Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO ALMEIDA | ||
Descritores: | AIJRLD RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO ERRO NA FORMA DO PROCESSO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/29/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I.– A Ação de Impugnação Judicial de Regularidade e Licitude do Despedimento (AIJRLD) é uma ação simples, em que é pacífica entre as partes (que são apenas – na terminologia da lei – o trabalhador e o empregador, cfr. art.º 98-F/1, 98-G/1, 98-H/1, 98-I/1, 2, 3 e 4/1, 98-J e 98-L, todos do Código de Processo do Trabalho), a ocorrência de despedimento, apenas se discutindo a sua “regularidade e licitude”. Assim concebida, a lei atribuiu-lhe natureza urgente (art.º 26/1/a, CPT). II.– Se o empregador não assume como tal o despedimento, não é aplicável esta forma de processo mas a ação comum. III.– E levantando-se outras questões, nomeadamente saber se existe um termo válido aposto ao contrato, o processado e a tramitação já decorrida não é aproveitável. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa. I.– A)– Autora, também designado por A. e recorrente: AAA. Ré (designada por R.): BBB. * A A. apresentou formulário de IJRLD com vista a impugnar alegado despedimento. Junta cópia de carta registada recebida da R. que refere designadamente: “(…) Assunto: Carta de Cessação de Contrato Sobralinho, 01 de Abril de 2019 Exmo(a). Sr(a)., Vimos por este meio informar que iremos proceder à rescisão do Contrato de Trabalho Temporário que mantém com a BBB para prestar serviços à empresa (…)., sendo o seu último dia a 30/05/2019. De acordo com a Lei, será dado o devido pré-aviso, que contará a partir da data de hoje. (…)” Efetuada a audiência de partes, sem a obtenção de acordo, a R. apresentou articulado no qual argui erro na forma do processo, alegando que não houve despedimento com procedimento disciplinar, pelo que esta forma não pode ser empregue. Respondeu a A. que o único objetivo da R. foi despedi-la, aliás sem motivo, pelo que não há qualquer erro. Conhecendo a exceção, decidiu o Tribunal a quo: “ (…) Dispõe o art.º 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, regulando a ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que “Nos termos do artigo 387.º do Código de Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do Tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento (…).” Esta ação especial apenas se aplica aos casos que aí se encontram descritos. No caso em apreço, resulta da contestação apresentada pela trabalhadora que a natureza do vínculo laborar é controvertida, tendo formalmente o mesmo cessado por caducidade de um contrato a termo. Esta situação não tem cabimento legal no citado art.º 98.º-C, pelo que o uso do modelo apresentado pela trabalhadora não é o adequado a impugnar o despedimento operado pela entidade patronal, mas sim a ação de processo comum. Estamos perante uma situação de erro na forma de processo, de conhecimento oficioso, mas também já invocada, o que implica – nos termos do disposto no art.º 193.º, n.º 1, do Código de Processo Civil - a anulação de todo o processado, salvo se for possível aproveitar algun(s) do(s) atos praticados. Ora, tendo em conta que o formulário não contém todos os elementos que a petição inicial conteria, tendo a ação de processo comum, desde o seu início, uma tramitação processual complemente distinta da do processo especial, nada é aproveitável. Nestes termos, conhecendo de erro na forma do processo, julgo anulado todo o processado e determino o oportuno arquivamento dos autos. Consequentemente, fica sem efeito a data designada para audiência de julgamento. (…)” * * B)– A A. não se conformou com este despacho e recorreu, formulando estas conclusões: 1- O tribunal recorrido errou ao declarar erro na forma do processo. 2- A recorrente juntou ao formulário que deu origem aos presentes autos a carta enviada pela recorrida, em 01.04.2019, na qual esta fez constar o seguinte texto: “Vimos por este meio informar que iremos proceder à rescisão do Contrato de Trabalho Temporário que mantém com a BBB para prestar serviços à empresa (…), sendo o seu último dia a 30.05.2019. De acordo com a Lei será dado o devido pré-aviso, que contará a partir da data de hoje.” 3- O termo “Rescindir”, no dicionário português significa “tornar nulo, quebrar, dar sem efeito, anular” e não se encontra previsto nas diversas formas enumeradas no artigo 340º do Código do Trabalho. 4- Na prática, tal termo é comumente utilizado para resolver contratos, traduzindo uma vontade unilateral de uma das partes, sem a concordância das demais. 5- Na carta enviada pela recorrida à recorrente não é invocado qualquer motivo para “rescindir” o contrato, apenas se indicando a data em que a cessação produziria efeitos e a data do início da contagem do aviso prévio. 6- O único objetivo da recorrida foi despedir a recorrente, através daquela missiva, como aconteceu. 7- Não sendo tal despedimento justificado com qualquer facto, nem sendo um despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento coletivo, trata-se de um despedimento ilícito e, portanto, enquadrável no art.º 98º-C do C.P.T. e art.º 387º do C.T. 8- Nos articulados e documentos apresentados pelas partes era possível ao tribunal recorrido concluir que o contrato de trabalho em causa se converteu em contrato de trabalho temporário sem termo. 9-Essa qualificação tem influência no prosseguimento dos presentes autos, nomeadamente, para desmistificar a tese da caducidade do contrato apresentada pela recorrida. 10- A comunicação da recorrida à recorrente refere como último dia de trabalho, o dia 30.05.2019, o que contraria a cláusula 4ª, ponto 1 do contrato de trabalho que prevê o 21º dia do mês a que a denúncia dissesse respeito como data da cessação do contrato. 11- O que evidencia que a intenção da recorrida nunca foi denunciar o contrato (porque a isso não faz referência) mas, sim, despedir a recorrente, como fez. 12- Da simples análise do contrato de trabalho conclui-se que as referências nele insertas, para além de reproduzirem os termos legais, são vagas e genéricas, não permitindo aquilatar, à luz do regime legal vigente, da verificação do nexo de causalidade entre o motivo invocado e o termo estipulado. 13- A indicação do motivo aposto no referido contrato, não satisfaz a exigência legal, sendo manifestamente insuficiente e confusa, pelo que tal contrato devia ter sido considerado como contrato de trabalho sem termo, nos termos do art.º 181º, nº2 do Código do Trabalho, de modo a alterar o raciocínio perpetrado pelo tribunal recorrido, quando se “escudou” na possibilidade do mesmo ter caducado. 14- De acordo com os elementos juntos aos autos (contrato e carta de despedimento) a duração do contrato de trabalho em causa foi de 2 anos, 9 meses e 10 dias. 15- Refere o artigo 182º, n.º 3, do Código do Trabalho que a duração do contrato de trabalho temporário a termo certo, incluindo renovações, para os casos que não sejam de vacatura de posto de trabalho e acréscimo excecional de atividade de empresa (o que não é o caso dos autos), não pode exceder os dois anos. 16- Tratando-se de um contrato a termo certo e sem prejuízo das especialidades previstas para o contrato de trabalho temporário, a violação das disposições relativas à sua duração tem como consequência a sua conversão em contrato sem termo, nos termos do artigo 147º, nº2, alínea b) em conjugação com o artigo 183º, nº3 do referido código. 17- O contrato celebrado entre a recorrente e recorrida converteu-se em contrato de trabalho sem termo, seja por nulidade da justificação da sua celebração, seja por ter excedido a duração legalmente prevista para o contrato de trabalho temporário a termo certo. 18- Todos estes factos, retirados dos próprios documentos juntos aos autos, eram suficientes para o tribunal recorrido concluir que a comunicação em causa não se tratou de uma denúncia de um contrato a termo, porque convertido a contrato sem termo, mas um verdadeiro despedimento. 19- Não se enquadrando a “rescisão” efetuada pela recorrida em nenhuma das modalidades previstas nas alíneas b) a h) do artigo 340º do C.T., nenhuma outra conclusão se podia retirar que não fosse a de que a mesma consubstanciou um despedimento, o qual deveria ter sido analisado em sede de julgamento a fim de concluir pela sua ilicitude, por não ter sido precedido do respetivo procedimento, de acordo com o disposto no artigo 381º, alínea a) do referido Código. 20- Pelo que, andou mal o tribunal recorrido ao considerar errado o procedimento adotado. 21- O nº3 do art.º 98º, n.º 1, do C.P.T refere que é na audiência de partes que cabe ao juiz verificar se à pretensão do trabalhador é aplicável outra forma do processo, caso em que se abstém de conhecer do pedido, absolve da instância o empregador e informa o trabalhador do prazo que dispõe para intentar a ação com processo comum. 22- O legislador previu expressamente a hipótese de a forma daquele processo especial não ser a adequada à pretensão do trabalhador e estabeleceu o momento processual próprio para o juiz conhecer disso: a audiência de partes. 23- É nesta fase que o juiz fica elucidado relativamente à causa da cessação da relação laboral, podendo avaliar a adequação da forma de processo já que, nos termos do art.º 98º-I, n.º 1, do C.P.T., declarada aberta a audiência pelo juiz, o empregador expõe sucintamente os fundamentos de facto que motivam o despedimento. 24- E nos presentes autos, a recorrida manteve a decisão constante da comunicação que efetuou à recorrente, sem a aperfeiçoar ou fazer referência à caducidade do contrato, embora tenha levantado a questão do erro na forma do processo, como bem se depreende da respetiva ata. 25- Constitui entendimento pacífico que o disposto no art.º 98º C, nº1, do CPT, apenas exige que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. As dúvidas subsistentes podem, e devem ser esclarecidas no âmbito da audiência de partes, face aos esclarecimentos prestados e à luz da regra geral de interpretação contida no art.º 236, n.º 2, do C. Civil, ou seja, vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 26- Ora, em nenhum momento a recorrente podia contar com a denúncia do contrato como pretende a recorrida fazer agora valer, essencialmente, porque tinha perfeita consciência que do contrato já se tinha convolado em contrato sem termo pelo decurso do prazo. 27- Tanto que nenhuma referência é feita nesse sentido na comunicação efetuada pela recorrida, sendo manifesta a palavra utilizada para pôr termo ao contrato: “rescindir”. 28- Pelo que neste caso vale a declaração (porque não há acordo dos intervenientes num conteúdo comum) com o sentido com que ela se apresenta objetivamente no tráfico jurídico, ou seja, como manifesta intenção de despedir a recorrente. 29- A forma do processo foi apreciada na audiência de partes realizada nestes autos, tendo a Mmª Juiz “a quo” concluído que a forma do processo é a adequada, motivo pelo qual deu cumprimento ao disposto no art.º 98º-I do referido diploma. 30- Pelo que a decisão aqui posta em crise viola claramente o art.º 387º do C.T., bem como os art.º 98º-I, nº3 do C.P.T. e 236º do C.C., motivo pelo qual deve ser revogada e substituída por outra que ordene a marcação da audiência de discussão e julgamento, como anteriormente fixada e dada sem efeito, por força daquela. 31- Por último, mesmo que assim não se entendesse - o que se rejeita -, também a decisão em causa estava errada ao anular todo o processado. 32- A recorrente teve oportunidade de formular o seu pedido, convenientemente, ao abrigo do disposto no art.º 98º-L do C.P.T., assim como a recorrida teve oportunidade de expor a sua posição, seja nos termos do art.º 98ºI, nº4, al. a), seja por força do artigo 98º-L do mesmo diploma. 33- Dos autos constam todos os elementos necessários para ser julgado o objeto da ação, não sendo verdade o doutamente feito constar da decisão recorrida. 34- Por via do formulário e da contestação, a recorrente teve oportunidade de alegar e oferecer provas de que foi despedida e de reclamar os efeitos do despedimento ilícito, e, por via do articulado motivador e da resposta (que não apresentou), a recorrida teve oportunidade de alegar e oferecer provas de que não despediu aquela. 35- O tribunal recorrido devia, por isso, ter chegado à conclusão, em concreto, que os articulados podiam ser aproveitados sem prejuízo das garantias de defesa, mantendo a decisão proferida na Audiência de Partes quanto à designação da data para julgamento, dando cabal cumprimento ao artigo 193º do C.P.C., aplicável ex vi artigo 1º, nº2, alínea a) do C.P.T. 36- Não existindo qualquer diminuição de garantias da recorrida (que até gozou de um prazo maior para se pronunciar) o tribunal recorrido ao decidir desta forma violou o referido artigo 193º do C.P.C. Remata impetrando que seja revogada a decisão, substituindo-se por outra que declare correta a forma do mesmo e ordene o prosseguimento dos autos para realização de Audiência e Julgamento ou, caso assim não se entenda, sejam os presentes autos adequados à forma do processo que se entender como sendo o próprio, com o aproveitamento de todos os atos praticados e designação de nova data para realização da referida diligência. * A A. não respondeu ao recurso. O DM do MP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Não houve resposta ao parecer. Foram colhidos os competentes vistos. * * II– A)– É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objeto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 635/4, 639/1 e 2, 608/2 e 663 do CPC. Deste modo o objeto do recurso consiste em saber se a forma de AIJRLD é aplicável à cessação dos autos, e com que consequências. * Factos apurados nos autos: os acima descritos * * De Direito A AIJRLD foi instituída na sequência da reforma laboral de 2009 do CT, aprovada pela Lei 7/09, de 12.2. Nesta reforma, o n.º 2 do art.º 387 estipulou: “O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, exceto no caso previsto no artigo seguinte” (art.º 388 que respeita ao despedimento coletivo). Tal acarretou a reforma do código de processo do trabalho, operada através do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13.10, que aditou designadamente o capitulo I do Título VI, relativo a esta ação, disciplinada pelos art.º 98-B e ss. No preambulo deste DL 295/2009 o legislador escreveu: Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de junho de 2008, cria-se agora no direito adjetivo uma ação declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a ação inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do art.º 387.º do CT. (…) Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1, do art.º 337.º, do CT. Temos, pois, aqui, uma ação urgente, para casos em que o despedimento é assumido como tal pelo empregador e, mais, de forma escrita (convergindo, por todos, cfr. Relação de Évora, Acórdão de 12/09/2018, proc. 469/17.4T8TMR.E1: "II – A ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento prevista nos artigos 98º-B a 98º-P do Código de Processo do Trabalho destina-se a ser utilizada pelo trabalhador que tenha sido alvo de despedimento individual, concretizado por escrito pelo empregador – seja por causa subjetiva (despedimento fundado em justa causa), seja por causa objetiva (despedimento por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação) –, e que a ele se pretenda judicialmente opor; III – A ação declarativa comum é aplicável nos casos a que não corresponda processo especial. IV – Deve seguir esta forma de processo a ação intentada pela Autora em que se verifica que o Réu entregou àquela uma comunicação escrita em que a informou que o contrato de trabalho ia cessar por caducidade, em virtude do encerramento do estabelecimento"). O trabalhador dá início ao procedimento pela simples apresentação de um formulário (art.º 98-C e 98-D, CPT), não carece de ser patrocinado por profissional do foro, e de alguma sorte invertem-se as posições na relação jurídica processual, já que o R. é agora quem tem de apresentar o primeiro articulado, de motivação do despedimento (art.º 98-J – na qual “apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento; e 98-I/4/a ), e só depois é que o trabalhador/demandante apresenta o seu, de contestação (art.º 98-L; aliás, é visível o cuidado do legislador em não se comprometer com designações processuais, não afirmando apertis verbis a quem pertence a qualidade de autor e a quem a de réu). Subjacente a isto está o entendimento de que esta ação é simples, já que o despedimento é pacífico entre as partes, apenas se discutindo a sua “regularidade e licitude”. Quem são as partes? São (apenas) – e trata-se da terminologia da lei processual – o trabalhador e o empregador (cfr. art.º 98-F/1, 98-G/1, 98-H/1, 98-I/1, 2, 3 e 4/1, 98-J e 98-L). No caso, a A. defende que a R. quis despedi-la, ao referir o termo “rescindir”. O argumento literal que dá para esse efeito é manifestamente improcedente, já que rescindir, juridicamente, não significa anular ou tornar nulo, antes assemelhando-se, na terminologia anterior ao CT 2003, a resolução; e na linguagem comum significa uma pluralidade de situações que basicamente equivalem à cessação do contrato. Não se diga que, por maioria de razão, esta precisão milita no sentido proposto pela A., já que o despedimento é uma forma de resolução do contrato, isto é, de o fazer cessar por iniciativa de uma das partes (art.º 340, al. c) a g) e, do CT 2009, sendo que na versão original o art.º 384 previa apenas uma alínea (a c.) para todas estas formas, designada “resolução”). É sabido que a resolução traduz a destruição dos efeitos de um ato jurídico por iniciativa de uma das partes (neste sentido cfr. Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral, 4ªed. 380); mas a determinação da vontade das partes obedece às regras interpretativas consagradas no Código Civil (art.º 236 e ss.), devendo corresponder à vontade real (art.º 236/1), tendo um mínimo de correspondência com o texto expresso na carta e enviada à A. (art.º 238/1). Ora, não sendo possível afirmar a vontade da declarante, atento o dissídio das partes, temos de ponderar o texto escrito. E aqui observamos que, 1º, a R. resumiu o assunto da missiva a “carta de cessação do contrato”, o que não aponta no sentido de um despedimento, já que este termo tem um sentido vulgar na linguagem comum (“profana do direito”, para citar a velha terminologia de Hans Heinrich Jescheck, no Tratado de Direito Penal), do conhecimento geral, que a R. não quis seguir ao empregar o termo “cessação”; 2º, apesar de a carta ser datada de 1 de abril, a R. afirma que pretende observar o pré-aviso e que o ultimo dia de trabalho ocorrerá em 30.05.2019. Este ponto não se compagina com a intenção de despedir, a qual opera logo que chega ao conhecimento do trabalhador (sendo que, por um lado, a prática é que, crendo o empregador que tem motivo de despedimento, o faz imediatamente; e, por outro lado, nem faria sentido a afirmação de que na óptica do empregador a relação laboral se tornou impossível, e ainda assim, que a trabalhadora poderia continuar a trabalhar lá durante mais um mês, a título de …pré-aviso!). Estes elementos apontam decididamente no sentido de que a R. não quis despedir a trabalhadora, limitando-se a empregar o termo “rescisão” como equivalente, genericamente, a “cessação” do contrato. Acresce que a R. junta, com o seu articulado, cópia de um documento designado “contrato de trabalho temporário”, celebrado entre as ora partes; e a A. admite que foi esse o contrato convencionado. Ora, isto corrobora a postura da R., a qual quis, na sua óptica, pôr termo ao contrato de trabalho não através de despedimento mas de denúncia, que traduz a manifestação da vontade da parte de, nos contratos duradouros em que a lei o permite, não continuar submetido a um determinado vinculo (o que acontece vg nos contratos a termo, art.º 344/1 e 345/1, CT, no período experimental, art.º 114, e mesmo em casos de comissão de serviço, art.º 163). Sendo, como vimos, a AIJRLD uma ação prevista para os casos simples em que está meramente em causa o despedimento, e em que o empregador assume o despedimento como tal (art.º 98-C, n.º 1, do CPT), manifestamente esta forma processual não é aqui aplicável, já que a R. não assume qualquer despedimento e nem comunica nenhuma decisão resolutiva, limitando-se a fazer saber o contrato terminará mais adiante, no espírito de uma denúncia contratual. Defende a A. que, no mínimo, dever-se-á admitir que a ação prossiga, adaptando-se o que houver a adaptar. Mas sem razão. A mesma simplicidade processual ergue-se, no caso, contra esta possibilidade. Com efeito, a própria A., depois de defender que a forma está muito bem ou pelo menos que deve ser tida como tal, vem pedir, no seu articulado, que, 1º, se reconheça a nulidade do termo aposto no contrato (ou seja: lança à discussão a natureza do convénio laboral no que ao tempo concerne, de modo a apurar se se trata de contrato a termo ou por tempo indeterminado); 2º que se reconheça a sua verdadeira categoria profissional, e a falsidade da atividade contratada; e só depois discute os seus alegados créditos. Obviamente, esta pletora de questões põe em crise a dita simplicidade estrutural desta ação, já que a sua discussão faz perigar a almejada celeridade. Neste sentido escreve a Prof.ª Joana Vasconcelos, no seu Comentário aos Artigos 98-B a 98-Para do Código de Processo do Trabalho – Processo Especial para Impugnação das Regularidade e Licitude do Despedimento, pag. 22, nota 6, “Porque a "impugnação da regularidade e lidtude" se refere a um "despedimento assumido formalmente enquanto tal pelo empregador (…), não abarca as situações que supõem a apreciação e a resolução da questão, prévia, da "qualificação jurídica da relação contratual", como "pressuposto lógico dos pedidos de condenação decorrentes de um alegado despedimento ilícito" (Ac. RP de 17-10-2011, Proc. n.º 628 / 10). É o que sucede com "a invocação do abandono do trabalho quando não estão verificados os respectivos pressupostos"; nos casos em que o trabalhador alegue "existir um contrato de trabalho" que o empregador insiste em "tratar como contrato de prestação de serviços" e naqueles "em que o trabalhador entenda que não há motivo justificativo para o contrato a termo, relativamente ao qual o empregador acabou de invocar a respectiva caducidade" (Ac. RC de 17-1-2013, Proc. n.° 625/11; no mesmo sentido, Acs. RC de 29-3-2012, Proc. n.° 1149/11, e RI' de 8-9-2014, Proc. n." 55/13). Mas é também assim quando a causa da cessação invocada pelo empregador seja a caducidade do contrato "por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da prestação do trabalho por parte do trabalhador" que a pretende impugnar (Ac. RP de 29-10-2012, Proc. n.° 64/12). Em todas estas hipóteses, o meio processual adequado é "a acção declarativa comum e não a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento" (Ac. RP de 17-10-2011, Proc. n.º 628/10)” (sublinhado nosso). Destarte, há erro na forma do processo já que não há aqui despedimento algum assumido qua tale pelo empregador; e os termos da ação não podem ser aproveitados, desde logo por estarem em discussão outras questões além do despedimento, a começar pela validade do termo aposto e a manutenção do contrato como a termo. Logo, a decisão recorrida decidiu bem e não será censurada. De onde se conclui pela improcedência do recurso. * * III.– Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a sentença recorrida. Custas do recurso pela autora. Lisboa, 29 de janeiro de 2020 Sérgio Almeida Francisca Mendes Celina Nóbrega |