Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
242/18.2Y5LSB.L1-3
Relator: RUI MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: TELEMÓVEL
CONDUÇÃO DE VEÍCULO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA SANÇÃO ACESSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - O uso do denominado sistema de alta voz próprio de um telemóvel não equivale ao uso de um sistema de alta voz num automóvel;

- O uso daquele durante a condução constitui contraordenação punível com coima e sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir;

- A suspensão da execução da sanção acessória depende da verificação das condições que permitem a suspensão da pena de prisão e do pagamento voluntário da coima;

- Atendendo a razões de prevenção geral, mormente ao elevado número de infracções cometidas com o uso de telemóvel na condução e ao risco que representam, não é de suspender a execução da sanção acessória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
Por despacho proferido no âmbito do NUIPC 242/18.2Y5LSB foi Carlos ..., titular da carta de condução n.º L-15..., portador do documento de identificação civil n.º 110..., residente no Largo ..., Ed..., ..., Ramada, condenado pela prática de uma contra-ordenação grave, prevista e punida pelos artigos 84.º, n.º1 e n.º 4 e 145.º, n.º1, alínea n), do Código da Estrada, no pagamento da coima no valor de € 180,00 (cento e oitenta euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir todos os veículos a motor, pelo período de 30 (trinta) dias, nos termos dos artigos 138.º, 139.º, 133.º e 147.º, n.º 1 e n.º 2, 1.ª parte, do Código da Estrada.
Inconformado com o assim decidido veio o mesmo recorrer a este Tribunal da Relação formulando, na sua peça recursal, as seguintes conclusões:
1- O Recorrente ao proceder da forma descrita não o fez com dolo, mas sim negligentemente, sendo o Pai Preocupado se sobrepor ao condutor cumpridor do Código da Estrada.
2- No âmbito da sua profissão, necessita de se deslocar diariamente as instalações dos clientes, sendo esse o seu modo de subsistência e o facto de ser inibido de conduzir irá provoca um enorme dano na sua família.
3- O seu agregado familiar é composto por duas filhas menores, e a sua companheira, sendo a economia da família extremamente frágil, sem o seu rendimento será impossível fazer face as despesas da família.
4- O Recorrente caso não trabalhe não tem meios para fazer face às despesas da sua família, e uma inibição de conduzir seria um desastre financeiro.
5- As sanções acessórias presidem necessidades de prevenção especial, ora no caso concreto tal prevenção especial será excessiva, uma vez que condutor, de cerca de 3 anos após a contra – ordenação, não tem qualquer registo.
6- O Tribunal “a quo”, na douta sentença vem dizer que a aplicação da sanção acessória, apenas é aplicada pelo facto de o Recorrente não ter pago a multa.
7- A sentença recorrida proferida pelo tribunal “ a quo” ser revogada e substituída por outra que, levando em conta o que acima se propugnou, altere a medida da pena acessória, substituindo-a por outra capaz de assegurar os critérios da proporcionalidade plasmados no art.º 40 do CP e, bem assim, atenda ao regime constante no art.º 71 n.º 2 al.ªs c), d) e e) do CP.
Admitido o recurso com o efeito próprio e em tempo, o Digno Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância respondeu alegando que “Entendemos que não deve colher o pretendido pelo arguido, uma vez que partindo dos meios de prova correctamente elencados e apreciados pela Mmª. Juiz a quo na motivação da matéria de facto, não deixou margem para dúvidas quanto ao modo como os factos ocorreram.
Acresce que conforme é referido na sentença, o pagamento da coima é pressuposto legal de que depende a suspensão da sanção acessória, isto é, a suspensão da execução da sanção acessória estava dependente do pagamento da coima.
O arguido não procedeu ao pagamento da coima.
Não tendo o arguido procedido ao pagamento da coima, não é possível proceder à suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 141.º, do Código da Estrada.
Termos em que nos louvamos na sentença em crise, que, por tocar todos os pontos essenciais, logrou chegar a uma boa e acertada decisão. Assim, deve o recurso ser considerado improcedente.
Subidos os autos a este Tribunal, a Srª Procuradora-Geral Adjunta nos mesmo apôs o seu visto.

II – Fundamentos do recurso e fundamentação de facto
Como é pacificamente aceite são as conclusões do recurso que delimitam o poder de análise deste Tribunal sendo irrelevantes quaisquer considerações feitas na motivação que não se mostrem espelhadas nas conclusões.
Ante tal e analisada a peça recursal são as seguintes as questões a decidir:
- determinação da correcta ou incorrecta avaliação do elemento subjectivo da contra-ordenação e análise das respectivas consequências.
- alteração da medida da pena acessória e sua “substituição” por outra.
Para a resolução da questão que nos é suscitada recordemos os factos que o Tribunal a quo deu por assentes:
1. No dia 6 de Agosto de 2015, pelas 09 horas e 15 minutos, o recorrente circulava ao volante do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula 77-..-.., no Campo Grande, em frente ao N-191, em Lisboa.
2. Em tais circunstâncias espácio-temporais, o recorrente, durante o exercício da condução e da marcha da viatura, utilizou o telemóvel, de forma continuada, sem fazer uso de microfone, sistema de alta voz ou auricular.
3. O recorrente bem sabia que não podia conduzir um veículo e simultaneamente utilizar de forma continuada o telemóvel, bem sabendo que não o pode manusear de forma contínua, sem recurso a auricular, microfone ou sistema de alta voz.
4. Não obstante tal, não se absteve de praticar tal conduta.
5. O recorrente agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabedor que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo, no mínimo, actuado com desrespeito pelos deveres de cuidado a que estava legalmente adstrito a observar quando circula na via pública ao volante de um veículo automóvel e que podia e devia ter observado.
6. Do registo individual de condutor do recorrente não consta averbada a prática de qualquer contra-ordenação.
7. O recorrente não procedeu ao pagamento da coima que lhe foi aplicada no âmbito dos presentes autos de contra-ordenação.
Não houve factos não provados.
*
III – Do mérito do recurso
A resolução da questão que é colocada afigura-se-nos relativamente simples.
A conclusão 1ª do recurso reporta-se a matéria de facto. Na verdade, a questão do dolo ou da negligência é factual em primeira linha. Só se trata de matéria de direito a qualificação dos factos que subjaz ao elemento subjectivo do tipo.
No caso concreto está provado que “O recorrente bem sabia que não podia conduzir um veículo e simultaneamente utilizar de forma continuada o telemóvel, bem sabendo que não o pode manusear de forma contínua, sem recurso a auricular, microfone ou sistema de alta voz. Não obstante tal, não se absteve de praticar tal conduta.”
Ora, esta factualidade não foi posta em causa pelo arguido recorrente.
A Mmª Juiz considerou na decisão recorrida “Quanto ao elemento subjectivo, dúvidas não subsistem que o recorrente não observou os deveres de cuidado, mormente abster-se de conduzir a falar ao telemóvel, a que estava obrigado e que podia e devia ter respeitado, e não obstante tal decidiu utilizar o telemóvel quando estava a conduzir um veículo na via pública, impendendo sobre o mesmo enquanto condutor o dever de se certificar que enquanto conduz não usa o telemóvel, o que lhe era exigível, e podia e devia ter observado.
Actuou, assim, o recorrente com negligência dado que, não procedeu com o cuidado e diligência a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz, tendo representado como possível a realização do facto sem se conformar, no entanto, com essa realização (cf. artigo 15.° do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCOC), sendo que de harmonia com o artigo 133.° do Código da Estrada, a negligência é sempre sancionada.”
Ademais, o alegado pelo recorrente de que o dever de pai preocupado se sobrepôs ao dever de condutor, para além de não demonstrado e de ser uma questão nova apenas colocada perante este Tribunal e não perante a 1ª instância (e, como, tal não passível de conhecimento por parte desta Relação), sempre seria reconduzível a uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa e nunca a uma questão de dolo/negligência.
No mais, coloca-se a questão da substituição da pena acessória (posto que a coima e o seu montante não surgem questionados).
São duas as questões: a da medida da coima e a da sua “substituição”.
Quanto à medida da sanção temos que os factos levados a cabo constituem, nos termos do artigo 145.º, n.º 1, alínea n), do Código da Estrada, uma contra-ordenação grave, em conjugação com os artigos 84.º, n.º 1 e 138.º, daquele código, punível com a sanção acessória de inibição de conduzir com o mínimo de um mês e o máximo de um ano (cf. artigos 138.º e 147.º, n.º1 e n.º 2, 1.ª parte, daquele código).
Com referência a tal medida consta dos autos que do registo individual de condutor do recorrente não constam averbamentos e que este não pagou a coima.
Quanto a este facto é irrelevante para a medida da sanção no sentido de não poder ser considerado agravante (o não pagamento voluntário significa apenas que o recorrente entendeu não pagar a coima antes a contestando como é seu direito).
No caso concreto, muito elevadas são as necessidades de prevenção geral.
Respigamos do jornal Público de 20.12.2016, consultado em 26 de Setembro 2018, acessível em https://www.publico.pt/2016/12/20/sociedade/noticia/uso-do-telemovel-ao-volante-responsavel-pelo-aumento-de-acidentes-1755580 :“A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) apontou nesta terça-feira o uso do telemóvel e de outros dispositivos, como os tablets, durante a condução como os responsáveis pelo aumento de acidentes com vítimas que se regista desde 2012.
"Há uma série de aparelhos utilizados ao volante que tiram a atenção da estrada e são um factor de distracção. Ao tirar a atenção da estrada, criam-se as condições para que haja acidentes e um agravamento do número de acidentes", disse o presidente da ANSR, Jorge ..., no final da apresentação da "Operação Festas Seguras 2016" e de uma campanha de sensibilização rodoviária.
Desde 2012 que o número de acidentes rodoviários aumenta anualmente, sendo acompanhado por uma descida dos mortos.
De acordo com a ANSR, este ano registaram-se 121.471 acidentes, mais 4384 do que em 2015, que provocaram 424 (menos 25) e 1952 feridos graves (menos 202).
Jorge ... adiantou que este fenómeno do agravamento do índice da sinistralidade "não é português", sendo também europeu. "A nossa interpretação é que isso decorre dos maus comportamentos actuais de utilização do telemóvel ao volante" e de outros dispositivos, como tablets e painéis que existem em muitos carros, disse.
Dados divulgados pela ANSR mostram que os tempos de reacção do condutor a utilizar o telemóvel são 30% mais lentos daqueles que ocorrem na condução sob o efeito de álcool com uma taxa de 0,8 gramas por litro no sangue e 50% mais lentos dos que se verificam numa situação de condução normal.
Em 2015, as forças de segurança detectaram 54.027 infracções por uso de telemóvel durante a condução (…)”
Ora, ponderando as razões que prevenção especial existente, mormente pelo número inusitado de infracções semelhantes àquelas aqui em causa, e à ausência de antecedentes estradais do recorrente entendemos correcta a medida de sanção acessória encontrada a qual se encontra no terço inferior da medida.
A segunda questão colocada é a da “substituição” da pena acessória.
O recorrente não refere qual a substituição pretendida e tal terá a ver com o facto de que não existe substituição possível.
É verdade que a Lei permite a suspensão da execução da sanção mas para que tal aconteça, como resulta do artº 141.º do Código da Estrada, é necessário que se verifiquem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas e, simultaneamente, que se encontre paga a coima.
Ora, no caso concreto, mesmo que se verificassem os pressupostos de suspensão da execução da pena, a coima não foi paga donde tal suspensão não se mostra viável.
*
IV- Dispositivo
Por todo o exposto, acorda-se nesta 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Deposite e notifique.

Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pela Mmª. Juíza Adjunta.

Lisboa e Tribunal da Relação, 3 de Outubro de 2018

Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira
(Relator)

Maria Teresa Féria de Almeida
(1ª Adjunta)