de forma ostensiva, no caso dos autos) – verifica-se que a jurisprudência da Relação de Lisboa (competente para apreciar os recursos interpostos das decisões arbitrais) se mostra também dividida, sendo manifesta uma linha de fractura entre os arestos que – como ocorre nos presentes autos (Ac. de 3/12/2015) – consideram que a invalidade da patente registada pode ser suscitada a título de excepção e decidida pelo tribunal arbitral com efeitos circunscritos ao processo (cfr. o Ac. de 13/1/15, P. 1356/13) e aqueles em que se considerou que o mesmo tribunal arbitral carece de competência para apreciar, ainda que a título de mera excepção, a questão da invocada invalidade da patente (Acs. de 13/2/14, P. 1053/13 e de 4/2/16, P. 138/15)».
São vários os argumentos esgrimidos com arrimo na tese ampliativa, a qual admite o conhecimento pelo tribunal arbitral da exceção perentória de invalidade da patente, com efeitos circunscritos ao processo:
- No plano do direito infraconstitucional, a regra constante do artigo 91.º do CPC, segundo a qual o tribunal competente para a ação é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa;
- Na esfera do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, que a impossibilidade de apreciação pelo tribunal arbitral necessário da referida exceção de nulidade da patente ofende os princípios fundamentais do contraditório e da efetividade do direito de defesa do demandado.
Antes de mais, devemos partir da análise do Direito da União Europeia e, em particular, da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
O acórdão do Tribunal de Justiça (primeira secção) de 13 de julho de 2006, proferido no processo n.º C-4/03, apreciou um pedido de decisão prejudicial que tinha por objeto a interpretação do artigo 16.º, n.º 4, da Convenção de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (alterada pela Convenção de 9 de outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, pela Convenção de 25 de outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, pela Convenção de 26 de maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e pela Convenção de 29 de novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia).
Lê-se no artigo 16.º da Convenção, que constitui a secção 5, intitulada «Competências exclusivas», do seu título II, relativo às regras de competência, que:
«Têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio:
(...) 4) Em matéria de inscrição ou de validade de patentes, marcas, desenhos e modelos, e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo, os tribunais do Estado contratante em cujo território o depósito ou o registo tiver sido requerido, efetuado ou considerado efetuado nos termos de uma convenção internacional».
Segundo o artigo 17.º, quarto parágrafo, da Convenção, que, com o artigo 18.º da mesma, constitui a secção 6, intitulada «Extensão de competência», do mesmo título II, «[o]s pactos atributivos de jurisdição (...) não produzirão efeitos (...) se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 16.º».
E consta do artigo 18.º da Convenção que, «Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições da presente Convenção, é competente o tribunal de um Estado contratante perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável (...) se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 16.º».
No processo em questão, a demandante intentou uma ação declarativa de não contrafação, defendendo que os seus produtos não violavam os direitos abrangidos pelas patentes francesas da demandada e que, além disso, essas patentes eram nulas ou inválidas.
O Landgericht Düsseldorf considerou-se internacionalmente competente para conhecer da ação relativa à alegada violação dos direitos decorrentes das referidas patentes francesas. Considerou-se igualmente competente para conhecer da exceção da alegada nulidade dessas patentes. Julgou improcedente a ação proposta e decidiu que as patentes em causa preenchiam as condições de patenteabilidade.
Decidindo em sede de recurso, o Oberlandesgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:
«O artigo 16.º, n.º 4, da Convenção (...) deve ser interpretado no sentido de que a competência exclusiva aí estatuída dos tribunais do Estado contratante em cujo território o depósito ou registo da patente é requerido, efetuado ou considerado efetuado nos termos de uma convenção internacional, só se verifica quando é intentada uma ação (com eficácia erga omnes) de declaração de nulidade da patente, ou a ação nos termos da citada disposição já tem por objeto a validade da patente quando o réu num processo por violação de patente ou o autor num processo de declaração de inexistência de violação de patente invoca a exceção da invalidade ou nulidade da patente como razão pela qual também não se verifica nenhuma violação da patente, independentemente de o tribunal requerido considerar a exceção fundada ou infundada e da fase do processo em que for invocada a exceção?» (negrito e sublinhado nossos).
Em apreciação deste pedido, o Tribunal de Justiça considerou que, «A este respeito, importa recordar que o conceito de litígio “em matéria de inscrição ou de validade de patentes», mencionado no artigo 16.º, n.º 4, da Convenção, deve ser considerado um conceito autónomo que deve ser aplicado uniformemente em todos os Estados contratantes (acórdão de 15 de Novembro de 1983, Duijnstee, 288/82, Recueil, p. 3663, n.º 19)».
Como se reconhece no referido acórdão «(…) a redação do artigo 16.º, nº 4, da Convenção não permite determinar se a regra de competência que prevê só é aplicável às instâncias nas quais a questão da validade de uma patente é suscitada por via de acção ou se também é aplicável às instâncias nas quais essa questão é suscitada por via de excepção».
«(…) Nestas condições – continua o aresto –, há que interpretar o artigo 16.º, n.º 4, da Convenção à luz da sua finalidade e da sua posição no sistema desta última.
«No que respeita à finalidade prosseguida, importa assinalar que as regras de competência exclusiva previstas no artigo 16.º da Convenção têm por objectivo reservar os litígios aí referidos aos órgãos jurisdicionais que com eles apresentem uma proximidade material e jurídica.
«Deste modo, a competência exclusiva para os litígios em matéria de inscrição ou validade de patentes atribuída aos tribunais dos Estados contratantes em cujo território o depósito ou registo da patente tiver sido requerido ou efectuado justifica-se pelo facto de tais tribunais estarem em melhor posição para conhecer dos casos em que o litígio incide, ele próprio, sobre a validade da patente ou a existência do depósito ou registo (acórdão Duijnstee, já referido, n.° 22). Os órgãos jurisdicionais do Estado contratante em cujo território os registos foram efectuados podem decidir, em aplicação do respectivo direito nacional, da validade e dos efeitos das patentes concedidas nesse Estado. Este interesse numa boa administração da justiça reveste tal importância no âmbito das patentes que, dada a especificidade da matéria, vários Estados contratantes criaram um sistema de protecção jurisdicional específico, reservando esse contencioso a tribunais especializados.
Essa competência exclusiva justifica-se igualmente pelo facto de a concessão de patentes implicar a intervenção da administração nacional (v., a este respeito, relatório de P. Jenard sobre a Convenção, JO 1979, C 59, p. 1, em especial, p. 36)» (negrito e sublinhado nossos).
E - continua o aresto mais à frente -, «Tendo em conta a posição que o artigo 16.º, n.º 4, da Convenção ocupa no sistema desta última e a finalidade prosseguida, há que considerar que a competência exclusiva prevista por esta disposição deve ser aplicada qualquer que seja o quadro processual em que a questão da validade de uma patente é suscitada, ou seja, independentemente de esta questão ser suscitada por via de acção ou por via de excepção, no momento da propositura da acção ou numa fase mais avançada do processo (negrito e sublinhado nossos).
Tecem-se ainda as seguintes considerações com pertinência para o caso presente:
«Em primeiro lugar, permitir ao juiz perante o qual tiver sido proposta uma acção fundada em contrafacção ou uma acção declarativa de não contrafacção declarar, a título incidental, a nulidade da patente em causa prejudicaria a natureza imperativa da regra de competência prevista no artigo 16.º, n.º 4, da Convenção.
«O argumento, avançado pela LuK e pelo Governo alemão - lê-se mais adiante -, segundo o qual, de acordo com o direito alemão, os efeitos de uma decisão proferida a título incidental sobre a validade de uma patente se limitam às partes no processo, não constitui uma resposta adequada a esse risco. De facto, os efeitos associados a essa decisão são determinados pelo direito nacional. Ora, em vários Estados contratantes, a decisão que anula uma patente tem efeitos erga omnes. Para evitar o risco de decisões contraditórias, seria, portanto, necessário limitar a competência dos órgãos jurisdicionais de um Estado que não o da concessão para decidirem a título incidental sobre a validade de uma patente estrangeira aos casos em que o direito nacional aplicável confere à decisão a proferir apenas um efeito limitado às partes no processo. Tal limitação conduziria, contudo, a distorções, pondo assim em causa a igualdade e a uniformidade dos direitos e obrigações que decorrem da Convenção para os Estados contratantes e para as pessoas interessadas (acórdão Duijnstee, já referido, n.° 13)» (negrito e sublinhado nossos).
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declarou que:
«O artigo 16.º, n.º 4, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, alterada, em último lugar, pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia, deve ser interpretado no sentido de que a regra de competência exclusiva que estabelece abrange todos os litígios relativos à inscrição ou à validade de uma patente, quer a questão seja suscitada por via de acção quer por via de excepção» (negrito nosso).
A jurisprudência do Tribunal de Justiça é vinculativa para os Estados Nacionais quanto à interpretação do Direito da União e a Convenção é Direito da União.
Entretanto, entrou em vigor a Convenção de 21.12.2007, relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
Contrariamente ao que sucedia relativamente ao artigo 16.º, n.º 4, da Convenção de 1968, legislou-se com clareza relativamente à problemática em apreço.
Assim, preceitua o artigo 22.º da Convenção de 2007 que:
«Têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio:
«(…) 4. Em matéria de inscrição ou de validade de patentes, marcas, desenhos e modelos e de outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo, quer a questão seja suscitada por via de ação quer por via de exceção, os tribunais do Estado vinculado pela presente convenção em cujo território o depósito ou o registo tiver sido requerido, efetuado ou considerado efetuado nos termos de um instrumento comunitário ou de uma convenção internacional».
Por seu turno, o artigo 24.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, estabelece que:
«Têm competência exclusiva os seguintes tribunais de um Estado-Membro, independentemente do domicílio das partes:
(…) 4) Em matéria de registo ou validade de patentes, marcas, desenhos e modelos e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo, independentemente de a questão ser suscitada por via de ação ou por via de exceção, os tribunais do Estado-Membro onde o depósito ou o registo tiver sido requerido, efetuado ou considerado efetuado nos termos de um instrumento da União ou de uma convenção internacional» (negrito e sublinhado nossos).
O Direito da União não define quais as jurisdições de cada Estado membro com competência para apreciar a validade das patentes.
Impõe, no entanto, que, se um Estado Membro estabelece uma jurisdição especializada para o efeito, esta jurisdição possui competência para a ação e a para a exceção.
Apontando claramente neste sentido, Couto Gonçalves, em anotação ao citado acórdão do STJ de 14.12.2016, apela para a nova redação do artigo 24.º, n.º 4, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 e para a consagração da jurisprudência do acórdão do Tribunal de Justiça de 13.7.2006 (inA Questão da competência do tribunal arbitral necessário para apreciar a invalidade da patente com eficácia inter partes” - Anotação ao acórdão do STJ de 14-12-2016, in Cadernos de Direito Privado, n.º 56, Out-Dez 2016, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, pp. 40 e ss.).
Reconhecendo que as situações são distintas, em virtude de o artigo 24.º, n.º 4, do Regulamento n.º 1215/2012 se referir à competência internacional e o artigo 35.º, n.º 1, do CPI à competência material, entende que essa diferença reforça o argumento e o paralelismo, valendo, por maioria de razão, para a competência material.
Em síntese, defende que «os motivos que justificam a concentração que se procura obter através do art. 24.º, n.º 4, do Regulamento n.º 1215/2012 não seriam respeitados se, através de disposições do direito interno dos Estados-Membros, houvesse uma pluralidade de tribunais de diferentes Estados que pudessem apreciar a validade da patente, ainda que de forma incidental” e que “a atribuição de competência a outros tribunais que não os estaduais para se pronunciarem, ainda que de forma incidental, sobre a nulidade da patente poria em causa a unidade da decisão sobre a validade da patente».
Ora, tal como a nulidade de uma patente só pode ser apreciada, mesmo de forma incidental, no tribunal exclusivamente competente (em termos de competência internacional e territorial), também a competência (material) exclusiva dos tribunais estaduais estabelecida no artigo 35.º, n.º 1, do CPI impede a apreciação incidental da validade da patente fora desses tribunais.
Urge, pois, concluir que o Tribunal da Propriedade Intelectual tem competência exclusiva para apreciar a validade das patentes por meio de exceção perentória.

b) A decisão que ora se profere não coloca minimamente em causa a efetividade da tutela jurisdicional dos direitos que as Demandantes se arrogam, mesmo tendo em consideração o decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 251/2017, proferido no processo n.º 297/16.
Neste aresto, julgou-se «inconstitucional a norma interpretativamente extraível do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro e artigos 35.º, n.º 1, e 101.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquela Lei, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos interpartes».
Na esteira da jurisprudência do acórdão do STJ de 14.12.2016, consideramos que a inviabilidade de suscitar a exceção perentória de nulidade do direito patenteado se configura como proporcional e adequada, ancorando-se na natureza da relação controvertida, no carácter constitutivo do ato de reconhecimento dos direitos de propriedade industrial e nas razões de interesse público e de congruência do sistema que levaram a reservar o conhecimento de tais vícios apenas ao Tribunal da Propriedade Intelectual.
De novo citando este acórdão, «Não pode, pois, afirmar-se que o demandado está impossibilitado de questionar a validade da patente pela circunstância de lhe não ser possível deduzir incidentalmente, perante o tribunal arbitral, a excepção de nulidade; na verdade, é no momento inicial, em que opta pela via procedimental traduzida em requerer a AIM, que lhe cumpre definir adequadamente a sua estratégia processual: ou não tem interesse, sério e efectivo, em questionar a validade da patente e desencadeia então o pedido de AIM, sabendo que, na eventual e ulterior acção arbitral, não poderá suscitar e ver decidida, com eficácia apenas inter partes, a excepção de nulidade; ou, pelo contrário, interessando-lhe efectivamente controverter a validade da patente, terá o ónus de o fazer na acção própria e perante o tribunal materialmente competente e com intervenção de todos os interessados nessa lide – não se vendo que o desencadear de tal acção possa representar a imposição de um ónus excessivo ou desproporcionado
«(…) «a necessidade de desencadear, pelo interessado que despoletou o pedido de AIM do medicamento genérico, da pertinente acção de nulidade da patente que obsta à pretendida introdução no mercado, conjugada com a possibilidade de requerer e obter a suspensão da instância arbitral até que tal acção seja julgada, constituem meios procedimentais – alternativos à dedução perante o tribunal arbitral da excepção de nulidade da dita patente – que não envolvem onerosidade excessiva para o interessado e permitem satisfazer, em termos adequados, o seu direito a questionar a validade da patente que obsta à comercialização por ele pretendida – o que naturalmente afasta a violação do preceituado no art. 20º da Lei Fundamental».
Neste sentido, vide ainda o acórdão do STJ de 22.3.2018, p. 1053/16.5YRLSB.S1.S1, in www.dgsi.pt), no qual se remata a fundamentação da seguinte forma:
«Sem embargo da valia da douta argumentação constante do Acórdão do Tribunal Constitucional que concluiu pela inconstitucionalidade da interpretação normativa que impede o conhecimento, por via incidental, da validade ou invalidade da patente pelo tribunal arbitral, até agora a única decisão proferida sobre tal matéria, entendemos que a solução preconizada, como decorre da fundamentação expressa no Acórdão do Supremo Tribunal Justiça proferido em 14.12.2016, que acolhemos, não restringe de forma desproporcionada o direito de defesa do titular de AIM, porquanto, a possibilidade de interposição de uma acção de declaração de nulidade ou anulação se apresenta como um meio alternativo eficaz para suprir a necessidade de defesa do requerente de AIM».

c) Em face dos fundamentos de facto e de Direito supra explanados, a apelação da Recorrente deve proceder, ficando prejudicada a questão de saber se uma interpretação dos artigos 35.º, n.º 1, do CPC e 2.º da Lei n.º 62/2011, «segundo a qual é admissível a declaração de nulidade de uma patente por um tribunal arbitral com efeitos inter partes importa a diminuição da extensão e do alcance do conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade industrial das titulares de patentes de forma desproporcional, sendo materialmente inconstitucional por violação dos artigos 42.º, 62.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, e representando uma solução, em violação do artigo 13.º da Lei Fundamental».
Vencidas as Demandadas, são responsáveis pelo pagamento das custas do recurso - artigos 527.º, n.º 1, 529.º, 533.º e 607.º, n.º 6, do CPC.
*
IV - Decisão
Nestes termos, acordam os Juízes desta 2.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, revogando, em consequência, o acórdão saneador recorrido, no segmento em que determinou a competência do Tribunal Arbitral constituído para dirimir o litígio entre a Demandante M..., Inc. e as Demandadas G... B.V. e Me... para apreciar a validade da patente EP 2..., e substituindo-o pela decisão de incompetência para o conhecimento da referida exceção.
Mais se decide condenar as Recorridas/Demandadas no pagamento das custas do recurso.
*
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2019

Gabriela Cunha Rodrigues

Arlindo Crua

Magda Geraldes