Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3868/20.0T8PRT-A.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: PROCEDIMENTO EUROPEU DE INJUNÇÃO
COMPETÊNCIA ABSOLUTA
PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
PRINCÍPIO DA "COMPETÊNCIA-COMPETÊNCIA"
DÚVIDA SOBRE APLICAÇÃO DE CONVENÇÃO ARBITRAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEENTE
Sumário: 1.–O art. 18.º, n.º 1, da LAV, consagra o chamado “princípio da competência-competência”, cuja justificação reside na necessidade de evitar que, invocada por uma das partes litigantes a falta de competência do tribunal arbitral, tivesse de ser o tribunal judicial a decidir dessa mesma competência, ou seja, por via daquele preceito é atribuída ao tribunal arbitral competência para julgar da sua própria competência, com a necessária ponderação, além do mais, sobre a arbitrabilidade do concreto litígio em causa.

2.–Por sua vez, o art. 5.º, n.º 1, LAV, ao impor aos tribunais judiciais o dever de se absterem de julgar sobre as matérias referidas, antes que o árbitro sobre elas se pronuncie, consagra o efeito negativo daquele princípio, do qual não decorre apenas que o árbitro tem competência para conhecer da sua própria competência, mas também que tal competência lhe cabe a ele, antes de poder ser deferida a um tribunal judicial;

3.–(...) só assim não ocorrendo quando seja manifesta a invalidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, pois, nesses casos, por razões de economia processual, deve o tribunal judicial julgar logo a questão.

4.–Por conseguinte, os tribunais judiciais só devem rejeitar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respetivo âmbito de aplicação.

5.–(...) assim se alcançando uma solução de compromisso entre o princípio da autonomia privada, corporizado na legítima escolha das partes quanto à desjudicialização de conflitos, mediante recurso à instância arbitral, e a possibilidade de os tribunais judiciais apreciarem uma manifesta inexistência ou invalidade da convenção arbitral, quando confrontados com uma demanda em que tal convenção exista;

6.–(...) o que significa que em caso de dúvida fundada sobre o âmbito de aplicação da convenção arbitral em causa, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral a que atribuíram competência para solucionar o litígio.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO:


H, LDA. instaurou, no Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca do Porto, procedimento europeu de injunção para pagamento contra T.KG, exigindo desta a quantia de € 2.060.283,25, invocando para o efeito um contrato de compra e venda entre ambas celebrado.
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No dia 12 de junho de 2020 foi proferido o seguinte despacho:
«Foi apresentado o formulário normalizado F constante do anexo VI (oposição à injunção europeia) conforme previsto no artº 16º do Regulamento (CE) nº1896/2006 de 12 de Dezembro.
A declaração de oposição põe termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e implica a remessa para os tribunais competentes para o processo civil nacional ou comunitário adequado, a quem compete determinar a forma processual civil adequada ao prosseguimento da demanda (artº 17º nº1 do citado Regulamento).
Pelo exposto, julga-se este tribunal territorialmente incompetente para os ulteriores termos do processo, determinando-se a remessa dos autos ao tribunal judicial da Comarca de Sintra.»
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No dia 17 de setembro de 2020, já na comarca de Sintra, foi proferido o seguinte despacho:
«Tendo presente o disposto no art.º 17º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006, os presentes autos seguem a forma do processo declarativo comum, atenta a dedução de oposição.
Assim, proceda-se desde já à correcção da distribuição e da autuação – art. 210.º, al. b), do CPCivil.»
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No dia 5 de novembro de 2020 foi proferido o seguinte despacho:
«Nos termos do disposto no art. 17º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006, os presentes autos seguem a forma do processo declarativo comum, atenta a dedução de oposição.
Consequentemente, ao abrigo do disposto nos arts. 6º, 547º e 590º, todos do CPCivil, determino a notificação da Ré para, em 10 dias, apresentar articulado, elencando, de forma breve, os fundamentos de facto e de direito que sustentam a sua oposição.»
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Na defesa que apresentou, a ré invocou a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, pugnando para que, por via da sua procedência, seja absolvida da instância.

Alega que «(...) esta é já a terceira vez em que a Autora peticiona em juízo uma indemnização pelos danos supostamente sofridos com a cessação de relação contratual que a ligava à Ré até 2015.
Numa primeira vez, utilizou o procedimento de injunção previsto no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (...).
Como seria de esperar, o Tribunal para onde foi distribuída a acção que se seguiu, declarou que esse procedimento não era adequado para o efeito, pois o mesmo só deve ser usado para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (...).
Não sendo adequado para exigir indemnizações pelo incumprimento de contratos.
A Autora conformou-se com essa decisão, dela não tendo recorrido.
Subsequentemente, em 2017, a Autora propôs uma acção declarativa comum, neste mesmo Tribunal (Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Cível), com o mesmo objecto, que foi distribuída ao Juiz 5, sob o n.º 22264/17.0T8SNT.
Nessa acção, a Autora peticionou uma indemnização por danos emergentes da alegada cessação ilícita do contrato por parte da Ré (e de outra empresa do mesmo Grupo).
Nessa acção, a Autora referia-se, entre outros, aos mesmos danos que novamente reclama na presente acção.
Com efeito, nessa outra acção, a Autora alegava que a cessação do contrato promovida pela Ré tinha sido ilícita e que essa conduta lhe havia provocado múltiplos danos.
Entre os quais aludia aos que resultavam do armazenamento de peças e stock, bem como de supostos problemas nas relações com os clientes S. Roque, Caradonna, entre outros.
Ora, também esta acção não foi objecto de qualquer decisão de mérito por parte do Tribunal.
Com efeito, o Tribunal concluiu não ser competente para conhecer de tal acção, por existir entre as partes uma convenção de arbitragem (...).
As mesmas razões que levaram a que, naquele outro processo, o Tribunal se declarasse incompetente, são totalmente aplicáveis nos presentes autos.
(...)
Entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato misto de agência e de distribuição (concessão comercial), doravante designado por “Contrato”.
O Contrato foi assinado em 12 de Junho de 2008 e retroagiu os seus efeitos a 1 de Maio de 2008 (...).
Tendo vindo a cessar, mediante resolução por justa causa (denúncia extraordinária (...).
Cessação promovida pela Ré em 4 de Maio de 2015 (...).
Entre as duas referidas datas, o contrato em apreço foi sendo executado pela Autora e pela Ré.

Para o que agora interessa, importa apenas referir que tal contrato incluía uma cláusula compromissória do teor seguinte (Art. 14.2):
“All disputes arising in connection with this Agreement or its validity shall be finally settled according to the Arbitration Rules of the German Institution of Arbitration (Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit e.V. (DIS)) without recourse to the ordinary courts of law. The place of arbitration is Stuttgart and the arbitration court comprises three arbitrators, unless the contract parties agree on another venue. The language of the arbitral proceedings is German. The decision pronounced by the arbitration court shall be final and binding for the contract parties and they are obliged to act in good faith in accordance with the arbitral decision. The arbitration court can also decide with binding effect on the validity of this arbitration agreement.”
Incluía também uma estipulação de escolha da lei competente, submetendo o contrato e os negócios celebrados em sua execução à aplicação exclusiva da lei da República Federal da Alemanha (Art. 14.1).
(...)
Saliente-se que a Autora se conformou com a resolução, tanto assim que jamais a impugnou junto dos tribunais competentes.
(...)
Ora, certamente que este Tribunal não se deixará ludibriar pelo embuste que a Autora resolveu montar para contornar as limitações legais ao exercício dos “direitos” que, a seu tempo, poderia ter invocado (caso fosse efectivamente titular dos mesmos) e para tentar furtar-se à competência de um tribunal arbitral constituído sob a égide do Instituto Alemão de Arbitragem (DIS).
Com efeito, e apesar de a Autora não o esclarecer totalmente, no formulário de injunção europeia que deu origem a esta acção, sob a capa de exigência do cumprimento de obrigações decorrentes de uma suposta relação de “fornecimento de equipamentos industriais”, o que a Autora efectivamente pretende é ser ressarcida de supostos danos que lhe teriam sido causados pela execução e cessação do contrato que firmou com a Ré em 12 de Junho de 2008!
Ao aludir a uma suposta relação de “fornecimento de equipamentos industriais”, sem se referir ao contrato de distribuição, único que vigorou entre as partes, a Autora almeja com esse doloso artifício subtrair-se à competência exclusiva de um tribunal arbitral constituído nos termos das “DIS Arbitration Rules” (...).
Repare-se que, em qualquer caso, olhando para os documentos (facturas) que a Autora juntou, percebe-se que todas elas se referem a questões decorrentes da referida relação de distribuição com a Ré (aliás, nem poderiam referir-se a outra, pois a Ré nenhuma outra relação manteve com a Autora).

Tanto quanto a Ré pôde perceber (caberá eventualmente à Autora explicá-lo melhor), estará em causa o alegado direito da Autora a:
•Auferir comissões decorrentes desse contrato (...);
•Ser indemnizada por supostos problemas decorrentes de, nesse âmbito, terem sido fornecidos equipamentos defeituosos (...);
•Alegados custos com armazenamento de peças para equipamentos da Ré distribuídos pela Autora (...);
•Ser reembolsada de custos de transporte de um tal “Mr. Mario Aurichio” (...);
•Devolver à Ré diverso material vendido à Autora (...);
Os factos anteriormente expostos demonstram, à saciedade, que a presente acção e o pedido nela formulado estão intimamente relacionados com a execução e cessação do contrato celebrado, entre a Autora e a Ré, em 12 de Junho de 2008.
Não passando a invocação de uma qualquer outra relação de “fornecimento de equipamentos industriais” de um estratagema mal congeminado, já que a única relação que a Autora manteve com a Ré foi precisamente a de um contrato misto de agência e distribuição.
As referidas facturas juntas pela Autora só podem referir-se a relações entre as partes ao abrigo do referido contrato misto de agência e distribuição, pois nenhuma outra relação existiu entre as partes.
Se a Autora entende que tem o direito de exigir à Ré que retome as peças e stock, respectivas despesas de armazenamento ou ainda o pagamento de comissões, tal só pode decorrer do referido contrato misto, sendo claro e óbvio que esse é o contrato-quadro que regeu todas estas relações entre as partes.
Dito de outra maneira: a causa de pedir na presente acção é constituída, na parte que verdadeiramente releva, pelas consequências da cessação do referido contrato.»
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A autora respondeu a tal exceção, pugnando pela sua improcedência.
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No dia 15 de abril de 2021 foi proferido o seguinte despacho:
«Preparando-me para me pronunciar sobre a excepção invocada, verifico que, por despacho de 05-11-2020, apenas foi dirigido convite à Ré para, nos termos do disposto nos arts. 6º, 547º e 590º, todos do CPCivil, e em 10 dias, apresentar articulado, elencando, de forma breve, os fundamentos de facto e de direito que sustentam a sua oposição, não tendo sido tal convite dirigido à Autora, do que me penitencio.
Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 6º, 547º e 590º, todos do CPCivil, determino a notificação da Autora para, em 10 dias, apresentar articulado, elencando, de forma breve, os fundamentos de facto e de direito que sustentam a sua posição.»
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A autora correspondeu ao convite, apresentando um articulado no qual, em vez de elencar «(...) de forma breve, os fundamentos de facto e de direito que sustentam a sua posição», mais não faz do que responder àqueloutro apresentado pela ré na sequência do despacho 5 de novembro de 2020.

Nesse articulado alega a autora que «a Ré labora em Portugal desde 1960, da seguinte forma:
- Entre 1998 até 2004 tinha contrato de distribuição com o Sr. HR na pessoa do próprio;
- Entre 2004 e 2006 teve um contrato de distribuição com a sociedade VRN na qual o Sr. HR era sócio;
- A partir de 2006 até 2015 tinha dois contratos de distribuição com a aqui Autora, na qual também é sócio o Sr. HR, tendo sido este último rescindido.
Como podemos ver, a relação comercial entre Autora e Ré, mesmo que por intermédio do sócio, já existe há longos anos, não se estando aqui a discutir tal relação, mas sim as faturas devidas, por relações comerciais existentes após o términus do contrato que ocorreu em maio de 2015.
Tendo as faturas sido recebidas e refletidas na contabilidade da aqui Ré, mas não pagas, nem tão pouco devolvidas por não reconhecidas, não obstante o pagamento lhe ter sido solicitado por diversas vezes, por email, nas datas de 25/05/2020, 09/06/2015, 19/12/2015, 23/12/2015, 06/01/2016, 16/063/2016, 16/07/2016 e 03/10/2016, sem nunca a Ré ter alguma vez dito que as mesmas não eram devidas.
Se dúvidas, houvesse, sobre os serviços prestados à Ré, os mesmos foram refletidos nas 24 faturas reclamadas, tendo a seguinte designação:
i.– DOC. 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 19 – “Rental Space for stock wear parts from clientes” – Espaço de aluguer para estoque de peças de desgaste de cliente;
ii.– DOC. 2 – “Credits to S. Roque, Manpower; Retrofitting; Returned press breake tools” – Créditos para S. Roque, Mão de obra; Renovação; Ferramentas de quebra devolvidas;
iii.– DOC. 9 – “Transport costs of MA” – Custos de transporte de MA;
iv.–DOC. 12 – “Qualite losses – O Feliz” – Perdas de qualidade;
v.–DOC. 13, 16, 17, 18 – “Unpaid Commissions” – Comissões não pagas;
vi.–DOC. 14 – “Services losses due to low roduct quality ou project planning error” – perdas de serviços devido à baixa qualidade do produto;
vii.–DOC. 20, 21, 23 – Bens fornecidos;
viii.–DOC. 22 – “Services Tools” – Ferramentas de serviços.

Nas quais a Autora reclama os valores referentes a:
a)-Comissões sobre vendas realizadas pela Autora após términus do contrato, conforme é do conhecimento da aqui Ré;
b)-Após términus do contrato a Autora teve que manter e armazenar as peças e equipamentos pertencentes à Ré, tendo informado a mesma que teria 30 (trinta) dias para o seu levantamento, sob pena de não o fazendo ser cobrado um valor diário pela ocupação do espaço.
c)-O transporte do Sr. MA (colaborador da Ré), com a Ré bem sabe, era comum, as férias passadas em Portugal, nas quais era a Autora eu suportava o transporte do mesmo, sendo tal valor faturado à Ré, por ordens dos mesmos.
d)-Os materiais cobrados nas referidas faturas dizem respeito a materiais de substituição, adquiridos com o consentimento da Ré, para em caso de problemas/defeitos serem substituídas de imediato.
O recurso a esta forma de processo de nada tem a ver, com a cessação da relação contratual entre Autora e Ré, pois que, se de tal se tratasse o valor do peticionado seria bem mais alto, pois a indemnização por incumprimento contratual ultrapassa largamente os € 8.000.000,00 (oito milhões de euros),
Tal como a Ré, não poderá desconhecer, o montante aqui reclamado, em nada tem a ver com a relação contratual, mas sim com contratos verbais, alheios ao contrato terminado em maio de 2015.
Querendo a Ré, “esconder-se” atrás de um contrato que terminou em maio de 2015, para não cumprir com as suas obrigações, respeitantes a serviços prestados e bens fornecidos, pela Autora.
Pois que, bem sabe a Ré, que todas as faturas que se encontram em dívida foram emitidas em data posterior à cessão do contrato, nada tendo que ver com o mesmo, mantendo apenas a mesma atividade, por motivos financeiros.
Situação, anuída pela Ré, que continuou a usufruir dos serviços da Autora, tendo conhecimento da forma como os mesmos seriam faturados.
Se os valores faturados, não fossem reconhecidos pela Ré, deveriam as farturas ser devolvidas, o que não aconteceu.»
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A ré respondeu, concluindo nos mesmos termos em que o havia feito no articulado apresentado na sequência do despacho 5 de novembro de 2020.
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No dia 1 de junho de 2022 foi proferido despacho saneador do qual consta, além do mais, o seguinte:

«Da incompetência do tribunal por preterição de tribunal arbitral
Vem a R. “T.Kg” invocar a excepção dilatória de incompetência do tribunal por preterição de tribunal arbitral, alegando que a única relação jurídica que se estabeleceu entre as partes adveio da celebração de um contrato misto de agência e de distribuição (concessão comercial), assinado em 12 de Junho de 2008 que cessou por resolução por justa causa a iniciativa da R., sendo que na cláusula contratual constante do Art. 14.2 resulta que as partes acordaram que “Todos os litígios emergentes relacionados com este contrato ou com a sua validade serão resolvidos de acordo com as Regras de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Alemão (…) sem recurso aos tribunais de direitos comuns.”.
Notificada para se pronunciar quanto a tal excepção veio a A. pugnar pela sua improcedência dizendo que fundamenta o peticionado em acordos verbais que celebrou com a R. após cessação daquela relação contratual, admitindo até a justa causa da mesma cessação (cf. ponto 5. da PI).

Cumpre apreciar:
Como resulta do contrato junto aos autos, que nenhuma das partes põe em causa, as mesmas celebraram uma convenção de arbitragem (cláusula compromissória, já que se refere a litígios eventuais, potenciais ou futuros), tendente a solucionar os “Todos os litígios emergentes relacionados com este contrato ou com a sua validade”, sendo os mesmos “resolvidos de acordo com as Regras de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Alemão (…) sem recurso aos tribunais de direitos comuns.”. Ou seja, voluntariamente, as partes decidiram cometer a resolução de conflitos a surgir na vigência do contrato acima referenciado a um tribunal arbitral.
A convenção de arbitragem abrange toda a conflitualidade prática e jurídica decorrente do contrato.
Pela presente acção pretende a A. seja a R. condenada no pagamento de diversas quantias que alega serem-lhe devidas em cumprimento de acordos que celebrou verbalmente com a R. após a cessação da relação contratual e fora do seu âmbito.
Estaremos, portanto, fora do âmbito do contrato que inclui tal cláusula compromissória.
Tal implica a improcedência da excepção deduzida, posto que é pelo modo como a A. formula a causa de pedir que há-de aferir-se da competência do tribunal.
Termos em que, julgo improcedente a deduzida excepção de preterição de tribunal arbitral.»
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É desta decisão que a ré interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«A.–No Despacho Saneador, de que ora se recorre, o Tribunal a quo considerou improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, por preterição de tribunal arbitral.
B.–Resulta por demais evidente que a Recorrida conjecturou um enquadramento fantasioso, com o intuito de integrar uma relação diversa daquela que resulta do Contrato.
C.–Ainda que esse enquadramento fosse minimamente verosímil (o que jamais se aceita), sempre se diga que o Tribunal não procedeu à correcta aplicação do Direito.
D.–Esta é a terceira vez que a Recorrida vem a juízo peticionar por uma indemnização por alegados danos sofridos, decorrentes da cessação do Contrato.
E.–A Recorrida foi alterando a qualificação jurídica da causa de pedir conforme as suas conveniências: num primeiro momento, por procedimento de injunção onde a sua pretensão assentava num vínculo emergente de contrato; de seguida, por acção declarativa, onde a sua pretensão decorrida de responsabilidade civil extracontratual; e agora nos presentes autos, onde a sua pretensão assenta em relações contratuais estabelecidas após a cessação do Contrato.
F.–A Recorrida pretende apenas furtar-se à competência exclusiva de um tribunal arbitral constituído nos termos das “DIS Arbitration Rules”.
G.–A partes celebraram a 12 de Julho de 2008 o Contrato, que veio cessar a 4 de Maio de 2015, por justa causa.
H.–Em tal contrato, as partes introduziram a seguinte cláusula compromissória: “All disputes arising in connection with this Agreement or its validity shall be finally settled according to the Arbitration Rules of the German Institution of Arbitration (Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit e.V. (DIS)) without recourse to the ordinary courts of law. The place of arbitration is Stuttgart and the arbitration court comprises three arbitrators, unless the contract parties agree on another venue. The language of the arbitral proceedings is German. The decision pronounced by the arbitration court shall be final and binding for the contract parties and they are obliged to act in good faith in accordance with the arbitral decision. The arbitration court can also decide with binding effect on the validity of this arbitration agreement.”
Ou, traduzido para a língua portuguesa:
“Todos os litígios emergentes relacionados com este contrato ou com a sua validade serão resolvidos de acordo com as Regras de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Alemão (Deutshce Institution für Schiedsgerichtsbarkeit e. V. (DIS)) sem recurso aos tribunais de direitos comuns. O local de arbitragem é em Stuttgart e o tribunal arbitral é composto por três árbitros, salvo se as partes contratuais concordarem um outro local de julgamento. A linguagem do julgamento é o Alemão. A decisão pronunciada pelo tribunal de arbitragem será final e vinculativa para as partes contratuais e serão obrigados a agir de boa fé de acordo com a decisão judicial. O tribunal de arbitragem também pode decidir, com efeitos vinculativos, sobre a validade do acordo de arbitragem.” – tradução apresentada pela Recorrida.

I.–Da análise da documentação junta pela Recorrida, facilmente se compreende que os valores peticionados apenas podem decorrer deste mesmo Contrato.
J.–Na verdade, não faria qualquer sentido que a Recorrente pretendesse estabelecer com a Recorrida uma qualquer nova relação contratual, já que a Recorrente resolveu com justa causa o Contrato, por diversos incumprimentos contratuais, que conduziram a uma quebra definitiva da confiança que havia sido depositada na Recorrida.
K.–Pelo que a invocação de uma qualquer nova relação não é mais do que um estratagema mal congeminado, uma vez que, nas anteriores acções intentadas, já se aludia aos negócios cujas comissões agora são reclamadas, assim como os custos do armazenamento, bem como a supostos problemas resultantes de defeitos nas relações com os clientes S. Roque, Caradonna e outros.
L.–Mas, ainda que fosse verdade que Recorrente e Recorrida celebraram novo contrato verbal – o que jamais se aceita – sempre se diga que o Tribunal a quo não aplicou adequadamente as regras relativas à aferição da competência dos tribunais judiciais.
M.–O Tribunal a quo considerou que os valores peticionados não se encontravam abrangidos pelo contrato que inclui a cláusula compromissória, sem que, para tanto, tenham sido apresentados quaisquer fundamentos para que tal cláusula seja considerada manifestamente nula, ou que se tenha tornado ineficaz ou inexequível.
N.–In casu estamos perante uma cláusula compromissória válida, que teremos de enquadrar face à hipotética celebração verbal de um novo contrato entre as mesmas partes.
O.–Segundo a tese da Recorrida, as partes acordaram manter uma relação comercial em regime de prestação de serviços, na qual a Recorrida continuava a comercializar as máquinas da Recorrente, mediante pagamento de comissão, de acordo com o preço final negociado com o cliente.
P.–Com efeito, a Recorrida menciona ter sido celebrado um novo contrato verbal, onde o objecto se manteve essencialmente o mesmo.
Q.–Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, o princípio “Kompetenz-Kompetenz” implica, na sua vertente positiva, que: “O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”
R.–Na sua vertente negativa, o princípio “Kompetenz-Kompetenz”, veja-se o artigo 5.º, n.º 1: “O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.” (destaque nosso).
S.–Pelo exposto, claro se torna que, sendo os árbitros os primeiros juízes sobre a sua própria competência, o Tribunal a quo apenas poderia julgar improcedente, caso a convenção de arbitragem fosse manifestamente nula.
T.–No caso sub judice verifica-se que o Tribunal a quo veio a considerar que, por se tratar de diferentes contratos, que apenas o primeiro estaria abrangido pelo âmbito da cláusula compromissória arbitral.
U.–Contudo, o facto da (suposta) nova relação comercial ter sido estabelecida: (i)- entre as mesmas partes e (ii)- ter um conteúdo essencialmente semelhante à relação regulada pelo anterior Contrato, deveria ter sido suficiente para o Tribunal a quo confirmar a existência de uma relação muitíssimo estreita com a execução e/ou cessação do anterior Contrato.
V.–Acresce que, saber se o presente litígio é abrangido pela mencionada cláusula compromissória é uma questão que se resolve, precipuamente, em face à lei alemã, já que foi escolhida pelas partes para reger o contrato.
W.–De acordo com o entendimento prevalecente no direito alemão, as cláusulas compromissórias devem ser interpretadas de uma forma tão ampla quanto o seu âmbito de aplicação, devendo, em caso de dúvida, abranger todos os litígios entre as partes contratantes.
X.–E mesmo que assim não se entenda, sempre se diga que a Recorrente, tal como acima exposto, indicou factos suficientes para criar a dúvida relativamente à extensão da cláusula arbitral.
Y.–Existindo dúvida, caberia ao Tribunal a quo decidir pela procedência da excepção de incompetência absoluta invocada pela Recorrente, deixando tal decisão para ser apreciada, antes de mais, por um tribunal arbitral.
Z.–Não restará outra alternativa ao Tribunal ad quem senão concluir que os tribunais judiciais são absolutamente incompetentes para conhecer o litígio em causa nos presentes autos, devendo a decisão recorrida ser substituída por uma outra que considere procedente a excepção dilatória invocada, absolvendo a Recorrente da instância, nos termos do disposto no art. 278.º, n.º 1, a), do CPC e art. 5.º, n.º 1 da LAV.
Nestes termos se requer a V. Exas. se dignem declarar o presente recurso procedente, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que declare procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, por preterição de tribunal arbitral.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II–ÂMBITO DO RECURSO:

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer “ex officio”, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, “ius novarum”, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal “a quo” (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, “ex vi” do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir se o tribunal recorrido é absolutamente incompetente para tramitar e julgar a presente ação, por ser competente para o efeito o tribunal arbitral.
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III–FUNDAMENTOS:

3.1–Fundamentação de facto:
Os elementos relevantes para a decisão da causa são os que constam do relatório supra.
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3.2–Fundamentação de direito:
Nos termos da al. b) do art. 96.º, a preterição de tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do tribunal, dispondo o art. 99.º que «a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância (...).»

Aquilo que se verifica no caso concreto é que a autora instaurou contra a ré um procedimento europeu de injunção para pagamento, exigindo desta a quantia de € 2.060.283,25, invocando para o efeito um contrato de compra e venda entre ambas celebrado.

A autora nada esclarece acerca desse contrato de compra e venda e do seu alegado incumprimento, nem mesmo depois de convidada a «apresentar articulado, elencando, de forma breve, os fundamentos de facto e de direito que sustentam a sua posição.»

Não oferece dúvida que:
- no dia 12 de junho de 2008, entre autora e ré foi celebrado um contrato denominado “Contrato de Distribuição e Assistência;
- a cláusula 14.2 desse contrato dispunha que “All disputes arising in connection with this Agreement or its validity shall be finally settled according to the Arbitration Rules of the German Institution of Arbitration (Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit e.V. (DIS)) without recourse to the ordinary courts of law. The place of arbitration is Stuttgart and the arbitration court comprises three arbitrators, unless the contract parties agree on another venue. The language of the arbitral proceedings is German. The decision pronounced by the arbitration court shall be final and binding for the contract parties and they are obliged to act in good faith in accordance with the arbitral decision. The arbitration court can also decide with binding effect on the validity of this arbitration agreement.”,
o que, traduzido, significa “Todos os litígios emergentes relacionados com este contrato ou com a sua validade serão resolvidos deacordo comasRegras deArbitragem do Instituto de Arbitragem Alemão (Deutshce Institution für Schiedsgerichtsbarkeit e.V.(DIS))sem recurso aos tribunais de direitos comuns. O local de arbitragem é em Stuttgart e o tribunal arbitral é composto por três árbitros, salvo se as partes contratuais concordarem um outro local de julgamento. A linguagem do julgamentoéoAlemão. A decisão pronunciada pelo tribunal de arbitragem será final e vinculativa para as partes contratuaiseserão obrigados a agir de boa de acordo com a decisão judicial. O tribunal de arbitragem também pode decidir, com efeitos vinculativos, sobre a validade do acordo de arbitragem.” – tradução apresentada pela Recorrida.

- esse contrato vigorou até 31 de dezembro de 2015.
Nos articulados que apresentou, a ré alega, enfática e exaustivamente, que o pedido formulado pela autora nesta ação mais não representa do que alegados efeitos decorrentes da cessação daquele contrato, pelo que a transcrita cláusula compromissória ao abrigo da qual as partes decidiram submeter a um tribunal arbitral alemão os litígios decorrentes do dito convénio é aplicável ao presente litígio; concretamente, e em jeito de conclusão, afirma que «a causa de pedir na presente acção é constituída, na parte que verdadeiramente releva, pelas consequências da cessação do referido contrato.»

Nos termos do art. 18.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12, «o tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.»

Consagra-se neste preceito o chamado “princípio da competência-competência”, cuja justificação reside na necessidade de evitar que, invocada por uma das partes litigantes a falta de competência do tribunal arbitral, tivesse de ser o tribunal judicial a decidir dessa mesma competência.

Por via da citada disposição legal é atribuída ao tribunal arbitral competência para julgar da sua própria competência, com a necessária ponderação, além do mais, sobre a arbitrabilidade do concreto litígio em causa.

Além disso, dispõe o art. 5.º, n.º 1, da LAV, que «o tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.»

Esta norma, ao impor aos tribunais judiciais o dever de se absterem de julgar sobre as referidas matérias, antes que o árbitro se pronuncie sobre as mesmas, consagra o efeito negativo daquele princípio.

Segundo João Lopes dos Reis, «(…) do aludido princípio não decorre apenas que o árbitro tem competência para conhecer da sua própria competência; decorre também que tal competência lhe cabe a ele, antes de poder ser deferida a um tribunal judicial.»[1]
Só assim não será, afirma-se no Ac. do S.T.J. de 20.03.2018, Proc. n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1 (Henrique Araújo), in www.dgsi.pt, «quando seja manifesta a invalidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, pois, nesses casos, por razões de economia processual, deve o tribunal judicial julgar logo a questão – artigo 5º, n.º 1, parte final, da LAV.
É neste registo que a jurisprudência do STJ se tem pronunciado, ao decidir que, face ao princípio consagrado no artigo 18º, nº 1, da LAV, segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem –, os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação.[2].
Alcança-se, deste modo, com o indispensável respaldo legal, uma solução de compromisso entre o princípio da autonomia privada, corporizado na legítima escolha das partes quanto à desjudicialização de conflitos (mediante recurso à instância arbitral), e a possibilidade de os tribunais judiciais apreciarem uma manifesta inexistência ou invalidade da convenção arbitral, quando confrontados com uma demanda em que tal convenção exista.
Assim, o tribunal judicial só poderá deixar de proferir decisão a absolver da instância se for manifesta a invalidade, ineficácia ou inexequibilidade da cláusula.»[3]
Tal como decidido no Ac. do S.T.J. de 10.03.2011, Proc. n.º 5961/09.1TVLSB.L1.S1 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, «”a convenção de arbitragem produz um efeito negativo, a que
também poderia chamar-se reflexo, pois constitui a outra face do elemento positivo. Uma vez que, com o beneplácito do Estado, os interessados criam, pela sua convenção, um tribunal para conhecimento de um certo ou de eventuais litígios, segue-se como consequência natural, que os tribunais do Estado devem ficar excluídos, temporária ou definitivamente, do conhecimento do mesmo litígio” -
RAUL VENTURA, Convenção de Arbitragem, Revista da Ordem dos Advogados, ano 46 (Setembro de 1986), pg. 380. Aderindo inteiramente a esta orientação, considera-se que ao STJ apenas cumprirá, ao apreciar a presente revista, determinar se é manifesto e insusceptível de controvérsia séria e consistente a não aplicabilidade da convenção de arbitragem estipulada à relação contratual litigiosa – devendo, pelo contrário, em caso de dúvida fundada sobre o âmbito da referida convenção, serem as partes remetidas para o tribunal arbitral a que atribuíram competência para solucionar o litígio.»

No Ac. do S.T.J. de 09.07.2015, Proc. n.º 1770/13.1 (Mário Mendes), in www.dgsi.pt: «(...) ao STJ apenas cumprirá (...) verificar se é manifesta e insusceptível de controvérsia séria e consistente a não aplicabilidade da convenção de arbitragem estipulada à relação contratual litigiosa; pelo contrário, em caso de dúvida fundada sobre o âmbito da referida convenção, deverão as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio.»
No Ac. do S.T.J. de 21.06.2016, Proc. n.º 301714.0TVLSB.L1.S1 (Fernandes do Vale), pode ler-se o seguinte:
«No Ac. deste Supremo, de 10.03.11, decidiu-se, conforme respetivo sumário:
I- Face ao princípio, ínsito no art. 21º, nº1, da LAV” - atual art. 18º, nº1, da LAV -, “segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam - validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem -, os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação”.
Na fundamentação do aresto, pondera-se, entre o mais, que, ao apreciar a referida excepção dilatória, devem os tribunais judiciais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada.
A sobredita decisão deste Supremo - que se fez eco do decidido, designadamente, no Ac. deste STJ, de 20.01.11, como aquele acessível em www.dgsi.ptmereceu anotação concordante de Mariana França Gouveia e Jorge Morais Carvalho (In “Cadernos de Direito Privado”, nº 36, pags. 39 a 49).
Aí se sustentando, designadamente:
- O art. 5º, nº1 da LAV adoptou “em definitivo o efeito negativo do princípio da competência da competência, que não faz mais do que atribuir à celebração da convenção de arbitragem um efeito de exclusão da jurisdição dos tribunais judiciais em relação aos litígios abrangidos por essa convenção. Os árbitros são os primeiros juízes da sua competência, estabelecendo-se uma regra de prioridade cronológica quanto à tomada de decisão sobre a competência”;
-Manifesta inexistência (nulidade, ineficácia ou inexequibilidade) é “aquela que não necessita de mais prova para ser apreciada”, afastando, à partida, “qualquer alegação de vícios da vontade na celebração do contrato, deixando ao tribunal judicial apenas a consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade”;
- Concluindo que “quando existirem dúvidas sobre a existência da convenção, o tribunal judicial deve optar pela procedência da excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário”.
Não são, aliás, divergentes os correspondentes comentários tecidos, a propósito, por Mário Esteves de Oliveira (in “Lei da Arbitragem Voluntária”, Almedina - 2014, pags. 251 e segs) e Manuel Pereira Barrocas (in “Lei de Arbitragem Comentada”, Almedina (2013), pags. 83 e segs.).»

Em suma: sempre que se suscitem dúvidas sobre o âmbito de aplicação da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio.

No caso concreto, face:
- à escassez de factos concretos alegados pela autora quanto à causa de pedir que suporta o pedido por si formulado na ação;
- ao alegado pela ré nos articulados de oposição,
entendemos que se suscitam fundadas dúvidas sobre a arbitrabilidade do concreto litígio em causa nestes autos.
Afigura-se-nos, por isso, à luz do excurso que antecede, que o tribunal a quo deveria ter-se considerado absolutamente incompetente para tramitar e julgar a presente ação, por preterição de tribunal arbitral.
***

IV–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integra a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, por provada, em consequência do que:
4.1–Revogam a decisão recorrida;
4.2–Julgam procedente a exceção dilatória consistente na incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal;
4.3–Absolvem a ré da instância.
Custas da apelação pela embargante/apelada, na vertente de custas de parte – arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2.



Lisboa, 25 de outubro de 2022


José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara


[1]A Excepção da Preterição do Tribunal Arbitral (voluntário)”, in Revista da Ordem dos Advogados, 58.º, III, dezembro de 1998, p. 1122.
[2]O destacado a negrito é da nossa autoria.
[3]Cfr. Acs. do STJ de 20.01.2011, Proc. n.º 2207/09.6TBSTB.E1.S1, de 02.06.2015, Proc. n.º 1279/14.6TVLSB.S1, e de 21.06.2016, Proc. n.º 301/14.0TVLSB.L1.S1, todos em www.dgsi.pt.