Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3904/2004-1
Relator: FERREIRA PASCOAL
Descritores: RESERVA DE PROPRIEDADE
PENHORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Ao nomear à penhora um veículo sobre o qual incide reserva de propriedade a seu favor, o exequente renuncia tacitamente a essa reserva de propriedade;
II –Tendo o exequente renunciado à reserva de propriedade, esse direito já não existe na data da venda do veículo, pelo que não se aplica em tal caso o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 824.º do Código Civil e no art.º 888.º do Código de Processo Civil;
III – Mas, transferindo a venda em execução para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida – n.º 1 do art.º 824.º do Código Civil – e sendo o executado, após a renúncia do exequente à reserva de propriedade, o proprietário do veículo, ao adquirente, para registo da aquisição do veículo, terá de ser entregue, após o pagamento do preço e do imposto devido pela transmissão, certidão nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 25.º do Regulamento do Registo de Automóveis, aprovado pelo Decreto n.º 55/75, de 12 de Fevereiro, que se refere a “Certidão de decisão judicial, passada em julgado, proferida no processo civil ou penal em que, de modo expresso ou implícito, seja reconhecido o direito de propriedade do veículo a quem deva figurar como titular do registo”, tendo, pois, tal certidão de mencionar, para além da venda do veículo na execução, a anterior renúncia do exequente à reserva de propriedade, efectuando-se o registo dessa extinção em face da certidão, nos termos do art.º 28.º, n.º 1, do citado Regulamento, que preceitua que “O registo de extinção de qualquer direito ou acto anteriormente registado efectua-se em face de documento comprovativo do facto a registar”;
IV- A execução pode, pois, prosseguir, sem que antes o exequente obtenha o cancelamento do registo da reserva de propriedade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

BANCO MAIS, S. A., interpôs este recurso de agravo do despacho que ordenou que o exequente, ora agravante, fosse notificado para que promovesse e demonstrasse nos autos o cancelamento da reserva de propriedade incidente sobre o veículo de matrícula (63-...-PV) penhorado nos autos de execução sumária que instaurou contra (R) e (I), pedindo nas suas alegações que se revogue o despacho recorrido e que se ordene o prosseguimento dos autos, tendo para esse efeito concluído que, tendo renunciado àquela reserva de propriedade, o facto de essa reserva estar registada não impede o prosseguimento dos autos, visto que de harmonia com o disposto nos arts. 824.º do Código Civil e 888.º do C.P.C., aquando da venda do veículo o Tribunal deve oficiosamente ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre ele incidam.
Os agravados não contra-alegaram.
O Meritíssimo Juiz sustentou o despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Estão provados os seguintes factos com interesse para a decisão do recurso:
No requerimento executivo o Banco exequente, ora agravante, nomeou à penhora, entre outros bens, o veículo de matrícula (63-...-PV), alegando que o mesmo pertencia ao executado (R) e tendo requerido que, para efectivação dessa penhora, se ordenasse a apreensão desse veículo, para o que requereu que se oficiasse ao Comando da Polícia de Segurança Pública.
O requerimento foi deferido, tendo aquele veículo sido apreendido, conforme auto de fls. 68.
A exequente juntou aos autos nota do registo da penhora e certidão dos encargos que incidem sobre aquele veículo, requerendo então que se ordenasse o cumprimento do disposto no art.º 864.º do C. P. C..
Daquela certidão consta que está registada a favor do Banco ora agravante reserva de propriedade sobre o dito veículo.
Em face do teor dessa certidão, foi proferido despacho que ordenou que o exequente fosse notificado para informar se renunciava à reserva de propriedade.
No requerimento de fls. 124 o Banco exequente declarou que renunciava à reserva de propriedade que em seu favor se mostra inscrita sobre o veículo automóvel que foi penhorado nos autos, repetindo que tal veículo é pertença do executado (R).
Foi seguidamente proferido o despacho recorrido, que ordenou a notificação do exequente “para promover, e demonstrar nos autos, o cancelamento do registo de propriedade a seu favor”.

Apreciemos agora, perante estes factos, o mérito do recurso.
A única questão a decidir consiste em saber se a execução em causa pode prosseguir sem que antes o Banco exequente obtenha o cancelamento do registo da reserva de propriedade que incide sobre o veículo penhorado.
O relator reexaminou esta questão, alterando neste acórdão a posição que anteriormente adoptara, por se lhe afigurar agora – após o reestudo da questão - que o entendimento que se vai expor é o mais conforme com a lei, nomeadamente com as normais aplicáveis do Código Civil, do Código de Processo Civil e do Regulamento do Registo de Automóveis.
Analisemos, pois, esta questão.
Ao nomear à penhora o veículo, o exequente renunciou tacitamente à reserva de propriedade que sobre ele incidia. Só assim, aliás, podia ordenar-se a penhora, pois seria absurdo penhorar um veículo automóvel de que o exequente fosse proprietário (entretanto, como se disse atrás, o ora agravante renunciou expressamente àquela reserva). Na execução só podem, logicamente, ser penhorados bens dos executados e não do credor (e a lei assim o estabelece: art.º 817.º do Código Civil e n.ºs 1 e 2.º do art.º 821.º do C . P. C.). E é também óbvio que, se a penhora foi feita em tais circunstâncias, o registo da reserva de propriedade deixou de traduzir a realidade anteriormente existente.
A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida (n.º 1 do art.º 824.º do Código Civil). Tendo o exequente renunciado à reserva de propriedade, esse direito não existirá na data da venda, pelo que não tem aqui aplicação o disposto nos n.ºs 2 e 3 desse art.º 824.º, que preceituam que “Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo” (n.º 2) e que “Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens” (n.º 3). E não terá, por isso, também aplicação o disposto no art.º 888.º do C.P.C., que se refere ao cancelamento dos registos dos direitos reais que caducam nos termos do n.º 2 do art.º 824.º do Código Civil e não sejam de cancelamento oficioso pela conservatória (cancelamento esse que, na actual redacção daquele art.º 888.º, incumbe ao agente de execução promover). Mas, transferindo a venda em execução para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida (n.º 1 do citado art.º 824.º do Código Civil), e sendo o executado, após a renúncia do exequente à reserva de propriedade, o proprietário do veículo, ao adquirente, para registo da aquisição do veículo terá de ser entregue certidão nos termos da alínea b) do n.º 2 do art.º 25.º do Regulamento do Registo de Automóveis, aprovado pelo Decreto n.º 55/75, de 12 de Fevereiro, que se refere a “Certidão de decisão judicial, passada em julgado, proferida no processo civil ou penal em que, de modo expresso ou implícito, seja reconhecido o direito de propriedade do veículo a quem deva figurar como titular do registo”, ou seja, em casos como o dos autos, terá tal certidão de mencionar a renúncia do exequente à reserva de propriedade, efectuando-se o registo dessa extinção em face da certidão, como resulta do disposto no art.º 28.º, n.º 1, do citado Regulamento, que estabelece que “O registo de extinção de qualquer direito ou acto anteriormente registado efectua-se em face de documento comprovativo do facto a registar”.
Nada impede, pois, o prosseguimento da execução, visto que um dos executados é proprietário do veículo penhorado, a venda na execução transferirá para o adquirente os direitos do executado sobre esse veículo (n.º 1 do art.º 824.º do Código Civil) e, após o pagamento do preço e do imposto devido pela transmissão, a certidão a passar, para efeitos do registo de propriedade do adquirente, terá de mencionar, para além da venda do veículo na execução, a anterior renúncia do exequente à reserva de propriedade, servindo tal certidão como documento para registo de extinção da reserva de propriedade (arts. 25.º, n.º 2, alínea b), e 28.º, n.º 1, do Regulamento do Registo de Automóveis, aprovado pelo Decreto n.º 55/75, de 12 de Fevereiro).

Nestes termos, concedendo-se provimento ao agravo, revoga-se o despacho recorrido e ordena-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas (alínea g) do n.º 1 do art.º 2.º do C.C.J.).

Lisboa, 29/06/04

Ferreira Pascoal
Quinta Gomes
Pereira da Silva