Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15/14.1IDSTB-A.L1-5
Relator: CID GERALDO
Descritores: IRREGULARIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - A irregularidade, quando afecte o valor do acto, poderá ser suprida a todo o tempo, pelo que, ainda que não seja arguida, pode ser reparada oficiosamente ou mandada reparar pela autoridade judiciária competente para tal acto, enquanto mantiver o domínio dessa fase do processo.
-O  último momento a tomar em consideração (para os termos do artº 105º do RGIT) é o dia em que se mostraram transcorridos 90 dias desde a data em que cada uma das prestações tributárias deveria ter sido voluntariamente entregue pelo sujeito passivo à AT.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

1. No âmbito do processo comum nº 15/14.1IDSTB-A, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo local Criminal do Montijo, o arguido FC , não se conformando com o douto despacho da Mmª Juiz a quo, datado de 01-06-2018, que julgou verificada a irregularidade das notificações dirigidas aos arguidos FC , GA e DM , e, com vista à sua sanação, determinou que a administração fiscal procedesse à notificação urgente dos mencionados arguidos em nome pessoal (e não na qualidade de legais representantes da sociedade arguida), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias, por referência aos períodos 2009/06T, 2009/09T e 2010/09T, a que se reporta a acusação, dele interpor recurso, por entender que o despacho recorrido, ao invés de conhecer de imediato da prescrição do procedimento criminal, em face do não cumprimento, até à data, do disposto naquela alínea b) do nº 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), optou por ordenar uma notificação que se reporta a uma conduta relativamente à qual, há muito, se encontra integralmente transcorrido o prazo prescricional de 5 anos, previsto no artº 219, nº 1 do RGIT.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:

A. O presente recurso deverá subir imediatamente (nos termos do disposto no artº 407º, n°1 do CPP porquanto a sua retenção torná-lo-ia inútil, bem assim como permitiria a realização de actos subsequentes – nomeadamente a realização de actos de notificação (referente a uma obrigação prescrita) e a prolação de sentença – que sempre consubstanciariam a prática de acto inútil, o que, nos termos das normas aplicáveis, é de todo de evitar.
B. A este recurso deverá – pelos mesmos fundamentos, e pelo facto de do mesmo dependerem a validade e a eficácia dos actos subsequentes – ser atribuído efeito suspensivo do processo, nos termos previstos no artº 408º, nº 3 do CPP.
C. E, consequentemente, devem cessar as iniciativas de notificação do recorrente, ordenadas pela Mmª Juiz "a quo" ainda do trânsito em julgado do douto despacho ora em crise.
D. O presente recurso tem por objecto a decisão, aliás douta, de julgar verificada "irregularidade das notificações aos arguidos FC  (...) e, com vista à sua sanação" determinou que se oficie à "administração fiscal (para) que proceda à notificação URGENTE dos mencionados arguidos em seu NOME PESSOAL (e não na qualidade de legais representantes da sociedade arguida), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias, por referência aos períodos 2009/06T, 2009/09T e 2010/09T, a que se reporta a acusação."
E. O recorrente exclui expressamente do âmbito do presente recurso a decisão da Mmª Juiz "a quo" que considerou que o recorrente não foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT.
F. Salvo o devido respeito, a douta decisão sub judice erra ao não conhecer de imediato da prescrição do procedimento criminal, em face do não cumprimento do disposto na alínea b) do n° 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), tendo, antes, optado por ordenar uma notificação que se reporta a uma conduta relativamente à qual, há muito, se encontra integralmente transcorrido o prazo prescricional de 5 anos, previsto no artº 21º, nº 1 do RGIT.
G. Erra, igualmente, a Mmª Juiz "a quo" ao enquadrar a omissão da notificação do recorrente para os termos e efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT como uma mera regularidade, pretendendo, desse modo, que, com a realização daquela notificação, neste momento, como que branquearia e validaria tudo o que foi "irregularmente" feito durante todo este processo.
H. Desconsidera – erradamente – a Mmª Juiz "a quo" que a notificação para os termos e efeitos do disposto na alínea b) do n° 4 do artº 105º do RGIT é matéria alegada na própria acusação, como elemento objectivo essencial para a incriminação, bem assim como desconsidera, igualmente, a defesa apresentada pelo recorrente, no que se refere aos efeitos da omissão da realização daquela notificação e a consequente não verificação da condição na mesma consagrada.
1. Ao considerar, justamente, que aquela notificação para os termos e efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT não fora realizada, deveria ter optado por uma de duas alternativas: absolver os arguidos por não se encontrar verificada a condição daquela alínea b) do n° 4 do artº 105º do RGIT, ou declarar a prescrição do procedimento criminal em virtude de o facto criminalmente punível só poder ser considerado praticado após transcorrido o prazo de 30 dias após a notificação em obediência do artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT.
J. Antes de decorrido o prazo de 30 dias após a notificação pessoal a "quem, estando legalmente obrigado a entregar à administração tributária prestação que, tendo recebido, tenha a obrigação legal de liquidar", não se verifica a prática de qualquer ilícito criminal.
K. A lei [artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT] não determina a notificação ao "arguido", mas antes a "quem, estando legalmente obrigado a entregar à administração tributária prestação que, tendo recebido, tenha a obrigação legal de liquidar (...)".
L. Antes de ser realizada aquela notificação [estipulada no artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT], não se encontram reunidas as condições para a constituição de alguém (sujeito passivo do tributo) como arguido.
M. Considerando a letra e o espírito do artº 68º, n° 1 do CPP, o recorrente não deveria, sequer, ter sido constituído arguido pois inexistia fundamento para tanto.
N. A constituição do recorrente como arguido (pela Autoridade Tributária) parte do erro (da própria AT) respeitante à notificação para os termos e efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT.
O. Considerando a norma do artº 105º do RGIT, teremos de concluir que comete o crime de abuso de confiança fiscal "quem, estando legalmente obrigado a entregar à administração tributária prestação que, tendo recebido, tenha a obrigação legal de liquidar, de valor superior a € 7.500,00, omita, total ou parcialmente, tal entrega, desde que, cumulativamente, tenham decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação e a prestação comunicada à Administração Tributária não tenha sido paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito."
P. Antes que tenham decorrido aqueles 90 dias após a data em que deveria ter sido entregue a prestação tributária e antes que tenha sido efectuada notificação admonitória para que seja efectuada a entrega da prestação tributária, e após esta tenham decorridos 30 dias, não se encontram preenchidos todos os elementos, necessários e suficiente para que se considere a prática do crime, encontrando-nos, no limite, no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional.
Q. As suspeitas de prática de crime só podem ocorrer (isto é, só são legítimas e susceptíveis de fundamentar a constituição de arguido) a partir do momento em que se verificar que já decorreram 90 dias após a data em que o contribuinte devia ter entregue a prestação tributária [como previsto na alínea a) do nº 4 do artº 105º do RGIT), que foi realizada a notificação admonitória prevista na alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT, e que já se encontra esgotado o prazo de 30 após tal notificação.
R. Tendo o Tribunal "a quo" verificado agora – ao fim de variadas tomadas de posição do recorrente – que, afinal, tal como o recorrente sempre afirmou, nunca foi realizada a notificação dos "contribuintes" (não lhes chamamos arguidos, pois não estão, na presente data, verificados os fundamentos bastantes para tal constituição), não poderia a Mmª Juiz "a quo" limitar-se a ordenar a notificação para pagamento no prazo de 30 dias, sem curar de verificar o tempo que transcorreu desde o dia em que se mostrou decorrido o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do nº 4 do artº 105º do RGIT.
S. A putativa constituição de arguido (ocorrida em 2014) não pode considerar-se válida, nem que tenha produzido quaisquer efeitos, pois à data em que a mesma foi realizada (pela própria AT, note-se, que não realizou os actos de notificação e andou a "gerir", de forma manifestamente negligente e ilegal, o processo a seu bel-prazer), ainda o recorrente não havia sido (aliás não o foi até à presente data) notificado, em nome próprio, na qualidade de responsável subsidiário ou solidário, nos termos e para os efeitos do artº 105, nº 4, alínea b) do RGIT.
T. A devida e correcta interpretação do artº 105º do RGIT, mormente das alíneas a) e b) do seu número 4, impõe-nos que se deva entender que a mera não entrega das prestações tributárias (in casu referente a IVA) não é crime, mesmo que passem 90, 100 ou 1000 dias;
U. A ocorrência de crime (ou melhor, a verificação dos elementos subjectivos e objectivos do tipo e as condições de punibilidade) só pode verificar-se após a notificação da Administração Tributária para "pagar" a dívida e a sua violação por parte do contribuinte no de 30 dias concedido para o efeito.
V. Antes de transcorrido esse prazo de 30 dias (já após o decurso do anterior período de 90 dias e realizada que tenha sido a sobredita notificação) estaremos perante de condutas que persistem ilícitas e sancionadas, mas exclusivamente no âmbito da responsabilidade contraordenacional.
W. Em face da constatação (e consequente declaração) relativamente à omissão de notificação do recorrente para os termos e para os efeitos do disposto no artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, deveria a Mmª Juiz "a quo" – ao invés de ordenar a (totalmente extemporânea) dos "arguidos" – ter verificado e declarado que inexistindo condições para a (sequer) instauração do procedimento criminal contra o recorrente, a verdade é que tal procedimento já não poderá vir a ser instaurado (nem, muito menos prosseguir), porquanto o prazo prescricional (de 5 anos, nos termos do disposto no nº 1 do artº 21º do RGIT) correu, ininterruptamente, desde, pelo menos, Setembro de 2010.
X. Decidido, aliás doutamente, pela douta decisão sub judice, que o recorrente nunca foi notificado para os termos e efeitos da alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT, terá necessariamente de entender-se que se encontra por verificar a condição objectiva de punibilidade, prevista na alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT, pelo que inexistia (como inexiste) fundamento bastante para, sequer, constituir o recorrente como arguido ("nullum crimen sitie poena");
Y. Ao invés de ter ordenado no sentido de a AT proceder à notificação do recorrente, deveria ter conhecido e declarado a prescrição do procedimento criminal, porquanto há muito que se encontra transcorrido o prazo prescricional previsto no artº 21º, nº 1 do RGIT, ou, em alternativa (sem conceder), deveria ter julgado improcedente a acusação, com a consequente absolvição do recorrente, em virtude de ter de ser considerada não provada a condição alegada no artº 8º da acusação.
Z. Ao decidir como decidiu, o Douto Tribunal "a quo" violou, entre outras do douto suprimento desse Venerando Tribunal, as normas estabelecidas no artº 21º, nº 1 e no artº 105º, nº 4, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, e no artº 68º, nº 1 do Código de Processo Penal
Nestes termos, e nos demais do douto suprimento desse Venerando Tribunal, deverá:
a) Ser o presente recurso admitido e ser ordenada a sua subida imediata, com efeito suspensivo do processo;
b) Ser conhecida e declarada a nulidade do douto despacho de fls.... (Ref. 377113089) — na parte em que ordenou a notificação do recorrente, pela AT, para os termos e com os efeitos do artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, sem que tenha conhecido prévia e necessariamente da prescrição do procedimento criminal; ou
c) Ser a douta decisão recorrida revogada e substituída por outra que, efectuando devida interpretação e aplicação dos artigos 21º, nº 1 do RGIT e 68º nº 1 do CPP, bem assim como do artº 105º, nº 4, alíneas a) e b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, decida pelo conhecimento da prescrição do procedimento criminal contra o recorrente.
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Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público pugnando pela improcedência do mesmo, formulando as seguintes conclusões:

1 – Por despacho judicial datado de 1 de Junho de 2018, foi julgada a irregularidade das notificações dirigidas aos arguidos FC , GA e DM , e, com vista à sua sanação, foi determinado que a administração fiscal procedesse à notificação urgente dos mencionados arguidos em nome pessoal (e não na qualidade de legais representantes da sociedade arguida), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias, por referência aos períodos 2009/06T, 2009/09T e 2010/09T, a que se reporta a acusação.
2 - Inconformado com esta decisão, dela veio o arguido FC  interpor recurso. O Tribunal a quo ao considerar que aquela notificação não tinha sido realizada, deveria ter optado por uma de duas alternativas: absolver os arguidos por não se encontrar verificada a condição daquela alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT, ou declarar a prescrição do procedimento criminal em virtude de o facto criminalmente punível só poder ser considerado praticado após transcorrido o prazo de 30 dias após a notificação em obediência à alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT, considerando que nem sequer deveria ter o arguido sido constituído como arguido, a qual não deve ser considerada válida.
3 - O recorrente considere que deve ser declarada a nulidade do despacho recorrido, ou pela sua revogação e substituição por outra que decida pelo conhecimento da prescrição do procedimento criminal contra o recorrente.
4 - Salvo o devido respeito, entendemos que a omissão daquela notificação pessoal ao arguido não tem os efeitos que o recorrente pugna.
5 - A notificação prevista na alínea b) do n.º 4 do RGIT não é um elemento do tipo. Este prazo é uma condição objectiva de punibilidade e consideramos que não impede o exercício da acção penal.
6 - Não vislumbramos a verificação de qualquer erro ou nulidade sobre o despacho recorrido.
7 - Tal como entendido pelo Ac. do Tribunal da Relação do Porto, datado de 26/02/2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt, “Uma vez que, entre nós, vigora o princípio da legalidade em matéria de nulidades, só constituem nulidades as expressamente previstas na lei, sendo todos os demais atos ilegais considerados meramente irregulares.
Se a regra é a do conhecimento das irregularidades a requerimento do interessado – do titular do interesse protegido pela norma violada, nos termos do artigo 123º, nº 1, Código de Processo Penal – é evidente que a mesma não foi arguida no prazo previsto na 2ª parte do mesmo preceito. No entanto, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado [6].
(…)
É, de resto, esta a posição defendida no já citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Maio de 2009, quando aí se expende: «A falta de notificação dos arguidos em nome pessoal, nos termos e para os efeitos do artigo 105º nº 4 al. b) do RGIT, constitui, em nosso entender, uma irregularidade. O Tribunal pode ordenar, oficiosamente, a reparação da irregularidade em causa, no momento em que da mesma tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado (cfr. Artigo 123°/2 do Código de Processo          Penal)».
(…)”
8 - Assim, salvo o devido respeito por entendimento diverso, a verificada omissão de notificação dos arguidos em nome pessoal, constitui uma mera irregularidade, que o Tribunal a quo podia conhecer e determinar a sua reparação.
9 - Deste modo, por nenhuma razão assistir ao arguido, ora recorrente, deverá o recurso por si interposto ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
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Nesta Relação, o Digno Procurador-geral Adjunto proferiu parecer no qual, subscrevendo os fundamentos da resposta do MºPº, pugna pela improcedencia do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
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No exame preliminar a que se refere o art. 417º do Código de Processo Penal, porque foi suscitada a questão da existência de uma causa extintiva do procedimento criminal que põe termo ao processo, a saber, a da prescrição, face à arguição da mesma pelo recorrente, o recurso deve ser julgado em conferência.
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2. De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
É objecto do presente recurso, averiguar se no caso concreto, o despacho que julgou a irregularidade das notificações dirigidas aos arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias, ao invés de determinar que a administração fiscal procedesse à notificação urgente dos mencionados arguidos em nome pessoal (com vista à sanação da irregularidade), deveria, como pretende o recorrente, absolver os arguidos por não se encontrar verificada a condição da alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT, ou declarar a prescrição do procedimento criminal.

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3. Nos presentes autos, o Ministério Público acusou, com data de 31/01/2017, para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, FC , GA , e DM , pela prática, em co-autoria material, de um crime continuado de abuso de confiança fiscal p.p. pelos Art.°s 6°, n.° 1, 7°, n.° 3 e 105°, n.° 1, 2, 4 e 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho), crime este que se imputa igualmente à sociedade H., S.A.
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O arguido FC requereu a abertura de instrução, alegando, em síntese, que se encontra prescrito o procedimento criminal no que à sua pessoa diz respeito, já que os factos imputados em último lugar têm data de Setembro de 2010 e apenas foi notificado da acusação em Fevereiro de 2017. Alegou também, não ter sido notificado nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4, al. b), do art.° 105º, do RGIT, pelo que não se mostram, ainda, verificadas as condições necessárias para instauração do presente procedimento criminal contra si. Alegou ainda o recorrente, que os factos referidos na acusação não integram o tipo de crime por que se encontra acusado, uma vez que da acusação não consta se as facturas relativas aos períodos em causa preenchem o montante de € 7.500,00 (a partir do qual o facto passa a constituir crime) e não consta que tais montantes tenham sido, efectivamente recebidos.
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Na decisão instrutória, proferida a 14 de Novembro de 2017, foi julgada improcedente a excepção deduzida, nos termos e fundamentos seguintes:
« Vem o arguido suscitar a excepção da prescrição do procedimento criminal.
Tendo em conta que os arguidos vêm acusados da prática de crime na forma continuada e que tal não mereceu contestação por parte do requerente da abertura da instrução, de acordo com o disposto os artigos 30º, n.° 2 e 119°, n.° 2, al. b), ambos do Código Penal, o prazo de prescrição conta-se desde o dia da prática do último acto.
Nos termos do disposto na conjugação do artigo 41º, n.° 1, al. b) do CIVA, com o art.° 105º, n.° 4, al, a) do RGIT, tendo em atenção que em causa estão as declarações trimestrais de apuramento de IVA, relativas ao períodos 06T de 2009, 09T de 2009 e 09T de 2010, a última declaração em causa deveria ter sido entregue até dia 15 de Novembro de 2010 (art.° 41°, n.° 1, al. b) do CIVA) pelo que a omissão do pagamento do imposto declarado, só foi punível a partir de 15 de Fevereiro de 2011 (art.° 105°, nº 4, al. a) do RGIT).
Começou, pois, em 15.02.2011 a correr o prazo prescricional que, nos termos do disposto no art.° 118°, n.º 1, al. c) do Código Penal, aplicável por força do disposto no art.° 105°, n.° 1, do RGIT, é de 5 anos.
O arguido foi constituído nessa qualidade em 23.04.2014 (cf. fls. 1684).
De acordo com o disposto no art.° 121°, n.° 1, al. a), do Código Penal, a constituição de arguido interrompe o prazo prescricional e, segundo o disposto no n.° 2 daquele diploma legal, "Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição”.
Ou seja, o prazo prescricional foi interrompido em 23.04.2014 e, a partir dali, começou a correr novo prazo de prescrição.
Logo, o presente procedimento não estava, como ainda não está, prescrito. Nestes termos, julgo improcedente, a excepção de prescrição deduzida pelo arguido.
Mais alega o arguido que não foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 105, n.° 4, do RGIT.
Resulta dos autos que o arguido foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 105°, n.° 4, do RGIT, em 06.12.2013 (cf. Fls. 6 - contados a partir de fls. 55), pelo que carece o alegado de qualquer justificação e, por isso e sem mais delongas, por desnecessárias, se julga improcedente, também quanto a este particular, a excepção deduzida».
 De seguida, foram os arguidos FC , GA  e DM , pronunciados, em co-autoria material, de factos susceptíveis de integrar o cometimento de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas do artigos 6º, n.°, 7°, n.° 3 e 105°, n.° 1, 2, 4 e 5, todos do RGIT (Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho) e pelos artigos 26° e 30°, ambos do Código Penal; e Hydrafarma — Produtos Farmacêuticos e Dermocosmética, S.A. por um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas do artigo artigos 7°, n.° 1 e 105°, n.° 1, 2, 4 e 5, ambos do RGIT (Lei nº 15/2001, de 5 de Junho) e pelos artigos 26° e 30°, ambos do Código Penal.  
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Os autos seguiram para julgamento, tendo o arguido FC , apresentado contestação escrita na qual defende que deve ser conhecida e declarada a prescrição do procedimento criminal contra o arguido, sendo, consequentemente, ordenado o arquivamento dos autos; ou caso assim não se entenda, ser a acusação, pelo menos no que se refere ao arguido FC , declarada totalmente improcedente, sendo este arguido absolvido do crime por que vem acusado.
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Por despacho judicial datado de 1 de Junho de 2018, foi julgada a irregularidade das notificações dirigidas aos arguidos FC , GA e DM , e, com vista à sua sanação, foi determinado que a administração fiscal procedesse à notificação urgente dos mencionados arguidos em nome pessoal (e não na qualidade de legais representantes da sociedade arguida), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias, por referência aos períodos 2009/06T, 2009/09T e 2010/09T, a que se reporta a acusação.
O despacho é do seguinte teor:

« Analisados os autos tendo em vista a prolação de sentença constata-se que, em consonância com o aduzido pela defesa, as notificações dirigidas aos arguidos FC, GA e DM nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.°, n.° 4, al. b), do Regime Geral das Infracções Tributárias o foram enquanto legais representantes da sociedade "H, S.A." e não enquanto responsáveis singulares pelos factos de que são acusados – cfr. fls. 2010 a 2013.
Ora, nesta sede a responsabilidade criminal do arguido não se confunde com a responsabilidade criminal da sociedade arguida. Daí que os legais representantes respondam, em seu nome pessoal, pelos actos descritos na acusação – neste sentido, veja-se, entre outros, os Acs. do TRP de 26/02/2014, proc. n.° 6319/11.8IDPRT.P1, e de 13/05/2009, proc. n.° 142/05.6IDPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.Pt.
Não é assim indiferente que os mencionados arguidos tenham sido notificados na qualidade de legais representantes e não também em nome pessoal. Ao serem apenas notificados naquela qualidade, o pagamento das quantias a que se reporta o citado preceito legal deveria ter sido feito pela sociedade arguida e não pelo próprio arguido.
É exactamente considerando a existência de responsabilidade criminal distinta entre a sociedade e os respectivos gerentes, que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 6/2008, publicado no Diário da República n° 94, Série 1, de 15/05/2008, menciona a obrigação de se efectuar uma notificação ao agente (do crime) e não uma notificação do devedor da prestação tributária em causa.
Por outro lado, a falta de notificação regular, nos termos e para os efeitos do artigo 105°, n°4, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, constitui uma irregularidade. Nestes termos, pode o Tribunal ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a reparação da irregularidade em causa, no momento em que da mesma tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado (cfr. artigo 123°, n.° 2 do Código de Processo Penal) – veja-se, a propósito, os citados arestos do TRP de 26/02/2014. proc. n.° 6319/1 L8IDPRT_Pl. e de 13/05/2009, proc. nº 142/05.61DPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
É certo que, já em sede de instrução, a questão havia sido suscitada pelo arguido FC, tendo o despacho de instrução desconsiderado a existência da suscitada irregularidade.
Sucede que tal não obsta a que neste momento se assuma posição distinta, posto que o juiz de julgamento não se encontra vinculado ou subordinado a tal entendimento.
É que, como se ponderou no Ac. do TRL de 07/04/2016 (proc. n.° 213/12.2TTLSB.Ll-9, acessível em www.dgsi.pt. ), "(...) da irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público na parte em que aprecie nulidades e outras questões prévias ou incidentais (segunda parte do n° 1 do artigo 310° do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n° 48/2007, de 29 de Agosto) só pode extrair-se, na falta de disposição expressa contrária, que sobre tal parte da decisão não se firma caso julgado. Ou seja, que se transfere para a fase de julgamento a apreciação de nulidades e outras questões prévias ou incidentais ainda que já tenham sido conhecidas na decisão instrutória proferida nos termos do n° 1 do artigo 310° do Código de Processo Penal (neste sentido, NUNO BRANDÃO, "A nova face da instrução", ponto 3.2, texto a publicar na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2008).".
Como refere Nuno Brandão ("A Nova Face da Instrução", publicado na RPCC, Ano 18. n.°s 2-3, Abril-setembro de 2008, págs. 239-240), cuja posição aqui acompanhamos de perto, "a decisão instrutória não forma caso julgado sobre questões que possam contender com a afirmação da responsabilidade penal do arguido em julgamento, como a amnistia do crime ou a prescrição do procedimento criminal, não só porque a decisão do juiz de instrução que se debruce sobre estas questões é irrecorrível e como tal não pode assumir carácter definitivo, como ainda porque a última palavra sobre essas questões, atenta a sua natureza, deve caber sempre ao juiz de julgamento (ou, eventualmente, de recurso). ".
Assim, julgo verificada a irregularidade das notificações dirigidas aos arguidos FC, GA e DM e, com vista à sua sanação, determino se solicite à administração fiscal que proceda à notificação URGENTE dos mencionados arguidos em seu NOME PESSOAL (e não na qualidade de legais representantes da sociedade arguida), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.° 4 do artigo 105.° do Regime Geral das Infracções Tributárias, por referência aos períodos 2009/O6T, 2009/09T e 2010/09T, a que se reporta a acusação.
Deverão os arguidos, caso efectuem o pagamento no indicado prazo, comprová-lo nos autos no mesmo prazo.
Caso a administração fiscal não junte aos autos o comprovativo da concretização das notificações determinadas no prazo máximo de 15 dias, insista.
Em decorrência do supra decidido, e porquanto, caso o pagamento seja efectuado, daí decorrerá a extinção do procedimento criminal, dá-se sem efeito a leitura de sentença agendada nos autos, oportunamente se designando nova data para o efeito, sendo caso disso.
Notifique, pela via mais expedita, de modo a obviar aos transtornos inerentes a deslocações inúteis a este Tribunal».
*
É deste despacho que recorre o arguido FC , alegando, em síntese, que a decisão recorrida erra ao não conhecer de imediato da prescrição do procedimento criminal, em face do não cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT. Erra igualmente ao enquadrar a omissão da notificação para aqueles efeitos como uma mera irregularidade, entendendo o recorrente que a notificação para os termos e efeitos da alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT é matéria alegada na acusação, como elemento objectivo essencial para a incriminação e desconsiderou a defesa apresentada pelo recorrente, no que se refere aos efeitos da omissão da realização daquela notificação. Considera o recorrente que, a decisão recorrida ao considerar que aquela notificação não tinha sido realizada, deveria ter optado por uma de duas alternativas: absolver os arguidos por não se encontrar verificada a condição daquela alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT, ou declarar a prescrição do procedimento criminal em virtude de o facto criminalmente punível só poder ser considerado praticado após transcorrido o prazo de 30 dias após a notificação em obediência à alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT, considerando que nem sequer deveria ter o arguido sido constituído como arguido, a qual não deve ser considerada válida. Pugna, assim, pela declaração de nulidade do despacho recorrido, ou pela sua revogação e substituição por outra que decida pelo conhecimento da prescrição do procedimento criminal contra o recorrente.

Vejamos:
Como resulta dos autos e é reconhecido pelo despacho recorrido, o arguido nunca foi devida e validamente notificado, em nome pessoal, para os efeitos do arte 105º, nº 4, alínea b) do RGIT - « Analisados os autos tendo em vista a prolação de sentença constata-se que, em consonância com o aduzido pela defesa, as notificações dirigidas aos arguidos FC , GA e DM  nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.°, n.° 4, al. b), do Regime Geral das Infracções Tributárias o foram enquanto legais representantes da sociedade "H, S.A." e não enquanto responsáveis singulares pelos factos de que são acusados – cfr. fls. 2010 a 2013».
Ora, não podem os arguidos ser objecto de procedimento criminal quando foram omitidos, pela autoridade administrativa competente e pelo Ministério Público, actos formais e materiais absolutamente essenciais e sem os quais (nomeadamente a condição de punibilidade prevista na sobredita norma do RGIT) não pode o processo prosseguir.
Como bem salienta o despacho recorrido, «(…) nesta sede a responsabilidade criminal do arguido não se confunde com a responsabilidade criminal da sociedade arguida. Daí que os legais representantes respondam, em seu nome pessoal, pelos actos descritos na acusação – neste sentido, veja-se, entre outros, os Acs. do TRP de 26/02/2014, proc. n.° 6319/11.8IDPRT.P1, e de 13/05/2009, proc. n.° 142/05.6IDPRT.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.Pt. ».
Nos termos do artº 105º nº 1 da Lei 15/2001, prevê-se expressamente que:
- “ Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.".
Sobre este tipo de crime, é manifesto que atenta a sua natureza omissiva, o mesmo se concretiza no momento da não entrega da prestação tributária.
Porém, o nº 4 do referido artº 105º prevê duas condições objectivas de punibilidade da conduta descrita no nº 1:
a) Os factos apenas são puníveis, se tiverem decorrido mais de 90 dias sobe o termo do prazo legal para de entrega da prestação (artº 105º nº 4 al. a);
b) Os factos descritos apenas constituem crime se a prestação comunicada à Autoridade Tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito (artº 105º nº 4 al. b).
Ora, considerando a norma do art° 105° do RGIT, teremos de concluir que comete o crime de abuso de confiança fiscal quem, estando legalmente obrigado a entregar à administração tributária prestação que, tendo recebido, tenha a obrigação legal de liquidar, de valor superior a € 7.500,00, omita, total ou parcialmente, tal entrega, desde que, cumulativamente, tenham decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação e a prestação comunicada à Administração Tributária não tenha sido paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
Portanto, antes que tenham decorrido aqueles 90 dias após a data em que deveria ter sido entregue a prestação tributária e antes que tenha sido efectuada notificação admonitória para que seja efectuada a entrega da prestação tributária, e após esta tenham decorridos 30 dias, não se encontram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo.
Antes de decorridos aqueles 90 dias, bem assim como antes de transcorrido o prazo de 30 dias após aquela notificação admonitória, estamos no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional. Até esse momento, não se verificam — não pode haver — suspeitas de prática de crime.
As suspeitas de prática de crime só podem ocorrer (isto é: só são legítimas e susceptíveis de fundamentar a constituição de arguido) a partir do momento em que se verificar que já decorreram 90 dias após a data em que o contribuinte devia ter entregado a prestação tributária (como previsto na alínea a) do nº 4 do artº 105º do RGIT), que foi realizada a notificação admonitória prevista na alínea b) do nº 4 do artº 105º do RGIT, e que já se encontra esgotado o prazo de 30 após tal notificação.
Na verdade, em termos sequenciais, e como bem salienta o recorrente, tudo se processa do modo seguinte:
1. O sujeito passivo declara, para um determinado período, IVA a pagar (que, para ser susceptível de ulterior procedimento criminal, terá de ser de valor superior a € 7.500,00), mas não dá cumprimento à obrigação de entrega.
2. Esta omissão dá origem à instauração automática de um processo de contraordenação fiscal, nos termos do art. 114.º do RGIT;
3. Decorridos 90 dias sobre a data limite do prazo legal de entrega da prestação, é efetuada ao devedor a notificação prevista na alínea b), do n.º 4, do art. 105.º do mesmo diploma (com a admonição de que se a entrega não ocorrer naquele prazo incorre em procedimento criminal);
4. Decorridos os 30 dias previstos naquela notificação, caso persista a falta de entrega da prestação tributária (do imposto, juros respetivos e do valor da coima aplicável), o processo contraordenacional converte-se em processo criminal.
 Compulsados os autos, verifica-se que o último dos factos imputados ao arguido reporta-se ao IVA referente ao mês de Setembro de 2010.
A acusação deduzida pelo Ministério Público, foi notificada ao arguido recorrente, em 11 de Fevereiro de 2017.
Mediaram, pois, entre estes dois factos, mais de 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses, pelo que – tomando-se em consideração que o prazo prescricional é de cinco anos – importa verificar se, e quando, ocorreram factos interruptivos da prescrição.
Para melhor se poder analisar esta questão, importa, desde logo, analisar o "Parecer" da Autoridade Tributária (AT), constante de fls. 1949 a 1979 dos presentes autos, no qual é referido pelo técnico instrutor do processo que, à data de 9 de Junho de 2016 encontrava-se "a decorrer o prazo, no que respeita ao cumprimento do disposto na alínea b) do nº 4 do art° 105º do RGIT, pelo que estes Serviços, terminado o prazo remeterão as respectivas notificações." (fls. 1951)
E a fls. 1985 consta a notificação remetida ao arguido FC  "NA QUALIDADE DE REPRESENTANTE LEGAL DA SOCIEDADE H, SA".'
Conforme consta de fls. 1988, esta notificação – remetida por via postal simples com prova de recepção –foi depositada no receptáculo postal do arguido no dia 8 de Julho de 2016.
Tendo estas notificações suscitado dúvidas à Digna Procuradora titular do Inquérito, esta questionou a AT (cfr. fls. 1994) no sentido de apurar quais eram os tributos que estariam em causa naquela notificação para efeitos da verificação da condição prevista no artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, ao que a AT respondeu em 13/10/2016 (cfr. fls. 1996) informando que foram "enviadas novas notificações".
Notificações, essas, remetidas naquela data de 13/10/2016, sendo a dirigida ao arguido "NA QUALIDADE DE REPRESENTANTE LEGAL DA SOCIEDADE H, SA" e, portanto, não em nome pessoal.
Em face do exposto, verifica-se que à data de 13/10/2016 ainda não se encontrava verificada a condição de punibilidade prevista no artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, porquanto o arguido FC  não foi notificado, em nome próprio, na qualidade de responsável subsidiário ou solidário, nos termos e para os efeitos do artº 105, nº 4, alínea b) do RGIT, ou seja, para, no prazo de 30 dias, pagar a prestação comunicada à Autoridade Tributária, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável.
E, como bem salienta o recorrente, não tem a Mmª Juiz de Instrução Criminal qualquer razão quando refere que o arguido teria sido notificado para os efeitos do artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, em 06.12.2013, porquanto inexiste qualquer evidência de que essa notificação tenha sido efectivamente remetida ao arguido, inexistindo, também, qualquer comprovativo da respectiva recepção, visto que  a fls. 6 (contados a partir de fls. 55), consta um "print" de uma pretensa notificação dirigida ao arguido, mas, porém, não se encontra junto ao processo o respectivo comprovativo de registo postal e o correspondente aviso de recepção assinado pelo destinatário, sendo certo que naquela data as notificações dirigidas ao arguido deveriam ser realizadas por carta registada por aviso de recepção, já que o mesmo só viria a ser constituído arguido em 23/04/2014.
Aliás, a Digna Magistrada do MP, que dirigiu o inquérito, bem constatou que a referida notificação do arguido, para os termos do artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT não havia sido devidamente realizada, pelo que ordenou nos termos constantes de fls. 1994, estando, então, ciente de que, naquela data, ainda não havia sido realizada aquela notificação (que, aliás, a AT informava, no dia 13/10/2016, ter finalmente realizado – embora, como bem se referiu, apenas na qualidade de "legal representante da sociedade" aqui também arguida).
Ora, como é consabido, constitui Jurisprudência pacífica e constante o entendimento de que "Sendo arguidos a sociedade e o gerente, a notificação deste, na qualidade de representante legal daquela, para o efeito previsto no art. 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, não dispensa a mesma notificação em seu nome pessoal, pois são diversas as qualidades em que intervém no processo."(Cfr. Ac. do TRP, de 13.05.2009, Proc. nº 142/05.61DPRT.P1-1, in www.dgsi.pt. )
Constatando o Tribunal "a quo" que nunca foi realizada a notificação dos arguidos, julgou verificada a "irregularidade das notificações aos arguidos FC  (...) e, com vista à sua sanação" determinou que se oficie à "administração fiscal (para) que proceda à notificação URGENTE dos mencionados arguidos em seu NOME PESSOAL (e não na qualidade de legais representantes da sociedade arguida), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n° 4 do artigo 1052 do Regime Geral das Infracções Tributárias, por referência aos períodos 2009/06T, 2009/09T e 2010/09T, a que se reporta a acusação."
O recorrente discorda deste despacho por entender que, tendo o Tribunal "a quo" verificado que, afinal, nunca foi realizada a notificação dos arguidos, não poderia limitar-se a ordenar a notificação, sem curar de verificar o tempo que transcorreu desde o dia em que se mostrou decorrido o prazo de 90 dias previsto na alínea a) do nº 4 do artº 105º do RGIT, devendo ter declarado que inexistindo condições para a instauração do procedimento criminal contra o recorrente, tal procedimento já não poderá vir a ser instaurado (nem, muito menos prosseguir), devendo conhecer de imediato da prescrição do procedimento criminal, por há muito se encontrar integralmente transcorrido o prazo prescricional de 5 anos, previsto no arte 21º, nº 1 do RGIT., em face do não cumprimento do disposto naquela alínea b) do nº 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

Quanto a esta questão deverá ponderar-se no seguinte:  

É verdade que nos termos do artº 123º nº 1 do cód. proc. penal a irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar, quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos 3 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
No entanto, não podemos esquecer o que se consagra no nº 2 do mesmo artigo, “pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado” – Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, volume II, 5ª edição, página 131, refere: “Parece que há que distinguir entre a validade do acto e o seu valor; o acto será válido se a irregularidade não for declarada, mas pode não ter valor, designadamente por não poder produzir os efeitos a que se destinava”.
Assim, a irregularidade, quando afecte o valor do acto, poderá ser suprida a todo o tempo, pelo que, ainda que não seja arguida, pode ser reparada oficiosamente ou mandada reparar pela autoridade judiciária competente para tal acto, enquanto mantiver o domínio dessa fase do processo.
Quanto a nós, o Tribunal “a quo” podia, como fez, reparar essa irregularidade com base no disposto no nº 2 do artº 123º do cód. proc. penal, ordenando uma nova notificação, visto que a omissão dessa notificação constitui uma irregularidade de conhecimento oficioso, por afectar o valor do acto praticado (e por isso, não se pode ter como sanada), susceptível de constituir fundamento para recurso da sentença – Cfr. Ac. TRP de 26.02.2014, disponível em www.dgsi.pt.
No caso concreto, como vimos, estamos perante uma omissão total da notificação, e o caminho a seguir seria a de o tribunal a quo determinar que a administração fiscal procedesse à notificação dos arguidos em seu NOME PESSOAL (e não na qualidade de legais representantes da sociedade arguida), nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n° 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias, como, aliás, foi determinado.
Porém, “Todas as ilegalidades cometidas no processo penal podem ser irregularidades (princípio da atipicidade da irregularidade). Mas nem todas as ilegalidades cometidas no processo penal são irregularidades: só são relevantes as irregularidades que possam afectar o valor do acto praticado (princípio da relevância material da irregularidade). […] Portanto, se for cometida uma irregularidade que não possa afectar o valor do acto praticado, não se verifica o vício previsto no artº 123º, isto é, a ilegalidade do ato é inócua e juridicamente irrelevante” - cfr. Prof. P. Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edª. atualizada, anotação ao artº 123º, págs. 310 e segs.
Assim, a posição mais correcta parece-nos ser a defendida pelo recorrente visto que, a decisão recorrida, ao invés de conhecer de imediato da prescrição do procedimento criminal, em face do não cumprimento, até àquela data, do disposto naquela alínea b) do nº 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), optou por ordenar uma notificação que se reportava a uma conduta relativamente à qual, há muito, se encontra integralmente transcorrido o prazo prescricional de 5 anos, previsto no arte 21º, nº 1 do RGIT.
Com efeito, in casu o último momento a tomar em consideração (para os termos do artº 105º do RGIT) é o dia em que se mostraram transcorridos 90 dias desde a data em que cada uma das prestações tributárias deveria ter sido voluntariamente entregue pelo sujeito passivo à AT.
Daí que a putativa constituição de arguido (ocorrida em 2014) não pode considerar-se válida, nem que tenha produzido quaisquer efeitos, pois à data em que a mesma foi realizada (pela própria AT, note-se, que não realizou os actos de notificação e andou a "gerir", de forma manifestamente negligente o processo), ainda não estavam preenchidos todos os elementos do tipo de crime, nem as condições de punibilidade da conduta incriminada.
E como supra se referiu, a devida e correcta interpretação do artº 105º do RGIT, mormente das alíneas a) e b) do seu número 4, impõe que se deva entender que a mera não entrega das prestações tributárias (in casu referente a IVA) não é crime, mesmo que passem 90, 100 ou 1000 dias. A ocorrência de crime (ou melhor, a verificação dos elementos subjectivos e objectivos do tipo e as condições de punibilidade) só se pode verificar após a notificação da Administração Tributária para "pagar" a dívida e a sua violação por parte do contribuinte no de 30 dias concedido para o efeito.
Antes de transcorrido esse prazo de 30 dias (já após o decurso do anterior período de 90 dias e realizada que tenha sido a sobredita notificação) estaremos perante de condutas que persistem ilícitas e sancionadas, mas exclusivamente no âmbito da responsabilidade contraordenacional.
No caso presente, e com acima foi já referido, verifica-se que o último dos factos imputados ao arguido reporta-se ao IVA referente ao mês de Setembro de 2010 e a acusação deduzida pelo Ministério Público, foi notificada ao arguido em 11 de Fevereiro de 2017, sendo, pois, manifestamente evidente que à data de 13/10/2016 ainda não se encontrava (aliás, como ainda não se encontrava na data em que foi proferido o despacho recorrrido) verificada a condição de punibilidade prevista no artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, não estando, assim reunidas as condições para a instauração do procedimento criminal e, sendo certo que entre aqueles dois factos, mediaram mais de 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses, encontrava-se, há muito (desde Novembro de 2015), prescrito o procedimento criminal contra o arguido.
Assim, e face à omissão de notificação do recorrente para os termos e para os efeitos do disposto no artº 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, não deveria a Mmª Juiz "a quo" ordenar tal notificação dos arguidos, por constituir um acto inútil, uma vez que, inexistindo condições para a instauração do procedimento criminal contra o recorrente, tal procedimento já não poderia vir a ser instaurado (nem, muito menos prosseguir), porquanto o prazo prescricional (de 5 anos, nos termos do disposto no nº1 do artº 21º do RGIT2) correu, ininterruptamente, desde, pelo menos, Setembro de 2010.
Termos em que, com fundamento na prescrição do procedimento criminal, deverá este ser considerado extinto e, consequentemente, ser ordenado o arquivamento dos autos no que se refere ao arguido FC .
Esta prescrição aproveita aos restantes arguidos, nomeadamente por força do artigo 402º, nº 2, alínea a), do CPP e determina a extinção do procedimento criminal quanto aos mesmos.
*
4. Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes que compõem a Secção Criminal (5ª) deste Tribunal, em julgar procedente o recurso e revogar o despacho recorrido, declarando extinto, por efeito da prescrição, o procedimento criminal contra o recorrente FC  e contra os arguidos GA , e DM , pelo crime continuado de abuso de confiança fiscal p.p. pelos art.°s 6°, n.° 1, 7°, n.° 3 e 105°, n.° 1, 2, 4 e 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho), ordenando, em consequência, o arquivamento dos presentes autos.
Sem tributação.  
 
Lisboa, 11 de Dezembro de 2018

Cid Geraldo

Ana Sebastião