Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5996/2008-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: BOA-FÉ
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
PERÍODO EXPERIMENTAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: A entidade patronal que, propondo ao trabalhador a celebração de um contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de um ano, com ele o negoceia e o leva a aceitar e a assinar a respectiva minuta e depois não apõe nele a sua própria assinatura – sabendo da essencialidade da mesma para que aquele contrato se torne válido e eficaz entre as partes contratantes – e não entrega ao trabalhador o exemplar do contrato a que este tem direito, para além de actuar com nítida violação das regras da boa fé na formação do contrato, excede manifestamente os limites impostos por essa boa fé ao exercer o direito de denúncia do contrato volvidos 55 dias sobre o início da respectiva execução, invocando, para o efeito, o período experimental de 90 dias relativo ao contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado, gorando, desse modo, a expectativa legitimamente adquirida pelo trabalhador quanto à segurança do seu emprego durante o período de um ano contratado, volvidos que se mostravam já os 30 dias iniciais de execução desse contrato.
(sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

            I – RELATÓRIO
            A… instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a Ré “B… LDª”, alegando, em síntese e com interesse que foi admitido ao serviço da Ré, no dia 1 de Junho de 2006, para trabalhar sob as suas ordens e instruções, mediante um contrato de trabalho a termo com a duração de um ano, para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de “Gestor de Produto”.
Entre ambas as partes foi acordada a remuneração base de € 1.220,00, acrescida de comissões entre € 900,00 e €1.200,00, dependendo dos objectivos alcançados (tendo sido acordado que, durante os três primeiros meses o valor das comissões seria de 50%), de € 350,00 x 14, a título de ajudas de custo e de € 120,00, a título de subsídio de almoço.
Por carta datada de 25 de Julho de 2006 e entregue em mão ao Autor nesse mesmo dia, a Ré comunicou-lhe a decisão de fazer cessar o referido contrato de trabalho, ao abrigo do disposto no art. 105º, n.º 1 do Cod. Trabalho.
Na data em que o Autor assinou o referido contrato de trabalho a termo, a Ré ficou na posse dos dois exemplares desse contrato e, apesar das várias solicitações do Autor, a Ré não lhe entregou o exemplar do contrato que a si se destinava.
A não entrega ao Autor do exemplar do aludido contrato, não se ficou a dever, porém, a qualquer atitude de mera negligência da Ré, mas antes a uma estratégia gizada e planeada em momento anterior à celebração do próprio contrato. Com efeito, ao não entregar ao Autor um exemplar do contrato de trabalho, a Ré sempre poderia denunciar o contrato no seu termo ou, como sucedeu no caso em apreço, omitir a celebração do contrato a termo e tentar beneficiar do alargamento do período experimental de 30 para 90 dias, com os efeitos jurídicos daí decorrentes.
Esta estratégia teria surtido o efeito desejado, se o contrato de trabalho não tivesse sido redigido pelo Departamento de Recursos Humanos da Ré, com o conhecimento dos funcionários daquele Departamento. Porém, o contrato de trabalho a termo certo do Autor foi redigido pela funcionária S…, a qual recebeu instruções do gerente da Ré, Sr. N…, para elaborar o contrato como contrato de trabalho a termo com a duração de um ano, tendo sido este gerente da Ré quem entregou ao Autor a comunicação rescisória.
Todavia, esta comunicação aconteceu já fora do período experimental e sem a precedência de processo disciplinar, o que configura um despedimento ilícito.
A Ré não pagou ao Autor o vencimento do mês de Julho de 2006.
O Autor encontrava-se empregado na altura em que foi convidado pela gerência da Ré para celebrar o contrato de trabalho a termo certo e as expectativas que lhe foram criadas, face ás condições remuneratórias negociadas e ao contexto organizacional onde foi inserido, foram altas.
Foi afastado, de um dia para o outro, sem qualquer motivo ou fundamentação legal, ficando, de repente, sem trabalho e sem dinheiro para sobreviver.
Como é público e notório, existe actualmente uma escassez na oferta de emprego, o que dificulta não só a obtenção de novo emprego como uma maior dificuldade na obtenção de emprego na área de actividade do Autor.
Por causa do seu afastamento selvagem, ficou profundamente abalado, perturbado e angustiado, atingindo nos últimos meses (Julho a Setembro) um estado psíquico de enorme desespero, profunda insegurança e quase destruição da sua auto-estima, para além da perda da imagem que usufruía perante a sua mulher e os seus colegas de trabalho, pondo a Ré em risco o seu bom-nome, honra, consideração e dignidade pessoal e profissional, determinantes de danos não patrimoniais ressarcíveis, atribuindo-lhes o Autor o valor simbólico de € 5.000,00.
Concluiu pedindo que a acção seja julgada procedente e que, consequentemente:
a) Seja declarada a invalidade do despedimento do Autor, pois ocorreu fora do período experimental e sem a precedência de processo disciplinar;
b) Seja o Autor reintegrado na Ré, no lugar, posto, função e hierarquia que detinha antes do despedimento;
c) Seja a Ré condenada a pagar a importância correspondente ao valor das retribuições que o autor deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal;
d) Seja a Ré condenada no pagamento de € 1.670,00 ao Autor, correspondente ao vencimento do mês de Julho de 2006;
e) Seja a Ré condenada no pagamento de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais;
f) Seja a Ré condenada no pagamento da quantia pecuniária de € 100,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da decisão judicial (cfr. Art. 829º-A do Código Civil).

Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes, contestou a Ré, alegando, em resumo e com interesse, que a comunicação de denúncia do contrato de trabalho que o Autor recebeu, foi efectuada em 25/07/2006, durante o período experimental de 90 dias a que aquele estava sujeito, não se tendo tratado, por isso, de qualquer despedimento unilateral e sem justa causa.
A denúncia do contrato foi, assim, lícita e legal.
A remuneração base do Autor era de € 1.215,00/mês, as comissões eram de € 450,00/mês durante os três primeiros meses e no pressuposto de realizar vendas de acordo com os objectivos estabelecidos e o subsídio de refeição era de € 70,00/mês.
É descabida e exagerada a pretendida indemnização de € 5.000,00, assim como a sanção pecuniária compulsória, a qual se apresenta destituída de fundamento.
Concluiu que deve ser considerada válida a denúncia do contrato de trabalho por tempo indeterminado ocorrida durante o período experimental, devendo a acção ser julgada improcedente e, por via dela, a Ré absolvida dos pedidos formulados pelo Autor.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar, bem como a fixação da matéria de facto provada e a organização de base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento da causa, no final da qual o Autor optou pela indemnização em substituição da reintegração.
Seguidamente foi proferida decisão sobre matéria de facto, nos termos que constam de fls. 104 a 107.
Não foi apresentada qualquer reclamação.
Seguidamente, foi proferida sentença nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) condeno a R. a pagar ao A a quantia de € 1.665,00 a título de retribuição do mês de Julho de 2006, acrescida de juros de mora desde a data do trânsito em julgado desta sentença até integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano;
b) condeno a R. a pagar ao A a quantia de € 16.650,00 a título de retribuições vencidas desde Agosto de 2006 a Maio de 2007, mas com a dedução dos valores auferidos pelo A. nesse período de tempo a título de subsídio de desemprego e de retribuição noutro empregador que não a R., acrescida de juros de mora a contar da data da citação até integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano;
c) condeno a R. a pagar ao A a quantia de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contar da data da citação até integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano.

Inconformada com esta sentença, dela veio, agora, a Ré interpor recurso para este Tribunal da Relação, delimitando o respectivo objecto (artºs. 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C.P.C., aqui aplicáveis por força do art. 87º n.º 1 do C.P.T) mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
(…)
Contra-alegou o Autor, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO

Face às conclusões delimitadoras do objecto do recurso interposto, suscitam-se, à apreciação deste Tribunal, as seguintes:
Questões:
§ Nulidade da sentença recorrida;
§ Reapreciação da prova;
§ Validade da celebração do contrato e da denúncia do mesmo por parte da ora Apelante e consequente erro de julgamento, considerando a matéria de facto provada e a decisão recorrida.

O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. O A. foi admitido ao serviço da R. para trabalhar sob as suas ordens e instruções no dia 1 de Junho de 2006, a fim de desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Gestor de Produto.
2. Tinha como local de trabalho a sede da empresa, sita no ….
3. Foi acordada uma remuneração correspondente a:
a) vencimento base - € 1.215,00;
b) comissões – de valor dependente dos objectivos alcançados (tendo sido acordado que durante os três primeiros meses o valor das comissões seria de 50%, ou seja, € 450,00);
c)    subsídio de almoço – fixado em € 70,00 em Junho e em € 90,00 em Julho.
4. A R. comunicou por carta datada de 25 de Julho de 2006, entregue em mão nesse mesmo dia ao A., a decisão de fazer cessar naquela data o contrato de trabalho celebrado entre ambos, invocando o disposto no Art. 105º n.º 1 do CT.
5. A R. propôs ao A. a celebração de um contrato de trabalho a termo certo com a duração de um ano, o que o A. aceitou.
6. A minuta do contrato de trabalho a termo certo do A. foi redigida pela funcionária S…, técnica de Recursos Humanos, à qual competia naquela altura a elaboração dos contratos de trabalho dos trabalhadores admitidos na R.
7. Esta funcionária recebeu instruções da R. para elaborar a minuta do contrato de trabalho do A. como contrato de trabalho a termo com a duração de um ano.
8. De acordo com as negociações mantidas entre A. e R., aquele assinou a dita minuta de contrato de trabalho a termo com a duração de um ano.
9. A R. ficou na posse dos dois exemplares da minuta do contrato de trabalho a termo com a duração de um ano, não entregando ao A. o seu exemplar da referida minuta.
10. A R. não chegou a assinar a mencionada minuta por ter decidido entretanto contratar o A. sem termo[1].
11. Foi o Sr. N…, gerente da R., que entregou ao A. a comunicação rescisória assinada pelo Director Financeiro, Dr. L….
12. A R. não instaurou qualquer processo disciplinar ao A.
13. O A. encontrava-se empregado na altura em que foi contratado pela R.
14. O A. aceitou o emprego na R. por considerar que aí tinha perspectivas de carreira.
15. Por causa do seu afastamento da R., o A. ficou profundamente abalado, perturbado e angustiado, e perdeu a sua auto-estima, sobretudo nos meses de Julho/Agosto/Setembro, embora esta situação se tenha mantido até arranjar novo emprego.
16. Devido ao facto de ter contraído matrimónio e de ter sido pai recentemente, o A. tinha que fazer face às despesas e encargos do dia a dia.
17. A funcionária S… dos Recursos Humanos não era a única pessoa na R. que minutava ou preparava os contratos escritos, ou decidia sequer os contornos da contratação[2].
18. Por vezes havia alterações negociadas entre a gerência e os trabalhadores que lhe não eram comunicadas[3].
19. O Departamento de Recursos Humanos trabalhava minutas mas a decisão em tudo é sempre do gerente da R. ou dos seus funcionários em cumprimento das suas directivas[4].
20. Em 25.07.2006 a R. preparou o recibo de vencimento de Julho de 2006 e de final de contrato, no valor de € 1.937,56, e emitiu o respectivo cheque de pagamento no mesmo valor.
21. O A. recusou-se a receber a indicada verba que se encontra ao seu dispor desde aquela data.
22. Foi entregue ao A. a declaração de situação de desemprego, datada de 27.07.2006, que o mesmo utilizou para reclamar junto do fundo de desemprego o subsídio respectivo.
23. Consta da mesma declaração que o contrato é sem termo, que o período experimental é de 90 dias, que a cessação ocorreu durante o período experimental e que o motivo da cessação do contrato foi a cessação dentro do período experimental.
24. O A. recebeu subsídio de desemprego desde finais de Julho de 2006 até 8 de Maio de 2007.
25. Nesta data celebrou um contrato de trabalho a termo, pelo prazo de um ano, com a empresa C…, auferindo a quantia global de € 20.000,00, a dividir por 14 meses, a título de retribuição base, acrescida de € 333,33 por mês a título de comissões.

Posto isto e como referimos supra, uma das questões suscitadas pela Apelante, tem a ver com a pretensão de que este Tribunal da Relação proceda à reapreciação da prova produzida em 1ª instância, pois, em seu entender, nenhuma foi feita no sentido de demonstrar a conduta ilícita da Ré no período de formação do contrato, ou mesmo posteriormente, e, não obstante isso, a Srª Juiz deu como provada essa culpa in contrahendo.
Sucede porém que, pese embora disponhamos nos autos de todos os elementos de prova que foram levados em consideração na decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre matéria de facto, o que é certo é que a Ré não cumpriu, minimamente, com o estabelecido no art. 690º-A, n.º 1 do Cod. Proc. Civil. Com efeito, nem indicou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida.
Deste modo e ao abrigo daquela disposição legal rejeita-se uma tal pretensão da Apelante.
Ainda assim, diremos que, em face da matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal a quo e que enunciámos supra, verificamos que, da que consta do ponto 10., temos de eliminar a expressão “por ter decidido entretanto contratar o A. sem termo”, por se tratar de matéria conclusiva.
Por outro lado, decidimos eliminar a matéria que consta do ponto 17., uma vez que é absolutamente irrelevante para a decisão da causa sob qualquer das perspectivas da solução jurídica que a mesma possa ter, e eliminamos ainda a matéria dos pontos 18. e 19., uma vez que, para além de conterem matéria conclusiva, se apresenta, também ela, irrelevante para a decisão da causa.
No mais, mantém-se aqui a matéria de facto considerada como assente pelo Tribunal a quo.
(…)
Cabe agora apreciar a terceira das suscitadas questões de recurso. Alega a Apelante, em síntese, que, perante a matéria de facto provada, tendo a Mmª Juiz do Tribunal a quo concluído ter sido validamente celebrado entre as partes um contrato de trabalho sem termo, e assistindo a Ré a faculdade de denúncia desse contrato dentro do período experimental de 90 dias legalmente estabelecido, sem necessidade de prévio processo disciplinar e sem direito a qualquer indemnização por parte do Autor, há erro de julgamento ao decidir-se que existe uma obrigação de indemnização por parte da Ré. Por outro lado, mesmo que existisse uma culpa in contrahendo, esta apenas geraria obrigação de indemnizar pelo interesse contratual negativo, isto é, colocando o lesado na situação em que estaria se não tivesse celebrado o contrato e não pelo interesse contratual positivo, tal como se decidiu.
Vejamos!
Não há dúvida que, tendo-se demonstrado que o Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 1 de Junho de 2006, para trabalhar sob as suas ordens e instruções no desempenho das funções inerentes à categoria profissional de “gestor de produto”, mediante o percebimento de uma determinada remuneração, estamos perante um contrato de trabalho, nos termos em que este surge definido no art. 10º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08.
Por outro lado, resultando do disposto no n.º 1 al. c) e no n.º 2 do art. 103º do mesmo diploma que o contrato de trabalho a termo está sujeito à forma escrita e que, nos contratos em que é exigida esta forma, para além da identificação das partes deve constar a respectiva assinatura, também não poderemos deixar de concluir, como se fez na sentença recorrida, que, uma vez que se demonstrou que a Ré não assinou a minuta de contrato de trabalho a termo que negociara com o Autor, aquele contrato de trabalho não pode ser qualificado como contrato de trabalho a termo, mas como contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado, cuja celebração nem sequer depende da observância de forma especial, como resulta da conjugação disposto nos arts. 102º e 103º do mencionado Código.
É certo que, como resulta do disposto no respectivo art. 107º al. a), nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental – que nos termos do art. 104 n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma, corresponde ao tempo inicial de execução do contrato e em que as partes devem agir de modo a permitir que se possa apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho – tem a duração de 90 dias para a generalidade dos trabalhadores.
Por outro lado, também é certo que durante o período experimental qualquer das partes pode denunciar o contrato estabelecido, sem aviso prévio – salvo se o período experimental tiver durado mais de 60 dias – nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização, a menos que haja acordo escrito em contrário. É o que resulta do disposto no art. 105º ainda do mesmo Código.
Todavia, como claramente se infere da sentença recorrida, a “indemnização” aí conferida pela Mmª Juiz ao Autor/Apelado – traduzida no valor das retribuições que o mesmo teria direito a receber desde a data em que a Ré fez cessar a relação laboral até ao fim do prazo convencionado (um ano) caso o contrato de trabalho a termo tivesse sido regularmente concluído – não tem o seu fundamento na ilegalidade da denúncia do contrato exercida pela Apelante, até porque nem se verificou essa circunstância, mas antes, pelo facto de a Ré haver, consciente e deliberadamente, defraudado a confiança depositada pelo Autor na celebração do contrato a termo que havia sido negociado entre ambos, já que, depois de ter praticado uma série de actos tendentes à outorga de um contrato a termo, subverteu o que havia sido negociado e alterou, unilateralmente, os termos do negócio.
Ora, resulta, efectivamente, da matéria de facto provada que a Ré propôs ao Autor a celebração de um contrato de trabalho a termo certo, com a duração de um ano, contrato que o Autor aceitou, tendo aquela dado instruções à técnica de Recursos Humanos a quem, na altura, competia a elaboração dos contratos de trabalho dos trabalhadores admitidos na Ré, para elaborar a minuta do contrato de trabalho do Autor, como contrato de trabalho a termo certo com a duração de um ano.
Provou-se também que, de acordo com as negociações mantidas entre o Autor e a Ré, aquele assinou a referida minuta de contrato de trabalho a termo com a duração de um ano e que esta ficou na posse dos dois exemplares da minuta do contrato, não entregando ao Autor o exemplar que lhe competia.
 Provou-se, por outro lado, que o Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 1 de Junho de 2006 e que, por carta datada de 25 de Julho de 2006, entregue em mão, nesse mesmo dia, ao Autor, pelo gerente da Ré, Sr. Nabais, esta comunicou àquele a decisão de fazer cessar naquela data – volvidos, portanto, 55 dias sobre o seu início – o contrato de trabalho celebrado entre ambos, invocando, nessa carta o disposto no art. 105º n.º 1 do Código do Trabalho (denúncia do contrato durante o período experimental).
Finalmente, demonstrou-se que a Ré não chegou a assinar a mencionada minuta do contrato de trabalho a termo com a duração de um ano.
Como bem se refere na sentença sob recurso, estabelece o art. 93º do Código do Trabalho que «Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato de trabalho deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos culposamente causados».
Já o Código Civil estabelecia idêntica norma no seu art. 227º n.º 1.
Estamos perante aquilo que, juridicamente, se chama culpa na formação do contrato ou culpa in contrahendo.
Ora, como resulta da mencionada matéria de facto provada, é claro que a aqui Ré/Apelante, pelo menos a partir de determinada momento da formação do contrato de trabalho a termo certo, com a duração de um ano, que propôs ao aqui Autor/Apelado e que, depois de negociação entre ambos, este aceitou – contrato que, como já tivemos oportunidade de verificar, para ter uma existência legal, válida e eficaz, tem de ser celebrado por escrito e assinado por ambas as partes contratantes –, deixou de agir de boa fé. Com efeito, depois de lhe haver proposto a celebração de um tal tipo de contrato de trabalho, depois de haver negociado com ele os respectivos termos, depois de determinar à funcionária dos recursos humanos da empresa a elaboração da correspondente minuta e de a apresentar ao Autor para este a assinar, o que efectivamente se verificou, optou a Ré, unilateralmente, por não assinar a referida minuta e por não entregar um exemplar da mesma ao Autor/Apelado, devidamente assinado.
Não podendo, qualquer das partes, desconhecer que no contrato de trabalho a termo certo, pelo período de um ano, proposto pela Ré ao Autor, negociado entre ambos e aceite por este, o período experimental tinha uma duração de 30 dias [art. 108º al. a) do CT], o que leva a concluir que, depois do Autor haver aposto a sua assinatura na respectiva minuta, adquiriu, legitimamente, uma expectativa de segurança de emprego durante o período contratado e volvido que fosse este período experimental, o que é certo é que a Ré, não podendo desconhecer que era essencial a aposição da assinatura do seu legal representante na minuta do referido contrato, não o fez, não entregou ao Autor um exemplar dessa minuta devidamente assinada e, volvidos 55 dias sobre o início da prestação de trabalho pelo Autor e sem que até então, mormente durante os primeiros 30 dias, lhe tivesse dado a conhecer qualquer intenção em termos de modificação dos termos contratuais – nenhum facto resultou demonstrado nesse sentido, não obstante caber à Ré esse ónus –, decidiu denunciar esse contrato, invocando, para o efeito, o período experimental de 90 dias relativo aos contratos de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado, gorando, desse modo, aquela expectativa, legitimamente adquirida pelo Autor, quanto à segurança do seu emprego ao serviço da Ré durante um ano, volvidos que se mostravam já os 30 dias iniciais de execução do contrato.
Deste modo, para além de se verificar uma nítida violação das regras de boa fé na formação do mencionado contrato a termo certo por parte da Ré/Apelante – ao não assinar, como se lhe impunha que o fizesse, o contrato a termo certo que propusera ao Autor, com ele negociara e o levara a assinar sabendo da essencialidade dessa assinatura para que o contrato se tornasse válido e eficaz entre ambas as partes – constatamos que a mesma, com toda aquela sua conduta excedeu, manifestamente, os limites impostos pela boa fé, ao exercer o direito de denúncia do contrato de trabalho em tais circunstâncias.
Estamos, pois, perante uma situação que configura o exercício ilegítimo, por abusivo, do direito de denúncia de contrato nas circunstâncias em que tal se verificou entre as partes em litígio na presente acção e que relatámos (cfr. art. 334º do Cod. Civil), abuso de direito que é de conhecimento oficioso.
Acresce, por outro lado, que a admitir-se a possibilidade de denúncia do contrato de trabalho estabelecido entre as partes em tais circunstâncias, frustrar-se-ia, por completo, o efeito sancionatório da conversão ope legis do contrato, por inobservância de uma das respectivas formalidades (art. 131º n.º 4 do CT), como bem observa Júlio Manuel Vieira Gomes em “Direito do Trabalho”, Vol. I – Relações Individuais de Trabalho – pagª 496, ao afirmar que: “Por outro lado, afigura-se-nos que a conversão ope legis de um contrato a termo em contrato sem termo, por exemplo por inobservância de forma escrita, não deve acarretar – sob pena de o efeito útil da conversão ser comprometido em termos práticos – a aplicação dos prazos mais longos, do período experimental do contrato por tempo indeterminado. Parece-nos, pois, muito infeliz a diferente solução encontrada pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 201/2002 publicado no DR, 2ª série, n.º 131, de 7 de Junho de 2002, pags. 10 742 e segs. Tal solução frustra o efeito sancionatório da conversão, permitindo ao empregador, pela posição de força que em regra lhe assiste na formação do contrato de trabalho, não cumprir as exigências de forma do contrato a termo certo e vir, mais tarde, a invocar o período experimental mais longo do contrato sem termo. Com o que, ironicamente, escapará até ao pagamento da compensação pela caducidade do contrato a termo! Curioso prémio atribuído pela solução encontrada pelo Tribunal Constitucional ao autor de um facto ilícito...”.
Posto isto e tendo-se concluído anteriormente, pela verificação “in casu” de uma frontal quebra das regras da boa fé por parte da Ré, na formação do contrato de trabalho a termo certo por ela proposto, negociado entre as partes contratantes e devidamente aceite pelo Autor, o qual cumpriu as formalidades que lhe eram exigíveis, sendo certo que aquela podia e devia ter agido de outro modo, não há dúvida que a mesma se tornou responsável pelos danos culposamente causados a este de acordo com o disposto no mencionado art. 93º do CT, danos que, como bem se refere na sentença recorrida, compreendem o valor das retribuições que aquele teria direito a receber desde a data em que a Ré fez cessar a relação laboral até ao fim do prazo convencionado de um ano, caso o contrato de trabalho a termo tivesse sido regularmente cumprido, ou seja, até 31 de Maio de 2007, com desconto dos subsídios de desemprego e das retribuições auferidas pelo Autor no mesmo período, não sobressaindo de tal sentença qualquer erro de julgamento.
Ao contrário do que conclui a Ré/Apelante, esta decisão, a nosso ver correcta, da Mmª Juiz do Tribunal a quo, mais não traduz do que a concretização do interesse contratual negativo de reparação de danos causados, em termos gerais, pela Ré/Apelante ao Autor/Apelado decorrente da constatada culpa da sua parte na formação do contrato de trabalho que a este propôs, com ele negociou e o levou a aceitar (o interesse contratual positivo, traduzir-se-ia, a nosso ver, na obrigação de conclusão desse contrato de trabalho, bem como no seu efectivo cumprimento entre as partes contratantes).
Improcedem, pois, as conclusões extraídas pela Apelante no recurso interposto, não merecendo censura a sentença recorrida, que, deste modo aqui se mantém.

III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 2008/10/08

         José Feteira
         Filomena Carvalho
         Ramalho Pinto

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[1] Parcialmente eliminado como se decidiu infra.
[2] Eliminado pelas razões referidas na página seguinte.
[3] Idem.
[4] Idem.