Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3607/2008-1
Relator: RUI MOURA
Descritores: TRIBUNAL COMPETENTE
INVENTÁRIO
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2008
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: Só os inventários requeridos na sequência de divórcio são da competência do Tribunal de Família. Não tendo o divórcio sido decretado por Tribunal Português, não se verifica o elemento de conexão justificativo da atribuição da competência do Tribunal de Família, devendo a mesma ser deferida aos Juízos Cíveis, no âmbito da sua competência residual - artigo 99º da LOFTJ.
FG
Decisão Texto Integral: (...)
3- RELATÓRIO
3.1 – No 6º Juízo Cível de Lisboa, 3ª secção, em 11 de Fevereiro de 2005 M, que é aqui Agravante, intentou acção especial de inventário facultativo subsequente a divórcio, nos termos do disposto no artigo 1404º do C.P.C., demandando V.
Fundamentalmente invoca que Requerente e Requerido residem nos EUA., foram casados entre si tendo o casamento sido dissolvido por sentença datada de 4 de Janeiro de 2001 e proferida no Tribunal de Primeira Instância da Comarca de Filadélfia em autos de divórcio por mútuo consentimento.
Essa douta sentença já transitou em julgado e já foi revista e confirmada no Tribunal da Relação de Lisboa, no processo que correu termos com o nº 5093/02 na 8ª secção
Refere que o regime do casamento era o de comunhão de bens adquiridos, que há bens a partilhar, inexistindo acordo quanto à forma de o fazer.
Aduz que os Juízos Cíveis de Lisboa são os competentes, junta documentos e procuração forense.

O Sr. Juiz no despacho liminar entendeu que o inventário foi intentado num tribunal de competência genérica quando deveria ter sido intentado num tribunal de competência especializada, qual seja o Tribunal de Família e Menores.
Entende ter havido infracção às regras da competência em razão da matéria – artigo 101º do C.P.C.- o que determina a incompetência absoluta do tribunal.
Conhece oficiosamente a excepção ao abrigo do disposto no artigo 102º-2 do C.P.C..
Decidiu então que “entendo que este tribunal não é competente para conhecer do mérito da presente acção, pelo que declaro este tribunal incompetente em razão da matéria e, em consequência, indefiro liminarmente a acção ( artigo 234º-A do C.P.C.). Custas pela Requerente”.

Inconformada recorreu a Requerente do inventário.

Foi cumprido o disposto no artigo 234º-3 do C.P.C..

Alegou a Recorrente. Não respondeu o Requerido, embora tivesse constituído Mandatário.
Na 1ª instância sustentou-se a decisão proferida.

3.4 - CONCLUSÕES DA RECORRENTE:
A Recorrente nas conclusões das suas alegações, com relevo, invoca que no caso o divórcio ocorreu em Filadélfia, tendo sido a sentença revista em Portugal. O Tribunal competente para o andamento do inventário não é o Tribunal de Família, não sendo de aplicar o disposto no artigo 81º- c) da LOFTJ, sendo necessário conjugar esse artigo com o disposto no artigo 99º desse diploma, de forma a entender-se que o Tribunal de Família é competente para os inventários subsequentes ao divórcio, no sentido de que a conexão de competência do Tribunal de Família pressupõe a apensação do inventário ao processo de divórcio. No presente caso não é possível apensar o divórcio ao inventário pois que o divórcio correu termos em Filadélfia, EUA.
Pugna pela competência da 3ª secção do 6º Juízo Cível de Lisboa.

3.4 – FACTOS COM RELEVO:
Os do ponto 3. 1, supra.

4 – OBJECTO DO RECURSO:
4.1 - É entendimento pacífico ser pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo – artigos 690º- 1 e 684º- 3 do C.P.C., exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso - art. 660º - 2 – fim do mesmo diploma.
A questão a decidir é saber se o 6º Juízo Cível ( 3ª secção ) de Lisboa, a quem foi distribuído o processo de inventário, é competente ou não para o processar e decidir, em razão da matéria.

4.2 – FUNDAMENTAÇÃO
A acção considera-se proposta logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial – artigo 267º- 1 do C.P.C..
Os pressupostos processuais constituem as condições de que depende o exercício da função jurisdicional, visando a assegurar a justiça da decisão ( a sua conformidade com o direito objectivo ) e por outro lado a evitar decisões inúteis ou desnecessárias – Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, 1982, vol. II, pág. 7.
A competência do tribunal é um pressuposto processual. Em sede de competência interna, avulta a competência em razão da matéria – composta por um conjunto de regras que delimitam a jurisdição dos tribunais de acordo com a matéria, ou o objecto do litígio.

São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional – artigo 66º do C.P.C.
As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada – artigo 67º do C.P.C.
Os tribunais dividem-se em de competência genérica (os tribunais de comarca), de competência especializada (os que em virtude da especialidade das matérias que apreciam exigem uma qualificação técnica especial), podendo ainda ser criadas varas e juízos de competência específica, cível ou crime (exercendo uma competência sectorial ou limitada, determinada pela forma de processo, pela natureza da acção ou outros factores, designadamente geográficos).
Tribunais de Competência Específica em matéria cível, são, por exemplo, os Juízos Cíveis, a quem compete preparar e julgar os processos dessa natureza que não caibam às varas nem à pequena instância cível – artigo 99º da LOFTJ, na redacção dada pela Lei nº 3/99, de 13-1.
Tribunais de Competência Especializada são por exemplo os Tribunais de Família a quem compete preparar e julgar designadamente os inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados – artigo 81º c) da LOFTJ.
Ora, o divórcio entre Requerente e Requerido foi decretado por Tribunal Estrangeiro - pois o casal sendo de nacionalidade portuguesa vivia no Estrangeiro - na sequência de acção de divórcio por mútuo consentimento, tendo a douta sentença transitado em julgado e vindo a ser revista e confirmada em Portugal pelo Tribunal Competente.

O Juiz da causa na 1ª instância entende que não releva o facto de se tratar de sentença estrangeira, estando perante um caso de inventário requerido na sequência de acção de divórcio, e assim, face à redacção do artigo 81º c) da LOFTJ o competente em razão da matéria para conhecer do seu mérito é o tribunal de família, tribunal de competência especializada. Com a expressão “ na sequência “ o legislador teria querido dizer “ após “, num sentido que se resume praticamente a um encadeamento temporal. Não é necessário que no tribunal de família tenha corrido termos o processo decretatório do divórcio, de modo a que o inventário para partilha dos bens do casal lhe corra por apenso, em sequência de processos, física. Assim, neste entendimento, o inventário para partilha dos bens do casal, correria sempre no tribunal de família, tribunal especializado, quer o processo de divórcio lá estivesse e pudesse ser apenso, quer não pudesse – como é o caso de ter corrido termos em país estrangeiro.
Ao invés, a Requerente entende que o artigo 81º c) da LOFTJ pressupõe que o processo de divórcio esteja documentado no tribunal de família, para depois, por uma questão de economia de tempo e de meios, lhe poder ser apensado o processo de partilha. Inexistindo este pressuposto, este critério de conexão entre os processos e o tribunal de modo a designar esse competente, o inventário não seria de intentar no tribunal de família, onde inexiste processo, e seria de intentar nos Juízos Cíveis.
Estes os argumentos.
Não estão em causa as Varas nem os Juízos de Pequena Instância Cível.
O artigo 1404º do C.Civil dispõe que decretado o divórcio qualquer dos cônjuges pode requerer o inventário para partilha dos bens do casal, salvo se o regime de casamento fôr o de separação, determinando no nº 3 que o inventário corre por apenso ao processo … de divórcio.
Esta norma ainda vigora. Não é uma norma de competência, mas de conexão e dependência – Ac. do T.R.P. de 08-05-1995, in C.J. tomo III, pág. 204.
A actual redacção do artigo 81º c) da LOFTJ decorre da redacção do artigo 60º c) da mesma, na versão da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, sendo idênticas. Trata-se de norma de competência.
A redacção da LOFTJ sobre competência dos tribunais de família anterior a estas versões, nada continha de relevo - no seu artigo 61º, na redacção da Lei nº 82/77, de 6 e Dezembro.
Estamos portanto perante uma redacção que vem da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro.

Nunca foi dado, desde a Lei nº 38/87, uma interpretação à norma sobre competência do Tribunal de Família, de modo a ligar a acção de divórcio ao inventário subsequente para partilha de bens do casal, que não fosse o de uma ligação sequencial, para passar a ser verdadeiramente espacial.
Por exemplo: quando o divórcio era decretado pelo Tribunal de Círculo, entendia-se que o inventario instaurado para partilha dos bens do casal deveria correr pelos Tribunais Comuns, por serem os competentes, a que depois se apensava o processo de divórcio – Ac. do T.R.C. de 23-03-1999, in C.J. 1999, tomo II, pág. 31.

Como vimos, Tribunais de Competência Especializada são por exemplo os Tribunais de Família a quem compete preparar e julgar designadamente os inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados – artigo 81º c) da LOFTJ.
“Sequência” significa: seguimento, continuação, série, sucessão – Dicionário da Língua Portuguesa de Eduardo Pinheiro, Livraria Figueirinhas, Porto.
O sentido que subjaz à douta sentença recorrida é no fundo o de que sempre que haja divórcio ( pois sem ele não pode haver inventário ), o processo de inventário para partilha dos bens do casal tem de correr termos no Tribunal de Família, quer o processo de divórcio tenha corrido por este, quer inexista, por, por exemplo, ter corrido no Estrangeiro.
Mas assim o Tribunal de Família seria competente para a partilha, mesmo sem qualquer sequência, seguimento, continuação, entre um processo de divórcio e a partilha.
O sentido que se pretende para a norma não tem no seu teor o mínimo de correspondência verbal, como exige o artigo 9º-2 do C. Civil.
A sequência entre o processo de divórcio e o da partilha dos bens do casal tem de ser material, em de existir, não pode ser apenas lógica, abstracta.
Entendemos então, como a Recorrente que, o Tribunal de Família é competente para os inventários subsequentes ao divórcio, no sentido de que a conexão de competência do Tribunal de Família pressupõe a apensação do inventário ao processo de divórcio.
No caso, essa conexão não é susceptível de acontecer porque o divórcio teve lugar num tribunal de País Estrangeiro – Filadélfia, EUA.
Neste sentido, e sobre a legislação em apreço já decidiu o T.R.L. no Ac. de 11-5-2000, no processo nº 20422, consultável no site www.dgsi.pt, que só os inventários requeridos na sequência de divórcio são da competência do Tribunal de Família. Não tendo o divórcio sido decretado por Tribunal Português, não se verifica o elemento de conexão justificativo da atribuição da competência do Tribunal de Família, devendo a mesma ser deferida aos Juízos Cíveis, no âmbito da sua competência residual - artigo 99º da LOFTJ..
Procede o agravo.
5 - DECISÃO:
Com estes fundamentos, decide-se:
1- Revogar a decisão recorrida e ordenar a sua substituição por outra que julgue a 3ª secção do 6º Juízo Cível de Lisboa competente em razão da matéria para a tramitação e decisão do inventário.
2- Sem custas.
Lisboa, 2008-04-28.
( Rui António Correia Moura )