Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6989/13.2TBALM-B.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
SEGURANÇA SOCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-Em face da especial natureza do processo relativo à concessão do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a decisão judicial que, decidindo a respetiva impugnação judicial, manteve a decisão da Segurança Social que indeferiu a pretensão do requerente em virtude deste não ter apresentado um determinado documento sem o qual não poderia aferir-se da alegada insuficiência económica, não obsta, por ofensa de caso julgado, à decisão de uma outra impugnação judicial similar em que foram, em concreto, avaliados pela administração os meios de prova oferecidos e deles se retirou a conclusão de que, designadamente, o requerente não comprovou a situação de insuficiência económica “uma vez que beneficia da atividade em curso de uma sociedade comercial com proveitos fiscalmente declarados”;
II-Tendo o requerente solicitado junto da Segurança Social a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, indicando como finalidade desse pedido a propositura de ação judicial e, quanto à oportunidade do mesmo, que era “apresentado antes da primeira intervenção processual do requerente”, não pode apreciar-se a impugnação judicial da decisão de indeferimento da administração se, quando tal pedido foi formulado, a ação, contra o que se referia no requerimento respetivo, já se mostrava por aquele instaurada.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


Veio Fernando ... ... dos ... G… interpor recurso da decisão proferida em 7.1.2016 que rejeitou o recurso de impugnação do indeferimento da concessão do pedido de apoio judiciário pelo Instituto de Segurança Social, IP, com o fundamento de que “sob pena de violação do caso julgado, não pode este Tribunal voltar a apreciar a decisão da Segurança Social de que ora se recorre”.

Apresenta alegações que culmina com as conclusões a seguir transcritas:

I.Com referência aos autos principais de que o atinente é apenso, na sequência de decisões do ISS de indeferimento da concessão de apoio judiciário, as mesmas deram origem aos apensos de impugnação 6989/13.2TBALM-B e 6989/13.2TBALM-C.
II.Quanto a estes pedidos de apoio judiciário já o Mmo. Juiz a quo proferiu decisão, a fls… do processo principal, concedendo, ao Recorrente e cônjuge, apoio judiciário.
III.Os serviços de segurança social de Setúbal vieram entretanto, e sem qualquer base fáctica e legal, a produzir decisão de indeferimento de apoio judiciário do recorrente marido e de sua mulher.
IV.Decisões que se impugnaram nos presentes autos, apensos B e C, como outras iguais noutros processos de pedido de apoio judiciário, também impugnadas.
V.O Mmo. Juiz a quo, no âmbito do apenso 6989/13.2TBALM-B, manteve a decisão da segurança social que originou o presente apenso de impugnação, com fundamento "...sob pena de violação do caso julgado, não pode este tribunal voltar a apreciar a decisão da segurança social de que ora se recorre." ,
VI.Contudo, a decisão de que se recorre no âmbito do 6989/13.2TBALMB, não foi efectivamente apreciada pelo Mmo. Juiz neste apenso, mas apenas no C.
VII.Decisão igual da segurança social foi apreciada noutros processos de impugnação - cfr. sentenças de fls..., novamente juntas, e revogaram as decisões da segurança social e concederam apoio judiciário ao recorrente marido e sua mulher.
VIII.In casu, o Tribunal a quo apreciou a decisão do ISS – Centro Distrital de Setúbal, no âmbito do apenso 6989/13.2TBALM-C igual à impugnada no atinente apenso, concluindo o Mmo. Juiz a quo pela insuficiência económica do agregado familiar da mulher do recorrente marido e produziu sentença revogatória da decisão da segurança social e concedeu apoio judiciário na modalidade requerida.
IX.A decisão administrativa que concede ou denega o apoio judiciário não forma caso julgado ou decidido e, consequentemente, indeferido o pedido de apoio, é legalmente admissível a repetição do pedido, ainda que para o futuro.
X.Assim, sendo legalmente admissível a repetição do pedido, o qual, aliás, existiu para mais processos judiciais e deu origem a diversas decisões dos serviços da segurança social, é imperativo legal que, sindicada que foi judicialmente a decisão dos serviços da segurança social, seja analisado o atinente recurso de impugnação.
XI.No caso sub judice a decisão de indeferimento proferida pelo ISS – Centro Distrital de Setúbal, é fundamentada no facto de o Recorrente ser sócio e membro dos órgãos estatutários da Sociedade ... ..., Consultores Lda, que se encontra activa em sede de IVA e IRC e que esta empresa nos anos de 2012 e 2013 teve proveitos, respetivamente, de 32.474,70€ e 13.788,82€, sem que, no entanto, fossem considerados os custos inerentes à prestação de serviços.
XII.Situação devidamente esclarecida pelo Recorrente em sede de audiência prévia. Contudo,
XIII.O ISS – Centro Distrital de Setúbal, recusou-se a efectuar uma apreciação casuística e prudencial da documentação e das circunstâncias invocadas pelo Recorrente, que revelam manifestamente a existência de uma situação de carência económica,
XIV.Tanto assim é que, com base no mesmo fundamento, o Recorrente impugnou outras decisões iguais à na origem dos presentes autos de impugnação, que haviam sido de indeferimento proferidas pelo ISS – Centro Distrital de Setúbal, e que após terem sido devidamente apreciados, por Magistrados Judiciais, os fundamentos e a prova junta, mereceram decisão de concessão de apoio judiciário. 

XV.Vejamos as decisões:
XVI.No âmbito do processo n.º 89402/14.0YIPRT-A, que correu termos na Comarca de Lisboa - Lisboa - Instância Local - Secção Cível – J21, conclui o Mmo. Juiz:
XVII.“No que se reporta à sociedade comercial “... ... – Consultores, Lda” o resultado dos documentos aponta para a inexistência de dividendos a dividir com o Requerente/Recorrente na sua qualidade de sócio.” “A ser assim, considerando os rendimentos apurados do agregado familiar, bem como da sua composição, o Tribunal conclui pela existência de uma situação – pontual – de insuficiência económica.” “(…) o Tribunal julga procedente a presente impugnação e, em consequência, revoga a decisão proferida pela Segurança Social, no âmbito do Apoio Judiciário, concedendo ao Requerente/Recorrente FERNANDO ... ... DOS ... ... o beneficio do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.”
XVIII.No   processo   n.º 133719/13.0YIPRT-A   e   Processo n.º 133719/13.0YIPRT-B que correm termos na Comarca de Lisboa – Almada - Instância Local - Secção Cível – J1, a decisão da MM.ª Juiz de Direito foi no sentido de que: “É verdade que o recorrente é sócio da Sociedade ... ...-Consultores Lda e que esta empresa nos anos de 2012 e 2013 teve proveitos, respetivamente, de 32.474,70€ e 13.788,82€. Contudo, não se levou em conta que os custos associados à atividade da empresa, nos anos em causa, superaram o valor dos proveitos, do que resultou não ter havido lucro, não tendo a sociedade gerado lucros, não pode o aqui recorrente ter obtido dividendos na qualidade de sócio.

XIX.Processo Judicial nº 2019/13.2TJLSB-B, que corre termos na Comarca de Lisboa - Lisboa - Inst. Local - Secção Cível - J17, o MM.º Juiz, no que à sociedade ... ..., Lda., tange diz o seguinte: 
XX.“(…) sobre a sociedade comercial “... ..., Consultores, Lda”, de que a I. e marido são titulares da totalidade do capital, valor de € 5.000,00, evidencia que os proveitos da mesma em 2012 e 2013, somaram cerca de € 46.000,00, que não impediram que acumulasse no final do segundo exercício resultados transitados negativos de € 21.589,92, ou doutra forma não houve distribuição de dividendos aos sócios(…) 

XXI.Entendeu ainda o MM.º Juiz:
XXII.“Então, como decisivos para a valoração da condição económica da Impugnante, temos (alínea Q) que no ano de 2014 o rendimento da mesma e marido foi globalmente de € 5.700,00 (ou € 475 X 12 meses), e na data do requerimento de apoio judiciário a I. estava em situação de desemprego, não se provando a existência de depósitos bancários.
XXIII.Neste quadro, e considerando que o que resulta provado na alínea R), de que o rendimento mensal da I. para efeitos de protecção jurídica (cfr Anexo da supracitada Lei nº 34/2004) é no valor de € 85,20, correspondente a 0,17 I.A.S., ou seja inferior a três quartos do I.A.S., e portanto (art.8º-A. 1 a) da Lei nº34/2004) haverá de ser deferido o benefício requerido, revogando-se a decisão impugnada.”
XXIV.Na sentença proferida no âmbito do processo de impugnação n.º 7236/15.8T8STB, que correu termos na Comarca de Setúbal – Setúbal – Instância Local, o Mmo. Juiz, conclui:
XXV.“Acresce que os factos em a Segurança Social baseia a sua decisão de indeferimento, não é um facto concreto, pois a aptidão para gerar lucros é refutada com os documentos contabilísticos constantes dos autos, os quais espelham a ausência de lucros da sociedade comercial de que o requerente e esposa fazem parte. Face a tudo o que se deixou exposto, sem necessidade de mais considerandos, não podemos deixar de concluir que é de julgar procedente o presente recurso.”

XXVI.Na sentença proferida no âmbito do processo de impugnação n.º 2754/14.8T8STB-A, que correu termos na Comarca de Setúbal – Setúbal – Instância Central – Secção de Execução – J1, o Mmo. Juiz conclui:
XXVII.“No entanto, tal como resulta dos autos, a sociedade em causa tem sucessivamente apresentado prejuízos, tanto nos anos acima referidos como no ano de 2014, tal como resulta dos autos, não se vendo por isso como é que se pode invocar aquele facto para se sustentar que o recorrente tem condições económicas para custear as despesas do processo judicial. De outra sorte, o facto de o recorrente ser titular de imóveis não significa que daí lhe advenha liquidez que permita fazer face a tais despesas, até porque os imóveis em causa estão onerados com hipotecas que dificultam a sua rentabilização e eventual alienação.” “Por tudo o exposto, dando-se provimento ao recurso de impugnação (….), revoga-se a decisão recorrida e, consequentemente, concede-se ao recorrente o beneficio do apoio judiciário(…)”

XXVIII.Repita-se ainda, que este fundamento foi já apreciado pelo Mmo. Juiz a quo no âmbito do apenso 6989/13.2TBALM-C, cujo Requerente é cônjuge do aqui Recorrente, e que ali mereceu despacho de revogação, havendo o Mmo. Juíza quo proferido despacho de concessão de apoio judiciário, conforme se transcreve:

XXIX.“É verdade que a recorrente é sócia da Sociedade ... ...-Consultores Lda e que esta empresa nos anos de 2012 e 2013 teve proveitos, respetivamente, de 32.474,70€ e 13.788,82€. Contudo, não se levou em conta que os custos associados à atividade da empresa, nos anos em causa, superaram o valor dos proveitos, do que resultou não ter havido lucro, não tendo a sociedade gerado lucros, não pode a aqui recorrente ter obtido dividendos na qualidade de sócia.
XXX.Finalmente, se é certo que a requerente é titular de imóveis de valor patrimonial avultado, também não é de menosprezar que tal património se encontra onerado com hipotecas, também elas de valor muito significativo, como comprovam os documentos de fls. 270 e segs, o que torna difícil a sua rentabilização e eventual alienação.” (…) “Pelo exposto, julgo procedente, por provado o presente recurso e, consequentemente, revogo a decisão do Instituto da Segurança Social- Centro Distrital da Segurança Social de Setúbal e concedo à recorrente o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.”
XXXI.Conforme supra exposto, o Mmo. juiz a quo ao revogar o apoio judiciário tacitamente deferido, com base em decisão dos serviços de segurança social que indeferiu o apoio judiciário requerido e tacitamente concedido, produziu decisão contra caso julgado - as 5 sentenças supra citadas e já juntas aos autos, além da manifesta contradição/conflito com a sua decisão de fls... que concedeu apoio judiciário à Mulher do recorrente marido.
XXXII. É o Mmo juiz a quo, pois, que fere o caso julgado e não o recorrente marido com o atinente recurso de impugnação.
XXXIII.Efectivamente, o efeito do caso julgado opera sobre a decisão, que não deve ser repetida ou contraditada.
XXXIV.Sendo essa motivação e valoração das provas, melhor dizendo, a não valoração das provas pelo ISS- Centro Distrital de Setúbal, que foi impugnada pelo Recorrente marido no presente apenso inexiste caso julgado desfavorável ao recorrente marido.
XXXV.Veja-se quanto a esta temática o acórdão da Relação de Coimbra, no processo 139/04.3TBSVV.C1.S1 - 7.ª Secção, de 17-01-2013, disponível em www.dgsi.pt: “O caso julgado formal consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser alterada ou impugnada por esta via, não obstando a que a matéria da decisão seja diversamente apreciada em novo processo ou por outro tribunal, uma vez que incide sobre a relação processual e dentro do processo.”
XXXVI.E ainda que assim se entendesse, é legítimo corrigir erros, veja-se “Quanto mais evolui a consciência jurídica dum povo culto, mais se difunde a convicção de que é legítimo corrigir erros, cobertos embora pelo prestígio do caso julgado, mas que não devem subsistir, porque a sua irrevogabilidade corresponderia a um dano social maior do que a limitação feita ao mítico princípio da intangibilidade do caso julgado”.
XXXVII.Como tal, havendo impugnação, e na medida em que, por impulso do recorrente marido, o Tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre o indeferimento do pedido, o Tribunal a quo não se pode confinar ao decidido pela Administração e alegando caso julgado teria, isso, sim de seguir a exegese interpretativa dos outros cinco Tribunais que revogaram a decisão de não concessão de apoio judiciário.
XXXVIII.Além do mais, a manter-se a decisão recorrida é violado o direito do recorrente a obter dos tribunais a tutela efectiva dos seus direitos, constitucionalmente consagrado no art. 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
XXXIX.Termos em que se Requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores, colhida que seja a argumentação expendida, a revogação da douta decisão por a mesma ser ofensiva do caso julgado e/ou por ela própria configurar um crime de denegação de justiça e/ou um crime de abuso de poder, e em consequência produzam acórdão revogatório da sentença que manteve a decisão administrativa de indeferimento.”

Não se mostram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***

II-Fundamentos de Facto:
Com interesse para a decisão do presente recurso, e em face dos elementos disponíveis, considera-se assente que:

1)Fernando ... ... dos ... ... e Ana Rita ... ... ... interpuseram ação de processo comum contra Via Directa-Companhia de Seguros, S.A., a que corresponde o processo com o nº 6989/13.2TBALM;
2)Em 7.1.2014, Fernando ... ... dos ... ... requereu, junto da Segurança Social, o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, assinalando, com uma cruz nos quadrados para tanto existentes no requerimento respetivo, constituir a finalidade do pedido “Propor ação judicial”, com o valor de € 24.000,00, e, quanto à oportunidade do pedido, que era “apresentado antes da primeira intervenção processual do requerente” (cfr. fls. 35 a 38 do Apenso-A);
3)Tal pretensão foi indeferida por aqueles serviços da Segurança Social, em 29.5.2014, por se entender que o requerente, ao não juntar documentos (não juntou documento referente à sociedade ... ...-Consultores, Lda, da qual é membro de órgão estatutário) nem prestar esclarecimentos que lhe haviam sido solicitados (quanto aos imóveis de que é proprietário), não permitiu aferir da insuficiência económica do agregado familiar cuja prova lhe cabia (cfr. fls. 77/78 do Apenso-A);
4)O requerente impugnou judicialmente tal decisão, sendo o recurso julgado improcedente em 1ª instância por decisão de 23.10.2014, a fls. 92/93 do Apenso-A, com o fundamento de que se mostrava relevante a omissão de junção de documentos relacionados com a sociedade ... ...-Consultores, Lda, “já que o estatuto de que o recorrente dispõe na aludida sociedade por quotas (sócio?/ sócio-gerente? gerente?) não é indiferente para apurar se o mesmo beneficia de rendimentos daquele estatuto (salário; lucros), bem como o montante global de tais rendimentos. Sem tal apuramento, não se pode aferir se o recorrente se encontra impossibilitado de suportar os custos deste pleito. Face ao exposto, entendemos que se justifica a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade pretendida pelo recorrente.”;

5)Em 16.7.2014, formulou o requerente novo pedido junto da Segurança Social, para obtenção do benefício do apoio judiciário na mesma modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, assinalando, uma vez mais, com uma cruz nos quadrados para tanto existentes no requerimento respetivo, constituir a finalidade do pedido “Propor ação judicial”, no valor de € 24.000,00, e, quanto à oportunidade do pedido, que era “apresentado antes da primeira intervenção processual do requerente”, mais esclarecendo que pretendia instaurar ação declarativa de condenação contra Via Directa-Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A. (cfr. fls. 2 a 5 destes autos a que se referem as indicações seguintes, salvo menção em contrário);
6)Ao mesmo processo foi atribuído o nº 159264/2014 pela Segurança Social de Setúbal;
7)Estando em causa diversos pedidos idênticos do mesmo requerente junto daqueles serviços da Segurança Social, ordenou esta entidade, em 22.12.2014, a junção de determinados comprovativos respeitante a todos eles, devendo ainda esclarecer-se quanto à oportunidade do pedido “para as acções em curso, os requerentes terão de comprovar que requereram apoio judiciário antes da primeira intervenção processual; caso tenham requerido após, terão de comprovar que a situação de insuficiência económica ocorreu posteriormente a essa intervenção” (cfr. fls. 65/66);
8)Respondeu o requerente, a fls. 67 a 71, juntando diversa documentação e assinalando que, em qualquer caso, se formara o ato tácito de deferimento da pretensão;
9)Tal pretensão, no que respeita à propositura da ação contra Via Directa-Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A., foi indeferida por aqueles serviços da Segurança Social, em 24.2.2015, por se entender que o requerente não fez prova bastante, como lhe cabia, da insuficiência económica do agregado familiar e que “é válido o indeferimento expresso de anterior ato tácito de deferimento” (cfr. fls. 137/138);
10)Veio o requerente impugnar judicialmente tal decisão, em 17.3.2015, sustentando, no essencial, que procedeu à junção dos elementos solicitados e que foi feita errada apreciação da sua condição económica que é de manifesta insuficiência;
11)O processo foi reanalisado pela Segurança Social;
12)Com relação ao mesmo processo nº 159264/2014 e no que respeita à propositura da ação cível, foi indeferida a pretensão, em 1.7.2015 (cfr. fls. 206 e 206 verso);
13)O requerente impugnou judicialmente esta decisão, em 18.7.2015, nos precisos termos referidos em 10);
14)Em 26.8.2015, o serviço da Segurança Social manteve o decidido, considerando que o requerente não comprovou a situação de insuficiência económica “uma vez que beneficia da atividade em curso de uma sociedade comercial com proveitos fiscalmente declarados” e que a decisão expressa da administração revoga o ato tácito (cfr. fls. 245 a 247);

15)Remetido o processo administrativo ao tribunal, foi aí proferida, em 7.1.2016, a seguinte decisão:

“Respeitam os presentes autos a recurso de impugnação de decisão da Segurança Social, que indeferiu o pedido de apoio judiciário formulado pelo recorrente Fernando ....
O pedido de apoio judiciário destinava-se a obter o benefício da isenção do pagamento de encargos e custas no âmbito da ação declarativa que o recorrente intentou contra a seguradora Via Directa-Companhia de Seguros, SA.
Estes autos encontram-se apensados à ação declarativa 6989/13.2TBALM, a qual foi instaurada em 16/12/2013.
O ora recorrente, a avaliar pelos elementos que constam dos autos, formulou dois pedidos de apoio judiciário para a mesma ação: o que ora se aprecia, e que deu entrada na Segurança Social em 16/7/2014; e um outro, que deu entrada na Segurança Social em 7/1/2014, o qual, após indeferimento, teve recurso por parte do autor, processualmente deu origem ao apenso 6989/13.2TBALM-A e tal recurso mereceu a decisão que consta de fls. 92 a 94, a qual já transitou em julgado.
Se compulsarmos os dois pedidos em causa, designadamente o teor dos requerimentos que estão na origem dos mesmos e documentos que os instruem, constatamos que o recorrente pretende a apreciação da mesma realidade sócio económica que o envolve a si e ao seu agregado familiar e, tendo já havido uma pronuncia judicial sobre tal questão (no âmbito do apenso 6989/13.2TBALM-A ), sob pena de violação do caso julgado, não pode este Tribunal voltar a apreciar a decisão da Segurança Social de que ora se recorre.
Pelo exposto, rejeito o recurso formulado por Fernando ....
Sem custas. (…)”.

16)A decisão foi mantida a fls. 268, depois de pedido de aclaração e correção formulado pelo requerente;
17)Sendo a mesma objeto do presente recurso;
18)O Apenso-C respeita à impugnação judicial de decisão de indeferimento, pela Segurança Social, do pedido de apoio judiciário formulado por Ana Rita ... ... ..., na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, que julgou, em 21.1.2016, procedente o recurso e revogou a decisão administrativa, concedendo àquela requerente o benefício solicitado;
19)Por despacho de 6.2.2015, proferido a fls. 154 do processo principal nº 6989/13.2TBALM, o tribunal, corrigindo decisão anterior e considerando que havia um segundo pedido de apoio judiciário formulado pelos autores em 16.7.2014 e ainda não decidido pela Segurança Social, julgou “tacitamente deferido o apoio judiciário peticionado pelos autores”.
20)No âmbito de outros quatro processos judiciais, foi julgado procedente o recurso de impugnação judicial interposto pelo requerente de decisão de indeferimento, pela Segurança Social, do pedido de apoio judiciário formulado na mesma modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
                                  ***
III-
Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Compulsadas as conclusões supra transcritas, cumpre averiguar:
-da verificação do caso julgado (contradição de julgados com relação à decisão proferida a fls. 154 do processo principal, com relação à decisão proferida no Apenso-A, à proferida no Apenso-C e às demais decisões similares proferidas noutros processos relativamente ao requerente);
-da violação do art. 20 da Constituição da República Portuguesa.

A)Da verificação do caso julgado:
O apelante argumenta que a decisão proferida nestes autos contraria uma outra já proferida no processo principal a reconhecer tacitamente deferido o apoio judiciário peticionado pelos ali AA.. Mais refere que no Apenso-C foi julgado procedente o recurso de impugnação judicial do indeferimento, pela Segurança Social, do pedido de apoio judiciário formulado por Ana Rita ... ... ..., na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, concedendo àquela requerente o benefício solicitado. Diz, ainda, que a decisão administrativa não faz caso julgado, sendo admissível a repetição do pedido, ainda que para futuro. Invoca várias decisões judiciais, proferidas no âmbito de outros processos, em que veio a ser revogado o indeferimento pela Segurança Social do apoio judiciário e concedido, quer ao requerente quer ao seu cônjuge, o benefício requerido. Conclui que é a decisão proferida que ofende o caso julgado.

No despacho recorrido, como vimos, rejeitou-se a apreciação do recurso com o fundamento de que a pretensão do requerente já fora apreciada, com trânsito em julgado, no Apenso-A, visto que o requerente formulara dois pedidos de apoio judiciário para a mesma ação, estando em causa a apreciação da mesma realidade sócio económica que o envolve e ao respetivo agregado familiar .

Vejamos.

Diga-se, em primeiro lugar, que a diversidade de pedidos de apoio judiciário formulados, aliás individualmente, pelo ora recorrente e pelo seu cônjuge junto da Segurança Social, criaram natural disparidade na instrução dos processos que poderiam, à partida e em tese, justificar decisões diferentes por parte daquela entidade, com relação aos diferentes requerentes e no âmbito de processos distintos.

O segundo aspeto a realçar é que o presente recurso apenas pode compreender-se na perspetiva da admissão ou rejeição da impugnação judicial, pois, como sabemos, a decisão do tribunal que aprecie tal impugnação é irrecorrível, de acordo com o disposto no nº 5 do art. 28 da Lei nº nº 34/2004, de 29.7.

Em todo o caso, cumpre salientar que a questão do “caso julgado” não pode colocar-se aqui relativamente às diversas decisões da Segurança Social mas apenas com relação às decisões judiciais entretanto proferidas. E essas decisões serão, em última análise, as respeitantes ao requerente Fernando ... ... dos ... ... no Apenso-A, em 23.10.2014 (que julgou improcedente o recurso de impugnação e manteve o indeferimento do pedido de apoio formulado em 7.1.2014), e a depois proferida a fls. 154 do processo principal, em 6.2.2015, que, considerando estar em causa um segundo pedido apresentado na Segurança Social em 16.7.2014, julgou “tacitamente deferido o apoio judiciário peticionado pelos autores”.

Todas as demais decisões judiciais relativas ao mesmo requerente Fernando ... ... dos ... ... no âmbito doutros processos ou ao seu cônjuge, Ana Rita ... ... ..., são, para este efeito, inteiramente irrelevantes e não vinculam o tribunal nos presentes autos.

Na decisão de fls. 154 do processo principal, em 6.2.2015, considerou-se “legítima” a existência de um segundo pedido de apoio judiciário, atribuindo-se (precipitadamente, a nosso ver)([1]) um efeito ao silêncio da administração.

Já na decisão recorrida entendeu-se que não podia reapreciar-se uma questão já julgada com trânsito em julgado no Apenso-A, respeitante à condição económica do requerente.

Diga-se que com relação à decisão de fls. 154 do processo principal (ponto 19 supra) o tribunal limitou-se a extrair, nas condições indicadas, uma consequência sobre a inexistência ou desconhecimento da decisão da Segurança Social, sem, em rigor, proferir uma decisão de mérito sobre a pretensão. Em todo o caso, tal decisão terá sido, bem ou mal, afetada pela decisão ulterior da administração que veio efetivamente a ser tomada e cuja impugnação judicial o Tribunal a quo agora rejeitou. 

Por conseguinte, não poderá falar-se em ofensa do caso julgado com relação a tal decisão de fls. 154 do processo principal.

Cumpre, então, apreciar da verificação do caso julgado com relação à decisão proferida no Apenso-A, atendendo ao regime específico do apoio judiciário.

Estabelece o nº 1 do art. 619 do C.P.C. de 2013 (que corresponde ao nº 1 do art. 671 do C.P.C. de 1961, com mera atualização de remissões) que: “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.”

Por sua vez, o art. 621 do mesmo Código (que reproduz, sem alterações, o anterior art. 673) estatui que: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”

A sentença produz, assim, caso julgado formal dentro do processo, nos termos do art. 620 do C.P.C., e se decidir sobre a relação material controvertida “produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (...), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade do caso julgado)”([2]).

O art. 580 do C.P.C. de 2013 (que reproduz, sem alterações, o anterior art. 497) estabelece que a exceção do caso julgado (tal como a litispendência) pressupõe a repetição de uma causa, visando evitar que o tribunal seja colocado na situação de reproduzir ou contradizer uma situação anterior. Ao mesmo tempo, prevê o art. 581 do C.P.C. (que reproduz, sem alterações, o anterior art. 498) que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.

No que respeita à eficácia do caso julgado, de acordo com este art. 581 e o 91 do C.P.C. (este último reproduz, sem alterações, o anterior art. 96), a mesma apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença, ou seja “a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu concretizada no pedido ou na reconvenção e limitada através da respectiva causa de pedir. A força do caso julgado não se estende, por conseguinte, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final (art. 659, 1 e 2). Apesar de o juiz dever resolver na sentença todas as questões que as partes tenham suscitado (art. 660, 2), só constituirá caso julgado a resposta final dada à pretensão concretizada no pedido e coada através da causa de pedir”([3])([4]).

De todo o modo, o princípio de que o caso julgado só se forma sobre a decisão contida na sentença não é absoluto, não excluindo que se possa e deva recorrer à parte da fundamentação da sentença para interpretar a decisão, reconstruindo e fixando o seu verdadeiro conteúdo([5]). É, desse modo, decisiva a interpretação da sentença, a determinação exata do seu conteúdo, no confronto do pedido e da causa de pedir, sendo as mesmas as partes do ponto de vista da sua qualidade jurídica.

Como acabamos de ver, só a sentença cuja decisão verse sobre a relação material controvertida é suscetível de assumir a eficácia de caso julgado material. Isto é, as decisões que recaiam apenas sobre a relação processual fazem caso julgado formal dentro do processo (art. 620 do C.P.C.), pelo que não pode reapreciar-se a questão na mesma causa. Já para ter o efeito de caso julgado fora do processo, ainda que com certos limites, a decisão, uma vez transitada, tem de incidir sobre o mérito da causa, sobre a relação material controvertida (art. 619 do C.P.C.).

No particular caso em análise, o requerente instaurou junto da Segurança Social dois pedidos sucessivos de benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, para instauração de uma mesma ação que corresponde ao processo principal com o nº 6989/13.2TBALM.
O primeiro pedido, de 7.1.2014, foi decidido no Apenso-A, confirmando-se, em recurso de impugnação, a decisão da Segurança Social de que o requerente não podia beneficiar do apoio judiciário em virtude de não ter apresentado um determinado documento sem o qual não poderia aferir-se da alegada insuficiência económica.

Já nestes autos, respeitantes ao segundo pedido de 16.7.2014, a administração apreciou a documentação entretanto oferecida pelo requerente no novo pedido formulado e concluiu, no essencial, que o requerente não comprovou a situação de insuficiência económica “uma vez que beneficia da atividade em curso de uma sociedade comercial com proveitos fiscalmente declarados”.

Em rigor, estamos perante processos administrativos distintos, com dois recursos de impugnação, se bem que dirigidos à instauração duma mesma ação judicial.

Neste quadro, o que interessa saber é se a decisão proferida no Apenso-A tem o efeito de caso julgado material, isto é, fora daquele concreto processo e de molde a obstar à decisão do presente recurso de impugnação.

Cremos que, na circunstância, não haverá perigo de decisões contraditórias, tendo em conta que nos presentes autos se avalia, afinal, um quadro factual distinto relativo à demonstração da insuficiência económica do requerente e nessa medida.

No apenso-A não chegou a apreciar-se verdadeiramente a efetiva insuficiência económica do requerente, extraindo-se apenas, tal como a Segurança Social, um efeito da falta de junção de um certo documento. Já neste processo foram em concreto avaliados pela administração os meios de prova oferecidos e deles se retirou a conclusão de que, designadamente, o requerente não comprovou a situação de insuficiência económica “uma vez que beneficia da atividade em curso de uma sociedade comercial com proveitos fiscalmente declarados”.

Nesta perspetiva, em face da especial natureza do processo relativo à concessão do apoio judiciário, julgamos que a decisão da impugnação judicial no Apenso-A não obstará à apreciação da presente impugnação judicial com base na ofensa do caso julgado.
De resto, admite-se que a pretensão formulada só valerá para futuro, como bem observa o apelante.

Sucede, porém, que tal observação nos remete para um patamar diferente, que tem que ver com as condições em que pode formular-se o pedido de apoio judiciário com vista à propositura de uma ação (cfr. art. 18, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29.7, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28.8).

Na verdade, o atual regime de concessão do apoio judiciário modificou a regra antes vigente, designadamente no domínio da Lei nº 30-E/2000, de 20.12, de que o pedido de apoio judiciário podia ser formulado em qualquer estado da causa. Como nos explica Salvador da Costa([6]), referindo-se à anterior legislação sobre a matéria: “A lei optou, então, por um regime de concessão de apoio judiciário assaz magnânimo, atribuível em qualquer estado da causa, independentemente de a insuficiência económica do requerente ser ou não superveniente, sem perda do benefício para efeito de recurso, não obstante a improcedência da acção por razões de mérito da causa.”

Dispõe, ainda, o nº 3 do art. 18 da Lei nº 34/2004 que: “Se se verificar insuficiência económica superveniente, suspende-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva do pedido de apoio judiciário, aplicando-se o disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 24.º”.

A lei vigente, afastando a solução anterior, passou a estabelecer limites e prazos para a formulação do pedido de apoio judiciário, pelo que a pretensão deve agora ser formulada pelo interessado antes da sua primeira intervenção no processo, seja qual for a respetiva posição na causa (autor, réu, ou outra), podendo, excecionalmente, ser formulada em momento posterior por superveniência da insuficiência económica.

Neste caso, a pretensão deve ser formulada (produzindo-se a pertinente prova([7])) antes da primeira intervenção processual após o conhecimento da situação correspondente e o benefício só opera quanto aos atos ou termos posteriores à formulação do pedido.

Em suma, o benefício do apoio judiciário só pode ser concedido na pendência da causa a título excecional por superveniência da insuficiência económica e, ainda assim, tem de ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento dessa particular situação (parte final do indicado nº 2 do art. 18). Daqui, forçosamente, decorre que um tal benefício, como também já dissemos, só pode operar quanto aos atos praticados ou termos posteriores à formulação do respetivo pedido e apenas pode refletir-se na intervenção processual que venha a ocorrer depois de solicitado tal benefício([8]).

Ora, o requerente Fernando ... ... dos ... ... solicitou junto da Segurança Social, em 16.7.2014, a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, indicando como finalidade desse pedido a propositura de ação judicial e, quanto à oportunidade do mesmo, que era “apresentado antes da primeira intervenção processual do requerente”, mais esclarecendo que pretendia instaurar ação declarativa de condenação contra Via Directa-Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A. (ver ponto 5 supra).

Todavia, como linearmente decorre da análise dos autos, já então se mostrava instaurada a ação principal, em 16.12.2013, como se assinala na decisão recorrida sem reparo do apelante. De resto, já assim sucedia até quando, em 7.1.2014, o requerente formulou o primeiro pedido de apoio judiciário (ver ponto 2 supra).

Nessa medida, é evidente que, ainda que (indevidamente) concedido pela administração, não poderia nunca o benefício estender-se a um ato que já antes fora efetivamente praticado e que impusera, por isso mesmo e desde logo, a obrigação do pagamento da taxa de justiça correspondente.

Ainda assim, o que aqui releva é que o apoio solicitado correspondia a um invocado pressuposto que, na verdade, não se verificava, pois, contra o que foi mencionado no requerimento respetivo, a ação já se encontrava interposta pelo requerente e outra como autores, não tendo sido alegada a superveniência da insuficiência económica.

Trata-se de uma realidade porventura desconhecida da Segurança Social mas que o tribunal junto do qual é impugnada a decisão administrativa não pode ignorar.

Quer isto significar que jamais poderia conceder-se ao requerente o benefício solicitado nestas condições, por clara violação do disposto no art. 18 da Lei nº 34/2004.

Resulta, desta forma, evidente que não pode ser apreciada a impugnação judicial do indeferimento em apreço, ainda que por motivo diverso do indicado na decisão recorrida.

B)Da violação do art. 20 da Constituição da República Portuguesa:

Defende, por último, o apelante que a decisão proferida lhe retira o acesso aos tribunais para tutela dos seus direitos, em violação do art. 20 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.).
Não se vislumbra, salvo o devido respeito, a afronta do referido art. 20 da C.R.P. ou de qualquer outro princípio constitucional.
De acordo com o art. 20 da C.R.P., que regula o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva: “1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”

O apelante, advogado, não pode desconhecer as condições para requerer o benefício do apoio judiciário, estando, nessa medida, especialmente habilitado para a defesa dos seus interesses.
É evidente que, não tendo observado as estipulações legais, não poderá ver atingida a sua pretensão. Ou seja, não tendo formulado o seu pedido de concessão de apoio judiciário nos termos previstos no art. 18 da referida da Lei nº 34/2004, não pode ver deferido o mesmo.

Se a LAJ prevê um procedimento próprio para obtenção do benefício do apoio judiciário, não pode entender-se que a inobservância de tal procedimento afete injustamente o acesso ao direito e aos tribunais.

O referido art. 18 contém, aliás, uma previsão clara e é de aplicação simples, não afetando o regime por si estabelecido, por qualquer modo, a defesa dos interesses dos respetivos interessados.

Daí que não se detete violação do mencionado princípio constitucional ou de qualquer outro constante daquela Lei Fundamental, nos moldes defendidos pelo apelante.
Por conseguinte, e sem necessidade de mais considerações, deve manter-se o despacho recorrido, ainda que por motivo diverso do aí indicado.
***

IV-Decisão:

Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
***


                                                                                                               Lisboa, 22.11.2016

                                                                                                                                                                                                                              Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho                             
Luís Filipe Pires de Sousa

 
[1]Prevê, na verdade, o art. 25, nºs 1 e 2, da Lei nº 34/2004, de 29.7, que o prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica é de 30 dias, e que decorrido esse prazo sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido correspondente. Mais refere o nº 3 do mesmo dispositivo que, ocorrendo esta última situação, é suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito. Todavia, os nºs 4 e 5 seguintes dispõem que o tribunal (ou, sendo o caso, a Ordem dos Advogados) deve confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do ato tácito.
[2]Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 714, discorrendo, embora, no âmbito do C.P.C. de 1961 mas com plena atualidade.
[3]Antunes Varela, “Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 714.
[4]Que o caso julgado se forma sobre as decisões e não sobre os seus fundamentos decidiram, entre outros, o Ac. STJ de 24.6.1993, BMJ 428/495, o Ac. STJ de 6.2.1996, BMJ 454/599 e o Ac. RE de 31.10.1996, CJ, 1996, T. 4, pág. 285.
[5]Cfr. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pág. 317, e J. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 175.
[6]“O Apoio Judiciário”, 7ª ed., 2008, pág. 135.
[7]Para que esta situação de excepção funcione é necessário que o requerente do apoio judiciário alegue e apresente um mínimo de prova sobre a referida superveniência da insuficiência económica, que pode derivar da ocorrência de um encargo excepcional, por exemplo o derivado da necessidade de realização de uma perícia dispendiosa.” (cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pág. 136).
[8]-Cfr., a este propósito, Salvador da Costa, ob. cit., pág. 136.