Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
921/17.1YRLSB-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– Tendo as partes integrado no contrato entre ambas celebrado uma cláusula nos termos da qual acordaram que para todas as questões dele emergentes seria competente uma “comissão arbitral”, e tendo uma delas escrito à outra dando conta da sua discordância quanto à resolução do contrato por esta operada com alegada justa causa e ainda que não renunciaria aos direitos emergentes de alegado incumprimento de uma determinada cláusula contratual, tendo ainda ficado exarado, na ata de instalação do tribunal arbitral, que o litígio arbitral tinha como objeto a apreciação e decisão da validade da resolução do referido contrato, e respetivas consequências jurídicas, incluindo a obrigação de indemnizar à luz da mencionada carta de discordância enviada pela demandante, deve entender-se que cabia no objeto das questões a apreciar pelo tribunal arbitral o pedido de indemnização formulado pela demandante com base no incumprimento da alegada cláusula contratual, pelo que o acórdão arbitral não padece de nulidade por excesso de pronúncia.

II.– No processo arbitral as partes devem ser tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada oportunidade de fazerem valer os seus direitos, antes de ser proferida a sentença final, devendo ser garantida a observância do princípio do contraditório, sob pena de anulabilidade da sentença arbitral.

III.– Não consubstancia fundamento de anulação da decisão arbitral, por alegada violação do princípio da igualdade das partes, a convicção, formada pela parte vencida, de que o tribunal arbitral não deu a devida relevância a alguns meios de prova ou à argumentação por si aduzida, com relevo para o desfecho do litígio – verificado que no processo arbitral ambas as partes tiveram oportunidade de exporem as suas razões nos respetivos articulados e alegações, de contraditarem o alegado pela contraparte, de produzirem prova e de contraditarem a prova da contraparte, a nenhuma das partes tendo sido dada preferência ou privilégio no uso dos meios processuais ou sido denegado algum direito processual.

IV.– Sob pena de anulabilidade, a sentença arbitral deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes.

V.– Em ação de anulação de acórdão arbitral está vedado à Relação, a pretexto de inexistente falta de fundamentação da decisão arbitral, reapreciar a prova produzida, as razões de facto e de direito alegadas pelas partes e proceder à crítica dos juízos formados pelo tribunal arbitral a esse respeito, como se de um recurso de fundo (uma verdadeira e própria apelação) se tratasse.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 11.5.2017 Hospital, S.A., intentou nesta Relação ação de anulação de acórdão arbitral contra P, S.A..

A A. alegou que em 23.01.2016 foi proferido acórdão arbitral que incidiu sobre litígio que havia sido submetido a arbitragem por iniciativa da ora R., contra a ora A., na sequência de resolução, pela ora A., de Protocolo de Cooperação que havia sido celebrado entre ambas em 26.3.2007. O aludido acórdão julgou infundada a resolução do aludido Protocolo levada a cabo pela ora A., e decidiu julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados pela ora R., nos valores de € 211 642,80 e de € 49 453,04, referentes, respetivamente, a remunerações a duas trabalhadoras e à consequência direta da resolução, condenando a ora A. no seu pagamento, acrescido de juros legais até efetivo e integral pagamento. Mais decidiu o tribunal arbitral julgar parcialmente procedente o pedido da ora R. de indemnização de lucros cessantes, condenando a ora A. no montante de € 70 000,00, acrescido de juros legais até efetivo e integral pagamento. Por último, o tribunal arbitral julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pela ora A. na sua contestação.

Sucede que no aludido acórdão o tribunal arbitral condenou a ora A. em objeto diverso do definido para o litígio, não observou os princípios fundamentais da igualdade de armas, com influência decisiva na resolução do litígio e incorreu em vícios de fundamentação, o que constitui fundamento para a sua anulação.

A A. terminou pedindo que a ação fosse julgada procedente, por provada e, em consequência, fosse anulado o acórdão proferido em 23.01.2017, no âmbito do processo arbitral referido.

A R. contestou, negando que o acórdão arbitral enfermasse dos aludidos vícios e concluindo pela improcedência da ação, por não provada, mantendo-se, na íntegra, o acórdão arbitral.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

A questão que se suscita nesta ação é se o acórdão arbitral impugnado enferma dos vícios supra referidos, devendo, por conseguinte, ser anulado.
Primeiro vício (condenação em objeto diverso do definido para o litígio)

Dos autos colhem-se os seguintes elementos de matéria de facto
1.– Em 25.01.2016 foi instalado tribunal arbitral ad hoc para dirimir o litígio entre P S.A. e Hospital, S.A., constando na respetiva ata de instalação que “o litígio submetido a arbitragem tem por objeto, segundo as cartas, de 1 de setembro de 2015, da demandante, e de 9 de outubro de 2015, da demandada, a apreciação e decisão da validade da resolução do acordo a que se refere o «Protocolo de Colaboração» referido em 1.1., resolução efetuada através da carta da demandada de 18 de maio de 2015, e respetivas consequências jurídicas, incluindo a obrigação de indemnizar, à luz da carta de 29 de maio de 2015 da demandante, bem como o incumprimento contratual imputado pela demandada à demandante e respetivas consequências jurídicas.
2.– Na carta da ora R., datada de 29.5.2015, referida em 1, enviada pela R. em resposta à carta de 18.5.2015, na qual a ora A. declarara resolvido, com justa causa, o aludido Protocolo, consta, nomeadamente, o seguinte: “2.3. Igualmente até à presente data, o Primelab sempre tolerou – sem que tal constitua, como é evidente, qualquer renúncia ao respectivo direito – que o BH protele sucessivamente o pagamento da quantia prevista no n. 3 do Anexo IV do Protocolo.”
3.– Nos termos do n.º 3 do Anexo IV do Protocolo a ora A. obrigou-se a suportar o valor mensal de € 3 527,38, durante o primeiro período de cinco anos em que o Protocolo vigorou, como compensação pelo facto de a ora R. ter incorporado nos seus quadros as duas trabalhadoras que, à data de celebração do Protocolo, trabalhavam para a ora A. na realização de análises clínicas, montantes que a ora A. não satisfez.
4.– Na cláusula 10.ª n.º 1 do Protocolo consta que “para todas as questões emergentes do presente Protocolo será competente uma comissão arbitral.”
5.– No dia 18.5.2015 a ora A. enviou à ora R. uma carta nos termos da qual procedeu à resolução do Protocolo, a produzir efeitos 90 dias após a comunicação em causa.
6.– No ponto 3 da ata de instalação referida em 1 ficou consignado que o litígio seria decidido segundo o direito português constituído, sem direito a recurso.

7.– Notificada para o efeito, a ora R. apresentou petição inicial, na qual requereu ao tribunal arbitral o seguinte:
A.- Deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser reconhecida a ilegitimidade da resolução do Protocolo operada pelo Réu, condenando-se o mesmo no pagamento de indemnização correspondente aos prejuízos a que deu causa, sejam danos já sofridos, sejam danos futuros, no valor global de € 324.476.27 (…), devidamente acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento; e
B.- Deve o Réu ser condenado no cumprimento da obrigação que sobre si impendia de suportar o valor das remunerações das suas duas trabalhadoras no primeiro período contratual de 5 (cinco) anos, correspondente a € 211.642,80 (…), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento.”

8.– A ora R. apresentou contestação, na qual, além do mais, impugnou, por considerar não se incluir no objeto do litígio arbitral, os factos atinentes ao pedido supra mencionado em B, por não ser consequência da resolução do Protocolo de Cooperação.
9.– Em 20.5.2016 o tribunal arbitral proferiu despacho saneador, deliberando, quanto à questão suscitada nos termos supra referidos em 8, o seguinte:
Entende o TA que na expressão vertida no n.º 2 da Ata de Instalação - «a apreciação e decisão da validade da resolução efetuada através da carta da demandada de 18 de maio de 2015, e respetivas consequências jurídicas, incluindo a obrigação de indemnizar, à luz da carta de 29 de maio de 2015 da demandante…» está incluída tal matéria, nomeadamente se conjugada com a última carta referida –v. o ponto 2.3. do doc. 5 PI.
Por conseguinte, o TA terá também em conta essa matéria.”

O Direito.
O art.º 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa garante que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”
Os tribunais são os órgãos da soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” (n.º 1 do art.º 202.º).

O legislador constituinte impõe a existência do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça e tribunais judiciais de primeira e segunda instância, do Supremo Tribunal Administrativo e demais tribunais administrativos e fiscais e do Tribunal de Contas (n.º 1 do art.º 209.º).
Podem ainda existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz” (n.º 2 do art.º 209.º da CRP).
A Lei n.º 63/2011, de 14.12 (Lei da Arbitragem Voluntária – LAV), contém o regime da arbitragem voluntária.
Assim, aí se estipula que “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros” (n.º 1 do art.º 1.º).
O n.º 3 do art.º 1.º explicita que “a convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).”
A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito (n.º 1 do art.º 2.º). O compromisso arbitral deve determinar o objeto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem (n.º 6 do art.º 2.º).
Salvo convenção das partes em contrário, o processo arbitral relativo a determinado litígio tem início na data em que o pedido de submissão desse litígio a arbitragem é recebido pelo demandado (n.º 1 do art.º 33.º).
Nos prazos convencionados pelas partes ou fixados pelo tribunal arbitral, o demandante apresenta a sua petição, em que enuncia o seu pedido e os factos em que este se baseia, e o demandado apresenta a sua contestação, em que explana a sua defesa relativamente àqueles, salvo se tiver sido outra a convenção das partes quanto aos elementos a figurar naquelas peças escritas (n.º 2 do art.º 33.º). Salvo convenção das partes em contrário, qualquer delas pode, no decurso do processo arbitral, modificar ou completar a sua petição ou a sua contestação, a menos que o tribunal arbitral entenda não dever admitir tal alteração em razão do atraso com que é formulada, sem que para este haja justificação bastante (n.º 3 do art.º 33.º). O demandado pode deduzir reconvenção, desde que o seu objeto seja abrangido pela convenção de arbitragem (n.º 4 do art.º 33.º).
Os trâmites processuais da arbitragem deverão respeitar rigorosamente os princípios da igualdade das partes e do contraditório (art.º 30.º n.º 1).
A decisão arbitral de que não caiba recurso forma caso julgado e tem a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual (art.º 42.º n.º 7).
Ou seja, o tribunal arbitral (voluntário) assenta na autonomia da vontade, na iniciativa das partes, que acordam em submeter a resolução de um litígio a uma estrutura de natureza privada a que a lei reconhece poderes jurisdicionais.
Na síntese formulada por Francisco Cortez (“A arbitragem voluntária em Portugal: dos ricos homens aos tribunais privados”, in O Direito, ano 124.º, 1992, IV, pág. 535), “em suma, a arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado”.
Quanto aos seus efeitos, costuma evidenciar-se que a convenção de arbitragem produz um efeito positivo e um efeito negativo. O efeito positivo consiste em facultar a qualquer das partes a constituição de um tribunal arbitral competente para o julgamento de litígios nela previstos, faculdade essa que constitui um direito potestativo a que corresponde a inerente sujeição da outra parte à atribuição do julgamento do litígio ao tribunal arbitral (cfr. Raul Ventura, “Convenção de arbitragem”, ROA, ano 46, vol. 2, 1986, páginas 301 e 379). O efeito negativo consiste na exclusão dos tribunais do Estado do conhecimento desse litígio (Raul Ventura, estudo citado, páginas 301, 379 e 380). A violação de convenção de arbitragem, com a consequente preterição de tribunal arbitral voluntário, constitui exceção dilatória, que não é de conhecimento oficioso (artigos 577.º alínea a) e 578.º do CPC) e determina a absolvição da instância (art.º 576.º n.º 2 do CPC). Ou seja, recai sobre a parte demandada o ónus de arguir a aludida exceção, para assim acionar a convenção arbitral e conduzir a que o litígio seja julgado perante o tribunal arbitral. Daqui resulta que a convenção arbitral não exclui automaticamente a jurisdição dos tribunais do Estado, podendo dizer-se que a mantêm enquanto o réu não deduzir a exceção da preterição do tribunal arbitral (Lebre de Freitas, “Algumas implicações da natureza da convenção da arbitragem”, in “Estudos sobre direito civil e processo civil”, vol. II, 2.ª edição, 2009, Coimbra Editora, pág. 565).

Na medida em que admite a existência de tribunais arbitrais (citado artigo 209.º, n.º 2 da CRP) “a ordem jurídico-constitucional portuguesa não estabelece um monopólio estadual de administração da justiça”(Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 311/2008, de 30.5.2008, in D.R., II série, 1.8.2008, pág. 34404).
O regime supra mencionado, “na medida em que garante eficácia ao exercício da autonomia privada, presta tributo ao valor constitucional da autodeterminação, contribuindo para a sua realização, no campo específico das relações jurídicas. A autonomia privada constitui, verdadeiramente, “o modo de produção jurídica ajustado à autodeterminação” (Paulick). E este direito, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, como direito pessoal, expressa-se também, a nível do económico-empresarial, como liberdade de iniciativa (artigo 61.º, n.º 1), que comporta a liberdade de conformação jurídica das relações intersubjectivas. Pelo que o respeito pela vontade exteriorizada na convenção de arbitragem, sendo um factor de certeza e de segurança jurídicas, representa também a efectivação das consequências intencionadas pelo exercício da liberdade de acção dos sujeitos, de que o negócio jurídico é instrumento, na esfera das relações jurídicas.” (supra citado acórdão do Tribunal Constitucional).

Nos termos do n.º 4 do art.º 39.º da LAV, “a sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável.”

Não tendo as partes estipulado a sua recorribilidade, a impugnação da sentença arbitral perante um tribunal estadual só poderá revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no art.º 46.º da LAV (n.º 1 do art.º 46.º).

De entre os fundamentos de anulação da sentença arbitral constam os seguintes:
iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta;
v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.”
Quanto ao conteúdo da convenção de arbitragem, “o compromisso arbitral deve determinar o objecto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem” (n.º 6 do art.º 2.º da LAV).
O litígio pressupõe um conflito de interesses, que se traduz na incompatibilidade das posições materiais das partes face a um bem, a qual se pode manifestar na formulação por uma das partes da pretensão de que a outra parte adote a conduta necessária à satisfação do seu interesse e, por sua vez, a parte demandada se oponha, seja negando a validade de tal pretensão (resistência no plano intelectual), seja recusando a satisfação do referido interesse (resistência no plano material) – cfr. Lebre de Freitas, estudo citado, pág. 554, nota 14.
Quanto à especificação, na cláusula compromissória, dos litígios que ficam sujeitos a arbitragem, em regra é feita através da remissão para o contrato de direito material em que está inserida (Manuel Pereira Barocas, “Manual de arbitragem”, Almedina, 2010, pág. 158).

Como exemplo comum de redação de cláusula compromissória, aponta-se o seguinte:
Todos os litígios referentes à validade, execução e interpretação deste contrato serão submetidos à arbitragem”, ou
Todos os litígios emergentes deste contrato serão resolvidos por um tribunal arbitral” (Manuel Pereira Barocas, obra citada, pág. 158).
Na convenção sub judice escreveu-se que “para todas as questões emergentes do presente Protocolo será competente uma comissão arbitral” (n.º 4 da matéria de facto).
Esta cláusula é uma convenção de arbitragem, na modalidade de cláusula compromissória. Nela as partes manifestam a vontade de constituir um tribunal arbitral para decidir eventuais litígios futuros emergentes do contrato.
Ora, a totalidade do peticionado pela ora R. contende com o aludido Protocolo, ou seja, respeita a litígio emergente desse contrato, suscitado entre as respetivas partes. Litígio esse que abarcou não só as questões diretamente decorrentes da resolução do Protocolo por parte da ora A., como também a do alegado incumprimento, pela ora A., da obrigação, vertida no Protocolo, de suportar os encargos decorrentes para a ora R. de ter assumido ao seu serviço duas anteriores funcionárias da ora A.. O pedido formulado sob a alínea B) integra-se na cláusula compromissória, decorre da correspondência trocada entre as partes logo após a resolução do contrato e prende-se com o objeto da lide arbitral, tal como foi definido na ata da instalação do tribunal, tendo, como decorre dos articulados e dos temas da prova, integrado o objeto do litígio, sobre o qual as partes exerceram os seus direitos de alegação, contra-alegação e produção contraditória de prova.
Assim, bem andou o tribunal arbitral ao pronunciar-se sobre tal pedido e questão – sob pena de, não o fazendo, cometer nulidade por omissão de pronúncia.
Nesta parte, pois, a ação improcede.
Segundo vício (violação do princípio da igualdade de armas)
A A. entende que o tribunal arbitral tratou as partes com manifesta desigualdade, violando o princípio da igualdade, em detrimento da A..
Está em causa, pois, outro dos fundamentos de anulação da sentença arbitral, que consiste no seguinte, expresso no ponto ii) da alínea a) do n.º 3 do art.º 46.º:
Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio”, relevando, no caso destes autos, o constante nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 30.º:
b) As partes são tratadas com igualdade e deve ser-lhes dada uma oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final;
c) Em todas as fases do processo é garantida a observância do princípio do contraditório, salvas as excepções previstas na presente lei.”
Ora, no processo sub judice ambas as partes tiveram oportunidade de exporem as suas razões nos respetivos articulados e alegações, de contraditarem o alegado pela contraparte, de produzirem prova e de contraditarem a prova da contraparte: a nenhuma das partes foi dada preferência ou privilégio no uso dos meios processuais ou foi denegado algum direito processual – nem a A. o alega ou invoca. Do que a A. se queixa é que o tribunal a quo não terá dado a devida relevância a alguns meios de prova ou argumentação por si aduzida, com relevo para o desfecho do litígio, traduzido na sua parcial condenação e total improcedência do pedido reconvencional.
Ora, aqui entramos na apreciação do mérito do acórdão arbitral, na justeza da apreciação dos meios de prova e das razões alegadas por cada uma das partes na ação arbitral. A A. entende que o tribunal arbitral “não analisou criticamente, nem sequer se pronunciou, sobre diversos factos alegados pela Demandada, ora Autora, e sobre os quais recaiu prova bastante e suficiente para decisão distinta daquela que foi adoptada” (art.º 14.º da p.i. desta ação de anulação). E pretende, então, que esta Relação aborde a prova produzida e as alegações da ora A., então R., para, modificando o juízo a respeito formado pelo tribunal a quo, anular o respetivo veredito. Ora, como se disse, está vedado a esta Relação emitir juízos sobre a justeza do veredito do tribunal arbitral, seja quanto à decisão de facto seja quanto à aplicação do direito. Sendo certo que cabe ao tribunal arbitral formular livremente a sua convicção, sopesando as provas apresentadas pelas partes, dando a cada uma o relevo que entender que lhe cabe, que pode ser total ou nenhum, assim como às razões e argumentos formulados pelas partes. A fiscalização do acórdão arbitral pelo tribunal estadual nessa perspetiva só seria possível se as partes tivessem salvaguardado a recorribilidade da decisão arbitral quanto ao fundo da causa (n.º 4 do art.º 39.º da LAV). Não o tendo feito, sibi imputet.
Daí que é absolutamente inócuo e inútil o esforço, desenvolvido pela A. ao longo de sessenta artigos, com remissões para documentos e extratos de depoimentos, como se perante um recurso de sentença se estivesse.
Nesta parte, pois, a ação é, igualmente, improcedente.
Terceiro vício (omissão de fundamentação)
A A. também imputa ao acórdão arbitral o vício da falta de fundamentação, que aloja no disposto no art.º 46.º, n.º 3, alínea a), vi), da LAV.
O referido ponto vi) autoriza a anulação da decisão arbitral quando “a sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º”.
Presume-se que a A. tem em vista o teor do n.º 3 do art.º 42.º da LAV, que é o seguinte:
A sentença deverá ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º

Ora, mais uma vez é evidente a falta de razão da A., na imputação de vícios formais relevantes ao acórdão arbitral.

Alega a A. que “no que se refere aos incumprimentos do Protocolo apontados pela Demandada, ora Autora, à Demandante, ora Ré, como causas de resolução do mesmo, em relação aos quais, como referimos supra, o Tribunal Arbitral não analisou correctamente os deveres decorrentes do Protocolo a que a mesma se encontrava adstrita, o Tribunal entendeu terem havido apenas “atrasos pouco significativos” e “algumas imperfeições culposas” (art.º 76.º da p.i. desta ação), acrescentando que “No que toca aos lucros cessantes reclamados pela ora Ré, a provar nos termos de relatório pericial, o Tribunal apenas referiu que o mesmo correspondeu a meras indicações técnicas que serviram de complemento ao aventado pelos Srs. Peritos em sede de audiência de julgamento, tendo concluído que o mesmo devia ser conjugado com regras da experiência comum” (art.º 77.º da p.i.).

O acórdão arbitral, documentado a fls 42 a 107 dos autos, é composto de relatório, no qual se expõem o objeto do litígio, os fundamentos da ação e os da defesa e, seguidamente, de fundamentação, onde se enunciam os factos considerados provados e não provados, acompanhados de extensíssima exposição acerca do conteúdo da prova produzida, documental, pericial e pessoal, com apreciação crítica da mesma, seguida de igualmente aprofundada análise dos factos do ponto de vista jurídico. Salvo o devido respeito, do que o acórdão poderá ser acusado é de prolixidade na fundamentação, não de omissão desta.
Mais uma vez o A. convoca esta Relação para o que lhe está vedado, que é reapreciar a prova produzida e as razões de facto e de direito alegadas pelas partes e proceder à crítica dos juízos formados pelo tribunal arbitral a esse respeito, como se de um recurso de fundo (uma verdadeira e própria apelação) se tratasse.

O que se descortina, ao longo dos 43 artigos que a A. dedica a esta questão, com transcrições do teor de temas da prova, das respostas dadas pelo tribunal arbitral e da respetiva fundamentação apresentada, não é falta de fundamentação da sentença mas discordância da A. com o juízo dos juízes árbitros, que se pretende reverter inclusive com transcrições dos depoimentos prestados pelos peritos.

É evidente, mais uma vez, o desajustamento entre a fundamentação desta ação e a vocação (anulação decorrente de irremediáveis vícios formais/processuais) que a lei lhe confere.

A ação é, pois, improcedente.

DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a ação não provada e improcedente e consequentemente não se anula a decisão arbitral impugnada, que assim se mantém.
As custas da ação são a cargo da A., que nela decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).
Valor da ação: € 30 001,00 (indicado na p.i. e na contestação).



Lisboa, 20.12.2017



Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins