Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3130/10.7TXLSB-D.L1-3
Relator: NUNO COELHO
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
FALTAS INJUSTIFICADAS
PRESCRIÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: A revogação do artº 125° do CEPMPL e do artº 45° n.°s 3 e 4 do Código Penal não impede a conversão do tempo de pena não cumprido de prisão por dias livres em prisão contínua, sendo esta uma mera operação matemática que se impõe pelo incumprimento não justificado que inviabiliza o prosseguimento da execução em molde de privação de liberdade menos rígido.
É de manter a execução da pena de prisão aplicada até que possa ser declarada extinta pelo cumprimento integral ou até que seja requerida e deferida a alteração do seu regime de cumprimento, por aplicação da lei nova.
O que se permite ao agente do crime não é a possibilidade de se eximir ao cumprimento da pena, mas tão só, beneficiar de um regime de cumprimento de pena privativa da liberdade em permanência na habitação ao invés da reclusão em estabelecimento prisional.
Tendo o condenado cumprido 230 dias (correspondente a 46 períodos, cada um igual a 5 dias) da pena de 8 meses de prisão (equivalente a 240 dias), restam 10 dias de prisão por cumprir, podendo sê-lo em regime de permanência na habitação, por aplicação do referido Art.º 12° da Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, caso o condenado o venha requerer e obtenha nisso deferimento.
Pelo que a pena não pode ser declarada extinta enquanto não for integralmente cumprida, seja de uma forma ou de outra, nem o Tribunal de execução pode ficar inerte aguardando a sua prescrição, pois tal forma de extinção da pena é sempre de evitar porque espelharia uma inexplicável e injustificável ineficácia do sistema judicial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 3.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Nos presentes autos, em que é condenado M_________, o Juiz … do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa indeferiu a promoção do Ministério Público no sentido de se julgarem injustificadas as faltas do mesmo condenado, referentes ao cumprimento de prisão por dias livres, e ordenou que se aguardasse a prescrição da pena.
Inconformado com esse indeferimento, veio o Ministério Público recorrer desse despacho, concluindo a sua motivação de recurso nos seguintes moldes:
1. Com fundamento na revogação do art. 125.° do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e do art. 45°, n° 3 e 4 do Código Penal, por decisão de 18-06-2018, o tribunal de execução das penas considerou ser impossível converter o cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres em prisão contínua, por incumprimento injustificado e ordenou que os autos aguardassem a prescrição da pena de prisão por dias livres.
2. Tal interpretação potencia o incumprimento de uma pena transitada em julgado perspetivando a sua prescrição, transmite um sinal errado à sociedade, incentiva o desrespeito pelas decisões judiciais e, sobretudo, gera intolerável injustiça para os cidadãos cumpridores que, com a entrada em vigor da alteração legislativa, requereram a reabertura da audiência para aplicação do regime mais favorável e cumpriram a sua pena de prisão em permanência na habitação.
3. De acordo com esta decisão, são premiados aqueles que deliberadamente não optam pela reabertura da audiência, pois não cumprirão a condenação originária restando apenas aguardar a prescrição da pena.
4. No caso, trata-se de condenação, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de ameaça agravada, na pena de 8 meses de prisão (240 dias) a cumprir em dias livres por 48 períodos, dos quais apenas cumpriu 46 (230 dias), restando 2 períodos (10 dias) por cumprir, não apresentou motivo atendível nem comprovou factos que o impedissem de se apresentar para cumprir o tempo de pena restante até 23-01-2018, quando iniciou o cumprimento de pena efectiva de prisão, à ordem de outro processo, com termo previsto para 13-04-2019, o que faz suspender o cumprimento da prisão por dias livres, sendo certo que a alteração legislativa operada pela Lei n.° 94/2017, de 24 de Agosto, não traduz qualquer descriminalização pois o crime praticado e a medida abstracta da pena que lhe cabe mantêm-se.
5. Porque o condenado não requereu a reabertura da audiência nos termos do artigo 371.° - A do Código de Processo Penal para aplicação da lei nova mais favorável quanto ao regime de execução da pena, será de manter a execução da pena de prisão aplicada até que possa ser declarada extinta pelo cumprimento integral ou até que seja requerida e deferida a alteração do seu regime de cumprimento, por aplicação da lei nova.
6. O que se permite ao agente do crime não é a possibilidade de se eximir ao cumprimento da pena, como decorre da decisão recorrida, mas tão só beneficiar de um regime de cumprimento de pena privativa da liberdade em permanência na habitação ao invés da reclusão em estabelecimento prisional.
7. A revogação do art. 125° do CEPMPL e do art. 45.° n.°s 3 e 4 do Código Penal não impede a conversão do tempo de pena não cumprido de prisão por dias livres em prisão contínua, sendo esta uma mera operação matemática que se impõe pelo incumprimento não justificado que inviabiliza o prosseguimento da execução em molde de privação de liberdade menos rígido.
8. Tendo cumprido 230 dias (correspondente a 46 períodos, cada um igual a 5 dias) da pena de 8 meses de prisão (equivalente a 240 dias), restam 10 dias de prisão por cumprir, podendo sê-lo em regime de permanência na habitação, por aplicação do art. 12° da Lei n° 94/2017, de 23 de agosto, se o condenado o requerer e tiver deferimento.
9. A pena não pode ser declarada extinta enquanto não for integralmente cumprida, seja de uma forma ou de outra, e o tribunal de execução não pode ficar inerte aguardando a sua prescrição, pois tal forma de extinção da pena é sempre de evitar porque espelha uma ineficácia do sistema judicial, razão pela qual a decisão recorrida deve ser revogada.
Não foi apresentada resposta pelo condenado.
Nesta instância de recurso o Ex.mo Procurador-geral Adjunto acompanhou os fundamentos do recurso e promove a procedência do mesmo, complementando que a decisão recorrida viola o disposto no Art.º 467.º do CPPenal (força executiva em Portugal e no estrangeiro das decisões penais condenatórias).
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em conta o teor das conclusões efectuadas pelo Ministério Público, aqui recorrente, as questões a resolver passam por saber se a revogação do Art.º 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e do Art.º 45.º, n.ºs 3 e 4 do Código Penal, impossibilitou a conversão do cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres em prisão contínua, tendo os autos que aguardar, por isso, a prescrição da pena de prisão por dias livres em que aquele arguido foi condenado.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
Importa, num primeiro momento, atentar na decisão recorrida e na factualidade dada como provada pelo Tribunal, bem como na sua fundamentação jurídica apenas circunscrita à questão em discussão – a revogação do Art.º 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e do Art.º 45.º, n.ºs 3 e 4 do Código Penal, impossibilitaram a conversão do cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres em prisão contínua, tendo os autos que aguardar a prescrição da pena de prisão por dias livres em que aquele arguido foi condenado.
Assim, a decisão recorrida apresenta a seguinte fundamentação:
=CLS=
M_________ foi condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples e de um crime de ameaça agravada, na pena única de 8 meses de prisão, substituídos por 48 períodos de prisão por dias livres de 48 horas, no âmbito do processo n.° ..., do Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo.
O condenado iniciou o cumprimento da pena de prisão por dias livres no fim- de-semana de 11.11.2016.
Desde 23 de janeiro de 2018 que o condenado se encontra a cumprir uma pena de 1 ano e 4 meses de prisão à ordem do processo n.° …/…, do Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, com termo previsto para 23.05.2019.
Até ao presente, o condenado apenas cumpriu 46 dos 48 períodos, o último dos quais no fim-de-semana que teve início em 24.11.2017 (vd. fls. 113).
*
A Lei n.° 94/2017, de 24 de agosto veio proceder à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção e, simultaneamente, ampliar o campo de aplicação do regime de permanência na habitação. 
O art. 12.° da supra citada Lei veio estabelecer um regime transitório para as situações em que o arguido se encontra condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, por sentença transitada em julgada.
De acordo com o disposto no art. 12.°, n° 1, daquele diploma normativo, o condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, por sentença transitada em julgado, pode requerer ao tribunal a reabertura da audiência para que a prisão do tempo que faltar seja substituída por pena não privativa da liberdade ou para que a prisão passe a ser cumprida, pelo tempo que faltar, no regime de permanência na habitação.
O n.° 2 do art. 12.°, por sua vez, reporta-se às situações em que o arguido cumpre pena de prisão em regime contínuo resultante do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção. Também nesta situação, se pode aplicar o regime de permanência na habitação desde que o condenado o requeira.
A Lei n.° 94/2017 veio, simultaneamente, revogar, entre outras, o art. 125.°, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade e o art. 45.°, n.°s 3 e 4, do Código Penal.
A primeira das disposições normativas regulava a execução, faltas e termo de cumprimento da prisão por dias livres e em regime de semidetenção. O n.° 4 daquele art. 125.° permitia ao Tribunal de Execução das Penas, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passando a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltasse, passando, para tal efeito, os mandados de captura.
 Por sua vez, o art. 45.°, n.°s 3 e 4 do Código Penal estabelecia a duração mínima e máxima de cada período de prisão por dias livres e a equivalência entre cada período por dias livres e o período de prisão em regime contínuo.
A revogação das supra referidas disposições normativas, criou uma lacuna no caso das situações de incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres ou em regime de detenção ainda sem decisão judicial transitada em julgado, e que julgue injustificado tal incumprimento e, consequentemente, converta a pena de prisão por dias livres em pena de prisão em regime contínuo.
Pese embora os ilícitos penais praticados pelo arguido e a medida abstracta das penas que aos crimes cabem não hajam sofrido qualquer alteração, ou seja, que não se tenha verificado qualquer descriminalização, a revogação dos arts. 125.°, do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade e do art. 45.°, n.°s 3 e 4, do Código Penal, não permite que este Tribunal converta o cumprimento do remanescente da pena em pena de prisão em regime contínuo, em virtude do incumprimento injustificado das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres.
E, uma vez que, in casu, o condenado não requereu a abertura da audiência de julgamento, nos termos previstos no art. 12.°, n.° 1, da Lei n.° 94/2017, para aplicação da nova lei para apurar se, em concreto, o novo regime lhe é mas favorável, nada mais restará senão aguardar a prescrição da pena, a qual, por ora, se encontra suspensa, nos termos do disposto no art. 125.°, n.° 1, al. c), do Código Penal, em virtude de o arguido estar a cumprir outra pena de prisão à ordem do processo n.° …/…, do Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, com termo previsto para 23.05.2019.
DECISÃO Em face do exposto:
1. Indefere-se a promoção que antecede.
2. Ordena-se que os autos aguardem a prescrição da pena de prisão por dias livres em que o arguido foi condenado no âmbito do processo n.° …/….
Notifique.
Comunique ao tribunal da condenação.
Lisboa, 18.06.2018”

Por seu turno, a promoção sobre a qual incidiu este despacho de indeferimento tinha o seguinte conteúdo:
=VTa=
*
“No processo n.° …/…, do Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, M_________ foi condenado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de ameaça agravada, na pena única de 8 meses de prisão, substituída por 48 períodos de prisão por dias livres.
O condenado iniciou o cumprimento da pena de prisão por dias livres em 11-11-2016, prevendo-se que terminaria em 05-10-2017- cfr. fls. 17.
Porém, o Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada comunicou faltas de comparência nos fins de semana compreendidos entre 27-01-2017 a 03-03-2017, para cumprimento do 12° ao 17° período, as quais foram julgadas justificadas pelo que, após o cumprimento do último período deveria cumprir aqueles 6 períodos em falta, concretamente a partir de 13-10-2017. Restava também por cumprir o 47° período uma vez que o condenado faltara no dia 29-09-2017 - cfr. fls. 42, 54-55, 79, 95.
Constata-se que, após 13-10-2017, o condenado apenas cumpriu 5 períodos, tendo faltado nos dias 20-10-2017, 17-11-2017, 01-12-201, 08-12-2017 e 15-12-2017 - 109-110, 113.
Entretanto, desde 23 de Janeiro de 2018, o condenado encontra-se a cumprir a pena de 1 ano e 4 meses de prisão à ordem do processo n.° …/…, do Juízo de Competência Genérica de Vila Franca do Campo, com termo previsto para 23-05-2019 - cfr. fls. 113 e Apenso E.
Até ao presente, o condenado apenas cumpriu 46 períodos, sendo o último no fim-de-semana 24-11-2017.
Há que apreciar se as faltas do condenado RA… são justificáveis.
*
Antes do mais importa referir que face às revisões aos Códigos Penal e de Processo Penal, operadas pela Lei n.° 94/2017, de 24 de Agosto, verificou-se que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se (através da ampliação do respectivo campo de aplicação) o regime de permanência na habitação.
Prescreve o artigo 12.°, n.°1 da referida lei:
“O condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, por sentença transitada em julgado, pode requerer ao tribunal a reabertura da audiência para que:
a) A prisão pelo tempo que faltar seja substituída por pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; ou
b) A prisão passe a ser cumprida, pelo tempo que faltar, no regime de permanência na habitação introduzido pela presente lei. ”
Segundo o Acórdão da Relação de Coimbra, de 16/4/2008, in www.dgsi.pt: “A reabertura da audiência para aplicação da lei nova que se mostre mais favorável ao arguido condenado com decisão transitada depende de vários requisitos, desde logo da iniciativa processual do condenado, proporcionando-lhe o direito de escolha sobre a possível alteração da pena em que se encontra condenado.” (sublinhado nosso).
Até ao presente o condenado não requereu a abertura da audiência nos termos do artigo 371.° - A do Código de Processo Penal para aplicação da lei nova que se mostre mais favorável.
No caso em apreço os ilícitos penais praticados pelo arguido e a medida abstracta das penas não sofreram qualquer alteração, não se verificando qualquer descriminalização (artigo 2.°, n.°2 do Código Penal).
Por outro lado, nos termos do artigo 2°, n.° 4 do Código Penal “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”.
Da análise deste normativo resulta que as decisões, ainda que transitadas, podem ser alteradas sempre que esteja em causa a aplicação de regime sancionatório mais favorável ao arguido. Na realidade, esta interpretação impõe-se face ao preceito constitucional previsto no artigo 29°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, quando refere “(...) aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”. Face a esta problemática de aplicação da lei penal no tempo, e tendo em conta o que já acima se referiu, sempre será necessária a iniciativa processual do condenado, para aplicação da nova lei para apurar se, em concreto, o novo regime é mais favorável.
Atendendo a que o condenado não requereu a reabertura da audiência, nos termos do artigo 371.° A do Código de Processo Penal, será de manter todo o regime da prisão por dias livres e, por conseguinte, persiste a necessidade de apreciação da justificação das faltas até agora comunicadas.
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Ouvido, o condenado não apresentou qualquer motivo atendível, nem juntou qualquer documento comprovativo de factos que o impedissem de se apresentar para cumprimento da pena em 29-09-2017, 20-10-2017, 17-11-2017, 01-12-2017, 8-12-2017, 15-12-2017, 22-12-2017. Consequentemente tais faltas devem ser julgadas injustificadas.
O cumprimento de pena de prisão efectiva à ordem de outro processo, a partir de 23-01-2018, suspende o cumprimento das apresentações para cumprimento da prisão por dias livres.
Destarte, ao abrigo do disposto nos artigos 125° n° 4 e 138° n° 4 al. l) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, promovo que se julguem injustificadas as referidas faltas e que se determine que o remanescente da pena aplicada no processo n° …/…, seja cumprido em regime contínuo. Neste sentido, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/01/2014, in www.dgsi.pt: segundo o qual “Por força do disposto no n.° 4 do artigo 125.° do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), a falta de entrada, não justificada, do condenado - em prisão por dias livres -, no estabelecimento prisional, tem como inevitável e “única” consequência o cumprimento, em contínuo, do remanescente da pena ainda não cumprida.”
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Resulta dos autos que o condenado RA… cumpriu 46 dos 48 períodos da condenação, faltando-lhe cumprir 2 períodos. Assim, caso sejam jugadas injustificadas as faltas e determinado o cumprimento da restante pena em regime continuo, nos termos do artigo 45° n° 3 do Código Penal, deve cumprir 10 dias de prisão.
Assim sendo, após trânsito em julgado da decisão, porque o acompanhamento da execução desta pena deverá processar-se no atual apenso de liberdade condicional (E), promovo que, oportunamente, se junte a tal apenso cópia da decisão e desta promoção.”
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Importa analisar, agora, sobre cada um dos fundamentos suscitados pelo Ministério Público neste recurso, para apreciar se é de manter a decisão recorrida do tribunal de execução de penas que com fundamento na revogação do Art.º 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e também do Art.º 45.º, n.ºs 3 e 4, do Código Penal, por decisão de 18-06-2018, considerou ser impossível converter o cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres em prisão contínua, por incumprimento injustificado e ordenou que os autos aguardassem a prescrição da pena de prisão por dias livres.
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Nessa consideração, atender-se-á ao objecto aqui em apreciação, que diz respeito à questão de saber se a revogação do Art.º 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e do Art.º 45.º, n.ºs 3 e 4 do Código Penal, impossibilitou a conversão do cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres em prisão contínua, tendo os autos que aguardar, por isso, a prescrição da pena de prisão por dias livres em que aquele arguido foi condenado.
E, na verdade, não podemos deixar de acompanhar as razões e a argumentação expendida pelo Ministério Público no seu recurso, determinando a final a revogação do despacho recorrido.
Não persistem dúvidas que a intenção do legislador (na Lei n.º 94/2017 de 23/8) ao prescrever uma maior amplitude do regime de permanência na habitação, extinguindo a pena de substituição prisão por dias livres aqui concretamente aplicada por sentença transitada em julgado, não foi a de amnistiar muito menos de descriminalizar as condutas em causa, sequer de atingir o carácter exequendo da pena determinada por decisão jurisdicional com força de caso julgado.
Na verdade, tal como aponta o Art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal, a nova lei que atenua as consequências jurídicas que ao facto se ligam, nomeadamente a pena ou os efeitos penais do facto, adequa-se a uma aplicação retroactiva mas com ressalva dos casos julgados. Esta solução encontra-se em conformidade com o princípio constitucional consagrado no Art.º 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, de acordo com a cláusula de razoabilidade com que tem sempre de ser interpretada a lei constitucional, “não podendo dizer-se que a restrição da retroactividade in bonam partem às sentenças ainda não transitadas diminua o «conteúdo essencial» do preceito constitucional constante da última parte do art. 29.º-4 da CRP” – assim, Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, 2007, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 202.
Certo é que esta lei de alteração do Código Penal mencionada – Lei n.º 94/2017 de 23/8 – veio contemplar um mecanismo suavizador deste efeito de aplicação no tempo da lei mais benéfica, em disposição transitória que se tornou já clássica para casos idênticos (v.g. alargamento dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão), que permite a reabertura da audiência de julgamento solicitada pelo condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção, por sentença transitada em julgado, para aplicação do novo regime de permanência na habitação – assim, o n.º 1 do Art.º 12.º dessa mesma Lei.
Sendo que idêntico regime é aplicável à prisão em regime contínuo que resulte do incumprimento das obrigações de apresentação decorrentes da prisão por dias livres, nos termos dos n.ºs 2 e 3, do mesmo Art.º 12.º da Lei n.º 94/2017.
Ora, se o legislador prevê esta possibilidade mesmo para além do trânsito em julgado é porque não se parte do princípio de que o crime em causa pudesse estar descriminalizado ou de alguma forma exista um impedimento legal, por falta de regulamentação, para a sua execução penal na sua plenitude.
A lei revogatória do regime penal não impossibilita a continuação da sua aplicação aos casos pretéritos, tanto na sua índole penal substantiva (caso do Art.º 44.º do Código Penal), como na sua perspectiva regulamentadora ou processual (caso do Art.º 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 115/2009 de 12/10) (CEPMPL).
Pois, tal como já se considerou jurisprudencialmente, ainda no momento da determinação da sanção, sendo inaplicável o regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, tanto de acordo com a versão do Art.º 44.º do Código Penal em vigor à data dos factos (LA) como na versão do Art.º 43.º do Código Penal introduzida pela mencionada Lei n.º 94/2017, actualmente em vigor (LN), e considerando ainda que a LN deixou de prever a execução da prisão por dias livres (bem como o regime de semidetenção), concluímos que é a LA a que em concreto é menos favorável ao arguido, nos termos e para efeitos do estabelecido no Art.º 2.º n.º 4, do Código Penal. “Com efeito, em face da LN o arguido teria que cumprir a pena de 7 meses de prisão continuamente em meio prisional, o que é mais desfavorável ao arguido que as formas descontínuas de cumprimento da pena de prisão, pelo que do confronto entre o regime anterior e o actual resulta ser-lhe concretamente mais favorável a execução da pena de 7 meses de prisão por dias livres, nos precisos termos em que o decidiu o tribunal a quo”.
Assim, tal como tratado no acórdão da RE de 26/4/2018, processo n.º 68/17.0GCSTB.E1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7a9ab4ed78029213802582870051caae?OpenDocument.
Assim, será de manter a execução será de manter a execução da pena de prisão aplicada até que possa ser declarada extinta pelo cumprimento integral ou até que seja requerida (a impulso do aqui condenado) e deferida a alteração do seu regime de cumprimento, por aplicação da lei nova.
O que se permite ao agente do crime não é a possibilidade de se eximir ao cumprimento da pena, como decorre da decisão recorrida, mas tão só beneficiar de um regime de cumprimento de pena privativa da liberdade em permanência na habitação ao invés da reclusão em estabelecimento prisional.
A aludida revogação dos Art.ºs 125.º do CEPMPL e do 45.º, n.ºs 3 e 4, do Código Penal, não impede (não pode impedir do ponto de vista da congruência do próprio sistema) a conversão do tempo de pena não cumprido de prisão por dias livres em prisão contínua, sendo esta uma mera operação matemática que se impõe pelo incumprimento não justificado que inviabiliza o prosseguimento da execução em molde de privação de liberdade menos rígido.
Aliás a aplicação do preceituado no n.º 4 do Art.º 125.º do CEPMPL impõe-se mesmo no sentido de uma redução teleológica da aludida norma legal revogatória (tal como sucedeu em maior escala ainda no quadro sancionatório do consumo de estupefacientes, pela via interpretativa salientada no Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/2008 de 25/6/2008, DR I.ª Série, n.º 150, 5 de Agosto de 2008, pp. 5235-5247, disponível em https://dre.pt/application/dir/pdf1sdip/2008/08/15000/0523505254.pdf.).
Tal como decorre do disposto no Art.º 467.º do Código de Processo Penal, erigido a um princípio de direito essencial, as decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva, a qual não pode ser retirada senão por via das razões jurídicas e penais que se sobreponham constitucionalmente (amnistia, perdão, descriminalização ou prescrição).
Recorde-se aqui a letra do mencionado Artigo 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 115/2009 de 12/10.
“Execução, faltas e termo do cumprimento
1 - A execução da prisão por dias livres e da prisão em regime de semidetenção obedece ao disposto no presente Código e no Regulamento Geral, com as especificações fixadas neste capítulo.
2 - As entradas e saídas no estabelecimento prisional são anotadas no processo individual do condenado.
3 - Não são passados mandados de condução nem de libertação.
4 - As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal de execução das penas. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando-se, para o efeito, mandados de captura.
5 - As apresentações tardias, com demora não excedente a três horas, podem ser consideradas justificadas pelo director do estabelecimento prisional, ouvido o condenado.”
Com expressa aplicação e referência ao disposto no n.º 4 desse mesmo preceito legal que aqui é aplicável, como lei antiga adequada à procedimentalização da exequibilidade de uma decisão jurisdicional condenatória transitada em julgado.
Pelo que se terá de concluir, tal como fez o Ministério Público na motivação de recurso, que será de manter a execução da pena de prisão aplicada até que possa ser declarada extinta pelo cumprimento integral ou até que seja requerida e deferida a alteração do seu regime de cumprimento, por aplicação da lei nova.
O que se permite ao agente do crime não é a possibilidade de se eximir ao cumprimento da pena, como decorre da decisão recorrida, mas tão só beneficiar de um regime de cumprimento de pena privativa da liberdade em permanência na habitação ao invés da reclusão em estabelecimento prisional.
Tendo o aqui condenado cumprido 230 dias (correspondente a 46 períodos, cada um igual a 5 dias) da pena de 8 meses de prisão (equivalente a 240 dias), restam 10 dias de prisão por cumprir, podendo sê-lo em regime de permanência na habitação, por aplicação do referido Art.º 12° da Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, caso o condenado o venha requerer e obtenha nisso deferimento.
Pelo que a pena não pode ser declarada extinta enquanto não for integralmente cumprida, seja de uma forma ou de outra, nem o Tribunal de execução pode ficar inerte aguardando a sua prescrição, pois tal forma de extinção da pena é sempre de evitar porque espelharia uma inexplicável e injustificável ineficácia do sistema judicial.
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Pelo que, procedendo os fundamentos invocados pelo Ministério Público, tem o recurso integral procedência, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o proferimento de decisão que na sequência do promovido pelo Ministério Público, venham a ser consideradas não justificadas as faltas do aqui condenado MR… e determinado o cumprimento da restante pena em regime continuo, nos termos conjugados dos Art.ºs 45.º, n.º 3, do Código Penal (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007 de 4/9, aqui aplicável), e 125.º, n.º 4, do CEPMPL (na redacção da Lei n.º 115/2009 de 12/10).
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IV. DECISÃO
Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se o despacho de indeferimento recorrido e determinando-se o proferimento de decisão que na sequência do promovido pelo Ministério Público considere não justificadas as faltas do aqui condenado M_________ e determinado o cumprimento da restante pena de prisão por dias livres que tem a cumprir por via da sentença condenatória acima mencionada, em regime continuo, nos termos conjugados dos Art.ºs 45.º, n.º 3, do Código Penal (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007 de 4/9, aqui aplicável), e 125.º, n.º 4, do CEPMPL (na redacção da Lei n.º 115/2009 de 12/10).
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Sem custas.
Notifique-se.
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Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (cfr. Art.º 94.º, n.º 2, do CPPenal).

Lisboa, 11 de Dezembro de 2018

Nuno Coelho

Ana Paula Grandvaux